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terça-feira, 5 de maio de 2020

A crucificação - Prodígios



A Crucificação/ Prodígios

27,32 E, quando  O iam levando, tomaram um certo Simão, de Cirene, que vinha do campo, e puseram-lhe a cruz às costas, para que a levasse após Jesus. 
27,33 Chegaram ao lugar chamado “Gólgota”, isto é, lugar do crânio. 
27,34 Deram-Lhe de beber vinho misturado com fel. Ele provou mas, se recusou a beber. 27,35 Depois de o haverem crucificado, dividiram Suas vestes entre si, tirando a sorte. Cumpriu-se, assim, a profecia do profeta: “Repartiram entre si minhas vestes e sobre meu manto lançaram a sorte (Salmo 21,19) 
27,36 Sentaram e montaram guarda 
27,37 Por cima se Sua cabeça penduraram um escrito trazendo o motivo de sua crucificação: - Este é Jesus, o Rei dos Judeus. 
27,38 Ao mesmo tempo foram crucificados com Ele dois ladrões, um à Sua direita e outro à Sua esquerda. 
27,39 Os que passavam O injuriavam, sacudiam a cabeça e diziam... 
27,40 Tu, que destruís o Templo e o reconstruís em três dias, salva-Te a Ti mesmo! Se és Filho de Deus, desce da cruz! 
27,41 Os sacerdotes, os escribas e os anciãos também zombavam Dele. 
27,42 Ele salvou a muitos e a Si mesmo não pode salvar-se! Se é Rei de Israel, desça agora da cruz e nós creremos Nele! 
27,43 Confiou em Deus, Deus O livre agora, se O ama, porque Ele disse: “ -Eu sou Filho de Deus!”

Para Mt (27,42), - Salvou a muitos e a Si mesmo não pode salvar-se...- encontramos em “Fonte Viva” (Ed. FEB), por Emmanuel:

            “Sim, ele redimira a muitos...

            Estendera o amor e a verdade, a paz e a luz, levantara enfermos e ressuscitara mortos.

            Entretanto, para Ele mesmo erguia-se a cruz, entre ladrões. Em verdade, para quem se exaltara tanto, para quem atingira o pináculo, sugerindo indiretamente a própria condição de Redentor e Rei, a queda era enorme...

            Era o Príncipe da Paz e achava-se vencido pela guerra dos interesses inferiores. Era o Salvador e não se salvara. Era o justo e padecia a suprema injustiça.

             Jazia o Senhor flagelado e vencido. Para o consenso humano era a extrema perda.

            Caíra, todavia, na cruz. Sangrando, mas de pé. Supliciado, mas de braços abertos. Relegado ao sofrimento, mas suspenso da Terra. Rodeado de ódio e sarcasmo, mas de coração içado ao Amor.

            Tombara, vilipendiado e esquecido, mas, no outro dia, transformava a própria dor em glória divina. Pendera-lhe a fronte, empastada de sangue, no madeiro, e ressurgia, à luz do sol, ao hálito de um jardim.

            Convertia-se a derrota escura em vitória resplandescente. Cobria-se o lenho afrontoso de claridades celestiais para a Terra inteira.

            Assim também ocorre no círculo de nossas vidas. Não tropeces no fácil triunfo ou na auréola barata dos crucificadores. Toda vez que as circunstâncias te compelirem a modificar o roteiro da própria vida, prefere o sacrifício de ti mesmo, transformando a tua dor em auxílio para muitos, porque todos aqueles que recebem a cruz, em favos dos semelhantes, descobrem o trilho da eterna ressurreição.”

A Crucificação / Prodígios

27,44  E os ladrões crucificados com Ele, também O maltrataram. 
27,45  Desde a hora sexta até a nona, cobriu-se a terra de trevas. 
27,46  Próximo da hora nona, Jesus exclamou em voz forte:“ Eli, Eli, Lamma Sabactâni!” o que quer dizer “ -Meu Deus,  Meu Deus, por que me abandonaste?”
27,47 A estas palavras, alguns dos que lá estavam,   diziam:  -Ele chama por Elias...
27,48 Imediatamente, um deles tirou uma esponja, embebedou-a em vinagre e apresentou-Lha na ponta de uma vara para que   bebesse.   
27,49 Os outros diziam:
-Deixa, Deixa, vejamos se Elias virá socorrê-Lo. 
27,50  Jesus de novo soltou um grande brado e entregou Sua alma. 
27,51 E, eis que o véu do templo se rasgou em duas partes, de alto a baixo, a terra tremeu, fenderam-se as rochas. 
27,52  Os sepulcros se abriram e os corpos dos mortos justos ressuscitaram, 
27,53  Saindo de suas sepulturas, entraram na cidade santa, depois da ressurreição de Jesus, e apareceram à muitas pessoas. 
27,54  O centurião e seus homens, que montavam guarda a Jesus, diante do estremecimento da terra e de tudo o que se passava, disseram entre si,, possuídos de grande temor:
-Verdadeiramente, este Homem era Filho de Deus!
27,55  Havia ali algumas mulheres que, de longe olhavam, e que tinham seguido     Jesus desde a Galileia, para o servir.    
27,56  Entre Elas se achavam Maria Madalena e Maria, mãe de Tiago e de José e Salomé, esposa de Zebedeu;                                          
        
         Para  Mt (27,45 et 51-53),  lemos  em “A Gênese”, de A. Kardec, no seu Cap. XV,  a orientação sobre essa passagem do evangelho:

            “É singular que tais prodígios, operando-se no momento mesmo em que a atenção da cidade se fixava no suplício de Jesus, que era o acontecimento do dia, não tenham sido notados, pois que nenhum historiador os menciona. Parece impossível que um tremor de terra e o ficar toda a Terra envolta em trevas durante três horas, num país onde o céu é sempre de perfeita limpidez, hajam podido passar despercebidos.

            A duração de tal obscuridade teria sido quase a de um eclipse do Sol, mas os eclipses dessa espécie só se produzem na lua nova, e a morte de Jesus ocorreu em fase de lua cheia, a 14 de Nissan, dia da Páscoa dos judeus.

            O obscurecimento do Sol também pode ser produzido pelas manchas que se lhe notam na superfície. Em tal caso, o brilho da luz se enfraquece sensivelmente, porém, nunca ao ponto de determinar obscuridade e trevas. Admitido que um fenômeno desse gênero se houvesse dado, ele decorreria de uma causa perfeitamente natural.

            Quanto aos mortos que ressuscitaram, possivelmente algumas pessoas tiveram visões ou viram aparições, o que não é excepcional. Entretanto, como então não se conhecia a causa desse fenômeno, supuseram que as figuras vistas saíam dos sepulcros.

            Compungidos com a morte de seu Mestre, os  discípulos de Jesus sem dúvida ligaram a essa morte alguns fatos particulares, as quais noutra ocasião nenhuma atenção houveram prestado. Bastou, talvez, que um fragmento de rochedo se haja destacado naquele momento, para que pessoas inclinadas ao maravilhoso tenham visto nesse fato um prodígio e, ampliando-o, tenham dito que as pedras se fenderam.

            Jesus é grande pelas suas obras e não pelos quadros fantásticos de que um entusiasmo pouco ponderado entendeu de cercá-lo.”

         Humberto de Campos, em “Boa Nova” (Ed. FEB), obra mediúnica de Chico Xavier, nos concede esse inesquecível...

Maria
            Junto da cruz, o vulto agoniado de Maria produzia dolorosa e indelével impressão. Com o pensamento ansioso e torturado, olhos fixos no madeiro das perfídias humanas, a ternura materna regredia ao passado em amarguradas recordações. Ali estava, na hora extrema, o filho bem-amado.
            Maria deixava-se ir na corrente infinda das lembranças. Eram as circunstâncias maravilhosas em que o nascimento de Jesus lhe fora anunciado, a amizade de Isabel, as profecias do velho Simeão, reconhecendo que a assistência de Deus se tornara incontestável nos menores detalhes de sua vida. Naquele instante supremo, revia a manjedoura, na sua beleza agreste, sentindo que a Natureza parecia desejar redizer aos seus ouvidos o cântico de glória daquela noite inolvidável. Através do véu espesso das lágrimas, repassou, uma por uma, as cenas da infância do filho estremecido, observando o alarma interior das mais doces reminiscências. 

            Nas menores coisas, reconhecia a intervenção da Providência celestial; entretanto, naquela hora, seu pensamento vagava também pelo vasto mar das mais aflitivas interrogações.

            Que fizera Jesus por merecer tão amargas penas? Não o vira crescer de sentimentos imaculados, sob o calor de seu coração? Desde os mais tenros anos, quando o conduzia à fonte tradicional de Nazaré, observava o carinho fraterno que dispensava a todas as criaturas. Frequentemente, ia buscá-lo nas ruas empedradas, onde sua palavra carinhosa consolava os transeuntes desamparados e tristes. Viandantes misérrimos vinham a sua casa modesta louvar o filhinho idolatrado, que sabia distribuir as bênçãos do Céu. Com que enlevo recebia os hóspedes inesperados que suas mãos minúsculas conduziam à carpintaria de José!... Lembrava-se bem de que, um dia, a divina criança guiara a casa dois malfeitores publicamente reconhecidos como ladrões do vale de Mizhep. E era de ver-se a amorosa solicitude com que seu vulto pequenino cuidava dos desconhecidos, como se fossem seus irmãos. Muitas vezes, comentara a excelência daquela virtude santificada, receando pelo futuro de seu adorável filhinho.

            Depois do caricioso ambiente doméstico, era a missão celestial, dilatando-se em colheita de frutos maravilhosos. Eram paralíticos que retomavam os movimentos da vida, cegos que se reintegravam nos sagrados dons da vista, criaturas famintas de luz e de amor que se saciavam na sua lição de infinita bondade.

            Que profundos desígnios haviam conduzido seu filho adorado à cruz do suplício?

            Uma voz amiga lhe falava ao espírito, dizendo das determinações insondáveis e justas de Deus, que precisam ser aceitas para a redenção divina das criaturas. Seu coração rebentava em tempestades de lágrimas irreprimíveis; contudo, no santuário da consciência, repetia a sua afirmativa de sincera humildade; -Faça-se na escrava a vontade do Senhor!

            De alma angustiada, notou que Jesus atingira o último limite dos padecimentos inenarráveis. Alguns dos populares mais exaltados multiplicavam as pancadas, enquanto as lanças riscavam o ar, em ameaças audaciosas e sinistras. Ironias mordazes eram proferidas a  esmo, dilacerando-lhe a alma sensível e afetuosa.

            Em meio de algumas mulheres compadecidas, que lhe acompanhavam o angustioso transe, Maria reparou que alguém lhe pousara as mãos, de leve, sobre os ombros.

            Deparou-se-lhe a figura de João que, vencendo a pusilanimidade criminosa em que haviam mergulhado os demais companheiros, lhe estendia os braços amorosos e reconhecidos. 

Silenciosamente, o filho de Zebedeu abraçou-se àquele triturado coração maternal. Maria deixou-se enlaçar pelo discípulo querido e ambos, ao pé do madeiro, em gesto súplice, buscaram ansiosamente a luz daqueles olhos misericordiosos, no cúmulo dos tormentos. Foi aí que a fronte do divino supliciado se moveu vagarosamente, revelando perceber a ansiedade daquelas duas almas em extremo desalento.

            “Meu Filho! Meu amado Filho!...” -exclamou a mártir, em aflição diante da serenidade daquele olhar de melancolia intraduzível.

            O Cristo pareceu meditar no auge de suas dores, mas, como se quisesse demonstrar, no instante derradeiro, a grandeza de sua coragem e a sua perfeita comunhão com Deus, replicou com significativo movimento dos olhos vigilantes:

             “ -Mãe, eis aí teu filho!...” -E dirigindo-se, de modo especial, com um leve aceno, ao apóstolo, disse: - “ -Filho, eis aí tua mãe!

            Maria envolveu-se no véu de seu pranto doloroso, mas o grande evangelista compreendeu que o Mestre, na sua derradeira lição, ensinava que o amor universal era o sublime coroamento de sua obra. Entendeu que, no futuro, a claridade do Reino de Deus revelaria aos homens a necessidade da cessação de todo egoísmo e que, no santuário de cada coração, deveria existir a mais abundante cota de amor, não só para a círculo familiar, senão também para todos os necessitados do mundo, e que no templo de cada habitação permaneceria a fraternidade real, para que a assistência recíproca se praticasse na Terra, sem serem precisos os edifícios exteriores, consagrados a uma solidariedade claudicante.

            Por muito tempo, conservaram-se ainda ali, em preces silenciosas, até que o Mestre, exânime, fosse arrancado à cruz, antes que a tempestade mergulhasse a paisagem castigada de Jerusalém num dilúvio de sombras.

            Após a separação dos discípulos, que se dispersaram por lugares diferentes, para a difusão da Boa Nova, Maria retirou-se para a Bataneia, onde seus parentes mais próximos a esperavam com especial carinho.

            Os anos começaram a rolar, silenciosos e tristes, apara a angustiada saudade de seu coração.
            Tocada por grande dissabores, observou que, em tempo rápido, as lembranças do filho amado se convertiam em elementos de ásperas discussões, entre os seus seguidores. Na Bataneia, pretendia-se manter uma certa aristocracia espiritual, por efeito dos laços consanguíneos que ali a prendiam, em virtude dos elos que a ligavam a José. Em Jerusalém, digladiavam-se os cristãos e os judeus, com veemência e acrimônia. Na Galileia, os antigos cenáculos simples e amoráveis da Natureza estavam tristes e desertos.

            Para aquela mãe amorosa, cuja alma digna observava que o vinho generoso de Caná se transformara em vinagre do martírio, o tempo assinalava sempre uma saudade maior no mundo e uma esperança cada vez mais elevada no céu.

            Sua vida era uma devoção incessante ao rosário imenso da saudade, às lembranças mais queridas. Tudo que o passado feliz edificara em seu mundo interior revivia na tela de sua lembranças, com minúcias somente conhecidas do amor, e lhe alimentavam a seiva da vida.   

            Relembrava-se o seu Jesus pequenino, como naquela noite de beleza prodigiosa, em que o recebera nos braços maternais, iluminado pelo doce mistério. Figurava-se-lhe escutar o balido das ovelhas que vinham, apressadas, acercar-se do berço que se formara de improviso. E aquele primeiro beijo, feito de carinho e de luz ? As reminiscências envolviam a realidade longínqua de singulares belezas para o seu coração sensível e generoso. Em seguida, era o rio das recordações desaguando, sem cessar, na sua lama rica de sentimentalidade e ternura. Nazaré lhe voltava à imaginação, com as suas paisagens de felicidade e de luz. A casa singela, a fonte amiga, a sinceridade das afeições, o lago majestoso e, no meio de todos os detalhes, o filho adorado, trabalhando e amando, no erguimento da mais elevada concepção de Deus, entre os homens da Terra. De vez em quando, parecia vê-lo em seus sonhos repletos de sua presença e participava da carícia de suas recordações.

            A esse tempo, o filho de Zebedeu, tendo presentes as observações que o Mestre lhe fizera da cruz, surgiu na Bataneia, oferecendo àquele espírito saudoso de mãe o refúgio amoroso de sua proteção. Maria aceitou o oferecimento, com satisfação imensa.

            E João lhe contou a sua nova vida. Instalara-se definitivamente em Éfeso, onde as idéias cristãs ganhavam terreno entre almas devotadas e sinceras. Nunca olvidara as recomendações do Senhor e, no íntimo, guardava aquele título de filiação como das mais altas expressões de amor universal para com aquela que recebera o Mestre nos braços veneráveis e carinhosos.

            Maria escutava-lhe as confidências, num misto de conhecimento e de ventura.

            João continuava a expor-lhe os seus planos mais insignificantes. Levá-la-ia consigo, andariam ambos na mesma associação de interesses espirituais. Seria seu filho desvelado, enquanto receberia de sua alma generosa a ternura maternal, nos trabalhos do Evangelho. Demorara-se a vir, explicava o filho de Zebedeu, porque lhe faltava uma choupana, onde se pudessem abrigar; entretanto, um dos membros da família real de Adiabene, convertido ao amor do Cristo, lhe doara uma casinha pobre, ao sul de Éfeso, distando três léguas aproximadamente da cidade. A habitação simples e pobre demorava num promontório, de onde se avistava o mar. No alto de pequena colina, distante dos homens e no altar imponente da Natureza, se reuniriam ambos para cultivar a lembrança permanente de Jesus. Estabeleceriam um pouso e refúgio aos desamparados, ensinariam as verdades do Evangelho a todos os espíritos de boa-vontade e, como mãe e filho, iniciariam uma nova era de amor, na comunidade universal.

            Maria aceitou alegremente.

            Dentro de breve tempo, instalaram-se no seio amigo da Natureza, em frente ao oceano. Éfeso ficava pouco distante; porém, todas as adjacências se povoavam de novos núcleos de habitações alegres e modestas. A casa de João, ao cabo de algumas semanas, se transformou num ponto de assembleias adoráveis, onde as recordações do Messias eram cultivadas por espíritos humildes e sinceros.

            Maria externava suas lembranças. Falava dele com maternal enternecimento, enquanto o apóstolo comentava as verdades evangélicas, apreciando os ensinos recebidos. Vezes inúmeras, a reunião somente terminava noite alta, quando as estrelas tinham maior brilho. E não foi só. Decorridos alguns meses, grandes fileiras de necessitados acorriam ao sítio singelo e generoso. A notícia de que Maria descansava, agora, entre eles, espalhara um clarão de esperança por todos os sofredores. Ao passo que João pregava na cidade as verdades de Deus, ela atendia, no pobre santuário doméstico, aos que a procuravam exibindo-lhe suas úlceras e necessidades.  Sua choupana era, então, conhecida pelo nome de “Casa da Santíssima”.

            O fato tivera origem em certa ocasião, quando um miserável leproso, depois de aliviado em suas chagas, lhe osculou as mãos, reconhecidamente murmurando:

            - “Senhora, sois a Mãe de nosso Mestre e nossa Mãe Santíssima!”

         A tradição criou raízes em todos os espíritos. Quem não lhe devia o favor de uma palavra maternal no momentos mais duros? E João consolidava o conceito, acentuando que o mundo lhe seria eternamente grato, pois fora pela sua grandeza espiritual que o Emissário de Deus pudera penetrar a atmosfera escura e pestilenta do mundo para balsamizar os sofrimentos da criatura. Na sua humildade sincera, Maria se esquivava às homenagens afetuosas dos discípulos de Jesus, mas aquela confiança filial com que lhe reclamavam a presença era para sua alma um brando e delicioso tesouro do coração. O título de maternidade fazia vibrar em seu espírito os cânticos mais doces. Diariamente, acorriam os desamparados, suplicando a sua assistência espiritual. Eram velhos trôpegos e desenganados do mundo, que lhe vinham ouvir as palavras confortadoras e afetuosas, enfermos que invocavam a sua proteção, mães infortunadas que pediam a bênção de seu carinho.

            “ -Minha mãe -dizia um dos mais aflitos- como vencer as minhas dificuldades? Sinto-me abandonado na estrada escura da vida...”

            Maria lhe enviava o olhar amoroso da sua bondade, deixando nele transparecer toda a dedicação enternecida de seu espírito maternal.

            “ -Isto também passa!  -dizia ela, carinhosamente  - só o Reino de Deus é bastante forte para nunca passar de nossas almas, como eterna realização do amor celestial.”

            Seus conceitos abrandaram a dor dos mais desesperados, desanuviavam o pensamento dos mais acabrunhados.

            A igreja de Éfeso exigia de João a mais alta expressão de sacrifício pessoal, pelo que, com o decorrer do tempo, quase sempre Maria estava só, quando a legião humilde de necessitados descia o promontório desataviado, rumo aos lares mais confortados e felizes.  Os dias e as semanas, os meses e os anos passaram incessantes, trazendo-lhe as lembranças mais tenras. Quando sereno e azulado, o mar lhe fazia voltar à memória o Tiberíades distante. Surpreendia no ar aqueles perfumes vagos que enchiam a alma da tarde, quando seu filho, de quem nem um instante se esquecia, reunindo os discípulos amados, transmitia ao coração do povo as louçanias da Boa Nova. A velhice não lhe acarretava nem cansaços nem amarguras. A certeza da proteção divina lhe proporcionava ininterrupto consolo. Como quem transpõe o dia em labores honestos e proveitosos, seu coração experimentava grato repouso, iluminado pelo luar da esperança e pelas estrelas fulgurantes da crença imorredoura. Sua meditações eram suaves colóquios com as reminiscências do filho muito amado.

            Súbito recebeu notícias de que um período de dolorosas perseguições se havia aberto para todos os que fossem fieis à doutrina do seu Jesus divino. Alguns cristãos banidos de Roma traziam a Éfeso as tristes informações. Em obediência aos éditos mais injustos, escravizavam-se os seguidores de Cristo, destruíam-se-lhes os lares, metiam-nos nas prisões. Falava-se de festas públicas, em que seus corpos eram dados como alimento a fera insaciáveis, em horrendo espetáculos.

            Então, num crepúsculo estrelado, Maria entregou-se às orações, como de costume, pedindo a Deus por todos aqueles que se encontrassem em angústias do coração, por amor de seu filho.

            Embora a soledade do ambiente, não se sentia só: uma como força singular lhe banhava a alma toda. Aragens suaves sopravam do oceano, espalhando os aromas da noite que se povoava de astros amigos e afetuosos e, em poucos minutos, a luz plena participava, igualmente, desse concerto de harmonia e de luz.

            Enlevada nas suas meditações, Maria viu aproximar-se o vulto de um pedinte.

            -Minha Mãe - exclamou o recém-chegado, como tantos outros que recorriam ao seu carinho -, venho fazer-te companhia e receber a tua bênção.

            Maternalmente, ela o convidou a entrar, impressionada com aquela voz que lhe inspirava profunda simpatia. O peregrino lhe falou do céu, confortando-a delicadamente. Comentou as bem-aventuranças divinas que aguardam a todos os devotados e sinceros filhos de Deus, dando a entender que lhe compreendia as mais tenras saudades do coração. Maria sentiu-se empolgada por tocante surpresa. Que mendigo seria aquele que lhe acalmava as dores secretas da alma saudosa, com bálsamos tão dulçorosos? Nenhum lhe surgira até então para dar; era sempre para pedir alguma coisa. No entanto, aquele viandante desconhecido lhe derramava no íntimo as mais santas consolações!? Que emoções eram aquelas que lhe faziam pulsar o coração de tanta carícia ? Seus olhos se umedeceram de ventura, sem que conseguisse explicar a razão de sua terna emotividade.

            Foi quando o hóspede anônimo lhe estendeu as mãos generosas e lhe falou com profundo acento de amor:

            “ -Minha Mãe, vem aos meus braços!”

            Nesse instante, fitou as mãos nobres que se lhe ofereciam, num gesto da mais bela ternura. Tomada de comoção profunda, viu nelas duas chagas, como as que seu filho revelava na cruz e, instintivamente, dirigindo o olhar ansioso para os pés do peregrino amigo, divisou também aí as úlceras causadas pelos cravos do suplício. Não pode mais. Compreendendo a visita amorosa que Deus lhe enviava ao coração, bradou com infinita alegria:

            - “Meu Filho! Meu Filho! as úlceras que te fizeram!...”

            E precipitando-se para ele, como mãe carinhosa e desvelada, quis certificar-se, tocando a ferida que lhe fora produzida pelo último lançaço, perto do coração. Sua mãos ternas e solícitas o abraçaram na sombra visitada pelo luar, procurando sofregamente a úlcera que tantas lágrimas lhe provocara ao carinho maternal. A chaga lateral também lá estava, sob a carícia de suas mãos. Não conseguiu dominar o seu intenso júbilo. Num ímpeto de amor, fez um movimento para se ajoelhar. Queria abraçar-se aos pés do seu Jesus e osculá-los com ternura. Ele, porém, levantando-a, cercado de um halo de luz celestial, se lhe ajoelhou aos pés e, beijando-lhe as mãos, disse em carinhoso transporte:

            “Sim, minha mãe, sou Eu!... Venho buscar-te, pois meu Pai quer que sejas no meu reino a Rainha dos Anjos...”

            Maria cambaleou, tomada de inexprimível ventura. Queria dizer da sua felicidade, manifestar seu agradecimento a Deus; mas o corpo como que se lhe paralisara, enquanto aos seus ouvidos chegavam os ecos suaves da saudação do Anjo, qual se entoassem mil vozes cariciosas, por entre as harmonias do céu.

            No outro dia, dois portadores humildes desciam a Éfeso, de onde regressaram com João, para assistir aos últimos instantes daquela que lhes era a devotada Mãe Santíssima.

            Maria já não falava. Numa inolvidável expressão de serenidade, por longas horas ainda esperou a ruptura dos derradeiros laços que a prendiam à vida material.

            A alvorada desdobrava o seu formoso leque de luz quando aquela alma eleita se elevou da Terra, onde tantas vezes chorara de júbilo, de saudade e de esperança, Não mais via seu filho bem-amado, que certamente a esperaria, com as boas vindas, no seu reino de amor; mas, extensas multidões de entidades angélicas a cercavam cantando hinos de glorificação.

            Experimentando a sensação de se estar afastando do mundo, desejou rever a Galileia com os seus sítios preferidos. Bastou a manifestação de sua vontade para que a conduzissem à região do lago de Genesaré, de maravilhosa beleza. Reviu todos os quadros do apostolado de seu filho e, só agora, observando do alto a paisagem, notava que o Tiberíades, em seus contornos suaves, apresentava a forma quase perfeita de um alaúde. Lembrou-se, então, de que naquele instrumento da Natureza Jesus cantara o mais belo poema da vida e amor, em homenagem a Deus e à humanidade. Aquelas águas mansas, filhas do Jordão marulhoso e calmo, haviam sido as cordas sonoras do cântico evangélico.

            Dulcíssimas alegrias lhe invadiam o coração e já a caravana espiritual se dispunha a partir, quando Maria se lembrou dos discípulos perseguidos pela crueldade do mundo e desejou abraçar os que ficariam no vale das sombras, à espera das claridades definitivas do Reino de Deus. Emitindo esse pensamento, imprimiu novo impulso às multidões espirituais que a seguiam de perto. Em poucos instantes, seu olhar divisava uma cidade soberba e maravilhosa, espalhada  sobre colinas enfeitadas de carros e monumentos que lhe provocavam assombro. Os mármores mais ricos esplendiam nas magnificentes vias públicas, onde as liteiras patrícias passavam sem cessar, exibindo pedrarias e peles, sustentadas por misérrimos escravos. Mais alguns momentos e seu olhar descobria outra multidão guardada a ferros em escuros calabouços. Penetrou os sombrios cárceres do Esquilino, onde centenas de rostos amargurados retratavam padecimentos atrozes. Os condenados experimentaram no coração um consolo desconhecido.

            Maria se aproximou de um a um, participou de suas angústias e orou com as suas preces, cheias de sofrimento e confiança. Sentiu-se mãe daquela assembléia de torturados pela injustiça do mundo. Espalhou a claridade misericordiosa de seu espírito entre aquelas fisionomias pálidas e tristes. Eram anciães que confiavam no Cristo, mulheres que por ele haviam desprezado o conforto do lar, jovens que depunham no Evangelho do Reino toda a sua esperança. Maria aliviou-lhes o coração e, antes de partir, sinceramente desejou deixar-lhes nos espíritos abatidos uma lembrança perene. Que possuía para lhes dar? Deveria suplicar a Deus para eles a liberdade?!  Mas, Jesus ensinara que com Ele todo jugo é suave e todo fardo seria leve, parecendo-lhe melhor a escravidão com Deus do que a falsa liberdade nos desvãos do mundo. Recordou que seu filho deixara a força da oração como um poder incontrastável entre os discípulos amados. Então, rogou ao Céu que lhe desse a possibilidade de deixar entre os cristãos oprimidos a força da alegria. Foi quando, aproximando-se de uma jovem encarcerada, de rosto descarnado e macilento, lhe disse ao ouvido:

            “-Canta, minha filha! Tenhamos bom ânimo! ... Convertamos as nossas dores da Terra em alegrias para o Céu!...

            A triste prisioneira nunca saberia compreender o porquê da emotividade que lhe fez vibrar subitamente o coração. De olhos extáticos, contemplando o firmamento luminoso, através das grades poderosas, ignorando a razão de sua alegria, cantou um hino de profundo e enternecido amor a Jesus, em que traduzia sua gratidão pelas dores que lhe eram enviadas, transformando todas as suas amarguras em consoladoras rimas de júbilo e esperança. Daí a instantes, seu canto melodioso era acompanhado pelas centenas de vozes dos que choravam no cárcere, aguardando o glorioso testemunho.

            Logo, a caravana majestosa conduziu ao Reino do Mestre a bendita entre as mulheres e, desde esse dia, nos tormentos mais duros, os discípulos de Jesus têm cantado na Terra, exprimindo o seu bom ânimo e a sua alegria, guardando a suave herança de nossa Mãe Santíssima.

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            Por essa razão, irmãos meus, quando ouvirdes o cântico nos templos das diversas famílias religiosas do Cristianismo, não vos esqueçais de fazer no coração um brando silêncio, para que a Rosa Mística de Nazaré espalhe aí o seu perfume!

            Para (Mt 27,46) -Senhor, por que me desamparaste? - leiamos a Bittencourt Sampaio por Frederico Jr em “Jesus perante a Cristandade”:

            “Antes., porém, tendo o Divino Mestre prometido ao bom ladrão, assim chamado na frase do Evangelho, que consigo ele seria no paraíso, este, vendo baixar a fronte do Senhor, proferiu estas palavras que foram atribuídas a Jesus; Ely, Ely, lamma sabachtani! -Senhor, Senhor, por que me abandonaste!?

            Tal era a confusão, tão medonha a tragédia, tão negro o quadro, que, conturbados os espíritos, julgaram partirem dos divinos lábios do Amantíssimo Cordeiro essas palavras de aflição e desalento!

            Mas, assim não foi, nem poderia ser: Jesus, o Justo pré-eleito, cujo Espírito se eleva constantemente aos pés do seu glorioso Pai; Jesus, que afrontara todas as iras, todas as maldades dos homens, não podia, nesse momento supremo, participar desses desfalecimentos que só provam as almas pecadoras.

             Não, cristãos em Cristo, eu vos afirmo, como Espírito que sou, e pela verdade que recebo dos meus maiores, os Espíritos elevados que me assistem neste trabalho: a palavras de Jesus, nos seus últimos momentos, foram estas e unicamente estas:

             Tudo está consumado! A Vós, Senhor, entrego o Meu Espírito!

            Respeitado e tomado como verdadeiro o texto de Bittencourt Sampaio não podemos deixar de fazer constar nesta compilação uma nota, fruto da pesquisa do virtuoso Antônio Lima que, em “Vida de Jesus”, em nota de rodapé, informa que o Rev. J. Davis em sua obra ‘In League with Life‘ diz ser possível que Jesus houvesse exclamado; “Eli, Eli, Lama Azahhthani”, que significa: Senhor, Senhor, como me glorificas! cuja frase era pronunciada pelos iniciados quando passavam por uma grande prova. Essa frase também parece uma reminiscência de Davi, nos Salmos Cap. XXI, v.1: Deus meu, Deus meu, olha para mim; por que me desamparaste? Os clamores dos meus pecados são causa de estar longe de mim a salvação.’

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