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sexta-feira, 17 de abril de 2020

Religião de verdade


Religião de verdade

A Redação 
Reformador (FEB) 1º Dezembro 1929

            Parece incrível, mas espíritas há que pretendem não seja o Espiritismo uma doutrina religiosa, para conceitua-la de preferência doutrina filosófica, exclusivamente, deduzida de fatos experimentais, a eles circunscrita e, como tal, científica.

            Entretanto, Allan Kardec, missionário a quem foi posta a tarefa inicial de ampliar as eternas verdades, esquecidas e deturpadas através dos séculos pelo egoísmo dos homens a fim de repô-las ao nível da evolução mental contemporânea, disse de princípio; que o Espiritismo pela natureza mesma dos problemas que suscita, não deixaria de abranger e interessar todas as religiões.

            De fato: na transcendência de suas fontes, na unidade e universalidade dos seus princípios e respectivas aplicações, quer na ordem física, quer na ordem moral, o Espiritismo é ciência, mas, é também, e principalmente religião, ou, se o preferirem, ciência religiosa, de vez que abrange em magnífica síntese todas as religiões e induz a concluir não sejam elas mais, nem menos, que modalidades de uma única e eterna Verdade imanente, atraindo e acionando a criatura na medida exata do seu grau de evolução. O que o Espiritismo não é, nem poderá ser, nunca, é seita religiosa ao nível e de molde às seitas que aí se ostentam e digladiam no ambiente planetário, só por só, a reivindicarem política e materialmente, mercê de privilégios inconcebíveis, a posse das verdades divinas, a chave dos nossos destinos, para jurisdição e governo das consciências.

            Não o será, portanto, e muito menos, no aparelhamento e utilização dessas fórmulas de culto exterior, destinadas a impressionar os sentidos, mas, já agora, incapazes de faltar a alma e despertar a inteligência para os surtos do amor e da razão, alcandorando-a (colocando no ponto mais alto) aos esplendores da Fé espontânea, natural, livre de peias (amarras) e aranhões, abstrusos (ocultos) e dogmáticos.

            Não o será, enfim, no sentido de disciplina convencional, constritiva (que aperta) da consciência, mas se-lo-á na espontaneidade dos efeitos sobre a mesma consciência, pela grandeza de seus princípio, a constituírem-se imperativos lógicos, incoercíveis na fluência natural dos fatos, a não permitirem seccionamentos de efeitos e causas.

            De sorte que, se no domínio da experimentação fora lícito atribuir ao Espiritismo foros científicos, nem por isso se forraria alguém de lhe perquirir, não diremos as causas - porque essas na essência escapam sempre ao homem, em que pesem sua filáucia (amor desmedido de si próprio) e orgulho, quiçá por isso mesmo - mas, as leis que regem os fenômenos.

            Fenômenos inteligentes, complexos e porventura exorbitantes dos métodos clássicos de observação e raciocínio, mas atestantes, ao mesmo tempo, e uniformemente atestantes de uma fonte inteligente, extra material, eles conduzem logicamente, também, à concepção de uma inteligência suprema, absoluta, causal, ou seja – Deus.

            E se Deus é, sempre com Kardec o princípio, o fundamento racional de todas as religiões, não vemos como abstrair da doutrina dos Espíritos o seu caráter substancialmente religioso, no sentido veraz do vocábulo, isto é, no de ligar o efeito à causa, a criatura ao Criador.

            O misticismo, palavra cuja pronuncia parece causar calafrios na alma de muitos confrades forrados de presunções e devaneios racionalistas, não reside na confusão e na obscuridade, conforme acertadamente disse Steiner, porque o misticismo tem uma visualização mais vasta, por isso que implica a crença nas verdades eternas reveladas por Jesus, o maior de todos os místicos.

            Por sua vez, o oculto espiritual dessas verdades não pode eximir o crente, uma vez delas compenetrado, de viver aquelas virtudes que Ele, o Cristo, personificou.

            E assim temos, no Espiritismo, a sanção indefectível da Moral, implementar de toda a religião.

            Não bastassem estas razões para firmar o ascendente religioso da doutrina, outras nos sobrariam da categoria e mais que ostensiva conformidade dos Espíritos superiores, no afirmarem a existência de Deus, a imortalidade da alma e, finalmente, uma lei moral reguladora dos nossos destinos, tudo, enfim, que constitui o substrato das religiões.  

            Além disso, os Espíritos inculcam e aconselham a prece, ato fundamentalmente místico, como necessário à purificação e iluminação do próprio ser.  

            Considere-se, mais, que a humanidade não enferma da falta de conhecimentos científicos, hipotéticos ou falsos, definitivos ou transitórios, pois o que lhe falta não é ciência mas consciência de si mesma, noção intrínseca da sua origem e dos seus destinos, e fácil será concluir pela improcedência de um Espiritismo humanamente científico.

            Sempre com Kardec, vemos que ele se escudou no Evangelho, apontando- o como paradigma de progresso e salvação espiritual. Por outro lado, compreendemos que, se para ser espíritas e para ser felizes houvéramos de ser sábios, o Cristo teria vindo pontificar nos templos e nas academias para os sacerdotes e doutores do seu tempo.

            Ora, isso ele não o fez. Muito pelo contrário, elegeu por discípulos a humildes pescadores e buscou, de preferência, os simples de entendimentos mais ricos de coração. Publicanos e Madalenas. Nem para outros declamou, então, o “Sermão da Montanha”, monumento de sabedoria divina, apontado ao futuro dos séculos.

            Repetem-se os tempos: os arautos do Senhor baixam a revalidar -lhe os ensinos, a concretizar lhe as promessas; proclamam, alvissareiros, a ressurreição das almas na exatitude da Lei, e pretende-se, então, ver nisso os pródromos (os primeiros escritos) de uma nova ciência... Mas, por Deus! antes que a ciência dos homens se confesse espírita, faz-se preciso que o Espiritismo ressuscite para o Cristo, em espírito e verdade, os homens da ciência; que ela, a ciência, se faça cristã, não pela letra que mata mas pelo espírito que vivifica.

            Ora, a ciência humana ainda é, por índole e por princípio, profundamente materialista. Os que a professam, em regra, negando a Deus, colocam-se abaixo da esfera de influência dos Espíritos superiores, prepostos à remodelação espiritual do planeta, na hora agônica que transcorre.

            Também os sacerdotes e caudatários das religiões metafísicas e abstratas, agonizantes para não dizer mortas e amortalhadas no sudário das próprias dúvidas, não podem sincronizar as verdades que afloram com a doutrina dos Espíritos em clarinadas de ressurgimento moral. Uns e outros sectaristas, é natural que façam no mundo velho e para o velho mundo, a sua ciência, a sua religião. Nós outros, os coxos e estropiados, iremos sem presunções de escola, sem classificações preconcebidas, recolhendo de boa mente esmolas e subsídios para conhecimento da lei, meditando teorias e observando fatos, mas, sem embargo, orando e vigiando, principalmente, a fim de justificarmos no templo da consciência a religião da Ciência divina, por excelência, que é antes de tudo amor e só amor.

            Amor a Deus, em teoria, pelo conhecimento progressivo da sua obra maravilhosa e amor ao próximo, na prática, pelo sentimento, o que vale dizer na aplicação possível de maior justiça e de maior bondade.



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