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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

55b. "Doutrina e Prática do Espiritismo"



55b

            Começaremos por um caso descrito na obra magistral de Frederick H. Myers, o eminente psicólogo inglês, intitulada A PERSONALIDADE HUMANA, obra de tão alto valor científico e, conseguintemente, demonstrativo, que foi adotada em uma, e não sabemos se mais outras Universidades da Inglaterra, para o estudo da Psicologia.

            A narrativa tem, para prestigiá-la, não somente o agasalho que, na mencionada obra, lhe foi dispensado pelo autor, cujo rigor na pesquisa e escrúpulo na classificação dos fatos não constitui o seu menor título de renome no mundo científico, mas ainda a circunstância de ser um médico o seu protagonista, com a particularidade de se não ter dado a desencarnação, em cuja iminência esteve, tendo assim podido relatar as suas impressões pessoais, depois de restituído ao estado de saúde.

            Utilizamo-nos da tradução feita pelo Dr. Souza Couto e por ele publicada, sob a dupla epígrafe "Impressões de um médico - No limiar da Eternidade," na edição de junho de 1900 de sua excelente revista ESTUDOS PSYCHICOS (Lisboa), precedendo-a das seguintes observações:

            "A última obra, A PERSONALIDADE HUMANA,  do profundo investigador F.Myers, documenta-se com fatos de altíssimo interesse, entre os quais destacamos hoje o relato do Dr. . Wiltse, que foi publicado no JORNAL DE MEDICINA E CIRURGIA de S. Luís (novembro de 1889). Esse fato foi recolhido pela Sociedade de Investigações Psíquicas, tão prudente nos seus inquéritos; mas ainda o Dr. Hodgson e F. Myers o declararam da maior importância, depois do estudo pessoal que fizeram do seu relator.

            "É a própria narração original, abreviada, do Dr. Wiltze, que vamos reproduzir."

            É a seguinte:

            "...Quando enfim se me dilataram as pupilas, começou a vista a desaparecer-me e faltou-me a voz.

            Invadido pela sensação de um entorpecimento geral, fiz um violento esforço para distender os dedos e pude colocar os braços sobre o peito; depois, tornando a fechar os dedos crispados, fui rapidamente avassalado por um estado de inconsciência completa.

            Durante quatro horas fiquei sem pulso nem movimento perceptível ao coração, segundo informações posteriores do meu médico assistente, o Dr. Raynes.

            Durante esse tempo muitas pessoas presentes me consideravam morto, e como a notícia se espalhasse, os sinos da povoação dobraram a finados.

            0 Dr. Reynes enterrou-me uma agulha na carne, em vários pontos, desde os pés até a cabeça, sem que eu desse o menor sinal de vida.

            Durante essas quatro horas dos sinais descritos, houve meia hora em que a morte se apresentava com toda a aparência.

            Perdi toda a faculdade de pensar e todo o sentimento de existência; encontrava-me em absoluta inconsciência... Quando a consciência me voltou, reconheci que ainda estava no meu corpo, mas entre mim e o corpo nenhum interesse comum existia.

            Na admiração e na alegria, estudava-me a mim mesmo; via o eu, o Ego real encarcerado no não-eu, como num sepulcro  de argila.

            Com a curiosidade de médico, contemplava as maravilhas da fisiologia corpórea, com a qual me confundia, alma viva desse corpo morto.

            E então analisava com calma o meu estado, raciocinando assim:

            - Estou morto, segundo a linguagem dos homens, e, contudo, mais que nunca, continuo a ser homem, Eis-me prestes a sair do corpo.

            Seguia o processus interessante do desprendimento da alma.

            Por uma força que não parecia sair de mim, meu Ego era como sacudido de um lado e do outro lado, semelhantemente ao balançar de um berço, e isso o ajudava a libertar-se dos laços do tecido corporal.

            Ao fim de um instante, suspendeu-se esse movimento, começando eu a sentir e como que a ouvir, ao que me parece, numerosas picadas, formando pequenos círculos, nas solas dos pés, desde os dedos até o calcanhar. 

             Depois disso o meu eu começou a retirar-se vagarosamente das extremidades inferiores em direção à cabeça, e, quando esta ascensão chegou aos quadris, reflexionava:

            - Agora já não há vida para baixo, nos pontos abandonados.

            Nenhuma lembrança tenho de haver atravessado o abdômen e o peito, mas lembra-me claramente ter feito a seguinte reflexão, quando todo eu estava concentrado na cabeça:

            - Eis-me completamente todo na cabeça: - não tardará que dela me desprenda.

            Como se eu fora vazio, atravessei o cérebro, comprimindo-o e às suas membranas, ligeiramente; e enfim apareço no centro, entre as suturas do cancro, emergindo como fascículos de folhas tênues de um invólucro membranoso.

            Quanto à forma e a cor, recordo-me nitidamente de que eu me parecia, a mim mesmo, qualquer coisa como uma medusa.  

            Prestes a desprender-me, percebi duas senhoras sentadas à minha cabeceira. Calculei a distância entre o leito e os joelhos da senhora em frente, concluindo que havia um suficiente espaço para eu aí poder ficar em pé, mas via-me extremamente embaraçado com a lembrança de aparecer despido diante dela.

            Contudo, refletindo que com toda a probabilidade ela não poderia ver-me com os olhos do corpo, pois eu era um espírito, ousei  subir.

            Desde que saí, senti-me flutuar mais alto, mais baixo à direita, 1 esquerda como uma  bolha de sabão que ainda adere à extremidades duma palha, até que por fim me desliguei do corpo, caindo ligeiramente sobre o pavimento, donde me levantei, tendo tomado a aparência  exata de um homem. Eu era transparente como uma chama azulada e encontrava-me completamente desnudado.

            Com uma penosa sensação de constrangimento, escapei-me até a porta entreaberta, para furtar-me ao olhar das senhoras que ficavam defronte, assim como de outras pessoas, que eu sabia estarem em volta de mim; mas, tendo atingido a porta, encontrei-me vestido.
           
            Tranquilizado quanto a esse ponto, voltei novamente para junto das pessoas que tinha  deixado.

            Havia junto à porta dois cavalheiros e eu, ao passar, toquei com o cotovelo esquerdo o braço de um deles.

            Com grande espanto meu, o braço passou sem resistência através, do meu, cujas partes divididas se aproximaram sem dificuldade, voltando a reunir-se como ar. 

            Então atentei vivamente na fisionomia desse cavalheiro, para ver se ele tinha sentido o contato, mas disso nenhum sinal deu, e conservou-se em pé, olhando fixamente o leito, que eu há pouco tinha abandonado.

            Dirigi o olhar na direção do seu e vi meu próprio cadáver.

            Ele lá estava imóvel na atitude que tanto me custou a dar-lhe, ligeiramente inclinado sobre o lado direito, os pés juntos, as mãos cruzadas sobre o peito. Fiquei surpreendido com a palidez das faces. Desde muitos dias, não me tinha visto ao espelho, e por isso julgar-me-ia menos descorado que a maior parte das pessoas igualmente doentes. A mim mesmo me felicitei pela atitude decente que tinha sabido dar ao meu corpo, na esperança de que meus amigos se impressionariam menos à minha vista.

            Vi muitas pessoas, umas sentadas, outras em pé, rodeando o meu corpo, e em particular notei duas senhoras que pareciam ajoelhadas à minha esquerda. Depois soube que eram minha mulher e minha irmã, mas naquele momento não tinha consciência das individualidades: esposa, irmã, amigo, para mim tudo era a mesma coisa.

            Depois disso quis chamar a atenção das pessoas, para ver se as confirmava na certeza da sua própria imortalidade. Fazia-lhes graciosas saudações e enviava-lhes cumprimentos com a mão direita, colocando-me no meio delas; mas nenhuma atenção me davam.

            Então reconheci o cômico da minha situação.

            Eu pensava que isto devia ser percebido, mas não parecia, porque ninguém tirava a vista do meu cadáver. Comigo mesmo refletia:

            - Os outros só vem com os olhos do corpo, não podem ver os espíritos. Velam aquilo que tomam por mim, mas eu estou aqui mais vivo que nunca.

            Depois atravessei a porta, desci a escada e segui até à rua. Aí olhei em torno de mim. Nunca tinha tão distintamente visto essa rua como naquele momento. Notei a cor rubra do sol e as poças de água deixadas pela chuva. Olhei ansiosamente em volta de mim, como aquele  que vai ausentar-se do lar por muito tempo. Descobri então que era maior do que na minha vida terrestre, e isso me alegrou.

            Corporalmente eu era um pouco mais baixo do que desejava ser, e então pensava: "na minha vida talvez seja realizado meu desejo."

            Notei também que a minha roupa se acomodava à nova estrutura, e perguntava a mim mesmo, com admiração, de onde tinha vindo essa roupa e como me achava com ela sem o saber.

            O fabrico era parecido com uma espécie de tecido da Escócia, uma boa fazenda, não luxuosa, mas conveniente.

            Como me sinto bem! pensei eu: e há alguns minutos eu estava horrivelmente doente e sofria; eis aqui a mudança que nós chamamos morte, e de que tanto eu me horrorizava!: Mas operou-se: e sou eu ainda um homem vivo e pensante! - Sim certamente, pensante com maior lucidez do que nunca; e que bem-estar eu sinto! Nunca mais estarei doente, nunca mais morrerei!



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