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sábado, 18 de abril de 2020

Liberdade de ensino



Liberdade de Ensino
Túlio Tupinambá (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Janeiro 1958

             O ambiente católico andou alvoroçado com a perspectiva de alcançar a “liberdade de ensino” segundo os “princípios cristãos”. Há nessas palavras muita isca para peixes incautos. A Igreja considera “liberdade de ensino” a adoção de seus especialíssimos pontos de vista partidários. Para ela, “liberdade de ensino” é um eufemismo que encobre justamente a inserção de tirar do ensino a liberdade que ele deve ter, consoante as normas modernas da democracia. Seria, então, a liberdade de seus propósitos coercitivos, para prevalecerem as intenções católicas de coagir os que não se curvam aos caprichos clericais e desejam um ensino equidistante de quaisquer influências religiosas. Por “princípios Cristãos”, entende a Igreja “imposições católicas”, exercidas em detrimento de outros credos cristãos, não subordinados a Roma. Não pode o povo brasileiro renunciar às conquistas da República nesse sentido. Temos de pleitear o reconhecimento de uma liberdade real, ampla, livre de injunções dogmáticas e de preconceitos políticos de qualquer espécie. O ensino laico é o que melhor atende aos interesses do País. Nem se pode conceber volte o ensino a dominação depressiva e deturpadora, constringente e escravizante do clero católico, cuja intolerância é tradicional, cujo desapego às recomendações evangélicas se faz notório por sua guerra inclemente a quantos, embora seguindo o Cristo, se neguem a seguir a Igreja.

            O passado pode servir de exemplo claro e iniludível acerca da flagrante inconveniência de se enunciar aos benefícios do ensino laico, que pode perfeitamente ser dirigido num sentido moral e cívico sem se prender unilateralmente a qualquer corrente religiosa. Quando a Igreja fala em “princípios cristãos”, não se refere à orientação evangélica traçada por Jesus, mas à sua própria orientação, tantas e tantas vezes distante do Nazareno. O papel das religiões pode ser perfeitamente cumprido sem interferir no ensino, sem violentar a formação mental de crianças, sem predispô-la ao fanatismo, sem afogar seu espírito inexperiente nas trevas do obscurantismo clerical. Se a filosofia educacional de hoje não consulta os interesses da família brasileira, como soem dizer elementos de relevo da Igreja, a culpa cabe aos supostos mentores religiosos dominantes neste Pais há mais de quatrocentos anos, porque sempre contribuíram para isso, politicado, agindo partidariamente, em vez de trabalharem em plano superior, evangelicamente mais preocupados em servir à Humanidade do que em se servir dela. Em quatrocentos anos de ação no Brasil, a Igreja Católica não soube exercer com elevação e inteligência a missão que lhe cumpria, preferindo as facilidades da política profana aos sacrifícios de um apostolado verdadeiramente cristão. Se em quatro séculos a Igreja fez mais fanáticos e incrédulos do que cristãos legítimos, na verdadeira acepção da palavra, daqui por diante nada de melhor fará, porque agora o povo já está liberto de uns tantos preconceitos e não se deixa enganar tão amiúde, pois não teme a intolerância do alto clero, sabe discernir e escolher o caminho certo do Cristianismo do Cristo, como, por exemplo, o Espiritismo Cristão, luz que ilumina muitos milhões de brasileiros, entre os quais numerosos católicos aparentes, isto é, indivíduos que se dizem católicos, vão a missas, mas aceitam espontaneamente os ensinamentos espíritas, embora não procedam às claras, conforme a Doutrina recomenda aos seus verdadeiros adeptos do Espiritismo.

            Não faz muitos meses, foi denunciado na Câmara dos Vereadores, na capital carioca, um livro escolar em que a igreja, ferindo claro e indeclinável preceito constitucional, atacava o Espiritismo, recorrendo, como sempre, a argumentos falsos e deles tirando, naturalmente, conclusões do mesmo modo falsos. Isso demonstra o que poderá suceder se a “liberdade de ensino”, desejada tão ardentemente pelo credo católico, vier de acordo com os seus “princípios cristãos”, evidentemente divorciados do Evangelho de Cristo.  

            O tremendo ataque desfechado contra a personalidade do educador Anísio Teixeira foi igualmente boa amostra de que a velha e tradicional intolerância do alto clero está sempre disposta a repudiar o Evangelho para guerrear por todos os meios naqueles que possam impedir a consumação de seus desígnios. Se hoje a igreja não conta mais com o Santo Ofício e, consequentemente, com a possibilidade de “'purificar” milhares de pessoas em fogueiras acesas em nome de Deus, ou nos cárceres infectos e nas rodas, pavoroso Instrumento de suplício, ainda possui recursos outros que lhe conferem a subordinação política de grupos e indivíduos tolhidos por compromissos eleitorais.

            Precisamos da liberdade de ensino, mas essa liberdade somente poderá ser compreendida dentro do critério de laicidade indispensável a uma democracia legítima. Pior do que a “'filosofia educacional”, que o alto clero está acoimado de “falsa filosofia”, é a filosofia clerical, que se baseia no atrofiamento das faculdades de independência intelectual do homem e tem por fim cercear a liberdade de pensar e de discernir, para que tudo se faça conforme os desejos e as insinuações clericais. Bem pior que a liberdade mal dirigida é a falta de liberdade. Se o Brasil não tem, como julga a Igreja, uma filosofia educacional com necessidades morais de seu povo, de quem a responsabilidade maior, senão da própria Igreja, que, em quatrocentos anos, poderia ter estabelecido e consolidado uma filosofia fiel aos Evangelhos, fidedignamente cristã, em vez de estimular e contribuir, como tem feito, para a deturpação doa ensinamentos de Jesus, quando seus interesses políticos, dogmáticos e partidários assim o exigem!?

            Não se pense que exageramos. Se a lgreja estivesse obediente aos Evangelhos, não perseguiria ninguém, muito menos outras religiões, cristãs ou não cristãs, porquanto o princípio de tolerância deveria de ser um de seus mais evidentes apanágios, porque é necessária e essencialmente, apanágio dos ensinamentos do Cristo.


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