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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

XIV. Apreciando a Paulo

XIV
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec - 1958


Não repreendas asperamente os anciães, 
mas admoesta-os como a pais;
os mancebos como a irmãos; 
às mulheres idosas como a mães;
 às moças como a irmãs, em toda a pureza.
Honra as viúvas que verdadeiramente são viúvas.
Mas, se alguma viúva tiver filhos, ou netos, aprendam primeiro
a exercer piedade para com a sua própria família, 
e a recompensar seus pais; 
porque isto é bom e agradável diante de Deus.
Ora a que é verdadeiramente viúva 
e desamparada espera em Deus, 
e persevera de noite e de dia em rogos e orações;
Mas a que vive em deleites, vivendo está morta.
Manda, pois, estas coisas, para que elas sejam irrepreensíveis.
Mas, se alguém não tem cuidado dos seus,
e principalmente dos da sua fam1lia,
negou a fé e é pior do que o infiel.”
Paulo, Primeira Epístola a Timóteo, 5:1 a 8


            Os conselhos que Paulo dá, nesta epístola a Timóteo, seu companheiro de lutas em prol da divulgação do Cristianismo, tem o sabor da simplicidade que edifica e é fonte perene de moral cristã.

            Quando Jesus ou qualquer apóstolo falava, ensinando regras de conduta ou referindo-se às coisas dos Céus, suas palavras tinham “espírito e vida”, e não eram dedicadas somente a seu interlocutor, mas a toda a Humanidade, necessitada de conselhos e de ensinamentos elevados.

            A força moral dessas lições consiste, sobretudo, na circunstância de que eles viviam o que pregavam, praticando o que ensinavam.

            Mais do que as palavras, valem os exemplos. E quando estes correspondem àquelas, o homem é cristão, isto é, vive em Cristo e para o Cristo, certo de que Jesus é o supremo roteiro de sua felicidade ou de sua salvação.

            As palavras dos apóstolos vêm completar os ensinos do meigo Nazareno, assim como, hoje em dia, as lições do Espírito Santo ou de seus Mensageiros recordam o que aqueles nos disseram, ensinando-nos ainda todas as verdades, mesmo as que não foram enunciadas por Jesus, para que se cumpra o que ele mesmo disse em João, 16:12 a 14.

            Destarte, os tempos prescritos são chegados e estamos em pleno reinado do Consolador (o Espiritismo cristão), prometido pelo Cordeiro de Deus nos capítulos catorze e dezesseis do mesmo Evangelho de João.

            Paulo de Tarso ensinava a Timóteo, e suas recomendações são também para nós outros:

            “Não repreendas asperamente os anciães, mas admoesta-os como a pais; aos mancebos como a irmãos. Às mulheres idosas como a mães; às moças como a irmãs, em toda a pureza.”

            Os velhos merecem nosso respeito, nossa consideração, pela sua própria idade. Estão no fim desta vida. Muito lutaram e muito sofreram na Terra, que é o planeta de provas e de expiações. Ninguém se livra de padecimentos, seja bom ou seja mau, pertença a este ou àquele credo religioso, porque o sofrimento é indispensável para o burilamento do Espírito, é o cadinho por onde as imperfeições se destilam, como norma utilizada, imprescindivelmente, pela lei da evolução.       

            Portanto, se tivermos de admoestar algum ancião, façamo-lo com brandura e com o devido respeito, como a pai. Isto quer dizer também que o genitor, às vezes, pode ouvir a opinião ou o conselho sensato de um filho, desde que este o externe com o devido respeito às suas cãs, porque, se somos falíveis, devemos ter a humildade necessária para recebermos a advertência de quem quer que seja, desde que oportuna e justa. O apóstolo Paulo prevê aqui a possibilidade de os pais serem admoestados pelos filhos, quando ensina que devemos repreender os anciães como se fizéssemos a nossos pais. Assim, há circunstâncias na vida em que o conselho de um filho pode ser aceito pelo pai ou pela mãe, pois, quando há sinceridade de propósitos na família, isto se dá para o bem e para a felicidade do lar. A regra geral é que o pai deva aconselhar o filho; mas, excepcionalmente, pode verificar-se o contrário, também para edificação, e o conselho não convém ser repelido com desdém ou com aborrecimento, só porque partiu do filho, mas ponderado e aceito, se for para o bem. É o que se conclui desta lição de São Paulo, que tinha autoridade moral para dá-la, como apóstolo do Senhor. Lendo suas palavras e sobre elas refletindo, penetramos no espírito de seus ensinamentos, que são também imortais.

            As moças devem ser educadas com bondade e pureza, porque a mulher é mais sensível, mais delicada, porém, sem que se dispense energia, quando se fizer necessária, pois não devemos transigir com os erros de nossas filhas, de vez que somos em parte responsáveis por sua conduta perante Deus, máxime se residem conosco ou estão ainda sob nossa tutela ou vigilância.

            “Honra as viúvas que verdadeiramente são viúvas, diz o apóstolo dos gentios.
            Mas se alguma viúva tiver filhos, ou netos, aprendam primeiro a exercer piedade para com a sua própria família, e a recompensar seus pais; porque isto é bom e agradável diante de Deus.

            As viúvas que são verdadeiramente viúvas, isto é, que sabem respeitar a memória de seus maridos e sua própria dignidade, as que conseguem resistir às tentações do mundo, muitas vezes com os maiores sacrifícios, enfrentando a pobreza sem cair, escrevem páginas anônimas de virtude e de heroísmo, que Jesus sabe ler no livro humilde de suas vidas. A estas, são comparadas aquelas outras mulheres que vivem honestamente, embora abandonadas por seus esposos, os quais, por circunstâncias várias, não tiveram a dignidade de cumprir com os deveres conjugais. Algumas, como se não bastasse, ficam ainda jungidas ao peso dos filhos, mas traçam uma trajetória brilhante de renúncia, de dedicação e de amor, esquecidas de si mesmas, para carregarem a cruz que o destino lhes deu.

            Somente a justiça da lei da reencarnação pode explicar esses casos, os quais, quando não são provações, são expiações dolorosas, mas purificadoras, frutos do processo evolutivo ou de reajustamento, indispensável à ascese, ou seja, à elevação do ser.

            O Espiritismo tudo explica com lógica, dando-nos a consciência da justiça de Deus, a que nos devemos resignar, se quisermos mesmo evoluir para Jesus.

            Sejam quais forem as circunstâncias ou os acontecimentos, é mister que nos portemos sempre com piedade para com a própria família, porque, como ensina São Paulo, “se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos da sua própria família, negou a fé e é pior do que o infiel”.

            Que o cristão ou o espírita compreenda a importância deste ensinamento!

            É a família a base da sociedade e o campo de ação onde as virtudes cristãs mais se podem exercitar. É nela que devemos cultivar a paciência, a bondade, a humildade e o amor. Quase sempre são inimigos de outras vidas que a misericórdia divina permite que se unam sob o mesmo teto, para se reajustarem, para ascenderem juntos, na senda da espiritualidade. Quem renuncia à família é um revoltado, não quer sujeitar-se aos meios corretivos da lei de Deus, nem desenvolver a potência amorosa, que está em estado latente em todo Espírito. É um egoísta e um perverso.

            O homem que, separado dos seus, descobre a Jesus, deve voltar para sua família, a ela dedicar-se, pois como diz o meigo Nazareno: “Se alguém quiser vir a mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-me.” (Mateus, 16:24) Jesus só tolera a separação em caso de adultério, conforme está escrito em Mateus, 19:9, mas deixa a cada um o direito de perdoar. Fora daí, desse caso excepcional, devemos satisfazer sempre nossos deveres conjugais, nem que a vida se assemelhe a um inferno, porque é melhor cumprirmos humilde, mas valorosamente, nosso destino, do que renunciarmos à cruz que Deus nos deu. Aliás, a vida no lar, por pior que seja, tem sempre os seus encantos, as suas compensações, que fora dele não podemos achar, em relações pecaminosas. O profeta Malaquias (2:15, in fine) já ensinava: “Guardai-vos em vosso Espírito, e ninguém seja desleal para com a mulher de sua mocidade.”

            Quem quer ser espírita, ou quem é cristão, deve procurar regenerar-se. As concupiscências da carne são fortes empecilhos para a evolução do Espírito. Somente na constituição da família o homem pode achar, honestamente, a solução para os seus problemas, o verdadeiro ninho de amor, mesmo através de lutas ou de sofrimentos, mas onde, com renúncia e abnegação, poderá encontrar a verdadeira felicidade, que é, sobretudo, a paz de consciência, que decorre do dever cumprido.

            “Se alguém não tem cuidado com os seus principalmente com os da sua família, diz o apóstolo Paulo, negou a fé e é pior do que o infiel.”

            Como poderemos pregar as palavras do Cristo, se não tivermos o devido zelo para com os de nossa casa?

            Há pessoas que se fanatizam pelas religiões e até pelo Espiritismo, o que é um erro. Não lutam devidamente pela vida, não produzem o bastante para tratar bem de sua família, mas vivem doutrinando, falando nos Centros, esquecidas de seu principal dever, que está no lar.
           
            Somente quando satisfizermos esta obrigação é que nos devemos exercitar nas outras, pois o Divino Mestre diz que quer amor e não sacrifício (Mateus, 9:13). E não é justo sacrificarmos os que nos são caros, pois não temos esse direito, para pensarmos egoisticamente em nossa própria evolução.

            Se fora da caridade não há salvação, cujo lema é profundamente verdadeiro, devemos ter caridade, antes de mais nada, com os de nossa própria casa, 'tratando-os bem, preocupando-nos com a sua educação, com o seu procedimento e com o seu futuro, orientando-os na vida, pois este é o nosso principal encargo. Não quer dizer que esqueçamos as outras obrigações espirituais. Mas, como diz Paulo, em primeiro lugar a família, pois nela está nosso maior dever de religiosidade, educando-a e tratando-a bem. Quem assim não proceder, “negou a fé e é pior do que o infiel”.

            Religião é regra de conduta, que começa no lar e se exercita também na sociedade, no trato diuturno da vida.


            Compreendamos o sentido exato da palavra religião. É nossa ligação com Deus; e nós só nos poderemos ligar ao Pai Celestial, sendo honestos, cumpridores dos deveres e amando a todos, indistintamente, começando pelas pessoas de nosso lar, inclusive nossos servos ou nossos empregados, que também devem ser tratados com carinho, porque são componentes da família que o Senhor nos deu, para aprendermos a renunciar a nós mesmos e a amar, pois no amor está a evolução e é ele que expressa o verdadeiro sentimento religioso.  

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