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quarta-feira, 25 de março de 2020

O mordomo infiel



O Mordomo infiel
Pedro de Camargo (Vinícius)
Reformador (FEB) 1º Fevereiro 1929

            “Havia um homem rico, que tinha um administrador; e este lhe foi denunciado como esbanjador de seus bens. Chamou-o e perguntou-lhe: Que é isto que ouço dizer de ti? Dá conta da tua mordomia: pois já não podes mais ser meu mordomo. Disse o administrador consigo: Que hei de fazer, já que meu amo me tira a administração? Não tenho força para cavar, de mendigar tenho vergonha. Sei o que hei de fazer para que, quando for despedido do meu emprego, me recebam em suas casas. Tendo chamado cada um dos devedores do seu amo, perguntou ao primeiro: Quanto deves ao meu amo? Respondeu ele: Cem cados (vasos antigos para guardar bebidas). Disse-lhe então: Toma a tua conta, senta-te depressa e escreve oitenta. Depois perguntou a outro: E tu quanto deves? Respondeu ele: Cem coros (=450 litros = 450 quilos = 1 tonel de azeite) de trigo. Disse-lhe: Toma a tua conta e escreve oitenta. E o, amo, louvou ao administrador iníquo, por haver procedido sabiamente; porque os filhos deste mundo são mais sábios para com a sua geração do que os filhos da luz. E eu vos digo: Granjeai amigos com as riquezas da iniquidade, para que, quando estas vos faltarem, vos recebam eles nos tabernáculos eternos. Quem é fiel no pouco, também é fiel no muito; e quem é injusto no pouco, também é injusto no muito. Se, pois, não fostes fieis nas riquezas injustas, quem vos confiará as verdadeiras? E, se não fostes fieis no alheio, quem vos dará o que é vosso? Nenhum servo pode servir a dois senhores; porque há de aborrecer a um e amar ao outro, ou há de unir-se a um e desprezar ao outro. Não podeis servir a Deus e a Mamon.”

            Personagens da parábola:

            O amo, ou proprietário: Deus.
            O mordomo infiel: o homem.
            Os devedores beneficiados: nosso próximo. 
            A propriedade agrícola: o mundo que habitamos.
            Moralidade: O homem é mordomo infiel, porque se apodera dos bens que lhe são confiados para administrar, como se tais bens constituíssem propriedade sua. Acumula esses bens, visando exclusivamente proveitos pessoais; restringe-lhes a expansão, assenhora-se da terra cuja capacidade produtiva delimita e compromete. Enfim, todo o seu modo de agir, sem relação à propriedade que lhe foi confiada para administrar, é no sentido de monopoliza-la, segrega-la em benefício próprio, menosprezando assim os legítimos direitos do proprietário.

            Diante de tal irregularidade, o senhorio se vê na contingência de demiti-lo. Essa exoneração do cargo se verifica com a morte. Todo o Espírito que deixa a Terra é um mordomo demitido. A parábola figura um, cuja prudência louva. É aquele que, sabendo das intenções do amo a seu respeito e reconhecendo que nada lhe era dado alegar em sua defesa, procura, com os bens alheios ainda em seu poder, prevenir o futuro. E como faz? Granjeia amigos com a riqueza da iniquidade, isto é, lança mão dos bens acumulados, que representam a riqueza do amo sob sua guarda, e com ela beneficia a várias pessoas, cuja amizade, de tal forma, consegue conquistar.

            E o amo (Deus) louva a ação do mordomo (homem) que assim procede, pois esses a quem ele aqui na Terra beneficiara serão aqueles que futuramente o receberão nos tabernáculos eternos (páramos celestiais, espaço, céu, etc.).

            O grande ensinamento desta importante parábola está no seguinte: Toda riqueza é iníqua. Não há nenhuma legitima, no terreno das temporalidades. Riquezas legítimas ou verdadeiras são unicamente as de ordem intelectual e moral: o saber e a virtude. Não assiste ao homem o direito de monopolizar a terra, nem de açambarcar os bens temporais que dela derivam. Seu direito não vai além do usufruto. Como, porém, todos os homens são egoístas e querem monopolizar os bens terrenos em proveito exclusivo, o Mestre aconselha, com muita justeza, que, ao menos, façam como o mordomo infiel: granjeiem amigos com esses bens dos quais ilegalmente se apossaram.

            A parábola vertente contém, em suma, uma transcendente lição de sociologia, encerrando um libelo contra a avareza e uma belíssima apologia da liberalidade e do altruísmo, virtudes cardiais do Cristianismo.


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