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terça-feira, 22 de setembro de 2015

Parnaso Oficial (trecho)


            Desborda da Doutrina; é tal como penso; e já o afirmei por escrito: Espiritismo e Política são incompatíveis, valendo lembrar nesta oportunidade a sábia assertiva de Camilo Castelo Branco, no sentido de que a política, sob a capa da razão, cava, num palmo de terra existente entre dois irmãos, a sepultura de ambos.

            Destarte, na análise que ora faço não sou movido por nenhum objetivo partidário, ideológico ou eleitoreiro. Não me cabe alvitrar, aqui, sequer sobre o programa do Presidente da República. Muito menos comentar as medidas que tem tomado, dispensando-me a oportunidade de considerá-las certas ou erradas. Repito apenas meu ponto de vista sobre um dos aspectos dessa complexa questão; único aspecto, aliás, que um artigo nesta revista - ou em qualquer publicação séria sobre Doutrina Espírita - comporta: ninguém é Chefe de Estado por acaso.

            Alcançar a mais alta magistratura dum Pais é acontecimento que não se regista na carreira de nenhum Espírito encarnado senão com o beneplácito do Alto. É claro que isso não implica endosso permanente a tudo o que um Presidente faça. O caminho à suprema curul é aberto ao emissário e até mesmo alguns problemas lhe são contornados pelos mentores espirituais.

            Mas, depois de coroado, embora continue como qualquer criatura a ser assistido, o Presidente é deixado à sua liberdade e à sua consciência.

            No entanto, como dele dependerão indiretamente milhões de vidas outras, poderá ser afastado se não cumprir sua missão com desvelo. Ouçamos, a propósito, a palavra abalizada do superior Espírito de Emmanuel:

            “A responsabilidade dum cargo público, pelas suas características morais, é sempre mais importante que a concedida por Deus sobre um patrimônio material. Daí a verdade que, na vida espiritual, o depositário do bem público responderá sempre pelas ordens expedidas pela sua autoridade, nas tarefas da Terra” (“O Consolador”, questão 65).

            Veja-se, ainda do próprio Emmanuel, a narrativa do caso de Napoleão, em “A Caminho da Luz”, págs. 175/176 da 5ª edição:

            “O humilde soldado corso, destinado a uma grande tarefa na organização social do século XIX, não soube compreender as finalidades da sua grandiosa missão. Bastaram as vitórias de Arcole e de Rivoli, com a paz de Campo-Fórmio, em 1797, para que a vaidade e a ambição lhe ensombrassem o pensamento”. “Sua fronte de soldado pode ficar laureada, para o mundo, de tradições gloriosas, e verdade é que ele foi um missionário do Alto, embora traído em suas próprias forças”.

            Caberia uma indagação: o afastamento seria decursivo da influenciação do Alto junto aos inimigos do Presidente para que ele - por exemplo - seja deposto? Não. Evidentemente que não. O Alto só é agente do Bem. Dar cobertura a criaturas que, embora às vezes por causas nobres, empregam meios de violência, de atrito, de luta, seria inconcebível da parte dos bons Espíritos, responsáveis pelos destinos dos países. O que o Alto faz é apenas retirar a sua cobertura, deixando o Presidente sem apoio, sem amparo espiritual. Então, os que investem contra ele (e há sempre esses, em qualquer país) acabam levando de vencida seus planos e o Presidente cai, é afastado, é apeado. Por outro lado, enquanto ele estiver cumprindo seu dever com lealdade a Deus e a seu povo, enquanto estiver empenhado em promover o bem-estar social da nação sob seu comando, é claro que permanecerá sempre assistido e não vingarão contra as suas portas as ameaças e as assacadilhas dos que pretenderem derrubá-lo.

            Assinale-se porém, “en passant”, que muita vez os atos e as decisões dum Chefe de Estado são aparentemente errados ou injustos, mas intrinsecamente estão certos. O povo, não raro, desconhece a globalização dos problemas duma nação e julga seus mandatários pelo ângulo apertado da sua visão de indivíduo isolado, dissociado da coletividade, que é, afinal, a que tem de ser visada pelo Governo. E pede então o que, a rigor, não lhe pode ou não lhe deve ser dado. Tal como o faz, igualzinho, em relação a Deus, quando sofre e acha sempre que lhe é injusta ou imerecida a sua dor. Daí a lição do missionário Roustaing:

            “O Senhor não se mantém nunca surdo, bem o sabeis, às vozes de seus filhos, quando se dirigem a ele com confiança e fé. O pai da grande família nem sempre concede as graças como lhe são pedidas, porque, em vez de constituírem um bem, redundariam em confusão para o homem”. “O homem a quem o pai celeste deu bom espírito é aquele que compreende as palavras do Mestre, que se aplica em praticá-las e nunca desespera do seu amor e da sua justiça” (“Os Quatro Evangelhos”, tomo segundo, págs. 58/59 da quarta edição).

            Falei acima em coletividade a ser visada pelo Governo. Não se confunda, por favor, essa alusão, com falsas ideias coletivistas, sonhadas utopicamente pelos que leram Engels e se encantaram por desaviso. “A caridade e a fraternidade não se decretam em leis. Se uma e outra não estiverem no coração, o egoísmo aí sempre imperará” (“O Evangelho segundo o Espiritismo”, capo XXV, nº 8). O bem da coletividade deve ser objetivo de qualquer Governo honesto; mas certamente dentro das coordenadas próprias de cada nação, com suas peculiaridades humanas, suas características psicológicas, seus processos administrativos, sua produção interna, seu progresso técnico e material. Não nos empolguemos com promessas aparentemente vantajosas. “O Socialismo é uma bela expressão de cultura humana, enquanto não resvala para os polos do extremismo”. (“O Consolador”, questão 57). O bem-estar do proletário é necessário e conveniente, importante e impositivo. Mas só ele, quando queira e quando possa (não esqueçamos a implacável lei do carma), deixará de ser - se o for - proletário injustiçado. Depende mais dele do que de qualquer outra criatura, embora essa conceituação tenha de ser entendida não em termos de uma só vida, mas da pluralidade de vidas a que todos estamos sujeitos. Não adianta, pois, alterar as estruturas políticas. O problema é mais amplo e é de sistemas, não de regimes.

            Evolução é conquista individual e inalienável.

            Ninguém pode fazer nada por mim, se eu não quiser ser ajudado, se eu não fizer por onde ser ajudado. Lembremos o Cristo: “Ajuda-te e o Céu te ajudará”. Lembremos também o feliz comentário de Kardec, no capítulo XXVII, número 7, de “O Evangelho segundo o Espiritismo”: “Ele (Deus) assiste os que se ajudam a si mesmos, de conformidade com a máxima:Ajuda-te, que o céu te ajudará”; não assiste, porém, os que tudo esperam dum socorro estranho, sem fazer uso das faculdades que possui. Entretanto, as mais das vezes, o que o homem quer é ser socorrido por milagre, sem despender o mínimo esforço”.

            Falando-se porém em proletariado, complementemos a análise novamente com Emmanuel: “A verdade é que todos os homens são proletários da evolução e nenhum esforço de boa realização na Terra é indigno do espírito encarnado. Cada máquina exige uma direção especial e o mecanismo do mundo requer o infinito de aptidões de conhecimento” (“O Consolador”, questão 57).

            Ademais, quem é capaz de jurar que o homem de maiores recursos não é menos feliz do que o desafortunado? Ah ... quanto Sol não gostaria de ser vagalume...

            Mas, voltemos à noção anterior. Ninguém chega ao primeiro posto dum País, a não ser com o consenso da Espiritualidade. Repitamos: será assistido se se mantiver à altura das suas promessas feitas antes de encarnar; será abandonado se faltar aos seus compromissos...
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trecho de artigo sob o título ‘Parnaso Oficial’
Luciano dos Anjos

Reformador (FEB) Fevereiro 1970

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