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domingo, 8 de setembro de 2013

IX. 'Apreciando a Paulo'

Agostinho de Hipona


IX
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec - 1958

“Em verdade que não convém gloriar-me;
mas passarei às visões e revelações do Senhor.
«Conheço um homem em Cristo que há catorze anos
(se no corpo não sei, se fora do corpo não sei, Deus o sabe)
foi arrebatado até ao terceiro céu..
E sei que o tal homem
(se no corpo, se fora do corpo, não sei; Deus o sabe)
Foi arrebatado ao paraíso; e ouviu palavras inefáveis de que ao
homem não é lícito falar.”    II Epístola aos Coríntios, 12:1 a 4


            Paulo de Tarso fala aqui, nesta segunda epístola aos coríntios, das visões que teve, referindo-se até a um desdobramento em Espírito, sendo arrebatado ao que chamou terceiro céu e, depois paraíso; “onde ouviu palavras inefáveis, de que ao homem não é lícito falar”.

            Já na primeira epístola aos coríntios Ele fez referência direta aos dons espirituais, sobre os quais desejou não fôssemos ignorantes (1 Cor., 12:1 a 11). Esses dons espirituais é o que nós, espíritas, chamamos mediunidade.

            Paulo mencionou ali diversos desses dons, como os de curar, a profecia, a faculdade de falar em variedade de línguas (que denominamos xenoglossia) e fez ainda menção expressa ao dom de discernir os espíritos... Note-se que São Paulo usou esta palavra no plural, o que tira o ensejo de outra interpretação, pois que o apóstolo reconheceu a possibilidade de os espíritos serem discernidos, o que constitui um dom pessoal de alguns cristãos.

            Ora, se existe a faculdade de “discernir os espíritos”, é porque estes se comunicam com os homens, não obstante a negativa sem consistência de nossos irmãos protestantes.

            Tais dons foram confirmados por São Pedro (I Pedro, 4:10) e o apóstolo S. João chegou a advertir (I João, 4:1), como já foi frisado alhures:
           
            “Amados, não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus; porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo”.

            Aliás os primitivos doutores da Igreja Romana, os seus grandes teólogos, criam nessas manifestações, que alguns sacerdotes católicos hoje querem negar também, esquecidos da Bíblia, que a elas se refere, em inúmeras passagens.

            Santo Agostinho, o imortal bispo de Hipona, no seu tratado “De Cura pro Mortius”, escreveu:

            “Por que não atribuir esses fatos aos espíritos dos finados, e deixar de acreditar que a Divina Providência faz de tudo um uso acertado, para instruir os homens, consola-los e induzi-los ao bem?”

            A verdade é que, confirmando os fenômenos agora estudados pelo Espiritismo, o apóstolo dos gentios fala aqui, nesta segunda epístola aos coríntios, das visões que teve, e refere-se em seguida ao seu “arrebatamento” ao terceiro céu e ao paraíso.

            Mas essa classificação numérica dos céus é, sem dúvida, uma impressão pessoal do apóstolo.

            Dante Alighieri, por exemplo, na “Divina Comédia”, idealizou nove céus: “As nove hierarquias angélicas movem-se em círculos concêntricos, em torno de um ponto luminosíssimo, que é Deus”. Ele fala também no paraíso, e “o faz baseado no sistema geocêntrico da Bíblia e também na teoria astronômica de Ptolomeu, vigente em sua época”.

            Os Mensageiros do Senhor, de tempos a esta parte, comunicando-se com os homens de boa vontade, têm levantado uma parte do véu que nos separa dos planos espirituais. Há várias obras nesse sentido, explicando a vida no além, sendo aconselhável a leitura da série de André Luiz, que começa com Nosso Lar, livro psicografado por Francisco Cândido Xavier, o grande médium de Minas Gerais. Dela fazem parte Os Mensageiros, Missionários da Luz, Obreiros da Vida Eterna, No Mundo Maior e Libertação. A leitura desses livros, além de esclarecedora, é muito edificante. As obras espíritas, geralmente, ilustram e edificam, pois são possuidoras de moral elevada, traçando um verdadeiro roteiro para nossas atividades na Terra, à sombra benfazeja do puro Cristianismo.

            Jesus também advertiu, no Evangelho de João: “Na casa de meu Pai há muitas moradas”. (João, 14:2) Hoje, que nosso entendimento a respeito está mais ampliado, não convém classificar o céu por números.

            É evidente que a própria Terra está nos céus, pois nele gravita. Assim, “o reino de Deus está entre nós mesmos”. (Lucas, 17:21) O céu é sobretudo um estado d'alma. Tal seja nosso ânimo, nossa satisfação, nossa alegria íntima, e este mundo mesmo nos parecerá, por vezes, o próprio céu!

            Mas os planos elevados da espiritualidade são em número infinito, como infinita é a criação divina.

            Para facilidade do estudo, Allan Kardec classificou os mundos em cinco categorias: mundos primitivos; de provas e expiações (como a Terra); mundos de regeneração; ditosos e celestiais. Mas é claro que se trata de subdivisões genéricas, comportando um número ilimitado de posições intermediárias, entre os diversos planos da vida. Em torno da crosta terrestre, por exemplo, há vários ambientes espirituais, que variam entre as zonas infernais e as paradisíacas. Mas é claro que o inferno ou os umbrais, como os Espíritos chamam, não são regiões de penas eternas. Algum dia, cada um de seus habitantes sairá de lá, quando tocado pelo arrependimento sincero. O sofrimento é proporcional à culpa, e como a maldade absoluta não existe, não pode haver condenação perpétua, pois o Senhor deseja “que todos se salvem e tenham a vida eterna”.

            “A cada um será dado segundo as suas obras”, tal o cânon manifestado pelo Cristo de Deus (Mateus , 16:27).

            A própria fé, sem obras, é morta (Tiago, 2:20).

            E foi São Paulo mesmo quem frisou que: “Ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse caridade, nada seria”. (1 Cor., 13-2.)

            Ele ainda acentua que, entre a fé, a esperança e a caridade, a maior destas virtudes é a caridade (1 Cor., 13-13). Eis porque os Espíritos de Deus declaram que “fora da caridade não há salvação”.

            Na Epístola a Tito, repisa a necessidade das boas obras, que dão testemunho da fé, e aponta os que “confessam que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras, sendo abomináveis e desobedientes, e reprovados de toda a boa obra" (Tito, 1:16).

            Em Romanos, 2:6, Paulo proclama que Deus recompensará a cada um, segundo as suas obras, repetindo, aliás, o próprio ensinamento do Divino Mestre, o que merece ser ponderado e aceito.

            Assim, não se devem interpretar isoladamente certas epístolas do apóstolo dos gentios, mesmo porque os ensinamentos gerais (ou de natureza genérica) só podem ser a consequência da interpretação conjunta dos textos. Ler alguns versículos de certas epístolas, sem os comparar com outros, que completam a lição, é tirar conclusões parciais ou defeituosas.

            Destarte, é exato que Paulo, em algumas epístolas, dá assinalado valor à fé, mas completa depois sua concepção religiosa, apontando também as obras como complemento indispensável à salvação, consoante acabamos de ver.

            Achar também que a salvação vem só pela graça, é admitir um Deus faccioso, que escolhe criaturas privilegiadas. Não é possível que Ele tenha criado toda a Humanidade e destinado a maioria à perdição eterna. E os budistas, os maometanos e os ateus, que compõem a maioria do gênero humano, estarão destinados à desgraça perene! Essa teoria, presa à letra de certos textos, é evidentemente ilógica, absurda. Em verdade, a reencarnação não fecha a porta a quem quer que seja para obter a purificação espiritual, o conhecimento das verdades eternas, ou seja, a salvação. Admiti-la, como está enunciada em João, 3:3, é compreender a misericórdia divina. Mas aceitar um estado de graça limitado, e como regra geral, é conceber um Deus parcial, que cria somente alguns para a felicidade eterna e a maioria para a perdição. Este Deus não é, efetivamente, o de amor e de misericórdia a que Jesus tanto se referiu. O Cordeiro Imaculado, mesmo no alto da cruz, ainda teve palavras de perdão para os seus algozes. Tal a doutrina que nos legou, cheia de amor e de bondade para com todos, e não somente para os que merecerem o tal estado de graça.

            Portanto, nossos irmãos protestantes não têm razão em achar que a salvação vem só pela fé ou pela graça de Deus, pois que as obras distinguem e assinalam o verdadeiro cristão, e são imprescindíveis como testemunho da legítima evolução espiritual da criatura que se regenerou. E as obras manifestam-se pela prática da caridade, que é amor, a maior e a mais sublime de todas as virtudes.

            Mesmo que Paulo não tivesse totalizado seu pensamento e não se referisse à necessidade das boas obras, como condição sine qua non da evolução do Espírito, teríamos que dar predominância doutrinária à palavra de Jesus (que é superior à de Paulo), pois que o Divino Mestre ensinou, repetindo as lições dos profetas, que o Pai “dará a cada um segundo as suas obras”, conforme se lê em Mateus, 16:27, e não segundo a sua fé ou seu estado de graça.

            O Velho Testamento, fonte do Novo, confirma tal assertiva em várias passagens, e pedimos que o leitor o examine:

I Samuel, 2:3;
Provérbios, 24:12;
Isaías, 59:18;
Job, 34:11;
Salmos, 62:12;
Jeremias, 32 :19;
Oseias, 12 :2, etc.
           
            E o último livro da Bíblia, o Apocalipse de S. João, ainda repete que “a cada um segundo a sua obra” (Apoc. 22-12), o que também é reconhecido, como vimos, pelo próprio Paulo (Rom., 2:6) .

            É estranho, portanto, que ante a clareza e a repetição persistente dessa verdade bíblica, nossos irmãos evangelistas queiram dar tanto valor religioso a uns textos isolados de algumas epístolas de S. Paulo, que ele mesmo, logo depois, não direi que retifica, mas sim que completa, de conformidade absoluta com as lições dos profetas e com a palavra insofismável do Divino Mestre, que é a verdadeira pedra na qual devemos repousar a doutrina cristã.

            Que Jesus é a pedra, foi o próprio Pedro quem proclamou (I Pedro, 2:4), como Paulo já o dissera -  “e a pedra era Cristo” (I Cor., 10 :4), sendo que São Pedro também reconheceu que o Pai julga “sem acepção de pessoas” (não havendo privilegiados), dando a cada um “segundo as suas obras”. (I Pedro, 1:17.)

            A conclusão que tiramos destas apreciações é que o Espiritismo, a terceira revelação de Deus, prevista pelo próprio Jesus (João, 14:26 e 16:12 a 14), fundamenta-se na Bíblia e especialmente nos ensinos imorredouros de Nosso Senhor, como nos de São Paulo, o “vaso escolhido” para a vulgarização do Cristianismo e das verdades evangélicas (Atos, 9:15).

            Os Mensageiros de Deus .também nos têm dado a exata interpretação dos textos, bíblicos, já que os homens se tem digladiado, através dos séculos, em torno da letra que mata, esquecidos do Espírito que vivifica, para usarmos ainda a imagem do apóstolo dos gentios (I Cor., 3:6).

            Seria natural que nos tempos prescritos o Senhor interviesse, através de seus emissários, dando o sentido exato de suas palavras.

            Nestes comentários, baseamo-nos nas lições de nossos maiores da espiritualidade, trazendo embora nosso contingente pessoal ao estudo e à divulgação da verdade. Mas se Deus é amor, como disse o apóstolo João (I João, 4:8), a doutrina de Jesus, toda inteira, também se resume no amor:

            “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento.
            Este é o primeiro e grande mandamento,
            E o segundo, semelhante a este, é:
            Amarás o teu próximo como a ti mesmo.
            Destes dois mandamentos depende toda a lei e os profetas.” 
             (Mateus, 22 :37 a 40.)

            Assim, pelas citações ora feitas, provamos que o Espiritismo, com seu corpo de doutrina e com suas provas, constitui o Cristianismo Redivivo, com toda a sua pureza primitiva, quando os fenômenos espirituais abundavam entre os crentes, e tem por fundamento “o livro dos livros”. Paulo de Tarso mesmo já se referira a tais fatos, ou aos fenômenos espíritas, que tão bem sentiu, com visões e arrebatamentos, assinalados em suas epístolas, as quais merecem recordadas e maduramente refletidas por nós, cristãos, amantes da Verdade que liberta (João, 8:32)



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