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terça-feira, 14 de abril de 2020

Lásaro e o rico






Lázaro e o rico
Vinícius (Pedro de Camargo)
Reformador (FEB) Dezembro 1929

            Consoante se infere do assunto a que se acha subordinada a parábola evangélica cujo título nos serve de epígrafe, parece que melhor lhe assentaria a denominação seguinte:

            O Pobre e o Rico.

            Porque teria Jesus dado um nome ao pobre deixando-o de o fazer ao rico? Qual será a razão desta razão?

            Segundo supomos, o caso passou-se assim. O Mestre achou de bom alvitre formular uma parábola sobre as duas categorias de provações... a riqueza e a pobreza. Voltou, então seus olhos para a sociedade dos pobres, e encontrou ali um homem paciente e resignado, humilde e cheio de fé que suportava galhardamente a dura prova que lhe fora destinada. Esse homem chamava-se Lazaro.

            - Disse, pois, o Senhor: Eis aqui uma das personagens para a parábola. Perscrutando, em seguida, o arraial dos ricos verificou que eram todos ou quase todos, igualmente egoístas e duros de coração. Diante disso concluiu o Mestre:

            Denominarei esta outra figura de apólogo que vou urdir com o nome genérico - o rico - visto como é tão difícil se encontrarem exceções nesta classe como é difícil passar o camelo pelo fundo da agulha.       

            Ficou, por esse motivo, assim denominada a parábola: Lázaro e o rico.  

            O rico vestia-se de púrpura e linho finíssimo. Vivia banqueteando-se esplendidamente. Lázaro, enfermo e paupérrimo, mendigava o pão de cada dia. Recostado aos portais do rico esperava, em vão, que se lembrassem de lhe mitigar a fome. O rico na embriaguez dos prazeres, não o via. Tinha a mente enevoada pelos vapores das libações alcoólicas; e o coração impassível, mergulhado no paul (lamaçal) do sensualismo. Tão mesquinho era o seu estado de alma, que os mesmos irracionais levavam lhe a palma em matéria de sentimentos. É assim que os cães, condoídos de Lázaro, vinham acaricia-lo lambendo lhe as feridas.

            Eis que um certo dia a morte bate às portas de ambos: morre Lázaro e morre também o rico. A morte, rigorosamente imparcial como é, não distingue os ricos dos pobres, nem tão pouco aqueles que gozam daqueles que sofrem. 

            No entanto, a morte nada destrói, transforma apenas. Lázaro e o rico passaram para o plano espiritual. Ali, Lázaro é feliz, fruindo, no seio de Abraão, a doce paz de uma consciência tranquila e a alegria de um combatente que venceu a campanha e entra na posse dos louros da vitória.

            E o rico, tendo falido na prova por que viera de passar, sente-se confuso e humilhado com a derrota. Ralado de remorsos lembra-se do seu passado pecaminoso; e Lázaro - aquele que virtualmente fora sua vítima - aparece-lhe sereno e venturoso. Cena curiosa, então, se desenrola: não é mais Lazaro que mendiga do rico; é o rico que mendiga de Lázaro, dizendo: Pai Abraão, manda Lázaro aplacar as minhas aflições: que ele venha suavizar, de algum modo, o fogo deste remorso que me consome. E a voz da Justiça retruca pela boca de Abraão: Meu amigo, as condições de Lázaro e a tua são opostas. Cada um colhe aquilo que semeia. Tu és um vencido, Lázaro é um vencedor. Como pretendes, agora, anular num dado momento, os efeitos de uma causa que está contigo, que foi criada por ti no decorrer de uma existência toda? Entre o estado dos que triunfam e dos que sucumbem medeia um abismo, o qual não pode ser transposto como tu imaginas. A natureza não dá saltos; este axioma é verdadeiro tanto no plano físico como no espiritual. Tens que esgotar o cálice, tens que pagar até o último ceitil. As responsabilidades contraídas na vida terrena acompanham o Espírito onde quer que ele se encontre. Nada pode suspender o curso dessa lei.  

            Oh! pai Abraão, retruca o rico, cujos sentimentos começam a despertar, graças ao aguilhão da dor: Manda alguém avisar meus cinco irmãos acerca destas coisas, a fim de evitar que venham cair nestes tormentos. E a voz da Justiça obtempera pela boca do Patriarca: Teus irmãos estão, como tu estiveste, em provas. Lá mesmo na Terra há quem os advirta sobre isso. Se eles não ouvem a esses, não ouvirão tão pouco a um mensageiro celeste. Quando os homens se entregam à loucura dos prazeres sensuais ficam animalizados e inacessíveis às vibrações que os anjos lhes transmitem. Como, queres, pois, que um Espírito possa despertar teus irmãos, quando não lograram despertar-te? A Justiça se cumprirá com eles como está se cumprindo contigo. A dor os ensinará a compreender a responsabilidade em que todos se acham perante a Soberana e indefectível justiça de Deus. A dor lhes fará saber e sentir que aqueles a quem muito é dado - seja em bens espirituais, seja em bens temporais - muito será exigido; ensinará também que homens são responsáveis, não só pelo mal que praticam, como pelo bem que, podendo, deixam de praticar.

            E o rico conformou-se, compreendendo que – “dura lex, sed lex”.

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