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quinta-feira, 21 de maio de 2020

Ainda a Paz


Ainda a Paz
Redação 
Reformador (FEB) 1º Dezembro 1918

            De grandes responsabilidades para a família espírita é a época tumultuosa que vamos atravessando (final da 1ª Grande Guerra). Supor que a cessação de hostilidades no campo material da luta importa na tranquilidade dos espíritos para a posse imediata de uma relativa felicidade e desafogo de consciência, é concluir pelo avesso dos ensinamentos de nossa doutrina.

            Se a guerra ostensiva teve, como é licito depreender do mecanismo de evolução espiritual, a virtude de abalar homens, classes e princípios em seus fundamentos, preparando-os, quiçá, para entrever de melhor feição problemas imanentes e oportunos, certo é que, não extirpou, antes teria aguçado, o ancestral egoísmo de todos os tempos e situações, que põe na resolução e conquista de qualquer benefício individual ou coletivo o sinete da Dor como patrimônio inalienável desta Humanidade.

            Nem aqui se fazem aquisições suaves e profícuas em detrimento da lei de trabalho.

            A redenção que o Divino Mestre nos trouxe num gesto de amor, há vinte séculos, foi a da cegueira ingênita para a compreensão das coisas divinas, que implicam virtualmente os nossos destinos, não como “coisa” acidentalmente pensante e agente-meteoro fugaz luzindo por um segundo em firmamento indefinido para mergulhar em trevas mas como ser consciente, eterno e progressivamente livre para a conquista da verdade.

            Ora, repetimos glosando o nosso anterior escrito: os homens de governo, em que pesem qualidades altruísticas que lhes não infirmamos, derivadas de princípios filosóficos hipotéticos artificialmente adquiridos - ou latentes e estratificadas na elaboração do seu passado espiritual - os homens, insistimos, não se nos afiguram capazes, por si sós, de arrostarem com fatores predominantes quais o orgulho, a vaidade, a cobiça que, parcelados na alma de cada ser, tomam, no corpo das cogitações político-sociais e raciais o aspecto de ideias coletivas.

            Um simples e perfunctório exame dos assuntos que se agitam, das teses que se esboçam nas esferas dirigentes da política internacional, é de molde a justificar as nossas dúvidas sobre a paz da humanidade, no ponto de vista único que a pode felicitar.

            Efetivamente, de tudo se fala: de pautas alfandegárias, de acordos econômicos de zonas industriais, de liberdade dos mares, de fronteiras e domínios geográficos...

            Do que se não fala, do que se não cogita é da graduação de nível moral, de liberdade de consciência e isto, a nosso ver logicamente, porque a moral social, de que é corolário a moral administrativa e penhor a individual, essa implica a Fé no sentido de uma sanção superior, ou seja divina, e essa não a têm os legisladores e cabeças de povos contemporâneos.

            A vida humana pelo prisma das filosofias prediletas não passa de uma fatalidade irremovível, num lapso de tempo que é preciso preencher de qualquer forma e a despeito de tudo.

            A seleção natural é a consagração do mais forte e se a planta melhor aquinhoada por hereditariedade fixada ou por adaptação progressiva, sem objetivo inteligente asfixia a vizinha que a sombreia e lhe disputa os elementos nutritivos subjacentes, o indivíduo o pode e deve fazer no intuito de conservação da espécie.

            Calcule-se a que extremos podem conduzir teorias deste quilate, dedutiva ou indutivamente generalizadas!

            Mas, certo, já o leitor concluiu o nosso raciocínio, à revelia do panegírico negro de uma civilização que sempre se caracterizou na luta de indivíduos contra indivíduos, de famílias contra famílias, de classes contra classes e de povos contra povos, cada qual procurando o seu melhor e regalado lugar ao sol de um dia que breve passa.

            A religião, ou antes as religiões poderiam, como puderam até certo ponto, refrear os desmandos de um tal cego determinismo, se de há muito pela sua peculiar dogmática intransigente não houvessem inquinadas do mesmo vício original de ceticismo, perdido o ascendente de prestígio na consciência das massas pensantes, com o ministrar-lhes ideias vagas de um Deus humanizado em ficções que diríamos idiotas, se nos não tolhesse a gravidade do assunto e as próprias tradições de compostura, tanto quanto a noção exata do seu oportunismo histórico.

            Delas, portanto, nada há que esperar neste transe difícil, e assim, a humanidade em surdo cachões (ondas) de mar rugidor se estortega (torce) e despedaça em parcéis (bancos de areia) de ódio, espraiando-se em ilusões e utopias, para de novo contrair-se na louca arremetida brutal.

            E será sempre assim?

            Nós sabemos que não.

            Sabemos que há uma inteligência Suprema a regular todas as coisas de todos os mundos, de um Universo indefinido mas real.

            Sabemos mais que todas as ideias como todos os fatos se entrosam na escala do aperfeiçoamento e da felicidade geral, bem como que, em todas as vicissitudes planetárias há coeficientes de amor e justiça divinos.

            Entretanto, sabemos também que o homem, ser decaído originariamente de planos superiores, por orgulho, tem de reconquista-los tanto por graça no auxílio do alto, quanto pelo seu próprio esforço e daí, a significação da hora presente para tomarmos o nosso posto de observação e vigilância, aguardando com serenidade os acontecimentos e buscando tanto quanto em nós caiba facilitar aos mensageiros de Jesus a regeneração racional do planeta.

            Os filósofos, os sábios, os intelectuais terrenos a que agora por esnobismo genericamente se chama - a elite, arquitetam planos, facetam teorias e pensando fazer realismo prático, sonham o sonho milenar da posse deste mundo opaco que, menos que um átomo de poeira no turbilhão da vida universal, não lhes pertence nem pertencerá jamais, senão a título precário de apressados itinerantes.

            Realistas, no mínimo, tão visionários quanto nós outros, esquecem-se de que por esse mesmo sonho trouxeram a humanidade por gerações sucessivas a este “pandemonium” de dúvidas e desesperos, que fazem da sua história um tratado de teratologia (monstruosidade) moral, que o faria renegados e malditos a todos, se mais autores que atores fossem desse passado tão real como o presente e como o futuro, para o qual pretendem legislar.

            Deixemo-los, porém, assim entregues a sua tarefa, como quem a compreende e pode justificar, mas procuremos zelar o patrimônio de fé e que nos foi dado edificando corações para o amor d’Aquele, cujos arautos veem proclamando a aproximação do reino da Verdade.

            Se as preocupações de fórmulas e sistemas já agora arcaicos e carunchosos (velhos), demos a César o que é de Cesar sem violentar a consciência, mas procuremos sobretudo dar a Deus o que é de Deus.

            Se é verdade que os homens como as instituições, que as sociedades como os princípios, passam e só os espíritos ficam, voltemo-nos para os espíritos antes que para os homens, incutindo neles a realidade de outras leis que o tempo não inutiliza e só por força das quais, na compreensão de agora, a paz entre os homens será definitiva.

            Também de outra não cogitamos nem nos interessa imediatamente, como discípulos d' Aquele que disse - meu reino não é deste mundo.  





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