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sábado, 11 de abril de 2020

Consciência religiosa



Consciência religiosa
A Redação
Reformador (FEB) 16 Outubro 1929 

            Conan Doyle ao prefaciar a obra do Rev. Vale Owen diz, com justeza, que todas as religiões faliram em seus processos e objetivos, diante do conflito mundial (1ª Grande Guerra) que ensanguentou a parte mais civilizada da humanidade.

            Mas essa guerra, aliás prevista e proclamada, como expressão de falência moral, pode considerar-se apenas a explosão de um mal mais grave, mais profundo, que as religiões jamais cuidaram de aniquilar em suas fontes vivas.

            Originadas e organizadas à força e pela força amparadas, sempre, ora em luta franca, ora em acomodações veladas com os poderes temporais emergentes, as igrejas são filhas legitimas das revoluções e tumultos seculares, a caminharem de flanco e distanciadas de toda a evolução racional. Negativas na teoria e anódicas (sem importância) na prática.

            O seu contato, antes político que natural, se faz com os governos e não com os povos. Respeitadas ou temidas pela tradição de poderio e grandeza, em cultos externos aparatosos, elas, as religiões, deixaram de ser compreendidas e amadas em princípio e por princípio, para degenerarem, assim, num automatismo intelectual obrigatório e inconsciente. A obrigação substituiu a devoção, o ritual dispensa a indagação, a vibração, a iluminação.

            Ser crente não é ser consciente, é ser autômato e levado de roldão nas torrentes da vida, obediente e apassivado ao fatalismo do momento.

            Pontificados teóricos e não vividos nem demonstrados, legislações abstratas não podem, efetivamente, atuar no espírito das massas para modificar pendores inatos e melhorar os destinos da humanidade.

            E neste sentido fora talvez lícito modificar o conceito do ilustre pensador inglês, para dizer que as religiões não chegaram a falir, porque nunca, jamais, se provisionaram de recursos capazes de lhes assegurar uma hegemonia real, estável e definida, na pacificação do mundo.

            Nunca, a bem dizer, procuraram espiritualizar a crença, de feição a matar no homem apetites materiais, tal como fizeram os Apóstolos, sem recursos outros que os da própria Fé nas promessas do Messias de Deus.

            Politicantes (politiqueiros) por excelência, no intuito de senhorear as consciências e colaborando em todas e por todas as tiranias, os presumíveis ministros de Deus bem cedo se esqueceram de que só há uma realeza legitima e capaz de avassalar o mundo, que é a do amor.

            E o que aqui se aplica mais taxativamente à influência do pensamento religioso no ocidente, também se pode generalizar ao oriente, com as suas organizações aristocráticas e seccionadas do grande rebanho de fanáticos e supersticiosos, destinados mais a obedecer cega, passivamente, que a raciocinar inteligente e livremente.

            O rigor disciplinar das fórmulas convencionais, a autoridade dos textos escritos criou, dessa arte, um hábito que se transmite de geração a geração, em detrimento daquela autonomia natural que, num imperativo espontâneo e não menos natural da razão humana, constitui o “substractum” de todas as religiões, ou por melhor, dizer da Religião, que é uma e única, em síntese filosófica.  

            Em 1914, vimos a França católica, ao lado da Inglaterra luterana, combater contra a Alemanha luterana, a Áustria católica e a Turquia muçulmana; e todas teístas do mesmo Deus, a invocarem o seu Deus para o “sabá” - da destruição sanguinosa e fratricida!

            Agora, vemos o massacre de Judeus por maometanos, e vemos a Rússia cismática em fase da China búdica, prestes a se chocarem pelas armas! 

            Daí, a conclusão de que o sentimento religioso remanesce divorciado da finalidade religiosa em sua veraz acepção de fraternidade universal.

            Daí, a prova que as Igrejas, sejam quais forem os seus matizes ortodoxos e os seus métodos de ação e catequese, não tem autoridade para reivindicar uma jurisdição universal.

            Essa autoridade tê-la-á o Espiritismo firmado nos Evangelhos, porque oriundo dos Espíritos, que não têm pátria nem interesses mundanos a propugnar e não só falam, mas demonstra a realidade da sobrevivência do ser consciente, apontando-lhe um destino imanente e transcendente a todos os problemas ocasionais e contingentes ao plano físico, que é meio e não fim.

            A essa mesma conclusão chega o emérito pensador inglês, mas, para que ela seja uma realidade apreciável no desdobro das atividades coletivas do planeta, preciso se faz ainda, expurgar a criatura humana desse individualismo que lhe intercepta a visualização do problema universal, indefinido e eterno, e a retém manietada a preconceitos de casta, de raça, de pátria, de sociedade e de família, a confundir o que é de César com o que é de Deus, dando frequentemente a Deus o que é de César e a César o que é de Deus. É preciso, finalmente, se convença o homem que os Espíritos de hoje foram os homens de ontem e que, artífices da Verdade absoluta, por gradações relativas, em lecionarem de planos mais lúcidos, com maior amplitude e segurança, os desígnios da Providência, nem por isso nos isentam de esforço e trabalho próprios para nos libertarmos da ignorância e dos erros que lhe condizem quer moral, quer intelectualmente.

            E assim sendo, generalizado o critério das opiniões singulares, seja de encarnados, seja de desencarnados, à revelia de um padrão de aferências, de uma lei insofismável - neste caso a Lei de Amor qual se impõe nos Evangelhos em espírito e verdade - o Espiritismo acabar percorrendo o ciclo das religiões conhecidas, isto é: dividido e subdividido em escolas e seitas prontas a se digladiarem por amor à Verdade, mas, na verdade, fora e longe da verdade.

            Eis porque, ressalvados os imperativos de uma bem entendida liberdade e iniciativa individual, não prescinde a prática do estudo e meditação, do conhecimento, em suma, das leis que regem o mundo físico e o mundo espiritual.

            Não é, pois, uma doutrina de aplicações e rendimentos empíricos, mas racional e científica no que a razão e a ciência podem suscitar de mais nobre e elevado. Nem de outro modo se poderia conceitua-la, porque da ignorância só pode derivar o fanatismo.

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