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domingo, 24 de maio de 2020

O dogma e a fé



O Dogma e a Fé
Editorial
Reformador (FEB) Abril 1918

            O dogma é a negação de Deus, a fé no dogma é a negação da essência mesma do espírito - a inteligência.

            “Nada há oculto que não deva ser desvendado, nada há secreto que não deva ser conhecido”, disse Jesus, a suma sabedoria relativamente ao nosso planeta.

            Nessa fórmula, tão concisa nessa sua estrutura, quanto profunda no conceito que encerra, não se nos patenteia, em toda a sua grandiosidade, a lei absoluta do progresso indefinido, abrangendo, de modo claro e preciso, o pensamento e o sentimento, o intelecto e o coração?

            Nessa fórmula, tão concisa na sua estrutura, quanto profunda no conceito que encera, não se nos patenteia, em toda a sua grandiosidade, a lei absoluta do progresso indefinido, abrangendo, de modo claro e preciso, o pensamento e o sentimento, o intelecto e o coração?

            Que é, afinal o dogma em religião? Um postulado inacessível à inteligência, mas, que, por isso mesmo, se tem que aceitar sem discussão, nem análise.

            Ora, não é evidente que a existência de semelhantes postulados colide abertamente com a sentença do Cristo por nós acima exarada? Certo que sim.
           
            Como pode ter o Cristo declarado, sem incorrer numa afirmação inexatada, “nada haver de secreto que não deva ser conhecido”, uma vez que, com a presciência decorrente da sua altíssima perfeição, não lhe era lícito ignorar que de futuro surgiriam os dogmas criando barreiras intransponíveis à inteligência?  

            Se nada de oculto que não deva ser conhecido, claro é que por nenhum lado a inteligência encontrará muralhas que não escale um dia, óbices que não vença, barreiras que não transponha. Se assim não fora, a que ficaria reduzido o progresso intelectual, cuja realidade aquela fórmula proclama, sem lhe pôr limitações, o que nos força a admitir que ele será indefinido para cada ser?

            Não é exato que as ideias humanas apenas variem, como ainda há pouco alguém o disse. Elas variam progredindo. A variação que lhes notamos não se produz desordenadamente em todos os sentidos. Semelhante desordem é meramente aparente. Origina-se da incapacidade, que ainda nos é peculiar por efeito do nosso grande atraso intelectual e sobretudo moral, para apreendermos as insensíveis gradações por que elas vão passando no seu lento mas constante evoluir, no seu progressivo alteamento.

            Existisse tal desordem e impossível seria aceitar-se como perfeitos os atributos divinos, como absoluta a sabedoria do Criador.

            A variação das ideias humanas exprimindo exatamente a atividade da inteligência na via do progresso, só se nos afigura desordenada quando a observamos através, da lente defeituossíma do dogma, seja este científico ou religioso.

            A variedade extrema das formas, dos aspectos, das modalidades, debaixo da unidade absoluta da lei que a tudo preside encadeando a origem à finalidade, tal a característica da obra universal da criação, correspondendo à característica suprema do Criador e a de ser uno e único.

            Pretender que dentro desse variar constante de formas, colimando um único objetivo - o aperfeiçoamento continuo e ilimitado de tudo e de todos, alguma coisa possa conservar-se por todo e sempre inalterável - o dogma, é pretender que a lei divina comporte a exceção.

            Nessa mesma inalterabilidade do dogma está a sua condenação. Dogma inalterável é estacionamento e o estacionamento absolutamente não existe e não pode existir em ponto algum do universo, da obra de Deus, que foi sempre, é e sempre será a atividade criadora. Ele a todos os instantes criou, cria e criará por toda a eternidade. Se nos fosse lícito supô-lo inativo durante uma fração, ainda que infinitesimal do tempo, teríamos que admitir uma limitação do seu poder. Ora, quem diz limitado diz finito e Deus é em tudo por tudo infinito.

            O estacionamento não existe, dissemos. E de fato: mesmo onde nos parece que o vemos, a atividade se demonstra, porquanto o estacionamento é morte e morte é apenas transformação evolutiva.

            Por isso mesmo é que o dogma representa para o credo que o institui - a morte. Esse credo morre pelo dogma mas, morrendo, se transforma evolui.

            O Absurdo do seu dogmatismo feriu de morte a fé que ele pregava. Mas, como morrer é transformar-se, é evoluir, já a vemos renascer, emergir no sepulcro do dogma, onde deixou, para sempre enterrado o – credo quia absurdum, empunhando nova bandeira em que se lê: “- Creio porque sei, porque conheço, porque entendo”.

            E assim, obedecendo à lei da atividade universal à lei do progresso constante e perene, dos destroços da esboroada igreja dos homens, vai surgindo e elevando-se a verdadeira igreja, a igreja do Cristo, dentro da qual este único preceito, inteligível, compreensível, insofismável, fará o que não fizeram nem farão todos os dogmas de que a religião e a ciência se têm socorrido precisamente por não quererem obedecer-lhe: “Amar a Deus acima de tudo e amar, como a vós mesmos, o vosso próximo, seja este amigo ou inimigo, sectário das vossas crenças ou adversário delas”.

            Tentar a revivescência ou seguir a conservação do dogma vale por querer derrogar a lei divina, opor obstáculos à execução dos desígnios daquele que não criou o ser para ficar estacionário, nem mesmo na beatitude, mas para evoluir, elevar-se, aperfeiçoar-se eterna e ilimitadamente.

            E, semelhante tentativa equivale a pretender barrar o curso da torrente que, manando de insondáveis origens, se precipita para o imenso oceano, realizando a sua obra de fecundação e purificação.  

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