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sexta-feira, 3 de agosto de 2018

No Princípio




No Princípio
Djalma de Matos
Reformador (FEB) Agosto 1954

Em artigo publicado Sexta-feira Santa do corrente ano, sob a epígrafe "O Cristo Redentor", nas colunas dum jornal profano, citando o versículo inicial do Evangelho de João, dissemos que a locução “no princípio”, ali empregada, refere-se à formação da Terra pelo influxo do verbo do Cristo, expressão genuína do verbo de Deus, e não ao Universo, constituído de incalculáveis multidões de galáxias que povoam o espaço infinito, - porque aquele jamais teve princípio, como não terá fim.
           
Assim afirmamos amparados pela razão e pela revelação espírita.

Da revelação espírita faz parte uma série de mensagens mediúnicas ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, pelo sábio Espírito Galileu, versando sobre uranografia geral, e que constituem o capitulo VI do livro “A Gênese” – Milagres e Previsões, de Allan Kardec, destacamos, de uma delas, os elucidativos ensinamentos seguintes:
           
"Existindo, pois, sua natureza desde toda a eternidade, Deus criou desde toda eternidade, e não poderia ser de outro modo visto que, por mais longínqua que seja a época que recuemos, pela imaginação, os supostos limites da criação, haverá sempre, além desse limite, uma eternidade - ponderai bem nesta ideia - a eternidade durante a qual as divinas hipóstases, as volições infinitas, teriam permanecido sepultadas em muda letargia inativa e infecunda, uma eternidade de morte aparente para o Pai eterno, que dá vida aos seres; de mutismo indiferente para o Verbo que os governa: de esterilidade fria e egoísta para o Espírito de amor e vivificação.

Transportando-nos alguns milhões de séculos somente, para trás da época atual, verificamos que a nossa Terra ainda não existe, que mesmo o nosso sistema solar ainda não começou as evoluções da vida planetária; que, entretanto, já esplêndidos sóis iluminam o éter, já planetas habitados dão vida a existência a uma multidão de seres, nossos predecessores na carreira humana, e que as produções opulentas de uma Natureza desconhecida e os maravilhosos fenômenos do céu desdobram, sob outros olhares, os quadros da imensa Criação. Que digo! Já deixaram de existir esplendores que, muito antes, fizeram palpitar o coração de outros mortais, sob o pensamento da potência infinita! E nós, pobres seres pequeninos, que viemos após uma eternidade de vida, nós nos cremos  contemporâneos da Criação!"

Esta revelação é plenamente confirmada pela Astronomia, que nos testa a existência atual e pretérita dos mundos inumeráveis, de sóis que já se extinguiram há milênios, mas cuja luz ainda brilha no firmamento.

A Gênese mosaica não mais pode ser invocada para elucidar transcendente questão da criação primária do nosso mundo, e muito menos do Cosmos, porque a autoridade de que se revestia já há muito foi superada pelos fatos e conquistas da Ciência.

Esse venerável monumento da Revelação antiga satisfez as exigências mentais e religiosas duma época, em que Humanidade acreditava piamente estar a Terra  fixada no centro do Universo, iluminada durante o dia pelo disco do Sol, que surgia no Oriente, percorria a abóbada celeste e se punha no ocidente, para passar por baixo dela e reaparece no Oriente, iluminando o novo dia. Essa época compreende o longo período histórico, que se conta desde Moisés até o século décimo sétimo da era cristã, quando o insigne Galileu foi obrigado a abjurar de joelhos, perante o Santo Ofício, porque afirmava, como verdade, que a Terra é que gira, em movimento diuturno, em redor do Sol.
           
Moisés era sem dúvida, um médium vidente poderoso e, como missionário, teve a visão retrospectiva da formação da Terra, na fase em que, cessado o estado fluido incandescente, começam a arrefecer e solidificar-se, oferecendo condições propicias à vida de seres orgânicos. Mas, quem nos garante que o que ele realmente viu, foi o que se acha narrado na Gênesis? – uma vez que, para representar a sua visão, serviu-se de caracteres ideológicos e não da escrita alfabética, que era então desconhecida.

            O vidente, por certo, contemplou a Terra ainda aquecida, envolta em cerrado nevoeiro que interceptava a passagem dos raios solares, parecendo-lhes que “era sem forma e vazia, e havia trevas à face do abismo” (1-2). Diluindo-se o nevoeiro, pelo gradativo arrefecimento das águas, chuvas torrenciais caíam sobre elas e, estiadas estas, pesadas nuvens apareciam suspensas na atmosfera, operando-se, aparentemente, a separação “das águas que estavam por baixo do firmamento, das que estavam por cima” (1-6 a 8). Como surgissem, mais tarde, o Sol e a Lua, por entre as nuvens, Moisés, na compreensível ignorância em que estava do nosso sistema planetário, supôs que Deus criara, depois da Terra, “dois grandes luminares: - o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor para governar a noite; e as estrelas” (1-14 a 18).

            Ora, sem esta, ou semelhante, interpretação dada pelo Espiritismo, a Gênese mosaica não resiste à crítica: será relegada para o rol das lendas antigas, como já a consideram os corifeus da ciência materialista.

            Assim, também, as figuras de Adão e Eva não representam, em face da revelação espírita, as primeiras criaturas humanas, das quais toda a Humanidade descende, e sim, entidades alegóricas, simbolizando uma numerosa falange de Espíritos intelectualmente adiantados, degredada, por seu desmedido orgulho, de um planeta mais evolvido (paraíso perdido), do sistema da Capela, onde se tinham constituído entrave ao progresso, e, vindo encarnar na Terra, transformaram-se em fator eficiente do desenvolvimento mental e cultural dos povos. Não se concebe, aliás, que a primeira mulher se tivesse formado da costela de dão – como pretendem os que interpretam a figura simbólica ao pé da letra – porque, no capítulo 1º, versículo 27, está consignado que Deus, ao sexto dia, criou o homem macho e fêmea. Assim se explica porque, tendo Caim matado a Abel – como narra o capítulo 4º - e, arrependido, desejasse morrer, lhe foi posto um sinal para que ninguém o matasse, prova de que já havia então mais gente, além de seus pais – o que se torna mais evidente por ter ele casado e fundado uma cidade, como consta do versículo 17.

            Donde poderia provir a mulher de Caim e a população da cidade, senão dos seres humanos que já haviam sido criados macho e fêmea?

            Ao enunciar estes esclarecimentos, guiados pela razão e o bom-senso, mas sem a menor pretensão à infalibilidade, que seria estultícia, não nos move, a nós espíritas, senão secundariamente, a intensão de fazer prosélitos.

            Sentimo-nos felizes e confortados com a nossa fé esclarecidas, racional e consoladora, e desejaríamos que todos compartilhassem da nossa felicidade; desejaríamos que todos compreendessem Deus, como nós o compreendemos, Pai de amor e justiça, que, “enviou seu Filho ao mundo, não para o condenar, e sim para salvá-lo”, e que sendo a suprema sabedoria, a suprema bondade, não iria eternizar o mal em sua obra, criando um inferno de sofrimentos sem fim, satanás e a condenação eterna, pois temos a serena convicção de que de que dá  a seus filhos, por mais perversos e ignorantes que sejam, a oportunidade de se tornarem sábios e bons, mediante o cadinho purificador das vidas sucessivas.

            Não queremos, porém, de modo algum, desviar ninguém da religião, seja qual for, em que se sinta bem e confortado, desde que faça por ser bom e fraterno, procurando por em prática a recomendação de Jesus, de não fazer aos outros o que não queira que lhe façam, - uma vez que a finalidade do Espiritismo é a de promover a reforma moral dos indivíduos, para que possam reinar, neste mundo, a paz, o amor e a harmonia, sem exigir que todos rezem pela mesma cartilha.

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