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domingo, 17 de fevereiro de 2019

A Razão e a Fé


 A Razão e a Fé
Dr. Alfredo Haauwinckel
Reformador (FEB) Fevereiro 1920

            Nunca na igreja de Deus houve tantas pregações, nem tantos pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia a palavra de Deus, como é tão pouco o fruto? Não há um homem que em um sermão entre em si e se resolva, não há um moço que se arrependa, não há um velho que se desengane, que é isto? Assim como Deus não é hoje menos Onipotente, assim a sua palavra não é hoje menos poderosa, do que dantes era.   Padre Antônio Vieira (Sermão da Sexagésima - Ano de 1655).

            Uma crença é um ato de fé de origem inconsciente que nos força a admitir em bloco, ou no todo, uma ideia, uma opinião, uma explicação, uma doutrina. A razão é estranha, nós o veremos, à sua formação. Dr. Gustave Le Bom (Les opinions et les croyances).

            Parece, a primeira vista, considerando-se o abismo em que se precipita a belíssima e humaníssima religião do Crucificado impelida, empurrada, tão violentamente empurrada, pelos seus egoísticos executores, que estes executores perderam a razão por estarem repletos de fé. Mas, apreciando-se convenientemente os fatos, há de chegar-se a consequência de que eles perderam a razão por terem perdido a fé; fé que, mesmo raciocinada, também se ampara, também se firma na palavra sagrada para muitos, desde muito, palavra perdida, no meio de tantas palavras sempre, e cada vez mais, acrescidas. Sim, razão não é, não pode ser incompatível com a fé, nem a ciência com e o progresso inimigos da religião.

***

            “Custa-se compreender, disse Chateaubriand, o desenfreamento desta geração contra o cristianismo.”

            Ainda hoje, um século depois, prega-se, de modo mais ostensivo, o mesmo
pensamento por mais incisivas palavras.
             
            Frequentei igrejas protestantes, lojas teosóficas e centros ou grupos espíritas; todos condenados, todos anatematizados e ainda desapiedadamente zurzidos (espancados) como deturpadores, conspurcadores dos ensinamentos do Cristo.

            Entretanto, o que todo o mundo pode verificar, o que todo mundo há de verificar, querendo, é exatamente o contrário, o diametralmente oposto.

            A Teosofia, ciência divina, sabedoria de Deus tendo por escopo a verdade e por fundamento a fraternidade universal; o Protestantismo seguindo à risca os ensinamentos da Bíblia, onde se encontra o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo isento de inovações; e o Espiritismo que, pregando e praticando o mesmo Evangelho em espírito e verdade, toma incremento assombroso, maravilhoso por todo o Universo; longe, muito longe de rebaixarem elevam, e de mais em mais, o Cristianismo, esse belo e incomparável Cristianismo!

            Sim: Cristianismo, porque Cristianismo não é Catolicismo.

            Há requintada má fé no impingir um enxerto mal pegado pela árvore que lhe
empresta vida.

            Há erro e erro crasso, e por vezes conscientes, no empregar, como sinônimo, palavras de significação diferentes e até opostas, como o de Chateaubriand em um dos seus memoráveis livros, precisamente naquele do qual extraí o trecho há pouco citado, quando, referindo-se ao Catolicismo, raramente usa este vocábulo, empregando centenas de vezes o outro - Cristianismo - que se encontra desde o título da dita obra.

            Ora, religião católica não é religião cristã.

            O teosofista, praticando a fraternidade universal, é cristão. O protestante, tendo a Bíblia por evangelho, é cristão. O espirita, sendo a personificação da caridade, é cristão.

            O suposto católico que não venera relíquias de santos, que não aceita em absoluto os dogmas da igreja, e que divisa no Evangelho o espírito que vivifica além da letra que mata, é cristão; é mesmo espírita sem o supor, porém, não é católico como o supõe ser.

            Sim: todos estes são cristãos porque são ovelhas do mesmo rebanho que só
reconhecem um Pastor: - Jesus, o Cristo.

            Aqueles, porém, que aceitam as inovações que, há mais de dezesseis séculos
vêm desfigurando, desvirtuando e subvertendo a doutrina do Divino Mestre
ensinada e praticada, na sua máxima simplicidade, nos três séculos anteriores; aqueles que julgando-se os melhores, os mais nobres e os únicos possuidores daquela chave de ouro que temperada no sangue de Jesus Cristo fechou o inferno e abriu o céu e patenteou à alma humana o seio benéfico de Deus..., chave de que nos fala Alves Mendes e da qual mais tarde tratarei; aqueles enfim que, por estes e outros privilégios, evitam o contacto com os que deviam considerar irmãos, esquecendo deliberadamente o – Amai ao próximo como a vós mesmo - de todas as religiões esses não são cristãos, são puramente, simplesmente, unicamente católicos ou católicos romanos.

            Católico romano!

            Híbrido paradoxo! Enigma misterioso que quase ninguém compreende e decifra.

            Se é católico, que significa universal, como é, como pode ser nominalmente,
nomeadamente, particularmente, individualmente de Roma? Se é católico e, portanto universal, como é que conta, com é que possui tão insignificante número de fiéis em relação as muitas centenas de milhões de adeptos de todos os outros credos?

            O Cristianismo, sim, poderá ser universal, tomando-se na devida conta as
palavras de S. Pedro de quem, na verdadeira, inabalável, resistente e pétrea fé, Cristo edificou a sua igreja.

            S. Pedro considerando na visão e no que lhe disse o Espírito (Atos dos Apóstolos X, 19) seguiu aos que vieram chama-lo em nome do centurião Cornélio, e ao encontra-lo em Cesareia cercado de seus parentes e mais íntimos amigos (Atos X: 24 e 27) disse-lhes – “Tenho na verdade alcançado que Deus não faz acepção de pessoas. Mas que em todas a nação aquele que o teme, e obra o que é justo, esse lhe é aceite.” (Atos X: 34 e 3ó). Isso é positivamente universal, mas, não é absolutamente católico de Roma!

            É universal porque tem sido invariavelmente ensinado, se bem que por outras palavras, por todos os grandes instrutores do mundo, desde Rama, Krishna, Moisés, Zoroastro, Cakyamouni, o Buda, até Jesus, o Cristo. E não é católico- aí vai o paradoxo- isto é: universal - precisamente por ser católico, isto é: universal e portanto grande demais para caber nos estreitos limites de círculo romano. 

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