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terça-feira, 3 de setembro de 2013

'Médiuns, ontem e hoje'

‘Médiuns,
ontem e hoje’


            Decididamente você tem razão ao se reportar à felonia sutil dos adversários gratuitos do Espiritismo, quando expõem os médiuns da atualidade a toda sorte de injúrias.

            “Basta que alguém se disponha a servir entre as duas esferas, para que se lhe amargue a vida, que passa, então, a ser criticada e policiada por toda a gente” - afirma você com larga dose de pessimismo.

            Entretanto, se meditar demoradamente, cotejando, a posição dos médiuns de hoje com os médiuns de ontem, reconhecerá que as dificuldades modernas são simples operações do campo opinativo, resultando sempre em propaganda maior das verdades eternas, enquanto que os entraves do pretérito emolduravam invariavelmente a asfixia da revelação e a morte dos medianeiros.

            Há pouco mais de duzentos anos, Espíritos notáveis, quais Voltaire e Benjamim Franklin, já se encontravam no mundo trabalhando pela libertação mental do povo; todavia, quem nessa época se atreveria a falar na sobrevivência da alma, sem os figurinos teológicos? quem poderia enunciar conceito mais amplo da fraternidade humana ou referir-se aos fundamentos da evolução?

            Perseguidores sistemáticos mantinham-se a postos.

            Tudo o que escapasse ao metro estabelecido para os assuntos da fé transpirava heresia. E desde o Tratado de Paris, em 1229, assinado sobre o sangue dos albigenses, a Inquisição havia nascido para depurar os hereges e acomodá-los às trevas da intolerância.

Albigenses sendo queimados



            Quem procurasse enxergar a verdadeira posição de Jesus, quem se propusesse à livre interpretação das letras sagradas, quem admitisse a dignidade individual nas vítimas da escravidão e quem se abalançasse a mostrar faculdades medianímicas era chamado a inquéritos aviltantes, padecendo, de imediato, a segregação em masmorras inacessíveis, sob o capricho delituoso de príncipes e sacerdotes, magistrados e qualificadores inconscientes. E consumada a detenção da criatura infeliz, que se dispunha a pensar por si, começava o suplício lento pelo qual as autoridades caridosas disputavam a Satanás a alma cândida e valorosa que persistia em acreditar na liberdade do pensamento. Iniciava-se o processo condenatório, a preço de confissões extorquidas à fome, quando os instrumentos de martírio não funcionavam em recintos infectos, nos segredos da noite. Encarceravam-se lhe os parentes, para informes especiais. Arrancavam-se depoimentos de réus contra réus para que as indicações caluniosas alcançassem o objetivo. O ódio começava as sentenças para que o medo as completasse. E estabelecida a suposta criminalidade da vítima, confiscavam-se lhe os bens, que passavam, quase sempre, ao domínio dos delatores, erguidos à condição de profissionais da mentira e da infâmia, com vistas a escusos fins.

            Se o condenado era homem, mais depressa era arrancado à cama podre do cárcere para a fogueira conveniente; mas, se fosse mulher, ampla demora experimentava no calabouço, para que se lhe profanassem os sentimentos, pelos aguilhões da necessidade, ou pelo acicate do desespero, antes que fosse entregue ao socorro da morte.

            Aos padecimentos físicos e morais, nas celas apertadas e fétidas, acrescentava-se o estigma sobre os descendentes que, fora das grades, eram compelidos a exílio certo pelo sarcasmo do populacho, e a muitos deles, para que se lhes terrificasse o ânimo, enviavam-se, de antros invioláveis, os cabelos e os olhos, as orelhas e as mãos de pessoas queridas, quando os prisioneiros se extinguiam de dor, sem possibilidade de exibição pública nos solenes autos-de-fé.

Cátaros sob tortura


            A degradação extrema e o flagelo irremediável constituíam, em quase todas as linhas da Civilização, há somente dois ou três séculos, resposta legal a todo impulso de emancipação religiosa, com os mais celebrados tribunais de tortura, em nome do Cristo, o divino condenado à morte por haver ensinado a paternidade de Deus, a responsabilidade da consciência e o amor puro entre os homens.

            Como vê, não precisamos desenterrar o passado para evidenciar as novas e sucessivas conquistas da Humanidade e exaltá-las com a nossa admiração.

            Não podemos negar que os médiuns da atualidade estão expostos à incompreensão é à ironia de muitos, pois a ignorância é joio habitual na lavoura do progresso; entretanto, a lógica vem subindo de cotação entre os homens e todo intérprete dos desencarnados, no Espiritismo, pode responder, com a palavra inarticulada do dever nobremente cumprido, às campanhas de insulto e difamação, reconhecendo-se que a criatura humana não vale simplesmente pelos princípios que exponha, mas, acima de tudo, pela vida que se decide a viver.

            Dito isso, meu caro, e para que não nos alonguemos em ociosa argumentação, conduzamos nossa bandeira de imortalidade para diante, oferecendo ao Cristo e ao próximo o melhor de nós mesmos, a cavaleiro da calúnia e da crueldade, porque, enquanto o mundo não se houver convertido em Reino de Deus, a boca da maledicência na Terra é como a boca da noite que não se fecha para ninguém.


Irmão X
por Chico Xavier

in Reformador’ (FEB) Outubro 1958

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