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quinta-feira, 9 de agosto de 2012

52a. 'Doutrina e Prática do Espiritismo'



52a   ***



VII - A existência alternada do espírito: a vigília e o sono. Os sonhos. Porque não devemos temer a morte. Causas do temor da morte. A hora solene. A transfiguração pela desencarnação.  Magnitude do plano espiritual.  O culto dos mortos.

            O corpo é verdadeiramente o ergástulo do espirito. À semelhança, todavia, do pássaro domesticado que, a poder do hábito, renuncia o instinto de liberdade e termina por conservar-se voluntariamente preso, de tal modo aquele altivo prisioneiro chega, pela continuidade, a identificar-se com a cela que o retém cativo, que o horroriza a ideia de a abandonar definitivamente um dia, sob o império da ânsia insopitável de viver e não sabendo, na sua ignorância distinguir o eu real, imperecível, do transitório invólucro que habita, o homem, se o pudesse, ou se não encontrasse no sono, de par com a imperiosa necessidade do repouso, uma voluptuosa sensação, não abandonaria de bom grado, um só momento, o corpo.

            Seduzido pela miragem dos sentidos e tornando como realidade o que não passa de ilusão, agradar-lhe-ia viver em permanente estado de vigília, não tanto para saborear as alegrias do trabalho, que só uma abstrusa teologia pode fazer encarar como aviltante punição, quando é de fato a abençoada lei por excelência do universo vivo, mas para se entregar às enervantes delícias da ociosidade, repartida entre a curiosidade e o prazer . Mercê, porém, do aguilhão da necessidade, tanto mais multiplicada e exigente em seus desdobramentos quão mais se adianta em civilização, não tem remédio o homem senão cada vez mais intensificar a sua atividade, subdividindo-a entre os cuidados, que a sua própria conservação exige, e os encargos e deveres inerentes ao viver terrestre.

            Daí o labor de todos os dias, assim nos tumultuários centros populosos como nas pacíficas aldeias labor salutaríssimo, em que, desde os chefes de Estado aos mais obscuros cidadãos, das altas mentalidades absorvidas na solução dos remontados problemas da ciência e da filosofia, que outros utilizam nos domínios da arte, do comércio e das indústrias, aos rudes cavouqueiros e à humilde mulher do povo, buscando cada um atender a seus próprios gostos e necessidades, o que realmente fazem todos é desenvolver e aperfeiçoar as energias e aptidões do espírito, fatalmente submetido às exigências do progresso.

            Agradável para uns, penoso para quase todos, esse labor quotidiano, que é sinal de vida, destruiria contudo rapidamente a própria vida, se não fora alternado com o periódico repouso. O dispêndio nervoso e, com ele, o simples esforço muscular - destruição orgânica que são, como ficou anteriormente assinalado - reclamam, portanto, a reparação correspondente, que não pode ser obtida unicamente pela ingestão dos alimentos sólidos e líquidos, transformados quimicamente na economia orgânica em elementos nutritivos, mas só se pode satisfatoriamente efetuar mediante o sono.

            E porque? – Antes de tudo, porque, ao mesmo passo  que determina uma considerável diminuição da atividade funcional dos órgãos e, portanto, um entorpecimento favorável à renovação nutrícia, o sono, permitindo o desprendimento ou exteriorização do espírito, facilita, conforme de passagem aludimos em anterior capitulo, a absorção dos fluidos sutis disseminados na atmosfera, os quais, penetrando no corpo astral, são transmitidos ao corpo físico através dos inúmeros filamentos do cordão perispiritual por que se lhe conserva preso o espírito.

            Essa renovação de fluido - fluido vital, é o termo próprio – periodicamente efetuada, é que faz do sono, que o permite, o mais reparador dos alimentos. E é por isso que  nas enfermidades graves a ausência do sono é sempre um sintoma alarmante, um elemento desfavorável ao restabelecimento das forças e ao retorno da saúde. Aumentando constantemente as perdas de fluido vital e não sendo convenientemente reparadas, artifícios não há que logrem suprir a sua ausência; o esgotamento total termina, mais que qualquer outra desordem orgânica, por motivar a desencarnação.

            Detenhamo-nos contudo aqui, para indagar: qual é a causa determinante do sono? Ocasionando a exteriorização e consequente emancipação temporária do espirito - fenômeno propício à conservação do corpo, mediante a renovação de suas energias, e ainda mais favorável às necessidades do espírito, conforme veremos em seguida - produzir-se-á por si mesmo, automaticamente, como um incidente fisiológico normal? Será o resultado de um movimento espontâneo e instintivo, posto que inconsciente, do espírito, buscando evadir as constrições da carne, a que só por uma aberrativa noção, como tantas outras, peculiar ao estado de vigília, conserva tanto apego? Ou será, finalmente, produzido pela intervenção de um recôndito fator, que, sem consultar as preferências e apetites, tantas vezes desarrazoados, do indivíduo, tem a sua imediata expressão na lei que rege todos os fenômenos da vida, na ordem física, tanto como na esfera moral e espiritual?

            Se consultarmos as autoridades que pontificam nos domínios da fisiologia - digamos desde logo - não obteremos uma satisfatória explicação do sono, a cujo respeito não existe acordo e ainda menos uniformidade na exposição das teorias.

            Assim, para uns tem ele a sua explicação na hiperemia do cérebro (afluxo excessivo de sangue), ao passo que outros o atribuíam, inversamente, à anemia, fundando-se tais adversos partidários na "teoria circulatória," até que modernas observações histológicas inclinaram a opinião com melhor sucesso, aparentemente pelo menos, para o mecanismo funcional dos neurônios, como produtor do sono.

            É o que nos informa um autorizado pesquisador, o doutor Gustave Geley, que à sua qualidade de médico alia o título, para nós recomendável, de adepto formal do Espiritismo, às incertezas ou deficiências das teorias científicas, fundadas exclusivamente no materialismo, buscando, como nesse caso, sobrepor os ensinamentos colhidos numa longa observação dos fenômenos psicológicos e espíritas.

            Cedemos-lhe, por isso, a palavra, para uma larga e - acreditamos - instrutiva explanação.

            "No ponto de vista fisiológico - diz ele (1) - não consistiu por muito tempo a explicação do sono senão em teorias hipotéticas; foi só recentemente, graças às pesquisas histológicas, que se chegou por fim a compreende-lo satisfatoriamente.

            (1) Vide L'ÊTRE SUBCONSCIENT, págs. 25 e segs.

            "A tese do Dr. Pupin, O NEURONIO E AS HYPOTHESES HISTOLÓGlCAS sobre o seu modo de funccionar -THEORlA HISTOLOGlCA DO S0MNO, apresenta um resumo extremamente claro e completo da questão, das antigas teorias e das ideias novas:

            "As antigas teorias eram tão numerosas quão incertas e contraditórias. Uma primeira teoria, a teoria circulatória, atribuía o sono a variações periódicas na circulação sanguínea do cérebro. Unicamente os partidários dessa opinião não estavam de acordo a cerca dos caracteres de tais variações; uns, com de Haller, Cabanis, etc., acreditavam na congestão, na hiperemia do cérebro durante o sono; outros, com Durham, CI. Bernard, Mosso, etc, opinavam pela anemia.  

            "Uma outra teoria, a teoria química, fazia depender o sono da diminuição da quantidade de oxigênio do sangue e dos tecidos (acumulando-se o oxigênio durante o sono e diminuindo no estado de vigília pelos vários processos de atividade vital).

            "Essa teoria, sustentada por Humboldt, Purkinje, Pettenkofer, etc., foi combatida por Voie, que demonstrou não haver aumento da quantidade de oxigênio durante o sono.

            "Uma última teoria, a teoria tóxica, atribui finalmente o sono à acumulação de leucomainas produzidas pela atividade cerebral (Armand Gauthier, Bouchard, etc.).

            "As pesquisas histológicas vieram por termo a essas incertezas explicativas, permitindo uma nova teoria, muito clara e muito racional, do sono.

            "É a seguinte, sempre de acordo com o Dr. Pupin, essa teoria histológica, baseada nos recentes conhecimentos anatômicos fisiológicos relativos aos neurônios.

            "É sabido que se entende por neurônio a célula nervosa munida do seu núcleo, de seus prolongamentos protoplasmáticos e do prolongamento cilindráxilo arborizado .

            "Esses prolongamentos ramificados não se anastomosam (2) com os das células vizinhas, como se julgava outrora; as relações se operam, não por continuidade, mas por contiguidade.  

            (2) As pessoas não versadas na tecnologia científica explicaremos que anastomosar-se é o mesmo que enfiar-se, embocar um no outro.

            "Cada neurônio constitui uma "individualidade anatômica fisiológica e histológica, um todo isolado e independente." O sistema nervoso, em seu conjunto, não é mais que um "agregado de neurônios, sem soldadura entre si.”

             "Ora, no estado de vigília, a atividade funcional do cérebro seria caracterizada pela mobilidade e distensão dos prolongamentos ramificados, "dos tentáculos" dos neurônios, que entram assim em contato de célula a célula. No sono, ao contrário, há retração e imobilidade desses "tentáculos," que desse modo se isolam, detendo ou moderando a corrente nervosa.

             "Nenhuma dúvida, portanto, é fisiologicamente possível, a ser verdadeira essa teoria: o sono é essencialmente o repouso dos centros nervosos. A existência., todavia, de tais movimentos amiboides (1) não é admitida por todos os histologistas. Alguns dentre eles pensam que os neurônios estão sempre imóveis e que a transmissão nervosa se produz por uma espécie de verdadeira descarga.          

            (1) Movimentos de contração, dilatação, etc., como os que se supõe produzidos pelos neurônios.

            "Mas nessa hipótese ainda o sono só pode ser concebível como o repouso dos centros nervosos."

            E o doutor Geley prossegue:

            "Passemos agora à explicação psicológica do sono. Fazem-na em geral consistir pura e simplesmente nessa noção de repouso do sistema nervoso.

            "O sono - diz Mathias Duval - é a cessação reparatória, total ou parcial, das funções de relação."

            "Para Broussais, o sono não é mais que a cessação das funções intelectuais ou afetivas. No entender de Preyer, consiste no desaparecimento periódico da atividade cerebral superior.

            "Os fisiologistas, em sua maior parte, professam semelhante opinião. Entretanto a questão está longe de ser tão simples.

            "Se, no sono, se tratasse apenas de uma passageira obnubilação da inteligência, a explicação naturalmente repousaria por completo no fato de uma diminuição da atividade psíquica, por diminuição de atividade funcional do cérebro.

            "Precisamente, porém - e aí é que reside a dificuldade - a diminuição da atividade psíquica não é o fenômeno essencial nem mesmo necessário do sono.

            "O repouso do cérebro é principalmente caracterizado pela obnubilação da vontade consciente normal, obnubilação que não impede as outras formas de atividade psíquica ele persistirem ou mesmo de aumentarem, apesar do sono.

            "Sem falar da intensidade emotiva de certos sonhos, tristes ou alegres, basta considerarmos as manifestações tão importantes do trabalho subconsciente, para concluir que o sono não pode ter suficiente explicação psicológica numa diminuição da atividade funcional do cérebro.

            "E, entretanto, a fisiologia demonstra que o sono é o repouso dos centros nervosos.

            "Achamo-nos, portanto, em presença de uma contradição parcial, que me esforçarei por fazer cessar, na interpretação final que formularei da subconsciência e de todos os fatos obscuros da psicologia."

            Essa interpretação, particularmente, do sono, que é o objeto de nossa atual cogitação, vem, com efeito, páginas adiante (2):

            (2) Vide ob. cit., cap. IV, nº V , “Interpretação dos sonos", págs. 118.

            "Sabemos - repete o doutor Geley - que, no ponto de vista fisiológico, o sono é o repouso dos centros nervosos.

            "A contradição entre o repouso funcional e a possível persistência da atividade psíquica facilmente se explica, uma vez admitida a coexistência, na consciência pessoal, de uma subconsciência superior, independente do atual funcionamento cerebral.

            "Não há necessidade de procurar alhures uma teoria psicológica do sono e dos sonos .

            “No sono há, prime iro e antes de tudo, separação, rutura de colaboração entre o ser subconsciente e o cérebro. A consciência normal desaparece; o organismo entra em repouso e sua atividade é reduzida ao mínimo. Os sonhos ordinários, mais ou menos incoerentes, são o produto automático de uns restos de atividade cerebral, que não é totalmente abolida senão pela morte.

            "Os sonhos coerentes e lógicos, inteligentes, geniais, são manifestações da subconsciência superior que, longe de ser diminuída pelo repouso dos centros nervosos, é ao contrário exaltada, posto que sua atividade seja então mais difícil e irregularmente percebida.

            “As operações subconscienciais poderão chegar clara e imediatamente à consciência, se houver um despertar brusco, por qualquer motivo. No caso contrário não estão forçosamente perdidas para o ser consciente; apenas lhe vão chegando pouco a pouco, no estado de vigília, e muitas vezes se confundem com os produtos do trabalho voluntario.

            "O sono tóxico (narcóticos, anestésicos) permite as mesmas observações gerais. É, todavia, acompanhado não só de diminuição, como também de perversão das manifestações conscienciaies (embriaguez) .  

            "Restam os sonos hipnótico e mediúnico. É o mesmo o mecanismo. São eles essencialmente causados pela diminuição da atividade funcional do cérebro e obnubilação da vontade consciente.

            "Há, porém, mais que nos outros sonos, exteriorização do ser subconsciente, em variáveis graus, e daí a limpidez de suas manifestações aparentes."



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