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quarta-feira, 25 de julho de 2018

A Lei é igual prá todos?



A lei é igual prá todos?
Oswaldo Valpassos
Reformador (FEB) Janeiro 1956

Em 1912, época em que o clero católico estava em boas graças com o Governo (o clero procura sempre estar em boas graças com qualquer governo), os padres agiram de tal maneira que o significado de CURANDERISMO tornou-se tão elástico que era fácil à Policia prender como curandeiros os espíritas que aconselhassem água fluidificada ou aplicassem passes aos doentes que não podiam pagar ao médicos suas receitas ou adquirir medicamentos, dado o estado de pobreza deles.

Inimigo do Espiritismo, o clero, nas suas relações com os poderosos, conseguiu que o artigo 284 do nosso Código Penal se tornasse verdadeira armadilha para os espíritas, restringindo a prática da caridade nos Centros,

Diz o citado artigo 284:

Exercer o curandeirismo:
I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;
II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;
III - fazendo diagnósticos,
Pena - Detenção de seis meses a dois anos.

Como se vê, o maquiavelismo clerical trabalhou bem, impedindo que o espírita socorra piedosamente um doente aplicando-lhe passes (gestos) ou lhe dê um pouco de água fluidificada (qualquer substância).

Felizmente, a nossa Justiça, enxergando a maldade oculta, não tem sido rigorosa face às infrações que, de fato, nenhum mal têm acarretado ao próximo.

A verdade é que, para agir com severidade, acatando integralmente o espírito da lei, a Justiça teria que estender o seu braço ao padre Eustáquio, ao padre Antônio e outros que, como os espíritas, em nome de Deus, obtinham alívio para muitos sofredores. Daí, muitas absolvições nos tribunais.

Os Centros espíritas, no entanto, em respeito ao Código, se abstêm até hoje da prática dessa caridade, não obstante a necessidade de socorro aos pobres enfermos desamparados pelos poderes governamentais e que perambulam aflitivamente em nossa cidade, dia a dia mais numerosos.

O que choca, o que irrita é que os padres, os inspiradores do citado artigo elaborado de maneira a prejudicar os espíritas, são os primeiros a infringirem o Código, pois que na semana do Congresso Eucarístico, monsenhor Tapajós, na Igreja de N. S. de Lourdes, distribuiu a milhares de doentes água recebida da gruta de Lourdes, conforme noticiou a imprensa, Claro que esse ato está perfeitamente enquadrado no citado artigo 284.

Será que a lei foi elaborada somente para atingir os espíritas?

Ora, não constitui nenhum mal e nenhuma objeção pode ser imputada à distribuição da água de Lourdes aos doentes que acreditam e esperam a cura. A verdade é que no mesmo caso está a água distribuída nos Centros espíritas, aliviando os sofredores e servindo-lhes de consolo.

O que revolta pela injustiça é que o ato, embora inocente ou, digamos, benéfico, se constitui infração ao Código Penal, seja somente em relação aos espíritas.

Porque dois pesos e duas medidas?

Se, de acordo com a Constituição, a lei é igual para todos, porque então o vigário da Igreja de N, S. de Lourdes poda abençoar os doentes (gestos) e distribuir água de Lourdes (substância) e a mesma coisa é vedada aos Centros espíritas?

A Igreja Romana, empenhada no monopólio religioso, tem tido como armas a Intolerância, a perseguição e a incoerência através de sua maquiavélica campanha contra a liberdade de crença, querendo fazer da Humanidade um rebanho para servir os seus interesses.                    (Ext. de "O Mundo", 10-9-55)


Deus no Vaticano



Deus no Vaticano
Túlio Tupinambá (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Janeiro 1956

            Rejubila-se o mundo católico com mais um "'milagre", do atual Papa, nosso irmão Pacelli, que viu Deus, isto é, Jesus-Cristo, que a Igreja Católica, como se sabe, considera Deus. Portanto, mais uma legítima manifestação espírita se verifica entre católicos de alto coturno, alvoroçando os corações de todos os membros da Santa Madre. Nós, os espíritas, a quem os padres atribuem relações com o demo, porque também vemos Espíritos desencarnados, ainda que não sejamos Papas, não podemos, é claro, ter a pretensão de ver Deus.  Isto é privilégio do Pontífice e não de pobres cristãos sem credenciais papalinas. Ver Deus é algo de extraordinário e excepcional. Caísse algum espírita na tolice de ver Deus... Seria imediatamente excomungado, tido como o pior dos hereges, dado como mistificador e, se outros fossem os tempos, conduzido às câmaras de tortura de ferozes inquisidores, antes de serem torrados e reduzidos a cinzas em crepitantes fogueiras como nos tenebrosos espetáculos que enegreceram à Idade Média.

Muito embora Jesus houvesse reiteradamente demonstrado não ser Deus, intitulando-se Filho do Homem e chamando Pai a Deus, a Igreja católica, mais sábia, sobrepôs-se à palavra do Mestre, promovendo-o Pai, ele, que é o Filho... Encontramos, no Evangelho, inúmeras passagens que abonam o que dissemos: "Credes em Deus, crede também em mim”; "Se perdoardes aos homens as faltas que cometerem contra vós, também vosso Pai celestial os perdoará os pecados", "Aquele que me confessar e me reconhecer diante dos homens eu também o reconhecerei e confessarei diante de Deus Pai que está nos céus”. Ao dizer-lhe Simão Pedro que ele era "o Cristo, Filho de Deus vivo" Jesus replicou : "Bem-aventurado és, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne nem o sangue que isso te revelaram mas Meu Pai, que está nos céus."

Nós, que procuramos aprender as lições do Evangelho de Jesus, sem espalhafato, realizando vida simples e humilde, não temos a estultície de ver Deus. Essa graça é para quem pode.  Contentamo-nos em ver, quando possível, Espíritos familiares, Espíritos  amigos, Espíritos protetores. Não obstante, nossos "voos" modestos, a Igreja nos estigmatiza, condena e persegue, às vezes, até com diabólica sutileza...

Mesmo muito antes da Terceira Revelação, já se sabia, embora de modo vago e nebuloso, que o suicídio é pecado mortal para a alma. As igrejas consideravam irremissivelmente perdida a alma do suicida; mas só a Terceira Revelação nos vem mostrando todos os horrores a que conduz esse ato de orgulho rebelde contra a Justiça Divina.

Ver Deus. Ver Jesus. Milagres... O "Osservatore Romano" apareceu embandeirado em arco, segundo os telegramas, festejando o acontecimento, o grande "milagre" do Papa Pio XII, que viu Deusl

Pode ser até que o piedoso Pacelli tenha visto apenas um Espírito luminoso em manifestação comum, que nada tem de extraordinária e muito menos de milagrosa, e supusesse, maravilhado com o fato, ter visto o próprio Mestre. Houve talvez um caso de Teopsia (suposta aparição súbita de uma divindade), a aceitar-se a hipótese da aparição de Jesus. O fenômeno é comum, repetimos. Vem confirmar, uma vez mais, a realidade espirita, a procedência das afirmativas do Espiritismo, a verdade da Doutrina de Kardec, pois os fenômenos chamados espiritas não são exclusivos do ambiente espiritista porquanto podem ocorrer em qualquer ambiente, com qualquer pessoa, espírita ou não, crente ou não, rico eu pobre, branco ou preto, vacinado ou não vacinado. Evidentemente, não pomos a menor dúvida na realidade do fenômeno. Os padres sabem perfeitamente que tudo quanto o Espiritismo prega é verdadeiro mas não lhes convêm aos interesses confessar a verdade, porque, então, teriam de confessar também a inconsistência do edifício doutrinário católico, que vai desmoronando aos poucos, à medida que se ilumina o espírito do povo, operando-se a natural destruição de fantasias erigidas em dogmas, como o absurdo da ascensão de Maria em corpo material.

O curioso é que haja sempre dois modos de encarar um fenômeno. Se este ocorre no Espiritismo, é falso, é obra demoníaca, é embuste. Entretanto, se é no Catolicismo que ele sobrevém, é milagre e todos os sinos repicam alegremente... Nosso consolo é que, assim ou assado, a Razão vai ganhando terreno e dia virá em que se falada justiça ao Espiritismo, hoje negado, amanhã reconhecido.

Seríamos insinceros se afirmássemos não ter ficado contentes com a visão do Papa Pio XII. Sempre nos alegramos quando há manifestações psíquicas fora do Espiritismo. Elas podem ocorrer em qualquer tempo e em qualquer lugar, com qualquer pessoa. Foi o que aconteceu em 1954 quando a agência telegráfica United Press divulgou duas fotografias, reproduzidas em Agosto desse mesmo ano nesta revista, sob o título "Dois fenômenos espíritas" (ver página 179 de "Reformador" Agosto de 1954) . Numa, em desenho muito bem feito, vê-se, em Espírito, o Papa Pio X ao lado da freira Marta Ludovica Scorcia, a quem curou de meningite. Noutra, igualmente desenhada com capricho, acha-se o Espírito do referido Papa ao lado do advogado Francesco Belsani, de Nápoles, curado igualmente por esse Pontífice desencarnado, de uma moléstia pulmonar. Fatos tão corriqueiros no Espiritismo, de bondosos Espíritos que socorrem enfermos, fazem curas, realizam operações, significam milagres quando se verificam no meio católico. Em "Reformador" de Julho de 1954, (ver págs. 165 e seguintes). reproduzimos, sob o título "Pio X aparece a Pio XII", que foi o antigo Cardeal Pacelli e Papa atual, minuciosa notícia divulgada na Itália, na qual se lê que Pio X anunciara a Pacelli que este seria o novo Papa, o que efetivamente aconteceu. Em vista disto, os católicos consideram o episódio como outro "milagre" na vida de Pio XII!..

Diante do que vimos de escrever, o Espiritismo anda desembaraçadamente no Vaticano.  Não será surpresa se, algum dia, nos afirmarem que ali se realizam magníficas sessões espíritas, com o mais absoluto sigilo, como certas reuniões que se efetuavam no Rio, segundo soubemos, entre frades, desejosos, não apenas de estudar os fenômenos, mas de se aprofundarem mais e mais nos segredos da comunicação do mundo visível com o mundo invisível... Agora, é o "Osservatore Romano", com a sua autoridade de órgão pontifício, que confessa a vidência do Papa Pio XII, vidência prodigiosa, que lhe permitiu ver Deus no Vaticano.

Nosso desejo é que o Pai, com a sua infinita misericórdia, continue a obra de esclarecimento dos que tem olhos e não querem ver senão quando lhes convém... A mediunidade de Pio XII poderia até ser muito útil à Humanidade, se ele tivesse liberdade de revelar ao mundo católico o que lhe é mandado do Além, tal como faz o boníssimo e querido Francisco Cândido Xavier, psicografando ou psicofonando (perdoem-nos frieza do neologismo) mensagens de Emmanuel, André Luís, Irmão X e tantos outros abnegados trabalhadores invisíveis da Seara de Jesus, na luta pelo esclarecimento evangélico dos homens.

Quanto a nós, continuamos a cultivar a companhia desses bons Espíritos até que, por misericórdia de acréscimo, possamos um dia ter a mesma graça que alcançou Pio XII, e ver Deus... fora do Vaticano.  

terça-feira, 24 de julho de 2018

Compreensão para os Adversários



Compreensão para os adversários
Albino Teixeira por Manoel Joaquim Pereira Jr
Reformador (FEB) Maio 1974

Relembrando o querido Mestre Allan Kardec, que há precisamente 105 anos se desprendeu do seio da Terra para os cimos divinos da luz, onde o aguardava Jesus,  avaliamos melhor, hoje, o seu aprendizado de labor incessante, levando ao mundo
Luzes imortais.

Sua luta, seu sacrifício e suas aflições foram grandes e muitas vezes deixaram-no enfermo e angustiado, sentindo que muito faltava, muito tinha que fazer ainda em benefício da obra com que se comprometera perante o Senhor.

Ao concluir os seus últimos trabalhos, a fim de serem dados a lume, cai fulminado na idade de 64 anos.

Missionário do Bem e da Verdade, a quem muito devemos, cumpre-nos imitá-lo, procurando compreender todos os que discordam da sua obra santificante que Ismael se empenha, com tanto carinho, em levar aos corações, não só da Pátria do Cruzeiro, mas do mundo inteiro.

Na verdade, a luta é grande. As incompreensões se acumulam: Mas, não vacilemos, não nos entristeçamos. O Senhor do Mundo está presente e saberá conduzir todos os que -procuram ser fiéis no divino trabalho de renovação e elevação das criaturas. Só a pureza da Doutrina nos dará a verdadeira força de vencer e iluminar aqueles que ainda não encontraram Jesus, em espírito e verdade.

Muita fé, oração e vigilância, e chegaremos a termo feliz.


O Demônio da Dúvida



O Demônio da Dúvida
Ismael Gomes Braga
Reformador (FEB) Julho 1954
 
            Escreve-nos uma leitora estudiosa, dizendo que não pode compreender suas próprias dúvidas.

Conhece bem os fenômenos espíritas e sabe que eles são universais e eternos: todos os povos bárbaros e primitivos conheceram tais fenômenos e sobre eles fundaram suas mitologias, suas diversas formas de religião.

Sabe que esses fenômenos estão relatados na Bíblia, nos Vedas, no Alcorão, em todas as obras fundamentais das grandes religiões, bem como na literatura profana de todos os povos e de todos os tempos. Não desconhece que as sessões experimentais de espiritistas e metapsiquistas confirmam sobejamente, com rigoroso controle científico, tudo que as literaturas antigas das religiões e dos poetas afirmam sobre a existência de um mundo espiritual, habitado por seres bons e maus que espelham muito bem as virtudes e defeitos da Humanidade.

Ela mesma possui faculdades mediúnicas, embora pouco desenvolvidas, que lhe têm prestado relevantes serviços e demonstrado a sobrevivência.

Não pode duvidar da probidade das pessoas que tem publicado relatos de fenômenos espíritas, porque os depoimentos dessas pessoas se confirmam uns aos outros em escala mundial.

Observa a concordância planetária dos depoimentos dos Espíritos sobre os pontos fundamentais como a sobrevivência da alma.

Não encontra nenhuma brecha aberta, dentro da mais rigorosa lógica, para a descrença: sente-se cercada de provas por todos os lados; mas tem, apesar de tudo, momentos de dúvidas atrozes, durante os quais pensa que tudo é ilusão e fantasia e que a morte é o fim de tudo para o ser humano e que só os materialistas tem razão.

Interroga-nos como se podem explicar essas contradições em seu espírito; como consegue o demônio da dúvida apossar-se dela e fazê-la sofrer pavorosamente?

Quando se deixa dominar pela descrença, sofre profundamente porque sente perdidos para sempre os seres bem-amados que a morte já lhe tragou: esposo, filhos, pais, amigos caros que viu partir para sempre.

Supondo que o assunto possa interessar a outras pessoas que sofrem semelhantes crises de descrença, pareceu-nos conveniente responder à consulta neste artiguete.

Todos nós temos faculdades mediúnicas, a capacidade telepática mais ou menos desenvolvida de receber pensamentos e sentimentos de outras pessoas, sejam estas Espíritos encarnados ou desencarnados. Vivemos cercados de Espíritos sofredores, materialistas, ateus, tanto visíveis como invisíveis, com os quais infelizmente temos afinidade pela nossa condição de Espíritos igualmente atrasados e inferiores.

Pelos nossos próprios conhecimentos já não podemos duvidar mas há uma verdadeira multidão de pessoas que ainda não possuem os nossos conhecimentos nem procuram esclarecer-se sobre a eternidade da vida. São materialistas completos e integrais, embora quase sempre nominalmente filiados por tradição a uma igreja espiritualista, como o Judaísmo, o Catolicismo, o Protestantismo. Quer estejam desencarnados, como Espíritos perturbados que não compreendem seu próprio estado, quer ainda encarnados, esses Espíritos emitem pensamentos e sentimentos negativos e que nós recebemos como se fossem nossos.

Muitos desses Espíritos são cientistas, inteligentes e instruídos em coisas materiais que raciocinam com energia e projetam nas almas alheias suas convicções materialistas. A Irmã que nos escreveu viveu sempre cercada de admiradores da sua beleza rutilante e também de mulheres invejosas e ciumentas. Uns e outras pensaram sempre muito nela, de modo material e apaixonado.  Só na velhice veio ela a conhecer o Espiritismo e a criar outra roda de relações mais espiritualistas. Remeteu-nos uma fotografia antiga, na qual vemos uma jovem belíssima e pomposamente ornamentada. A beleza física e a riqueza são provas duríssimas para o Espírito, porque engendram tentações e orgulho. Criar hoje outro mundo mental, espiritualista, eternista, rompendo com as relações do passado, com as atrações e repulsões que inspirou durante decênios, é tarefa difícil, más necessária. A luta vai ser longa, mas a velhice ajudará muito a obra da construção do seu futuro sobre as bases sólidas da espiritualidade superior.

No estudo do Espiritismo vemos outra categoria de pessoas que encontram tremendas dificuldades a vencer e por vezes invencíveis numa encarnação: são os sábios, os professores universitários da ciência oficial materialista. Passaram a mocidade lendo e admirando obras de mestres materialistas. Formaram com seus mestres, colegas e alunos um mundo materialista orgulhoso e fechado ao Espiritismo. Quando tomam conhecimento dos fenômenos espíritas, estão repletos de preconceitos materialistas e captando inconscientemente, por afinidade, a inspiração de outros materialistas encarnados e desencarnados.

Uns negam tudo, até os fenômenos mais verificados, e permanecem indiferentes a esse grande ramo de conhecimentos. Outros admitem os fenômenos, como René Budre, Morselli, Von Schrenck-Notzing, Henry Price, mas negam sua origem espírita e ficam no ar, admitindo as mais absurdas hipóteses naturistas para fugirem da verdade, tão simples e inevitável, que os Espíritos nos ensinam.

Todas essas pessoas terão longas lutas que se poderão estender por uma série de encarnações; mas a verdade virá a triunfar em suas almas, em seus corações, com a continuidade do estudo e com as mudanças de meio que os Guias saberão empregar sabiamente em beneficio delas, e com a repetição sempre crescente dos fenômenos que põem em evidência a imortalidade da alma.

A nossa encantadora missivista já iniciou essa luta; a mudança de meio já começou a processar-se em seu benefício na atual existência; mas ainda conserva o velho hábito de sentir-se superior a toda a gente que a cerca. Falta-lhe ainda a humildade indispensável a sintonizá-la com as esferas mais elevadas e mais felizes do amor divino.

A jovem bela, rica, inteligente, enérgica e por tudo isto orgulhosa e ousada, vai-se transformando na anciã intelectual, estudiosa, instruída e orgulhosa de sua nova superioridade sobre toda a gente inculta que a cerca.

Em qualquer de suas formas o orgulho fecha as portas de nossa alma à instrução superior e nos lança nas vibrações inferiores e negativas dos sofredores. Mas na eternidade temos tempo para tudo...

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Roteiro dos Médiuns



Roteiro dos Médiuns
Indalício Mendes
Reformador (FEB) Janeiro 1956

Ninguém é realmente espírita se não observa rigorosamente os princípios doutrinários do Espiritismo. Aceitar as manifestações fenomênicas, frequentar sessões, tomar passes mediúnicos, consultar irmãos desencarnados, não confere condição espírita a quem quer que seja.

Falar e escrever sobre assuntos espíritas, comentando trechos do Evangelho segundo o Espiritismo, sem, no entanto, a imprescindível exemplificação, é dar falsa aparência de autoridade. O legítimo doutrinador dá os exemplos de observância da Doutrina e do Evangelho, haurindo de sua conduta os elementos para as dissertações e os artigos. Bem difícil se torna seguir o caminho reto, mas íngreme, da exemplificação. Mas nele é que está o verdadeiro mérito do doutrinador. O “faz o que eu digo e não o que eu faço” é divisa dos acomodadores imersos nas trevas do farisaísmo. O espírita prega o Espiritismo principalmente pelo exemplo.

Isto posto, observemos a enorme, a imensa responsabilidade dos médiuns. Não se julgue que a mediunidade seja um ornato espiritual. É, antes, uma sobrecarga, um compromisso muito sério. Para uns, ela não tem o caráter de missão; para outros, é um encargo que dirá, no futuro, da verdadeira personalidade do médium. Missão ou encargo, de qualquer modo significa responsabilidade. Portanto, o médium que se exime do trabalho mediúnico, falseando deveres que deve cumprir, assume uma posição muito grave em face de Deus. A nenhum deles é licito esquivar-se ao trabalho, pois as responsabilidades se multiplicam, acarretando-lhes, não raro, embaraços suscetíveis de lhes causarem perturbações em toda uma existência. Quase todo médium possui uma constituição nervosa muito delicada e sensível. O trabalho mediúnico bem orientado e metódico lhe favorece o equilíbrio da economia nervosa o que se torna benéfico à sua saúde e também ao seu futuro espiritual.

Fugir às obrigações decorrentes da mediunidade representa um erro de consequências muitas vezes lamentáveis. Ninguém é médium por acaso. O dom lhe é conferido pelo Alto para ser exercido na Terra. Essa incumbência, se gera benefícios, produz também responsabilidade. Há médiuns que ligam pouca ou nenhuma importância ao mediunismo. Preferem os passatempos agradáveis, os prazeres mundanos, ao trabalho fatigante e benemérito numa sala de desenvolvimento mediúnico ou no trabalho de as assistência aos semelhantes. Se quisessem meditar um pouco e pensar acerca dos obstáculos que essa atitude imprevidente poderá criar-lhes no futuro, certamente prefeririam a boa luta de todos os dias, em vez de o enganador descanso das tarefas mediúnicas e a perniciosa perda de tempo em conversas fúteis ou em encontros nada edificantes.

Mediunidade é trabalho. Mediunidade é responsabilidade. Mediunidade é um meio de aferir a verdadeira estatura moral do Espírito que, encarnado, se deixa iludir pela volubilidade dos sentidos materiais, renunciando a compromissos de honra assumidos no Além. Muitos casos de distúrbios nervosos, ante os quais a Medicina se confessa impotente se originam do abandono do exercício da mediunidade. O acúmulo de energia nervosa provoca perturbações graves, pois o indivíduo não encontra meios de dar evasão a essa força sustada pelos fenômenos da retenção de mediunidades. Se se entregar ao exercício da faculdade mediúnica, sob orientação segura e metódica a pouco e pouco poderá restabelecer o equilíbrio nervoso e readquirir, desta forma, a normalidade psíquica afetada justamente pela sobrecarga mediúnica.

Se todo médium se dispusesse a seguir, com inflexível rigor, o rumo certo, tomando como exemplo a vida limpa de Francisco Cândido Xavier, o trabalho mediúnico seria de tal modo enriquecido que belas revelações viriam juntar-se às que já nos chegam através do devotado irmão de Pedro Leopoldo e de outros médiuns sinceramente dedicados ao Espiritismo. A humildade é a primeira qualidade do espírita, principalmente do médium. A pontualidade no cumprimento de seus deveres, assim como a elevação do espírito a climas morais progressivamente mais altos, são pontos de indiscutível vantagem para o aprimoramento de sua personalidade mediúnica... O médium que estuda e vai para o campo de serviço com a mente adequadamente esclarecida, terá maior franquia espiritual do que aquele que se mostra indiferente ao estudo e desassizado. Entre um lavrador que não procura adaptar-se às necessidades de sua época, utilizando meios mais práticos e inteligentes de trabalho e outro que busca estudar o problema da fertilização da terra, da adubagem conveniente a cada natureza de plantação recorrendo também aos processos científicos de lavrar o terreno, não há dúvida de que este último obterá resultados muito mais vantajosos, não só porque os processos por ele, empregados são mais seguros e econômicos, como porque lhe será possível fazer cálculos de produção mais amplos e garantidos do que os do lavrador apegado a princípios empíricos. O médium estudioso e fiel observador da Doutrina é um lavrador progressista. Quer ir para a frente, desenvolvendo sua capacidade produtiva. O outro, mais lento, menos senhor de si, porque não se liberta dos hábitos adquiridos, poderá ter safras satisfatórias, mas estará mais sujeito a desastres, por não saber como defender-se da intempérie, das pragas, etc.

Quanto melhores forem os médiuns, tanto mais elevado será o nível doutrinário do Espiritismo, que deve assentar-se em duas pilastras mestras: Doutrina e Evangelho. A elevação moral do médiuns terá de amparar-se nas lições evangélicas de Jesus e nos ensinamentos doutrinários contidos nos livros de Kardec, complementados pela obra de Roustaing - “Os Quatro Evangelhos” e pela de Saião – “Elucidações Evangélicas", assim como de Emmanuel e André Luiz, para somente mencionar as principais. Humildade, estudo, trabalho, devotamento, renúncia e, sobretudo fidelidade aos princípios espíritas, eis o roteiro aconselhável aos médiuns.


Mensageiro da Esperança



Mensageiro da Esperança
 Indalício Mendes
Setembro (FEB) Setembro 1954

            Digno de todas as bênçãos é o serviço de beneficência realizado pelos espíritas, em favor dos deserdados da fortuna e dos enfermos da alma e do corpo. Obra santificada, essa, que muitas vezes exige grande e enobrecedor espírito de renúncia dos que a praticam. Aqueles que se entregam à faina de ir visitar a miséria em sua intimidade, tomando contato direto com a dor alheia, sem se preocuparem com a posição religiosa dos necessitados, levam aos infelizes o pão que acalma a revolta das vísceras famintas, a coberta que atenua os rigores do frio, a veste que retarda a nudez enxovalhante, o medicamento que contribui para restabelecer o equilíbrio orgânico, dando ensanchas a que se estabilize a saúde indispensável ao cumprimento das obrigações inerentes à vida terrena. A par disso, leva ainda palavra amiga, o esclarecimento que pode transferir aos corações sofredores o conforto espiritual Imprescindível à integral recomposição da criatura necessitada. São numerosos os serviços de caridade instituídos pelo Espiritismo para atender às dores do mundo, sem qualquer retribuição, assim como sem distinção de raças e de credos, tal como Jesus exemplificou e consta do Evangelho. Sem vacilarem ante obstáculos quase insuperáveis, desdenhando das imposições da fadiga, sacrificando mesmo interesses e conveniências particulares, mas compenetrados da nobilitante missão que lhes cabe cumprir, os espíritas percorrem longas distâncias, sobem morros íngremes, de difícil acesso enfrentam circunstâncias muitas vezes desagradáveis, sob o sol, sob a chuva, pisando a lama ou respirando o pó das estradas, sem outro fim que não seja: o de servir, de fazer o bem, consoante o rumo evangélico, Assim, iluminam sua rota com a luz imperecível do Evangelho de Jesus e executam seus programas de assistência.

*

Quantas vezes, no esforço seletivo da sindicância, acolhem conceitos inadequados e imerecidos! No entanto, fiéis às normas de trabalho prefixadas, procuraram, escudados na fé e fortalecidos pela tolerância, apanágio da religião espírita, dissolver pacientemente as incompreensões, com a elucidação ponderada; responder, com o silêncio ungido de vigilância, às imprecações geradas pela cólera de indivíduos perturbados espiritualmente; transformar conceitos pejorativos em bênçãos sobre os que, coitados, ainda não se encontram em condições de avaliar os esplendores da luz nem os perigos da escuridão. Nessa luta gigantesca, que não repercute em outros ambientes, porque é guardada no âmago do coração, os espíritas acabam por firmar pé e triunfar, porquanto são acompanhados, nessas peregrinações cristãs, pela advertência de Jesus a Paulo: “Tem bom ânimo; pois assim com deste testemunho de mim em Jerusalém, assim importa também que o dês em Roma.”

É possível que, entre tantos dedicados obreiros do Espiritismo, algum se detenha, às vezes, para considerar o peso do fardo que carrega e, em tais momentos, que Espíritos inferiores acoroçoam, faz-se mister a reflexão serena, pois é preferível ceder a tarefa a quem a possa executar de boa-vontade, do que insistir que alguém a realize sem entusiasmo. A atitude mental que adotamos pode facilitar o ato que pretendemos consumar, Há sempre uma efusão fluídica quando pensamos ou agimos. Muitas vezes um ato não chega a concretizar-se, mas fica marcado em nossa subconsciência. Todo trabalho feito com desânimo dá resultados deficientes. Pelo menos, disse o Mestre: “...fazei o bem e emprestai, sem nada esperardes, e será grande a vossa recompensa, e sereis filho do Altíssimo; porque Ele é benigno até para com os ingratos e maus.” Eis porque o serviço de caridade tem de ser feito com alegria no coração, com sentimento amoroso, para que seus efeitos sejam realmente benéficos. A esmola dada friamente, sem vibração amorosa, não encontra eco na senda espiritual, é semente desperdiçada em terreno sáfaro. Caridade não se faz com o coração vazio de amor, porque, então, não será caridade, uma vez que lhe falta o complemento valioso.

Por isso, o serviço de assistência a enfermos do corpo e da alma, aos que são atingidos também pela provação econômica, é de extraordinário alcance social e altruístico. Não se trata de amparar e estimular a ociosidade nem a mendicância profissional, mas de prover aos que são realmente necessitados e não têm meios de tirar do trabalho o suficiente para a sua subsistência ou o seu amparo. Daí a imensa responsabilidade moral do serviço de sindicância, destinado a separar o joio do trigo, a resguardar os que são verdadeiramente necessitados. A vulto de importância a tarefa dos trabalhadores espíritas
no setor, e eles a realizam com o mais puro sentimento de paz, compreensão e amor. Caridade seca, orgulhosa, indiferente, humilhante ou espalhafatosa, não é rigorosamente caridade. Herdeiros do Cristianismo primitivo, os espíritas continuam hoje a cumprir sua abençoada missão, que ainda mais se desenvolverá no futuro. Seu benemérito trabalho se expande dia a dia por não lhe faltar a ajuda preciosa do plano invisível. Criaturas bem intencionadas colaboram com essa obra grandiosa, fazendo donativos de toda sorte, sem resvalarem para a propaganda das boas ações que praticam. O espírita consciencioso, de que nos fala Kardec, trabalha sem alarde, anonimamente, se possível. O que vale para Deus não é a caridade insincera, que objetiva laurear quem a faz, mas a caridade simples e modesta, na qual não sabe a mão esquerda o que a direita faz. A não ser assim a caridade se torna conspurcada pela vaidade e envilecida pela hipocrisia, humilhando, não raro, quem a recebe. Os que assim procedem, não são caridosos, mas egoístas, porquanto beneficiam seu orgulho, em detrimento da infelicidade de seus semelhantes. “Praticam, porém, todas as obras para serem vistos pelos homens.”

*

E mais frequente, e bem mais fácil, decorar e repetir os versículos do Evangelho, do que seguir-lhes o escarpado curso da exemplificação. O melhor crente não é o que sabe recitar preces e provar a memória na citação calorosa das passagens da Boa Nova, mas aquele que, humilde, afina os sentimentos na prática das boas ações, que sabe transformar o mal em benesses e adubar o coração para produzir frutos santificados.

Qualquer ato de caridade deve ser iniciado com o pensamento puro, para que se envolva em fluídos positivos e revigorantes, capazes de transmitir aos que sofrem o desejado alivio. Na medida do amor posto no ato de caridade, o que o pratica será igualmente beneficiado, consoante a Lei da Retribuição ou Lei da Causa e do Efeito. Todos somos necessitados de caridade, muitas vezes ainda mais do que aqueles que presumimos em piores condições do que nós, tanto assim que nos cumpre servir e a eles, serem servidos. A riqueza material jamais poderá suplantar em valia a riqueza espiritual. No entanto, quando a riqueza material é também utilizada em obras de benemerência, deve ser abençoada. Nem sempre o egoísmo humano se liberta facilmente de preconceitos desenvolvidos e mantidos pela ausência ou pelos defeitos de educação. Para sermos realmente caridosos com os nossos semelhantes, devemos enriquecer-nos de humildade, tolerância e amor. Perante o mundo, a felicidade é geralmente condicionada à maior ou menor posse de haveres. Perante o Altíssimo, a felicidade somente pode ser encontrada através da exemplificação do bem, no exercício da caridade sincera, no testemunho permanente do amor elevado. “Quando, pois, deres esmola, não faças tocar a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem honrados pelos homens; em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita para que a tua esmola fique em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te retribuirás.”

Os abnegados obreiros espíritas, que se entregam, cheios de ânimo e zelo evangélicos, aos trabalhos de assistência aos necessitados, são legítimos Mensageiros da Esperança. Dão aos abandonados a certeza de que não se encontram sós; mostram aos aflitos que poderão fazer jus ao bálsamo da tranquilidade, desde que não percam a fé ou se esforcem para recuperá-la: transmitem, àqueles que se debatem na dor física, a confiança em dias menos angustiosos, assim como levam, aos que são acicatados pelo sofrimento moral, o sedativo da paz, através da palavra oportuna e da caridade que, a mancheias, derramam sobre a Terra os trabalhadores invisíveis, que nunca faltam, que jamais deixam de lutar pela libertação dos que ainda se achem enclausurados em pensamentos negros
e obsidentes.

*

“Fora da caridade não há salvação” - sentenciou Allan Kardec. O Espiritismo é fundamentalmente caridoso e os espíritas, integrados na Doutrina que nos legou o Codificador, devem palmilhar atentamente o rumo evangélico. Podemos todos cumprir nossos deveres de espíritas cristãos, ainda que tenhamos as mãos vazias, desde que nos apresentemos com o coração cheio de bondade, o pensamento inundado de perfeita compreensão evangélica. A boa-vontade opera prodígios. O Espiritismo dá o pão do Espírito e também dá o pão da carne. Sua obra humanitária cresce a todo instante, agiganta-se e há de abarcar toda a Terra. É a Religião que está triunfando sem violência, por força mesma da sua expressão divina. Todos os trabalhadores da Seara de Jesus, no plano da caridade objetiva e subjetiva, os obreiros visíveis e os obreiros invisíveis, são amparados pelas bênçãos do Mestre, Paradigma de Caridade, que é expressão pura do Amor!

Clama, não Cesses


Dr. Bezerra de Menezes

Clama, não Cesses
Bezerra de Menezes
Reformador (FEB) Agosto 1954


"Não são os que dizem Senhor, Senhor que entrarão no reino do Céu, mas os que fazem a vontade daquele que está no Céu...”

O sacerdócio hebreu mesclou o culto divino de impurezas humanas, e foi esta a origem da sua condenação.

A Igreja romana fez outro tanto: adora a Deus com os lábios e tem o coração cheio de Iniquidades.

O Espiritismo, Terceira Revelação, complemento da Messiânica, precisa evitar o temeroso escolho.

O exemplo de suas antecessoras é farol que deve guia-lo em sua rota para o desejado porto.

Se os espíritas não compreenderem, melhor que o sacerdócio hebreu e melhor que a Igreja, a sagrada missão de depositários das eternas verdades, do que servirá à Humanidade a Nova Revelação, o orvalho do Céu, para acalmar a sede abrasadora dos filhos da Terra?

Espiritismo não é ciência como apregoam os que procuram, nos fenômenos por ele produzidos, antes o maravilhoso do que ensinos de salvação.

Se o Espiritismo fosse ciência, seria invenção ou descoberta dos homens, como têm sido todas as que são conhecidas até hoje.

Se fosse ciência, fonte de luz para a inteligência, seria, como todas as que são conhecidas até hoje, extremes de ensinos religiosos.

Apontai uma sequer das ciências humanas, cujos cultores, esses sábios que enobrecem a história da Humanidade, procurem devassar-lhe os segredos indo pedir luz e inspiração ao Evangelho ou à Bíblia.

Entretanto, qual é a pedra fundamental do Espiritismo, em sua pura concepção?  O Evangelho. O Evangelho, sim; porque o fim da revelação espírita, clara e positivamente prescrito pelos seus reveladores, únicos competentes para determiná-lo, é a interpretação do ensino divino em espírito e verdade.

E, se este é o fim posto por Deus, como no-lo ensinam seus emissários, donde os fundamentos para o considerarem ciência?

Ciência é ele, porque altíssima religião; e quem diz religião diz ciência, por ser religião a ciência das ciências.

Neste sentido, e só neste, pode-se dizer que o Espiritismo é ciência e Religião científica.

Querer, porém, destacar os dois elementos, dos quais um procede do outro, é desnaturar a Revelação, tal como fizeram Jerusalém e Roma.

Qual tem sido a nova ciência formada com os elementos emprestados ao Espiritismo? Que nome tem ela? Quais são suas leis? Explica-nos ela seu objetivo?

Os homens da ciência estudam seus fenômenos e procuram explicá-los pelas lei conhecidas da ciência, eis tudo; mas já conseguiram fazer, dele e por ele, um corpo de doutrina científica? Nada têm conseguido no sentido desse seu maior empenho.

Entretanto, aí está desafiando a fúria da incredulidade o Espiritismo brilhantemente organizado em alta e sublime doutrina religiosa!

Como, então, é ciência, se não dá para a constituição de uma ciência? Como deixa de ser religião, se dá para a constituição da mais elevada doutrina religiosa? Meditem, sobre estes nossos mal esboçados conceitos, aqueles que quiserem colher frutos de vida na nova árvore plantada pelo Redentor.

Meditem, e reconhecerão que os Espíritos das trevas, no seu incessante mourejar contra a verdade e contra o bem, é que insinuam essas distinções, no intuito de perturbarem as inteligências e arrastarem os mais fracos, se não puderem arrastar todas, ao redil de sua perdição.

Deixemos aos infelizes que se deixam seduzir pelas vozes da serpente, as glórias de figurarem no meio dos que se julgam iguais a Jesus, e procuremos merecer o glorioso título de servos de Jesus.

“Deus, Amor e Liberdade” é o seu lema, com o qual procuram, sob a bandeira do Espiritismo, reunir em torno de si os que se deixam levar por palavras, sem perscrutarem o fundo moral das obras.

Invocam o nome de Deus, os que não seguem sistematicamente os ensinos de Jesus, que é o pensamento de Deus!

Falam em nome do amor, emanação do próprio Deus, os que não o podem sentir, desde que não amam a Jesus, puríssima encarnação do divino sentimento, como Verbo do Senhor!

E pregam liberdade; sabeis como e para quê?

Como meio de se libertarem da lei de Deus pregada por Jesus, e para abafarem os escrúpulos das almas timoratas, a fim de subjugá-las ao seu modo de compreender o amor, de compreender a liberdade, de compreender o Espiritismo!

Espíritas: O caráter essencial da verdadeira fé, como no-lo ensina o divino Mestre, é a humildade no sentimento, é a humildade nas ações.

Ao espírita, que desejar ser discípulo de Jesus, diremos: o verdadeiro espírita deve procurar ocultar as suas boas obras, como os maus ocultam as suas; e se o dever lhe impõe a obrigação de fazê-las em público, como é hoje o da propaganda, deve portar-se com a prudência e a modéstia com que os Apóstolos pregavam a Boa Nova.

Onde quer que vejais placas e bandeiras, como anúncio permanente de sessões espíritas, crede: aí não está nenhum espírito religioso, e se gostais de divertir-vos, entrai e, se procurais o verdadeiro Espiritismo, fugi e orai pelos que o deturpam.

Os templos não têm placas, nem flâmulas, nem arautos pregando pelas ruas e praças ao som de timbales (tamboretes). Esses são meios empregados por empresas teatrais para atraírem concorrência. Isto é próprio de festas mundanas, nunca de exercícios religiosos.

Se virdes os jornais profanos pejados todos os dias de notícias de trabalhos espíritas, com os nomes dos eméritos trabalhadores, concluí, de tais manifestações aparatosas, que não há espírito religioso em quem as fez; e o príncipe do mundo que as insinua no ânimo dos que as fazem.

O Espiritismo é a Revelação divina e, como tal, com os homens ou sem os homens, há de propagar-se por toda a Terra, como no-lo prova a Revelação messiânica.

Felizes os que concorrem com seu fraco esforço para que seja feita na Terra a vontade do Senhor; desgraçados os que, sob falsas aparências, arrastarem seus irmãos a falsas concepções da santa lei.

E concorre-se para a execução da obra de Deus, trabalhando com o maior respeito e humildade como o que trabalha à vista do Senhor da vinha.  

Talvez haja severidade nestes nossos dizeres, mas, além de que não se arranca o cancro, sem dor, acresce que está acima de todas as considerações humanas o amor do próximo, que nos impõe o dever de tentar o maior esforço por abrir os olhos aos que dormem nas trevas da morte e de prevenir os incautos do abismo que se lhes cava debaixo dos pés.

(*) Artigo editorial do Dr. Bezerra de Menezes, no ‘Reformador’ de Setembro de 1896.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Possessão e Exorcismo


Possessão e Exorcismo
por Hermínio Miranda
Reformador (FEB) Maio 1974

A ficção contemporânea descobriu há algum tempo o riquíssimo filão dos fenômenos psíquicos. O tema, aliás, se apresenta facilmente à exploração de todos, dado que verdadeira maré montante de fenômenos e de estranhos cultos se espraia pelo mundo. Logo em seguida, as fábricas de ilusão de Hollywood se apossaram da mesma temática para "faturar" alto o interesse e a curiosidade de milhões de criaturas humanas por toda parte. Em lugar dos antigos e ingênuos filmes de horror, começaram a surgir estórias mais elaboradas, como “O Bebê de Rosemary”, em que a feitiçaria é explorada em termos da veemente linguagem cinematográfica dentro das melhores técnicas de manipulação da imagem e do som.

A mais recente investida nesse campo é o famoso livro de William Blatty, "The Exorcist", que figurou consistentemente na lista dos "best-sellers" americanos por algum tempo e foi logo produzido em filme de grande sucesso. É difícil dizer se isso é um bem ou não, mas é fácil observar que se trata de um fato. Os meios de comunicação acham-se, no momento, definitivamente interessados na fenomenologia psíquica e, certos de responderem a uma demanda pública bastante ávida, colocam todos os recursos de que dispõem a serviço da técnica de divulgação sob forma de estórias de alto poder dramático.

Amigos que sabem das nossas ideias e da nossa familiaridade com a fenomenologia nos fazem perguntas entre irônicos e curiosos: Você leu o livro? Viu o filme? Que acha? É verdade aquilo? Como o Espiritismo entende a possessão? Vocês fazem exorcismos?

É difícil, numa simples conversa, na brevidade de um encontro social ou no intervalo das atividades profissionais, dizer o suficiente para informar com precisão aquele que pergunta para esclarecer-se, mas não tem preparo bastante para penetrar questões de tamanha densidade e complexidade. Como, porém, é melhor acender uma vela do que lamentar a escuridão, resolvi preparar este modesto trabalho que, sem descer às profundidades e sem espalhar-se pela amplidão que o tema requer, possa conter algumas informações colhidas em fontes que merecem fé.

Uma dessas preciosas fontes é o excelente trabalho de pesquisa realizado pelo eminente professor T. K. Osterreich, da Universidade de Tübingen, na Alemanha e que tive a ventura de encontrar soterrado na poeira de um "sebo" carioca. Trata-se de uma tradução publicada em 1930, pela editora Richard R. Smith, de Nova York, sob o título "Possession - Demoniacal and Other among Primitive Races, in Antiquity, the Middle Ages, and Modern Times" ("Possessão - Demoníaca e Outras entre os Povos Primitivos, na Antiguidade, na Idade Média e nos Tempos Modernos"). A obra original é de 1921 e o texto inglês ocupou 400 páginas, pois os pesquisadores germânicos são pacientes, metódicos, meticulosos e tem o hábito de esgotar o assunto de que cuidam.

Voltaremos daqui a pouco ao livro do professor Osterreich. Antes precisamos de delimitar o campo da nossa especulação e conversar um pouco sobre a terminologia a ser empregada no decorrer deste trabalho. É preciso esclarecer também que não invoco aqui minha autoridade pessoal, que é nula - estou apenas sacando ao banco de dados da Doutrina Espírita, de suas obras suplementares e complementares as informações de que necessitamos para melhor entendimento dos problemas que pretendemos discutir.

* * *

Os dicionários comuns de pouco nos serviriam nesta emergência. Limitam-se a dizer - como, por exemplo, o Funk & Wagnalls - que possessão é o estado de encontrar-se possuído, como por maus Espíritos.

A Enciclopédia Britânica, com muito mais propriedade e penetração, discorre com relativa segurança sobre o tema, em seu artigo sob o título "Possession", embora, evidentemente, sem admitir a conceituação que emerge da Doutrina Espírita. Para os autores da Britânica, a possessão é o "suposto controle do corpo humano e da mente por um espírito estranho, humano ou não-humano; ou a ocupação por um espírito estranho de alguma parte do corpo humano, causando doença, dor, etc." (Os grifos são meus.)

O Espiritismo não admitiria a possessão de um corpo humano pelo Espírito de um ser não-humano. Ademais, que quer dizer a Britânica por não-humano? Animal? Demoníaco? Monstruoso?

O desdobramento do artigo, não obstante, revela que a ótica de seus autores é toda situada nos fenômenos da possessão primitiva entre os povos incultos do passado e do presente, dado que numa frase seca e com implicações finalistas de quem encerra o assunto vem esta observação:

"Os fatos documentados (pela pesquisa) são explicáveis como sintomas de doenças mentais ou resultantes da sugestão."

O professor Osterreich, extremamente meticuloso na coleta de suas informações subscreveria com pequenas modificações a conclusão da Britânica, como veremos.

Na Codificação Kardequuma o assunto vem tratado especificamente em "O Livro dos Médiuns''', capítulo XXIII) e em “A Gênese", capítulo XIV, 45 a 49, sob o título "Obsessões e Possessões".

Na primeira obra citada Kardec apresenta a obsessão como um dos problemas mais sérios do exercício da mediunidade e informa que a palavra obsessão é termo genérico de um fenômeno que pode desdobrar-se em três principais variedades: a obsessão simples, a fascinação e a subjugação. A primeira delas é a menos perniciosa -porque, usualmente, o médium - pois todo obsidiado tem forte componente mediúnico - está consciente das manobras e dissimulações do Espírito, o que certamente o incomoda, mas não o perturba a ponto de provocar desarranjos mentais.

A fascinação é fenômeno possessivo de consequências bem mais graves, porque o agente espiritual atua diretamente sobre o pensamento de sua vítima, inibindo-lhe o raciocínio e levando-a à perigosa convicção de que as ideias que expressa, por mais fantásticas que sejam, provêm de um Espírito de elevado gabarito intelectual e moral. Seu engano é evidente a todos, menos a ele próprio, que segue, fascinado e servil, o Espírito que se apoderou sutilmente de sua mente.

Na subjugação, Kardec distingue dois aspectos: a moral e a corporal. No primeiro caso, o ser encarnado é constrangido a tomar atitudes absurdas, como se estivesse completamente privado do seu próprio senso crítico. No segundo caso, o obsessor "atua sobre os órgãos materiais e provoca movimentos involuntários", obrigando a sua vítima a gestos de dramático e lamentável ridículo. Ao comentar esses aspectos, Kardec é de opinião que o termo subjugação é mais apropriado que possessão, de uso mais antigo e corrente. O que conhecemos, assim, por possessão, seria então um caso extremo e grave de obsessão. O Codificador justiça a sua escolha, informando que a possessão implicaria a admitir a existência de seres criados para o mal e perpetuamente voltados para o mal, o que não existe, pois todos são suscetíveis de progresso espiritual. Segundo, “porque implica igualmente a ideia do apoderamento de um corpo por um Espírito estranho, de uma espécie de coabitação, ao passo que o que há é apenas constrangimento", o que pode ser perfeitamente expresso pela palavra subjugação.

Ao reexaminar, porém, o assunto, em “A Gênese", talvez por uma questão de clareza didática, ele preferiu os termos mais usuais, chamando a obsessão de ação persistente que um Espírito mau exerce sobre um indivíduo", enquanto que na possessão, “em vez de agir exteriormente, o Espírito atuante se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado; toma--lhe o corpo para domicílio, sem que este, no entanto, seja abandonado pelo seu dono, pois que isso só se pode dar pela morte. A possessão, conseguintemente, é sempre temporária e intermitente, porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar de um encarnado) pela razão de que a união molecular do perispírito e do corpo só se pode operar no momento da concepção".

Ensina Kardec que, na obsessão grave, o obsidiado fica envolto e impregnado de fluidos perniciosos que cumpre dispersar pela aplicação “de um fluido melhor", ou seja por processos magnéticos, através de passes, por exemplo.

“Nem sempre, porém - adverte Kardec -, basta esta ação mecânica; cumpre, sobretudo, atuar sobre o ser inteligente (itálicos do original) ao qual é preciso se possua o direito de falar com autoridade que, entretanto, falece a quem não tenha superioridade moral. Quanto maior esta for, tanto maior também será aquela."

E acrescenta:

“Mas, ainda não é tudo: paro assegurar a libertação da vítima, indispensável se torna que o Espírito perverso seja levado a renunciar aos seus maus desígnios; que se faça que o arrependimento desponte nele, assim como o desejo do bem, por meio de instruções habilmente ministradas, em evocações particularmente feitas com o objetivo de dar-lhe educação moral. Pode-se então ter a grata satisfação de libertar um encarnado e de converter um Espírito imperfeito."

Informa ainda Kardec, ao encerrar suas observações, que tanto as obsessões como as possessões apresentam, não raro, características epidêmicas, ou seja, coletivas, alcançando simultaneamente uma quantidade de pessoas numa mesma comunidade. Veremos isto no livro de Osterreich:

Creio que com esse mínimo de noção acerca de como o Espiritismo encara o problema, podemos passar à frente.

* * *

Osterreich dividiu o seu livro em duas partes, a primeira para cuidar da natureza dos estados de possessão, reservando a segunda para um extenso e minucioso relato histórico a que chamou "Distribuição da Possessão e sua Importância do ponto de vista da Psicologia Religiosa". Depois da conclusão, apresenta um apêndice sobre a Parapsicologia.

A intenção revelada no prefácio é a de oferecer aos filósofos a oportunidade de uma abordagem nova aos problemas suscitados pelo fenômeno.

Seu ponto de partida são as repetidas referências dos evangelistas à possessão, das quais escolheu algumas, como em Marcos 5:2-10 (o possesso de Gerasa), Marcos 1:23-27 e 9:17-27, Mateus 12:22, Lucas 13:10-13, Atos 19:13-16 e vários outros, bem como narrativas dos mesmos episódios nos diferentes evangelistas.

É impossível - observa o ilustre professor - evitar a impressão de que estarmos tratando de uma tradição autêntica."

Fenômenos idênticos são relatados igualmente por inúmeros autores leigos através dos tempos, o que empresta aos fatos observados uma aura de veracidade que seria impossível deixar de admitir, como assinala o autor.

Luciano (nascido no ano 125 de nossa era) descreve um cidadão que praticava profissionalmente a forma de exorcismo então conhecida: era um sírio que dialogava inteligentemente com o Espírito possessor, perguntando-lhe como havia entrado no corpo.

O paciente - escreve Luciano em "O Amante da Mentira" - permanece silencioso, mas o demônio responde em grego ou em línguas bárbaras e diz quem é ele, de onde vem e como entrou no corpo do homem: este é o momento escolhido para conjurá-lo a retirar--se; se ele resiste, o sírio o ameaça e finalmente o expulsa.

Um certo Flávio Filostratos, na biografia que escreveu de Apolônio de Tiana, conta um episódio de possessão e um curioso exorcismo. Uma senhora apresentou-lhe o filho possesso, explicando que o demônio gostava dele porque tinha uma aparência muito agradável e acrescentou:

"Ele (o suposto demônio) não lhe permite o uso de sua própria razão, impedindo-o de ir à escola, de aprender a manejar o arco e a flecha e até mesmo de permanecer em casa; leva-o para lugares ermos. O menino não tem nem mesmo sua própria voz; emite sons graves e profundos como os de um homem adulto. Os olhos pelos quais ele vê não são os seus."

Mais adiante, a mulher informa ao sábio que de suas conversas com o possessor este a informou, pela boca de seu filho, que era o Espírito de um homem morto na guerra e que muito sofria com a saudade de sua esposa. Além do mais, a ingrata traíra impiedosamente sua memória três dias após sua morte, casando-se novamente. Havia mesmo tentado uma "barganha" com a mãe do menino. Se ela não o denunciasse, ele faria muitos benefícios ao jovem, de quem muito gostava. Cedo, porém, ela descobriu que suas promessas eram enganadoras e que o possessor continuava a agir com leviandade e egoísmo.

Como o menino se recusara a ir ver o sábio, Apolônio de Tiana entregou à mulher uma carta contendo "as mais terríveis ameaças" ao demônio.

Não ficamos sabendo se o Espírito levou a sério as ameaças.

Cirilo de Jerusalém, autor cristão do século quarto, também tinha noção exata do fenômeno da possessão, descontada naturalmente a sua crença de que o possessor era o próprio demônio:

“Sua presença é das mais cruéis e opressivas; a mente fica obscurecida: seu ataque é também uma injustiça e uma usurpação de recursos alheios. Pois ele usa tiranicamente o corpo dos outros e seus instrumentos como se fossem de seu próprio domínio; atira no chão os que estão de pé: perverte a língua e contorce os lábios. Emerge espuma em lugar de palavras; o homem fica envolto em trevas; seus olhos estão abertos e contudo sua alma não vê através deles e o miserável estremece convulsivamente até morrer:"

Relato quase idêntico faz Zeno de Vernona (morto pelo ano 375 da nossa era). Descreve a terrível cena da possessão, acrescentando que o possessor informa acerca de seu sexo, "o momento e lugar onde entrou na pessoa, diz o seu nome e a data da sua morte".

Este escritor não chama o possessor de demônio, como muitos, e sim de "espírito impuro".

Um texto recolhido por Kerner refere-se a um caso do século XVI: Uma jovem apresentou os sinais característicos da possessão. Muitos sacerdotes foram falar com ela, tanto os do lugar como das vizinhanças, "mas a todos o diabo replicou, com um desprezo que excedia a todos os limites e, quando questionado acerca de Jesus, respondeu com tal desprezo que é impossível reproduzir".

Outra narrativa do século XVIII historia um caso também tratado por um sacerdote que dialogou com o "demônio", mas sem grande sucesso:

“A despeito de que a possessa uma vez mais recuperou sua razão naquela oportunidade sem se lembrar do que havia Satanás falado por sua boca, ele não a deixou por longo tempo em paz depois que eu parti; atormentou-a tanto quanto antes... "

Osterreich encerra a narrativa desses e de outros episódios admitindo francamente que a concepção psicológica da possessão ainda é bem pouco conhecida. Realmente o é, para aqueles que desconhecem ou recusam os ensinamentos e as experiências acumuladas pela prática espírita há mais de cem anos.

Ao examinar as fontes da possessão, o ilustre professor tem oportunidade de enunciar de passagem uma das suas teorias prediletas: depois de confirmar que a possessão tem sido um fenômeno abundante na história das religiões, "desaparece ou recua para as sombras", sempre que prevalece um elevado grau de civilização. Lamento discordar do eminente autor. O que acontece é que as sociedades primitivas, a despeito de toda a generalizada ausência de cultura, tal como entendemos modernamente esse termo, sempre demonstraram um conhecimento bastante realista do fenômeno da possessão, tanto quanto da sobrevivência do Espírito e até da reencarnação, ao passo que, na sociedade moderna, uma porção de nomes sofisticados e "científicos" foram inventados para rotular e mascarar legítimos casos de possessão, como esquizofrenia, psicose, neurose, fuga, dissociação dupla ou múltipla personalidade, etc. Isso não quer dizer, porém, que a possessão deixou de ocorrer somente porque o homem se "civilizou". Compulsando os impressionantes levantamentos estatísticos mundiais, diríamos até que, ao contrário, a interferência dos Espíritos desencarnados através da obsessão e da possessão, é cada vez mais ativa, dominadora e vigorosa, dado que, vivendo numa época de tensões insuportáveis e desorientação moral e filosófica nunca esteve o homem tão facilmente à mercê dos desencarnados igualmente desorientados e confusos.

Em rápido exame crítico das fontes de referência, Osterreich admite que "os relatos mais interessantes e pormenorizados vem precisamente de autores que acreditam na realidade da possessão e quando combinam a observação exata com boa capacidade descritiva (o material) pode ser bem utilizado, a despeito do ponto de vista dos autores”.

O grifo é meu, evidentemente. Quis apenas destacar o fato de que, sem querer, o ilustre professor reconhece implicitamente que tem melhor visão do fenômeno aqueles que o interpretam como ação de uma entidade estranha ao possesso.

Luiz J. Rodriguez, no seu livro "God Bless the Devil" (edição Bookman, 1961), observa que está mais perto da realidade aquele que encara a possessão como invasão da personalidade pelo demônio do que aquele que insiste em enquadrar o fenômeno no quadro clínico de origem interna, caracterizando-o como distúrbio psíquico inteiramente livre de influência externa direta. O demônio seria, pelo menos, uma personalidade estranha à do possesso e, ao tratar o fenômeno como tal, há muito mais "chance" de êxito do que se apenas o considerarmos como doença mental originada no próprio paciente.

Aliás, o professor Osterreich inicia o segundo capítulo de sua obra, ao estudar os sinais externos da possessão, com a afirmativa de que "a primeira e mais notável característica é a de que o organismo do paciente parece invadido por uma nova personalidade e é governado por uma alma estranha".

Profundas alterações ocorrem, então, no timbre da voz, na expressão fisionômica, nos gestos, no vocabulário, em toda a personalidade, enfim, naquilo que ela possui de essencial e característico.

Neste ponto do livro, transcreve ele um longo trecho da obra de Theodore Flournoy  "Des Indes à Ia Planête Mars", que comentamos em "Reformador" de novembro de 1972. No trecho citado, Flournoy descreve as alterações de personalidade ocorridas em Helène Smith, quando se incorporava nela o Espírito que se identificava como Cagliostro. Aqui, porém, o leitor espírita já está de sobreaviso, pois sua formação doutrinária o informa de que neste exemplo estamos falando sobre mediunidade e não possessão. Ainda que o fenômeno da possessão exija um componente mediúnico da parte do possesso, é claro que não pode ser colocado lado a lado com o do exercício normal da mediunidade controlada e disciplinada. O professor Osterreich, porém, não se atrapalha por tão pouco, pois classifica o fenômeno mediúnico puro e simples como possessão voluntária... com o que admite, nitidamente, a participação de entidade estranha à do médium que cede seu corpo físico ao Espírito manifestante. Ele não vai, no entanto, ao ponto de expressar tal concessão, que seria muito para a rigidez de suas concepções.

Suas citações estão, porém, continuamente a desmentir suas próprias teorias. Podemos tomar qualquer uma delas, que se acham disseminadas às centenas por todo o livro. Esta é retirada do livro "Névroses et idées fixes" (Neuroses e Ideias Fixas) de Pierre Janet:

"Era um espetáculo extraordinário para nós que ali estávamos, ver aquele Espírito mau falar pela boca da pobre mulher e ouvir ora o timbre da voz masculina, ora da feminina, mas tão distintas uma da outra que era impossível acreditar que havia apenas uma mulher falando."

A perplexidade dos observadores leigos é compreensível, pois sem admitir a independência da personalidade invasora, o mecanismo não faz sentido. É o que vemos também em F. von Baader:

"Se dois estados poderiam até então ser observados nela, o estado comum de vigília e o magnético (sonambúlico), era agora necessário distinguir três: o estado comum de vigília, o bom estado de vigília magnética e o mau estado de vigília magnética. A voz, os gestos, a fisionomia, os sentimentos, etc., eram nos dois últimos estados citados exatamente como céu e inferno. De modo particular as feições se alteravam tão rapidamente que dificilmente se poderia confiar nos próprios olhos ou reconhecer no estado satânico a mesma pessoa do bom estado magnético.”

Coloquemos isso em terminologia espírita para entender: a mulher era médium e nada fazia senão produzir fenômenos mediúnicos. Apresentava-se alternadamente em estado de vigília lúcida e ora incorporada por um Espírito turbulento, ora por um Espírito tranquilo e equilibrado.           

*

O mesmo von Baader menciona caso em que o possesso falava de si mesmo na terceira pessoa. Muito simples: não era o possesso que falava e sim o possessor, e cada vez que este se refere ao seu médium é claro que tem de chamá-lo de ele ou ela, na terceira pessoa, e não eu.

Kerner, muito alarmado, ao relatar outro caso informa que “tudo quanto esses demônios dizem pela boca daquele homem é inteiramente diabólico em sua natureza e completamente oposto ao caráter do indivíduo possuído. Consiste em zombarias e maldições contra tudo quanto é sagrado, contra Deus e nosso Salvador e -particularmente em zombarias e maldições dirigidas contra as pessoas que se acham sob seu domínio, a quem eles ultrajam pelas suas próprias bocas e batem com seus próprios punhos".

Ao estudar os "estados subjetivos do possesso" (capítulo 3), o professor Osterreich informa, à pág. 26, que, em tempos mais recentes, especialmente aí pelo século XVIII e bem mais no século XIX, "a crença no demônio está diminuindo" e, em consequência, acredita-se que são as "almas dos mortos que não se acham em paz que entram nos vivos". (O estaque é do original.) Acrescenta, porém, que já em tempos muito remotos encontramos indícios dessa mesma crença, ou seja, de que não são demônios os obsessores e possessores, mas almas dos mortos, isto é, Espíritos desencarnados, como diríamos nós. Segundo Osterreich, os povos primitivos admitiam também as possessões "boas", ou seja, de Espíritos mais esclarecidos que vinham voluntariamente trazer sua contribuição de afeto. Donde se conclui que, nessas matérias, como dizia Luiz J. Rodriguez, que cito novamente, antigos, rudes e ignorantes xamãs (1) revelavam mais sólido conhecimento do problema espiritual do que muitos dos que ostentam hoje pomposos títulos acadêmicos.

(1) Não dispomos de espaço para um estudo mais aprofundado do xamanismo. A palavra é de origem asiática e entrou na Europa através do inglês "shamam". O xamã era ao mesmo tempo médico, sacerdote, exorcista, curandeiro, mágico, adivinho, enfim, um médium.

Nos tempos medievais, quando a ignorância em torno do assunto foi praticamente geral, os obsessores tiveram sua época de ouro, manobrando livremente suas vítimas do anonimato invisível do mundo espiritual. Vejamos um diálogo entre o Espírito manifestado, que evidentemente passava por ser o próprio demônio e um despreparado "doutrinador". Certo David Brendel acompanhou dia e noite, durante onze semanas, o caso da possessão de uma menina. Duas de suas conversas com "Satã" foram preservadas. Vejam como o Espírito se diverte à custa da ignorância e ingenuidade do seu perguntador:

- Você esteve também com a filha do ferreiro, lá em Meissen?

- Sim - respondeu o Demônio -, havia cem companheiros meus lá; eu ajudei a levar o velho para o inferno.

- Você também conhece Judas, o traidor?

- Ele está sentado comigo, no inferno.

- Você conheceu o Mau Ladrão, Pilatos, Herodes, o Dr. Johannes Faustus, Cristoph Wagner e Johannes de Luna?

- Oh, são meus melhores amigos. Tenho no inferno a carta de Faustus escrita com seu
Sangue.

- Mas ela não queima?

- Oh, não!

- Para que serve ela?

- Preciso tê-la à mão para exibi-la e condená-lo.

- Você, que sabe tantas coisas, sabe também orar?

Esta é a primeira pergunta inteligente, mas a resposta é irreproduzível. O perguntador insiste noutra direção:

- Se você me tivesse em seu poder o que faria?

- Quebraria o seu pescoço, e minha face ficaria contorcida de raiva.

O professor Osterreich reproduz mais um desses diálogos, extraído do livro "Un cas de possession", de Van Gennep, publicado em 1911, e conclui, muito seguro de si:

"A individualidade estranha frequentemente relata uma espécie de história de sua vida. É quase desnecessário acrescentar que tais histórias contribuem para imaginação ou reminiscências (memórias do paciente?) da vida real da personalidade que supostamente entrou no organismo."

O assunto é de tão pouca monta que o professor nem acha necessário dizer que se trata de fantasia. Vemos, assim, como excelentes e bem intencionados pesquisadores se deixam arrastar facilmente pelos seus preconceitos e perdem oportunidade de valioso aprendizado. Observações de grande interesse ficam soltas pelo texto como se flutuassem desligadas do verdadeiro contexto do estudo. Como estas, por exemplo: a de que os Espíritos possessores são sempre idênticos em admitirem que fizeram algo errado, ou seja, que cometeram crimes; os lapsos de memória, pois, ao despertar, o possesso não se lembra do que se passou enquanto esteve entregue à personalidade invasora; ou ainda o fato de que quase sempre o possesso fala e age de olhos fechados (característica da mediunidade na grande maioria dos sensitivos "tomados"); movimentos desordenados nas manifestações mais violentas, e outros tantos, como, ainda, o fato de que no estado de possessão a vítima somente se refere a si mesma na terceira pessoa:

"No estado demoníaco - escreve o muito citado Kerner - ou no início da possessão, a paciente sempre fala de si mesma na terceira pessoa e não é possível naquele momento conversar com ela; quem desejar ser entendido terá de falar com o próprio demônio:"

Lógico, meu Deus! O Espírito do paciente está impedido de manifestar-se através do seu próprio corpo, que se encontra sob o domínio da entidade possessora. Já era tempo de saberem disso os observadores, pelo menos os mais modernos. Uma vez que toda a fenomenologia aponta irresistivelmente para a hipótese - chamemo-Ia assim - de uma invasão externa da personalidade do paciente e que a doutrina do demônio está completamente desmoralizada, por que não admitir que a entidade possessora é um Espírito desencarnado, ou seja, Espírito de uma pessoa que aqui viveu na carne e se acha agora desembaraçado do corpo físico?

Para fugir a essa admissão, que explica facilmente os fatos, o professor Osterreich elabora uma complexa teoria de bifurcação ou divisão do ego original, como se o Espírito encarnado - cuja realidade, aliás, ele não admite também - pudesse dividir-se em dois, três ou mais entidades a partir da mesma origem, a que ele chama de fisiológico-metafísica. Sua teoria, no entanto, é tão inaceitável, que ele próprio confessa, logo adiante (pág. 37), que "o fenômeno da separação da segunda (personalidade) a partir da primeira é, para nós, inescrutável. Seria mesmo, na realidade - prossegue ele -, duplamente incompreensível, em primeiro lugar porque escapa inteiramente ao nosso conhecimento e, em segundo lugar, porque, tanto quanto sabemos, a primeira personalidade nada tem com isso”.

O fenômeno é incompreensível para o eminente autor porque, tomando as analogias no plano físico a confusão é total, pois quando uma célula se desdobra em duas a primitiva deixa de existir, ao passo que, no fenômeno que ele deseja classificar como divisão da personalidade, a primitiva continua a existir com todas as suas características, ignorando a existência da outra, a não ser que lho digam. Daí conclui o professor, algo desalentado, mas profundamente honesto:

"Tocamos aqui, deliberadamente um ponto em que a hipótese da divisão entra em contradição com a lógica."

Qual a saída? Acha o professor que tem a "explicação". A nova personalidade manifestante traria consigo uma quantidade de ideias "inatas" e acrescenta:

“Nem tudo que ela diz será baseado na sua própria experiência; ela saberia inúmeras coisas sem tê-las experimentado e teria comando da linguagem, além de numerosas capacidades complexas sem nenhum aprendizado.”

Surpreendente afirmativa essa de um cientista e pesquisador tão sério que, para fugir a qualquer preço da hipótese espiritual da possessão, apresenta-se com uma teoria fantástica e ilógica de que somos capazes de aprender coisas sem ter aprendido!         

É difícil, porém, enquadrar os fenômenos que ele próprio reproduz, das suas fontes, na sua complexa e vulnerável teoria.

"Algum desses pacientes - escreve Kerner "-, quando o demônio se manifesta e começa a falar por eles, fecham os olhos e perdem a consciência, tal como no sono magnético; o demônio então fala por suas bocas sem que eles o saibam. Com outros, os olhos permanecem abertos e a consciência lúcida, mas o paciente é incapaz de resistir, mesmo com toda a força de sua mente, à voz que fala nele; ele ouve a si mesmo expressar-se como se fosse outra e estranha individualidade alojada nele, mas fora de seu controle."

Vemos aqui a mediunidade chamada inconsciente e a consciente. O fenômeno é sempre o mesmo e só em termos de Doutrina Espírita podemos entendê-lo e explicá-lo.

A moça retém a consciência enquanto a voz fala - escreve outro observador meticuloso e atento, por nome Eschenmayer -, mas não pode evitá-lo, mesmo tentando com toda a sua vontade; ela ouvia a voz ressoar externamente como a de um indivíduo estranho, alojado dentro dela, sem que estivesse em condições de controlá-lo ou fazer qualquer coisa."

A despeito de tudo isso, o professor insiste, à pág. 47, que "uma análise mais exata revela que os estados mentais, aparentemente pertencentes a um segundo ego, são realmente parte do indivíduo original".

E estamos conversados. É a persistente e insustentável doutrina da divisão da personalidade.

Quanto ao documentadíssimo e famoso caso de Joana dos Anjos, acha o professor Osterreich que deve ser examinado com grande reserva, porque tem sua gênese numa pessoa altamente histérica e de moral algo frouxa. Este caso, aliás, se presta a observações muito interessantes que esperamos poder fazer sem alongar demais o artigo.

Madre Joana deixou um valioso depoimento pessoal na sua autobiografia, além de existirem outras obras e relatos pessoais de autenticidade indiscutível. Descreve ela os estágios iniciais da sua possessão referindo-se a uma perturbação mental que durou cerca de três meses. Nesses períodos de perturbação ela perdia a consciência de si mesma.

O demônio - diz ela - obscureceu-me de tal modo que eu mal podia distinguir seus desejos dos meus; provocou-me, além disso, forte aversão pela minha vocação religiosa."

Mais adiante, descrevendo com extrema precisão o lento processo de invasão diz ela:

Acho que ele não teria assumido esse poder sobre mim se eu não me tivesse aliado a ele. Tive experiências como essa em várias ocasiões, pois quando eu resistia com firmeza descobria que todas aquelas fúrias e cóleras se dispersavam como tinham vindo, mas, infelizmente, com muita frequência acontecia que eu não me continha com suficiente força para resistir, especialmente em pontos nos quais eu não via -pecado grave. Nisso, porém, é que eu me enganava, porque como eu não me continha nas pequenas coisas, minha mente era arrastada, depois, sem perceber, para as grandes..."

Que notável lucidez nessas observações! O processo da obsessão se desenrola exatamente assim: sutil e lentamente, aos poucos, a partir das pequenas e aparentemente inócuas concessões. Destas, passam as vítimas às maiores e depois às grandes. Neste ponto há mais como retornar e facilmente a obsessão vai aos extremos da possessão.

O professor Osterreich faz restrições, como vimos, ao caráter de Madre Joana e, em tese, está certo, porque os obsessores desencarnados encontram maiores facilidades para os seus propósitos funestos quando a vítima se acha desguarnecida moralmente e, portanto, exposta ao ataque e ao envolvimento; mas é preciso lembrar que não há imunidade total contra a obsessão a não ser nos seres que além de se apegarem a rígidas práticas morais, se achem quitados com seus compromissos cármicos. Também sob esse aspecto o famoso e muito citado caso de Loudun contém ensinamentos preciosos, pois os obsessores não respeitaram nem pouparam os exorcistas, por mais bem preparados que estivessem eles. O padre Surin, é de justiça assinalar, estava moralmente credenciado para o trabalho de que o incumbiram as autoridades eclesiásticas da época. É difícil, porém, a esta distância no tempo - os fatos ocorreram no século dezessete - e ante informações incompletas, do ponto de vista espírita, produzir uma análise crítica balanceada da sua posição no caso, a despeito da notável narrativa que ele próprio deixou. Que sabemos, porém, de seus compromissos espirituais ou de suas ligações cármicas com o grupo de freiras implacavelmente assediadas por uma legião de obsessores? Num livro que eu muito gostaria de ler, Osterreich vai buscar a transcrição do depoimento do padre Surin. Chama-se a obra "Cruel Effets de Ia Vengeance du Cardinal Richelieu ou Histoire des Diables de Loudun", ou seja, "Efeitos Cruéis da Vingança do Cardeal Richelieu", de- autor anônimo que assinou simplesmente Aubin.

Ao narrar o que poderíamos chamar de sua própria contaminação, diz o padre Surin:
As coisas foram tão longe que Deus permitiu, creio que por causa dos meus pecados, o que talvez nunca foi visto na Igreja, ou seja, que no exercício de meu ministério (exorcismo), o demônio deixou o corpo da possessa e entrou no meu, me assaltando, confundindo, agitando e perturbando visivelmente, fazendo de mim um endemoninhado por várias horas. Não lhe posso explicar o que acontece dentro de mim nessa ocasião e como esse Espírito se une ao seu sem me privar nem da consciência nem da liberdade da minha alma, tornando-se contudo como se fosse um outro eu, tal como se eu tivesse duas almas, uma das quais desalojada de seu corpo e do uso de seus órgãos, assistindo afastada às atividades da outra que se apossou do corpo. Os dois Espíritos lutam no mesmo campo que é o corpo e a alma parece dividida. Uma dessas partes fica sujeita a impressões diabólicas e outra com os impulsos que lhe são próprios ou vem de Deus."

Mais adiante:

Quando desejo, pelo impulso de uma dessas duas almas, fazer o sinal da cruz sobre minha boca, a outra me desvia a mão com grande rapidez e prende meu dedo entre seus dentes, mordendo-me raivosamente."

E uma conclusão melancólica e impotente:

Quando os outros possessos me veem nesse estado é um prazer assistir ao seu triunfo e como os demônios se divertem dizendo: Médico, cura-te a ti mesmo; sobe agora ao púlpito; será um belo espetáculo vê-lo pregar depois que ele rolou pelo chão."

Em pós-escrito nesse mesmo documento, que é uma carta dirigida a íntimo amigo espiritual, padre Surin pede preces, das quais se confessa muito necessitado, pois a influência dos possessores já está durando dias inteiros e semanas, durante os quais ele se sente "obtuso com relação às coisas do céu", de tal forma que não pode nem recitar a mais conhecida das preces que é o Pai-Nosso.

Em seguida, informa:

“O demônio me disse: "Hei de privar-te de tudo. Não precisarás nem da tua fé, pois eu o farei um idiota."

O obsessor cumpriu implacavelmente suas ameaças. Os tormentos do pobre sacerdote duraram cerca de 25 anos. Não podia mais pregar e nem mesmo conversar. Perdeu a voz durante sete meses, ficando incapaz de celebrar a missa, ler e escrever e até mesmo vestir-se; enfim, fazer qualquer movimento. Nesse período de aflições inomináveis, nenhum médico conseguiu minorar seus sofrimentos. Ao cabo de mais de 20 anos, segundo depoimento de Osterreich, padre Surin livrou-se daquelas aflições, mas caiu em outro estado anormal, que o ilustre professor estuda em profundidade em outro livro seu por nome "Phanomenologie des Ich" (Fenomenologia do Eu).

Do ponto de vista espírita, vemos, portanto no caso do padre Surin, o doloroso processo de envolvimento de um exorcista com os Espíritos que pretende expulsar com fórmulas canônicas e ritos inadequados. Ele próprio narra, com inegável realismo, a ridícula posição em que os Espíritos o colocam, divertindo-se com quem, incapaz de se curar, pretende curar os outros. A técnica espírita tem um "approach" inteiramente diferente. O problema não é expulsar o demônio; é dialogar e esclarecer um Espírito em grave estado de desequilíbrio, que se apoia no desenvolvimento de seu tenebroso plano de ação vingativa, em fatos e compromissos às vezes remotos no tempo, mas ainda não resolvidos satisfatoriamente. Tais processos se arrastam de século em século, porque não é pela vingança que se parte o círculo vicioso da dor e sim pelo perdão. Na sua terrível cegueira espiritual, os obsessores não percebem que o exercício do perdão é mais do que um mero preceito evangélico - que não tem sentido, infelizmente, para muitos desses Espíritos endurecidos para alcançar a força de um princípio científico no campo da Psicologia, dado que o perdão realmente liberta. Sentimos, também, na prática espírita, que é invariavelmente pelo amor frustrado que nos perdemos na treva da dor e é pelo amor reconquistado que adquirimos condições para retomar os caminhos da paz. Outro aspecto importante: por mais que se revista de ódios e rancores, o Espírito atormentado preserva sempre o germe do amor no seu coração e inconscientemente anseia pela volta do amor. Se o doutrinador - ou seja, aquele que conversa com o obsessor - consegue convencê-lo dessa tese, começa ali mesmo o longo processo da recuperação.

Vejamos, porém, como o eminente professor Osterreich encara o fenômeno.

Acha ele evidentemente falsa a concepção de que existem dois Espíritos ou duas almas na posse do mesmo corpo. Aliás, ele nem emprega a expressão alma ou Espírito e sim ego. Lamenta ele que esse "erro" venha sendo cometido sistematicamente por muitos autores, inclusive ele próprio, antes de estudar adequadamente o fenômeno. Nada disso. O que ocorre, segundo o ilustre professor, é que a individualidade, que o padre identifica como a de Satanás, é "um novo e complexo estado de si mesmo, tanto quanto sua personalidade original". O padre endemoninhado teria, pois, o direito de dizer que "assumira uma personalidade satânica".

O argumento parece óbvio ao professor: como poderia Surin dizer que sente a raiva e a irritação do demônio, que se encontra num duplo estado afetivo ou que tem outra alma além da sua? Como poderá ele experimentar sentimentos que não são os seus? Como é possível imaginar outro ego entrando nele? Acha ainda o professor que, sendo impossível a interpenetração da mente pela mente, "começamos a perceber as coisas", pois que "ninguém jamais experimenta algo fora de seus próprios estados emocionais".

O que vemos aqui é o alinhamento de uma série de impossíveis dogmáticos a impedir uma abertura para a verdade, através de uma aproximação desinibida, com a mente aberta, ainda que, e necessariamente, vigilante, crítica, alertada. Partindo de impossíveis preconcebidos, daremos inapelavelmente em conclusões que nada explicam, representando apenas mais uma opinião pessoal sobre o assunto em discussão. E isto nunca foi ciência. Osterreich, porém, não deseja de forma alguma admitir a hipótese de interferência espiritual externa e autônoma. Lamenta mesmo que Ludwig Staudenmaier, no seu livro "Die Magie als Experimentelle Naturwissenchaft", tenha tratado como seres autônomos personalidades que se desenvolveram num processo de "escrita automática", ou seja, um caso comum de mediunidade psicográfica.

Para Osterreich, o possesso se convence de que está sob influência de outro ser e age como tal... E por isso é que temos o curioso espetáculo segundo o qual duas pessoas parecem falar através do mesmo corpo físico. Os argumentos do autor são, às vezes, de comovente ingenuidade. A certa altura, por exemplo, reproduz alguns diálogos entre o que chama de "egos" e os exorcistas ou outras testemunhas. E acrescenta que sua desconfiança com relação ao fenômeno é bastante acentuada "pelo fato de que o demônio responde muito cautelosamente às questões mais críticas".

- Se ele dispusesse de um acervo de observações pessoais, em primeira mão, colhidas na prática mediúnica, não faria tantas afirmativas gratuitas e ingênuas. O obsessor é quase sempre um Espírito voluntarioso, decidido, artificioso, dissimulado e, muitas vezes, culto, inteligente e invariavelmente informado por um conjunto de fatos que nós ignoramos, quanto às razões profundas do seu assédio àquela específica pessoa humana. Que sabemos nós de suas ligações anteriores, de seus mútuos compromissos, de suas verdadeiras motivações? Por outro lado, sabemos pela Doutrina Espírita que as faltas cometidas contra o próximo armam automaticamente o mecanismo da cobrança e é como instrumentos cegos da reação, provocada pela ação negativa, que os obsessores agem. Não podemos esquecer, por certo, que mesmo cobrando o que a lei lhes permite e, portanto, agindo como agentes do resgate alheio, os obsessores não fogem à dura contingência de assumir novos compromissos que, a seu turno, terão um dia que resgatar. Daí o terrível círculo vicioso dentro do qual Espíritos rebeldes marcam passo dolorosamente, alternando suas posições, ora como obsessores, ora como obsidiados mas sempre sofrendo. Sem conhecer esse mecanismo e sem agir segundo sua lógica férrea, o exorcismo ritualístico é de uma ingenuidade trágica e de uma inocuidade lamentável. A misericórdia divina é tão grande, no entanto, que mesmo esse processo totalmente inadequado sucede às vezes em desatar o no cego das paixões e libertar os sofredores de suas angústias, ao conseguir que o obsessor abandone sua vítima. Como se dá isso, a despeito do despreparo dos exorcistas? Há muitas razões. Em primeiro lugar - e isto Luiz Rodriguez já havia observado em seu livro -  o sacerdote parte de uma premissa mais válida do que a da ciência oficial, ou seja, ele encara o fenômeno como invasão de um agente externo, autônomo, consciente, Independente da personalidade do possesso. Seu engano está apenas em identificar esse agente externo com o demônio teológico, do que, aliás, os obsessores têm tirado bom proveito, desempenhando o papel como se de fato o fossem. Nessas condições, o diálogo com a personalidade invasora, conduzido por um sacerdote inteligente e, principalmente, de rígidos padrões morais, pode produzir resultados excelentes, porque, por mais que se esforce num terrível jogo de cena, o obsessor, no fundo, respeita a força moral daquele que o enfrenta com paciência e amor. Dificilmente ele cederá pela força bruta ou pelo mero comando de um ritual sem sentido, conduzido numa língua morta que na maioria das vezes ele nem entende. Há ainda outra observação. É a de que, de outras vezes, o sacerdote interfere naquele momento em que a própria lei divina já determinou o fim do processo. Sabemos, ainda, e sempre segundo a Doutrina Espírita, que há um ponto além do qual a "cobrança" da falta se torna impraticável, seja por quem for, pela simples razão de que o sofrimento, a renúncia ou o amor já redimiram o culpado. Ainda que o obsessor continue inabalável e irredutível no seu propósito de perseguir e fazer sofrer, a vítima lhe escapa irremediavelmente das mãos. Ninguém paga aquilo que não deve; do contrário, a lei seria injusta.

Por conseguinte, quando interrogado a respeito de questões que poderão levar à libertação de sua vítima, o possessor se revela cauteloso e mais dissimulado do que nunca. Todos nós que ao longo dos anos temos frequentado grupos mediúnicos de desobsessão testemunhamos o esforço e a habilidade que o chamado doutrinador deve pôr em prática para extrair as informações que lhe permitam montar o quadro das razões antecedentes que levaram os Espíritos em tratamento àquele estado de comprometimento e angústia. A imantação do obsessor ao seu monoideísmo parece irredutível, alcança o ponto da mais terrível obstinação. Ele não quer por nada neste mundo abandonar a sua vítima; seu único propósito é vingar-se implacavelmente, esquecido de que ele próprio, fazendo parte integrante daquele círculo vicioso, tornou-se vítima exatamente porque anteriormente também fez vítimas, e que, perseguindo para vingar-se, reabre o círculo. Com isto, arma o dispositivo que virá fatalmente sobre ele com todo o instrumental da dor que vai gerar nova revolta e, assim, indefinidamente.

Para fugir, portanto, às óbvias implicações da perfeita autonomia das personalidades envolvidas, Osterreich busca saídas por outros canais, propondo hipóteses que podem ajustar-se a alguns aspectos da questão, mas não às demais ou a todas.

Observa, por exemplo, que frequentemente o "demônio" responde a perguntas que não chegaram a ser enunciadas, ou, por outra, foram apenas pensadas pelos circunstantes. Como é que o professor explica isso? Muito simples: o processo é idêntico àquele que se desdobra quando conversamos mentalmente com alguém e em nossa imaginação o "ouvimos" responder ... No caso da obsessão haveria apenas uma extraordinária exacerbação do fenômeno, que levaria a uma excitação do aparelho vocal, levando-o a uma ação compulsiva. Assim, o fato de que o "demônio" responde sempre de maneira evasiva e cautelosa às questões delicadas deve ser interpretado, segundo Osterreich, da seguinte maneira: a pessoa imaginária age exatamente como a real, pois, definitivamente, não pode existir uma segunda pessoa e sim "uma mera aparência enganadora".

E, com isso, está encerrado o assunto e resolvido o problema, na opinião do eminente professor.

Aqui precisamos de uma pausa. O livro do Dr. Osterreich é realmente fascinante e contém um acervo preciosíssimo de fatos e de informações. Não podemos ter a pretensão de examiná-lo todo e na profundidade necessária, nos rígidos limites de um artigo. Com todo o trabalho de síntese que tenho procurado desenvolver até este ponto, observo desalentado que apenas chegamos até à página 70 das suas 400! Vamos, pois, sumarizar para concluir, mesmo ao custo de abandonar inúmeras observações de elevado interesse humano, como o caso de Madre Joana dos Anjos.

O capítulo 4.° do livro é dedicado, segundo informa o título, à gênese e extinção da possessão. É aqui que mais divergimos das ideias e sugestões do professor Osterreich, que desdobra em novos aspectos a sua teoria da divisão da personalidade. Menciona ele, a certa altura, a natureza por assim dizer "contagiosa" do fenômeno que atinge circunstantes e, com frequência impressionante, os próprios exorcistas.

“Sacerdotes exorcistas - escreve ele à pág. 92 - estão particularmente expostos a essa “infecção" e raros são os que têm conseguido escapar completamente."

Reportando-se ainda ao caso das freiras de Loudun, informa que outros exorcistas, além do padre Surin, foram também atingidos, como os padres Lactance, Tranquille e Lucas. O primeiro deles morreu em consequência dos sofrimentos impostos pela possessão, depois de ter conseguido expulsar (o termo é altamente inadequado, a meu ver) três demônios, ou seja, três Espíritos da prioresa de Loudun.

Acha mesmo Osterreich que o próprio ritual do exorcismo contribui poderosamente para propagar o fenômeno pelo poder de sugestão que contém. Essa observação não tem o valor absoluto que o autor lhe atribui, mas certamente há algo de verdadeiro nisso, no sentido de que as pessoas que assistem ao complicado ritual, evidentemente em atitude de concentração e recolhimento, oferecem condições propícias à incorporação dos Espíritos ali presentes, quando possuem em estado latente ou ostensivo faculdades mediúnicas.

Por isso, na opinião de Osterreich, o exorcismo é a contraparte exata da gênese da possessão e explica:

Da mesma maneira que a possessão surge, no homem, da crença de que ele está possesso, contrariamente desaparece, quando o exorcismo é bem sucedido, por meio da crença de que a possessão não subsistirá." (!)

A coisa não é tão simples assim, pois não se trata, aqui, como acredita o professor Osterreich, de um fenômeno de auto sugestão, que pode ser desfeito por outra sugestão. O próprio autor não parece tão certo da sua doutrina ao afirmar, logo adiante, que "a natureza íntima deste efeito de convicção no fenômeno psíquico não é conhecida e não pode ser elucidada".

Sempre dogmático e sem aceitar a contribuição da Doutrina Espírita, ele acha que a coisa não só é desconhecida como não pode ser esclarecida. Mais um dos seus impossíveis...

Estuda, a seguir, uma série de fórmulas exorcistas, coletando judaicas, egípcias, católicas e outras. Algumas são estranhíssimas, outras ridículas - como o exorcismo para o leite, a fim de expulsar (sempre a ideia da expulsão) as criaturas malévolas alojadas no líquido -, todas inócuas, porque o que vale diante do obsessor não são as fórmulas e os ritos, mas a autoridade e o sentimento de quem lhe fala.

Descreve os vários recursos, como as ameaças, os gestos, as palavras que o exorcista deve utilizar e lembra o principal exorcismo, do Rituale Romanum, publicado por ordem do papa Paulo V, que recomendava, entre outras coisas, abanar a estola do padre em torno do pescoço do possesso e fazer a imposição das mãos, ou seja, o passe magnético.

Menciona um caso citado por Eschenmayer em que o exorcista "esforçou-se formalmente por converter o demônio", no que estava absolutamente certo, pois na realidade ele está se dirigindo a uma entidade espiritual tão livre e autônoma como qualquer outro ser humano e que precisa ser esclarecida de sua verdadeira posição para poder compreender e não ser expulso sem nenhuma explicação que o convença. Por isso, o próprio Osterreich informa que o sucesso do exorcismo depende da autoridade e do poder de sugestão de quem o pratica.

É, ainda mais importante, especialmente em períodos religiosos - acrescenta o autor -, que o exorcista deva estar, ele próprio, convencido da realidade da possessão, se isto contribuir para fortalecimento de sua fé no exorcismo.”

Claro! Se mesmo convencido dessa realidade, muitas vezes o exorcista se dá mal o que pode ele esperar se vai cuidar do caso como de um simples fenômeno de sugestão ou de múltipla personalidade, como querem certos cientistas? A evidência da autonomia da personalidade manifestante é gritante, mas o pior cego ainda é aquele que não quer ver. Não adianta! Em vários casos - a observação é de Osterreich - o "demônio" impõe condições para abandonar sua vítima, isto é, "negocia" com o doutrinador, cedendo um pouco em troca de algo que deseje. Por tudo isso, principalmente, e porque suas teorias explicam alguns casos mas não se adaptam a outros, o professor observa aí pela página 107:

O exorcismo não é, contudo, eficaz em todos os casos, mas de modo geral não dispomos ainda de evidência precisa que explique por que a sugestão dá resultado em um caso e não em outro."

A segunda parte do livro é um estudo meticuloso da possessão em todos os tempos e em todas as latitudes. Há observações de alto interesse acerca dos oráculos gregos e muitas páginas sobre os fenômenos mediúnicos modernos que o eminente autor se recusa a aceitar no contexto espírita, insistindo em chamá-los de possessão artificial e possessão voluntária. Lamentavelmente não podemos ir até lá sem alongar demais este trabalho, que é apenas uma notícia sobre o livro do Dr. Osterreich. Vamos, pois, concluir.

Em suma, a possessão é encarada de três maneiras diferentes quanto à sua gênese e, por conseguinte, é tratada também de três maneiras diferentes.

A ortodoxia religiosa - especialmente a católica - considera a possessão como invasão do demônio e trata-a por meio de um ritual cuidadosamente preparado, com gestos, fórmulas canônicas, orações especiais, mas sempre com a intenção de expulsar o invasor, sem tentar dialogar com ele para esclarecê-lo.

Para a ciência oficial, o fenômeno resulta de uma doença mental e o tratamento é conduzido à base de análise ou drogas, ou ambas.

O Espiritismo considera na gênese do fenômeno da possessão a faculdade mediúnica desgovernada e trata o caso pelo processo do diálogo com o Espírito possessor, buscando compreender suas razões para esclarecê-lo e libertá-lo da sua própria ignorância e confusão mental.

As três posições são bastante afastadas umas das outras, mas é preciso convir, sem paixões e com todo o respeito diante de cada uma delas, que a atitude da ciência é a mais esdrúxula e menos realista, procurando atingir as causas cuidando apenas dos efeitos. A posição religiosa é mais objetiva, porque admite a presença de uma personalidade invasora. Seus erros estão em identificar essa personalidade invariavelmente com o demônio e em tentar apenas expulsá-lo, quando deveria atraí-lo amorosamente ao esclarecimento. A posição adotada pela Doutrina Espírita é a que foi ensinada pelos próprios Espíritos. E quem melhor do que eles para nos dizer das complexas realidades do mundo em que vivem? A prática espírita jamais procura expulsar Espíritos e sim ajudá-los. Jamais os considera demônios que cumpre fazer voltar ao inferno mitológico, mas irmãos em Deus que é preciso libertar de suas próprias angústias e aflições.

E se o exorcismo é quase sempre ineficaz e com frequência impressionante envolve também o exorcista no processo da dor; se o tratamento clínico dos casos de possessão é longo, difícil e duvidoso, a terapêutica do amor e do esclarecimento usada nas sessões de desobsessão produz resultados espantosos, frequentes, abundantes e seguros. E que alegria, Senhor, quando recebemos nos braços, agradecidos e de olhos úmidos, o irmão que chora o seu arrependimento, lamenta o seu remorso e se prepara para a reconstrução do seu mundo interior, iniciando a longa caminhada para a paz.