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sábado, 25 de abril de 2020

Intolerância religiosa



Intolerância religiosa
Souza do Prado
Reformador (FEB) Outubro de 1929

            A intolerância é uma coisa que tem sido muito discutida, e em que, infelizmente - como sucede com muitas outras coisas - inda não foi possível chegar-se a um acordo, porque como em tudo, cada um se coloca em seu ponto de vista, não querendo sair dele por mais que os que encaram as coisas por outros prismas tentem meter-lhes os fatos pelos olhos dentro.

            Nós somos daqueles que mais atacados têm sido porque a nossa tolerância não vai ao extremo de consentir pelo silêncio que se cometam crimes visíveis e palpáveis: e porque somos tão intolerantes que combatemos com todo desassombro aqueles que conscientemente cometem tais crimes.

            É a isso, que os tolerantes, intolerantemente, chamam a nossa intolerância.

*

            Há cerca de dois mil anos que os judeus, expulsos de sua pátria, a Palestina, erram pela Terra, “em todo o mundo estrangeiros, toda a vida peregrinos”, mantendo-se sempre, porém, unidos, com uma constância e uma fé dignas da maior admiração. E, como é justo que cada povo e cada raça tenha a sua pátria, depois da “grande guerra”, a Liga das Nações reconheceu ao povo judeu os seus direitos à posse da Palestina, de que foram espoliados em outros tempos, e que outrora foi a Pátria de Israel.

            Surgiu, porém, a Inglaterra - a eterna “protetora desinteressada” dos povos indefesos, que sempre arranja um pretexto para os “defender” - e, alegando que os israelitas não dispunham de meios de defesa, arvorou-se em sua “protetora”, prontificando-se a usar os seus navios de guerra, a gastar o seu carvão, a arriscar as vidas de seus marinheiros, e a despender, enfim, milhares de contos de réis, unicamente por uma questão de “caridade cristã” para com o pobre povo judeu, que se não podia defender! ...

            Santo desinteresse o dos ingleses, só comparável ao da Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana ...

            E, que fez a Inglaterra, para proteger o indefeso povo judeu?

            Manietou os israelitas, impedindo-os de organizarem o seu exército e que eles poderiam organizar com grande facilidade -; e, agora, quando as primeiras hordas de ismaelitas os assaltaram, tentando massacrá-los, eis que aparece a “nobre” Inglaterra a afastar os árabes -- que continuam armados até os dentes - e a desarmar os judeus, deixando-os assim entregues, sem o menor amparo, à sanha sanguinária dos agarenos!

            Estes, por sua vez, vendo-os, assim, desarmados e desprotegidos, caem-lhe em cima, trucidando-os e massacrando-os, como se estivéssemos ainda em plena Idade Média, ou no tempo dos Césares!..

            E é no século XX, quando toda a gente e todos os países enchem a boca de civilização, que nós assistimos, completamente pasmados, à mais espantosa carnificina por motivos religiosos!

            E, o que é mais interessante e mais edificante é que, de todos aqueles que protestaram contra a perseguição aos católicos do México -- que nós já provamos exuberantemente que nunca existiu senão na cabeça dos interessados em difamar aquele país; de todos os que têm protestado contra a nossa “intolerância”, não se ouve uma única  voz de protesto contra a intolerância dos árabes, nem contra a doce expectativa da Inglaterra – a desinteressada protetora dos povos indefesos!...

            Mais ainda, os jornais católicos romanos, em vez de protestarem contra o massacre, limitam-se a lembrar “que é bom acautelar os interesses católicos na Palestina”, criticando ainda os ingleses, por “apoiarem o movimente sionista”, conforme se verifica dos seguintes telegramas publicados pelo Globo em 30 do mês findo:

            “Roma, 30 (A, B) – “A imprensa italiana abre largo espaço às informações telegráficas
sobre os atuais sucessos da Palestina.
            “Alguns jornais acentuam que a Itália, como grande potência católica, "tem interesse legítimo em todas as questões concernentes ao Santo Sepulcro.

            “A Tribuna, pondo em relevo, o que o governo da Palestina está sobretudo nas mãos dos protestantes, diz que a razão por que a Inglaterra apoia o movimento sionista, é o seu desejo de excluir o elemento católico

            Aos católicos, como se vê, nada importa que os judeus estejam sendo massacrados, desde que sejam acautelados os interesses da Igreja Romana!

            É natural, os árabes não estão trucidando os católicos...

*

            Na última sexta-feira, 30 de Agosto, assistimos de uma janela do terceiro andar do edifício do ‘Jornal do Commercio’, ao desfile, pela Avenida, de um cortejo de alguns milhares de pessoas, no mais humilde e comovente silêncio. Eram os israelitas residentes nesta Capital, que protestavam por essa forma contra o massacre de que estão sendo vítimas os seus irmãos da Palestina.

            Se fossem católicos protestariam com as armas na mão, e com os respectivos vigários na frente; mas os pobres judeus protestaram em silêncio, de cabeça descoberta. E nós, comovido com esse espetáculo, não o podemos deixar de recordar os versos de Tomás Ribeiro:

“Filha encosta-te ao meu seio,
que não tem pátria Israel.
.........................................................
Em todo o mundo estrangeira,
toda a vida peregrina!
Vêde se há mais triste sina!
Ser rica e não ter um lar!


Sempre a lenda do Ashavero,
sempre o decreto divino,
sempre a expulsar-me o destino,
como Abraão à pobre Agar l. ..

            E não nos envergonha confessar que as lágrimas nos mourejaram os olhos!

            Parecerá isso extraordinário em um homem “violento” e “intolerante”, corno nós, mas podem crer que é a expressão da verdade.  

            É que nós não admitimos que o povo judeu esteja “pagando o martírio do Cristo”, como afirmam muitos. Nada tem que ver o povo judeu com o que fizeram alguns judeus há vinte séculos; e, se é certa que ninguém paga senão as faltas que cometeu, não é menos certo que a Caridade verdadeiramente Cristã, que nos ensina o Espiritismo, nos leva a lamentar a sorte de nossos irmãos israelitas, acompanhando-o em seu sofrimento e em sua dor.

            Se assim não fora; se nós, por sabermos que só pagamos o que devemos, tivéssemos de ficar indiferentes a esse sofrimento do povo judeu, então teríamos que abandonar à sua sorte todos aqueles que sofrem... E isso é um absurdo inominável!

            É por isso que nós, que tantas vezes temos sido acusado de “intolerância”, por condenarmos crimes conscientemente cometidos por quem tem estrita obrigação de os não cometer não podemos deixar de protestar contra a intolerância religiosa, que inda massacra por motivos de crença em pleno século da aviação, bem como contra a indiferença criminosa dos que, protestando por tudo e por todas as coisas, quando não há motivos para protestos, guardam, agora, de Conrado o prudente silêncio!

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