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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

A Grande Missão


A grande Missão
por Augusto Cesar Linhares da Fonseca
Reformador (FEB) Maio 1947

Com o início da Nova Era, dentro da qual o planeta em que habitamos irá passar por profundas e radicais transformações, as responsabilidades que assistem aos missionários da Luz, sem dúvida, crescerão de vulto e precisarão ser encaradas sob todos os aspectos durante tão cruciante e difícil fase de transição.

As dores e os sofrimentos, como provações necessárias à Evolução espiritual dos indivíduos, dos povos e Nações, dominam todos os recantos da Terra. O Apocalipse vem cumprindo-se em seus mínimos detalhes.

O problema da Paz, formulado dentro dos postulados do Direito Internacional, tornou-se inexequível.

Disso todos nós bem sabemos.

Os acontecimentos mundiais, de que dão notícias os meios modernos de comunicação entre os homens, se verificam em progressão geométrica dentro de uma desordem nunca registada pela História da Civilização.

Findou um ciclo e inicia-se outro, que irá ser totalmente diferente do anterior. Creio pois que cabe aos espíritas-cristãos e a todos os espiritualistas, de um modo geral, a ingente tarefa de lançar as bases da nova Civilização, dentro da Pátria do Evangelho - o nosso querido Brasil.

Torna-se imprescindível, mais do que nunca, a mobilização espiritual e espontânea de todos os adeptos da Terceira Revelação, através da formação consciente de forças mentais, a fim de serem neutralizados e eliminados os efeitos destruidores e maléficos das Trevas exteriores.

Nisso consistirá o primeiro passo a ser dado na grandiosa obra de União Cristã de todos os espíritas do Brasil.

A nossa ação tem de realizar-se em harmonia com a ação dos planos superiores dos nossos mentores espirituais. Pensamento e Vontade dirigidos para a meta Divina, eis as duas forças que aliadas à da Fé serão capazes de construir a grande muralha de defesa e sustentação contra a investida das forças inimigas do Evangelho do Cristo já elucidado pelas lições fecundas da Espiritualidade.

Ao Espiritismo e à Federação Espírita Brasileira, em particular, coube a Missão Sublime de preparar operários humildes e sinceros. A esses operários, pois, cabe, nesta hora de perigos e apreensões internos e externos para todas as nações, uma outra missão, tão sagrada quão a primeira, qual seja a de construírem um mundo melhor.

Pelas vibrações superiores dos nossos próprios espíritos devemos oferecer a mais absoluta resistência às ideias invasoras do Materialismo desagregador.

Lembremo-nos, constantemente, das parábolas do Mestre e das epístolas de Paulo, apóstolo dos gentios, para- nelas encontrarmos o cimento necessário à construção da poderosa muralha de Luz, Amor e Justiça.

O Espiritismo já nos despertou do sono letárgico de tantos séculos. Cumpre-nos, agora, pensar, sentir e agir com os nossos espíritos evangelizados e iluminados pelo Alto.

A nossa ação, deve ser positiva, real, concreta, porque o seu objetivo primordial é o Bem em todos os sentidos, sob todas as suas modalidades.             
Despertemos nossas forças íntimas e eduquemo-las segundo a orientação e ensinamentos dos nossos protetores espirituais. Estudemos e meditemos, porque a Humanidade inteira se acha mergulhada no Caos e a hecatombe se aproxima.

A Salvação se encontra, não no meio exterior, mas dentro de nós mesmos. A Salvação está na nossa Caridade, porque, fora desta, aquela não existe.

O mundo atual atingiu o paroxismo da dor e se acha envolvido pelas trevas porque se guiou pelo materialismo, desprezando as riquezas incomensuráveis da Espiritualidade.

A Lei que vai reger o homem do futuro é a Lei Divina, natural e eterna.

Daí caber a nós espíritas o trabalho constante de nos mantermos vigilantes e encaminharmos nossos irmãos para a preparação da futura humanidade.

Devemos ensinar, aos que nos ofereçam oportunidade, as sábias lições recebidas dos espíritos luminares acerca da Lei de Justiça Divina, da chamada Lei de causa e efeito.

Demonstremos-lhes que a Justiça Divina não se exerce através de aparelhamentos judiciários ou organizações similares, dotadas do poder de coerção, próprio das leis humanas, e, sim, por uma predeterminação Superior,

Desde o Princípio da Criação, Ela se vem executando mediante um processo simples e perfeitamente natural no sentido de reajustar e reequilibrar, permanentemente, os mundos e os seres que neles habitam, com o fim magnânimo de assegurar a todos, indistintamente, a evolução física, moral, intelectual o espiritual. Objetivando a harmonia do Universo e proporcionando os meios para que as criaturas atinjam a Perfeição, a Justiça Divina, por isso mesmo, tem por base a Onisciência do nosso Pai.

De sorte que, quando todos os filhos de Deus, nossos irmãos, vierem a encontrar a verdade dentro de seus próprios corações, dentro de si mesmos, terão encontrado, simultaneamente, a verdadeira solução do problema da Paz.

As nações são compostas de indivíduos! Quando esses tiverem a paz interior, em seus espíritos, aquelas também a terão no exterior.

A solução do problema da Paz, portanto, não se encontra em fórmulas jurídicas, nem tampouco em transitórias convenções de natureza econômica.  

No dia em que cada homem tiver a coragem, a bravura moral de travar a terrível batalha contra seus próprios erros, defeitos e imperfeições, extirpando decididamente e por completo o mal de dentro da sua alma, então começará
real e definitivamente a realizar a mais bela, efetiva e perfeita regeneração.

Sejamos, Ó meus irmãos, fortes e bastante fortes nos tempos que correm. Formemos a cadeia sacrossanta de forças invisíveis. O mundo não nos deve vencer mas nós devemos vencer o mundo com o Cristo.

A grande missão do Espiritismo continua e continuará a cumprir-se.

Para a sua ação de ressuscitar as verdades eternas não há obstáculos e prescinde do tempo porque é eterna. Confiemos nos Espíritos mensageiros do Senhor.         

Colaboremos com Eles, sem desfalecimentos, na construção da fortaleza inexpugnável da Fé, da Esperança e da Caridade. 

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Da Proibição


Da Proibição
por Antônio Túlio (Ismael Gomes Braga)
Reformador (FEB) Junho 1947        

As leis sociais proíbem tudo quanto prejudique a vida harmoniosa da coletividade e aplicam penalidades a quem viole tais proibições. Isso é justíssimo num mundo habitado por Espíritos atrasados como é o nosso. A sociedade tem o direito de regulamentar sua própria vida e punir os membros que lhe desobedeçam às determinações.

Igualmente a primeira Revelação participa dessa natureza de legislação social e estabelece proibições: Não furtarás; Não matarás; Não levantarás falso testemunho; Não cobiçarás as coisas alheias. São proibições ao indivíduo para que ele possa viver e colaborar com os outros indivíduos, formando a sociedade útil e feliz. Essa moral das proibições é negativa e passageira; não é a ideal, porque esta não se contenta com o não fazer e reclama ação; por isso a segunda Revelação já aboliu as negações e as substituiu por princípios afirmativos: Faze aos outros o que queiras que os outros te façam a ti; ama o teu próximo como a ti mesmo.  Já não se proíbe ao homem fazer o mal, porque se exige que ele só faça o bem.

A interpretação humana do Cristianismo, porém, voltou às negações e até pediu o apoio do Estado para fazer valer suas proibições. Em 1793 as ideias revolucionárias ameaçavam todos os privilégios da aristocracia europeia e do Clero, e a Áustria, por pedido de seu Ministro de Polícia, Conde Pergen, estabeleceu a mais rigorosa censura literária. Um exército de censores lia todos os livros e proibia tudo que não estivesse de acorde com os interesses das classes superiores. Por outro lado corrigiam e refaziam as obras clássicas, modelando-as aos interesses da moral religiosa e das classes dirigentes. Periodicamente aparecia uma lista completa dos livros proibidos, com o título "Catalogus Librorum Prohibitorum".

Esse catálogo tinha grande procura e todos os livros nele incluídos eram impressos e vendidos clandestinamente em grande escala, ficando os outros, os permitidos, encalhados com os editores. Havia pessoas ricas que se ufanavam de possuir toda a literatura proibida, de estarem perfeitamente em dia com o "Catalogus".

Diante do resultado contraproducente; foi decretada a proibição de publicar-se o "Catalogus Librorum Prohibitorum". Por mais ridículo que isso hoje nos pareça, o fato é verídico e o escritor húngaro István Râth-Végh o deixou bem registado num trabalho hoje amplamente divulgado pelo mundo em excelente tradução para o Esperanto, feita por Ferenc Szilágyi e publicada na Suécia.

O ideal espírita é não proibir, mas esclarecer as consequências de cada ato, deixando ao homem o livre arbítrio, a liberdade de aprender à sua própria custa. Demonstrar ao homem que cada ato produz fatalmente suas consequências e que a sociedade humana continua sua jornada, através dos milênios e das reencarnações, sob a lei da mais perfeita justiça que não deixa impune o crime nem a virtude sem prêmio.

Em vez de proibir que se mate, faz demonstrar que a morte não existe e que a vítima se vinga por vezes durante séculos contra o assassino, reduzindo-o aos estados mais horrorosos no mundo espiritual e durante as encarnações: por isso o inimigo morto é muito mais perigoso do que o vivo, pois que este tem as limitações da matéria, enquanto que o outro é livre em seus planos de vingança contra o culpado.

As mesmas consequências do homicídio e n os mais diversos graus de intensidade acarretam todos os outros atos que possam engendrar o ódio a alguém: o furto, o adultério, a calúnia, o desrespeito a qualquer direito, a ingratidão, a arrogância, as ofensas por palavras e pensamentos, tudo, enfim, que possa ferir a lei de amor entre os membros dessa sociedade humana visível e invisível que caminha através da eternidade e do infinito.

O indivíduo necessita de conhecimentos para decidir por si mesmo a só fazer o bem por ser este de sua conveniência e evitar toda sorte de mal que viria recair sobre ele mesmo; possuir conhecimentos para ser o juiz severo de seus pensamentos, palavras e obras, para se tornar um ser consciente e responsável, mas não um encarcerado numa rede de proibições que ele não entende ou não acha justas e só não as viola quando não pode.        

Observar inconscientemente as proibições, limitar-se a não fazer o que é proibido como mal, sem desenvolver em si mesmo as faculdades de fazer o bem, é um estacionamento, uma paralisia espiritual.

O ideal, a grande aspiração do Espiritismo, é esclarecer, acordar as consciências individuais, sem pear as energias, mas, ao contrário, desenvolvendo em cada pessoa o espírito de iniciativa, o amor à atividade harmoniosa e construtiva. Podemos reconhecer que no estado atual da humanidade da Terra a aspiração espírita é de realização difícil, destina-se a remoto futuro, mas nem por isso deixa de ser um grande ideal superior que devemos ter sempre diante dos olhos.

A moral negativa, das proibições, do não faças tais e tais coisas, produz massas inconscientes e obedientes ou revoltados e rebeldes: é o desejo dos amantes da disciplina, da padronização do espírito humano; mas essa padronização é negada pela natureza da evolução espiritual.

Os Espíritos superiores não formam uma democracia como algumas pessoas supõem, mas, muito ao contrário, formam uma aristocracia com uma hierarquia infinita, na qual reina compreensão e por isso mesmo harmonia natural e não harmonia imposta pela disciplina, pelos mais fortes aos mais fracos.

Numa democracia as tarefas são estabelecidas de baixo para cima: as massas escolhem entre si as pessoas que terão de dirigi-las e as minorias disciplinadamente submetem-se às maiorias, estejam estas com ou sem razão. Prevalece o número e não a qualidade e esse número pode a qualquer tempo desfazer sua própria obra, substituir seus dirigentes. Precisamente o contrário se dá no mundo espiritual: as tarefas são destinadas de cima para baixo e o número nada significa; reina consciência clara, e as substituições não são consequência de erro da "eleição", mas de incapacidade prevista do missionário e providenciadas antes do insucesso. Um Espírito pede uma tarefa superior às suas forças: os Guias sabem que ele vai falhar em meio do caminho, mas que o esforço lhe será útil e fará obra preliminar de pioneiro: conferem-lhe a tarefa e destinam outro para retomá-la no ponto em que o primeiro provavelmente virá a falhar; de sorte que a sua falência não anula o plano Divino da evolução, porque, a substituição se faz no momento oportuno e já previsto.

A Democracia é excelente para o governo material das nações, mas não é aplicável nem aplicada ao mundo espiritual, onde a disciplina só existe pela superioridade individual de uns e inferioridade de outros, mas não pela imposição tirânica das maiorias às minorias. Em outras palavras: os Espíritos atrasados não elegem seus Guias, nem teriam conhecimentos necessários a tal eleição; são os Guias que decidem a quem cabe dirigir. Deus não impede ao homem de praticar o mal, deixa-lhe toda liberdade, mas ele sofrerá todas as consequências e aprenderá à sua custa a evitar o mal e praticar o bem, por sua própria escolha.


Nossas organizações atuais ainda necessitam de proibições, mas o nosso ideal é aboli-las a pouco e pouco até que cada homem seja um juiz de todos os seus atos. 

A Proibição de Moisés


A Proibição de Moises
Irmão X por Chico Xavier
Reformador (FEB) Julho 1947

Conta-se que, ao tempo de Moisés, no deserto, Grandes Sábios da Espiritualidade estudaram os recursos de fornecer ao mundo novo roteiro de revelações. Com semelhante empreendimento, os homens poderiam excursionar aos domínios da morte, aprendendo, pouco a pouco, a se aprimorarem, de acordo com a Lei Divina. Concretizado o projeto, cujas particularidades eram privativas das autoridades superiores, intercâmbio natural se faria entre os vivos do Planeta e os vivos do Além, religando-se a Terra, gradativamente, ao paraíso perdido, pelo reajustamento espiritual de seus filhos.

Informado quanto à iniciativa, o grande legislador dos hebreus passou a colaborar com os instrutores desencarnados, na execução da experiência. .

Organizaram-se os primórdios do serviço.

Necessitavam, para começar, de uma organização feminina, suficientemente passiva, que atendesse na qualidade de medianeira, entre os dois mundos. Ouviria os espíritos desencarnados e encarnados, com a serenidade precisa, colocada num campo de vibrações delicadas, entre ambas as esferas, iniciando-se o arrojado experimento.

O assunto era novo e interessaria milhões de seres. Em razão disso, a mulher-instrumento exibiria trajes despistadores para não provocar obsessões afetivas. Não se lhe identificaria a condição pelas vestes. Envergaria túnica de homem e não seria conhecida nem pela feminilidade interior, nem pela masculinidade aparente. Seria o oráculo, destinado a abrir novos caminhos à mente do povo escolhido.

Os hebreus teriam direito de indagar com nobreza e valer-se do serviço em necessidades importantes, numa cota de vinte por cento das atividades, reservando-se os demais oitenta por cento de possibilidades da tarefa ao plano espiritual, a benefício coletivo. Quanto ao oráculo, manter-se-ia em posição de serviço desinteressado a todos, sem grandes laços no coração para não comprometer a obra e cultivando o trabalho comum do pão de cada dia pelo suor digno, de modo a não parecer orquídea dos mortos ou sanguessuga dos vivos.

Encontrada a pitonisa, que se submeteu às condições estabelecidas, encetou-se o trabalho. Moisés rejubilava-se. Quem sabe? Talvez a iniciativa viesse melhorar o espírito geral. O povo necessitava iluminação pelos dons celestes. Tentava explicar diariamente as obrigações da alma para com o Deus Único; entretanto, encontrava somente dureza e ingratidão. A intervenção pública da Esfera Maior provavelmente lançaria imensa luz sobre o Decálogo. Os mandamentos divinos, certo, seriam interpretados com a beleza sublime de que se revestiam. E o Testamento do Céu seria glorificado.

Inaugurou-se o serviço com grandes esperanças.

As primeiras semanas foram de ação ambientadora, que se consumou, aliás, com a rapidez do relâmpago.

Quando o povo reconheceu que os mortos se comunicavam efetivamente e que aquela organização se constituía de bálsamo e verdade, o ministério assumiu característicos inquietantes.

Judeus de todas as tribos afluíram de todos os lados. Do deserto em que se achavam, partiram mensageiros para as regiões circunvizinhas, espalhando a notícia. Descendentes de Abraão em Mara e Socoth, Horma e Hesebon foram cientificados. Remanescentes de Israel, no Egito e na Caldeia, receberam informes. E, em breve, rodeava-se o oráculo de impulsiva multidão.

Moisés, que se alegrara a princípio, tremeu de receio.

A pitonisa, que se dedicara ao experimento, com sincero otimismo, viu-se, de instante para outro, qual frágil barquinho no dorso de vagas enfureci das. Sustentada por um fio do plano espiritual que, a custo, lhe evitava completa imersão nos estranhos recôncavos do abismo, resistiu, corajosa, nos primeiros tempos, e a missão prosseguiu curso anormal.

O povo, ao qual se destinavam as bênçãos do intercâmbio com a esfera superior, não compreendeu o serviço instituído. Ninguém desejava elucidações referentes aos mandamentos divinos. Não desejava informar-se quanto à natureza da luz que visitara o Sinai e muito menos aceitava diretrizes edificantes para que, mais tarde, atingisse mais altos círculos da vida. Queria gozar a hora presente, assenhorear-se de patrimônios dos vizinhos, ganhar guerras com o estrangeiro, armazenar trigo e vinho, pilhar terrenos devolutos, conquistar rebanhos indefesos, construir carros de triunfos sanguinolentos. Para isso, o oráculo, ao invés de ouvir a Espiritualidade Superior que o sustentava na difícil empresa, passou a receber milhares de consultas sobre os mais rasteiros interesses da vida material. Cruelmente enganados pelas próprias ilusões, homens e mulheres de Israel cobriam-no de glórias exteriores; transportavam-no, de um lugar a outro, sob manifestações festivas e impunham-lhe destaque singular nos galarins da fama.

E a tarefa prosseguiu.

Abnegados orientadores da vida mais alta acompanhavam a missão sempre dispostos a beneficiar; todavia, nunca chegaram a dez por cento das realizações elevadas que lhes competiam.

O povo apenas procurava fugir à execução dos Desígnios do Pai Supremo. Não pretendia ouvir as vozes do Alto e sim fazer vozerio e tumulto em baixo. De modo algum, desejava elevar a Terra à luz do Reino Celeste e sim converter o Reino Divino em escuro subúrbio das paixões terrestres. Em face dos benfeitores que vinham atendê-lo, solicitamente, intentava somente alijar dificuldades benéficas, resolver questões profundamente inferiores do drama evolutivo, com plena obtenção de favores baratos e elixires da juventude. Ninguém procurava trabalho, iluminação, elevação, conhecimento, aperfeiçoamento ou melhoria própria. Em vista disso, o oráculo era muito mais pomo de discórdia terrestre que elemento de construtividade espiritual. Vivia como um terreno litigioso, provocando malquerença e desentendimentos sem fim...

Tantas lutas estéreis foram acesas, que os Missionários de Cima deliberaram interromper a experimentação. A turba era demasiado infantil para receber a revelação que não chegava nem mesmo a vislumbrar. No auge da tempestade que se fazia cada vez mais intensa para a opinião israelita, cortaram o fio de ligação e o oráculo desapareceu no torvelinho.

Acirrou-se a tormenta. Azedaram-se os debates. Surgiram deploráveis semeaduras de ódio, desânimo e desesperação.

O grande legislador, apavorado com as atitudes de sua gente, escreveu então as célebres palavras do Capítulo XVIII, do Deuteronômio, situando a consulta aos mortos entre os assuntos abomináveis.


E a proibição perdurou, oficialmente, no mundo, por mais de mil anos, até que o Cristo, em pessoa, a abolisse, no cume do Tabor, conversando com o espírito do próprio Moisés, perante os discípulos espantados. 

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Aristocracia Intelecto-Moral


Aristocracia intelecto-moral
por Cristiano Agarido (Ismael Gomes Braga)
Reformador (FEB) Julho 1947

Kardec estudou as formas de domínio e demonstrou que sempre o mundo foi governado por uma aristocracia, embora muitas vezes o sentido etimológico da palavra tenha variado.

A palavra vem do grego: aristos, o melhor, e kratos, o poder; logo, etimologicamente, aristocracia é o poder ou o governo dos melhores; mas os melhores, a juízo dos homens, numa classificação humana, podem ser simplesmente os mais valentes, os mais ricos, os menos escrupulosos. Na recente aristocracia alemã os melhores foram enforcados pelos aliados como grandes criminosos, isto é, melhor e pior foi questão de ponto de vista.

No interessante estudo do Mestre, aparecem como primeira aristocracia a dos patriarcas, como segunda a dos guerreiros e cleros, a terceira foi a do dinheiro, a quarta e atual é a da inteligência. Prevê o Codificador o advento de uma quinta aristocracia, a que ele dá o nome de intelecto-moral, a qual consistiria dos mais inteligentes e moralmente mais elevados.

Examinando-se bem essa classificação, vemos que só a primeira realmente desapareceu, porque a segunda ainda exerce muita influência: a terceira é quase onipotente e a quarta só opera conjugada com a terceira. Portanto, estamos longe do pleno domínio da quinta, que fará o mundo feliz. Essa classificação tem que ser examinada em diversos lugares, porque os povos não caminham no mesmo ritmo. Talvez se possa dizer que, na França, a quarta domina mais do que a terceira; nos Estados Unidos, a terceira é mais forte do que todas as outras; na Alemanha, domina mais a segunda, e, no Brasil, nenhuma delas se definiu com clareza.

De qualquer sorte, nunca dominou no mundo uma democracia, palavra tão do gosto dos nossos contemporâneos; nem é prevista sua existência futura por Allan Kardec. É realmente utópica a existência da democracia. Há sempre uma elite que domina e governa, e o máximo de democracia que conseguimos é que o povo eleja seus dirigentes dentro dessa aristocracia dominante pelo saber, pelas armas, pelo dinheiro, pela moral, mas não que promova membros da massa a governadores. Quando um homem saído do povo, do mais humilde nascimento, chega a um alta posição em sua pátria, temos a impressão de que dominou a democracia, mas na verdade tal homem era intelectualmente ou espiritualmente mais elevado do que os outros, pertencia a uma aristocracia, não foi feito pelo povo, este apenas obedeceu a um princípio superior: colocou no justo lugar o homem que merecia esse posto, pelas suas qualidades demonstradas.

Como o nosso planeta é um mundo de expiações e provas, as classes dominantes ainda não pertencem à categoria idealizada por Allan Kardec: a de homens superiores em saber e moralidade; mas esta categoria aparecerá, quando o planeta for promovido, como anunciam as comunicações de Espíritos superiores há mais de setenta anos:

A recente guerra mundial contra a "aristocracia totalitária" declarou-se como luta da democracia contra o despotismo e pôs muito em voga o ideal democrático que realmente é o que de mais elevado, concebemos em administração material do mundo. Pela democracia supomos que a maioria pode governar e substituir governos pacificamente, sem o recurso das armas; daí nosso anseio de viver num mundo democrático, de eleger realmente os homens que hão de administrar os interesses gerais do país. Mas em Espiritismo tomamos conhecimento com uma ordem de coisas inteiramente oposta à democracia: a organização hierárquica no mundo espiritual.

No mundo espiritual não há eleições, o número não tem expressão, tudo obedece a uma hierarquia infinita, que vai desde o verme até Deus, em linha ascendente, e desce desde Deus até o verme, em linha descendente, agindo cada indivíduo com a parcela de autoridade e responsabilidade que lhe pertence individualmente pelo seu grau de progresso, mas independente das opiniões alheias de eleitores, da propaganda eleitoral, das convicções pessoais.

Não é raro lermos em bons pensadores espíritas a opinião de que o Espiritismo é uma democracia. Devemos entender essa expressão no sentido de que não temos um clero, não há privilegiados em nosso movimento, todos temos os mesmos deveres e os mesmos direitos e cumprimos deveres ou exercemos direitos em plena liberdade, sem coação alguma exterior, guiados somente pela nossa consciência; todos os nossos pregadores e mestres são leigos e pertencem à massa popular com a qual trabalham; independemos de autorizações ou diplomas, de ordenações ou direção humana... Nesse sentido dizem que o Espiritismo é uma democracia, como poderiam dizer os idealistas da anarquia, que ele é a realização perfeita da anarquia, no bom sentido do termo; porque os anarquistas imaginam um mundo sem tiranias e classificam toda autoridade de tirânica. Os anarquistas sonham com uma liberdade que em parte nós realizamos em Espiritismo, mas enganam-se em seu ideal de liberdade ilimitada no tempo e no espaço, porque também nós temos superiores hierárquicos que nos privam da liberdade absoluta, limitam nosso livre arbítrio por períodos mais ou menos longos, em nosso próprio benefício.

Tanto se poderia dizer que o Espiritismo é uma democracia, como se poderia dizer que é uma anarquia, mas sempre limitando muito o sentido dessas palavras cunhadas para expressar outras ideias, senão, as palavras induziriam a erros tremendos. Em certo sentido ele é a negação absoluta de democracia e de anarquia. De democracia, porque o processo característico da democracia é elevar o homem para o poder, retirando-o da massa, de baixo para cima sempre, pela força dos votos; em Espiritismo toda autoridade vem de cima para baixo, por hierarquia, dominando sempre as minorias aristocráticas. Em outras palavras: os espíritas não podem eleger seus Guias, não podem substituir o Governador do planeta, não podem criar médiuns nem destituí-los, são obrigados a aceitar uma hierarquia espiritual antidemocrática. De anarquia, porque o livre arbítrio é estreitamente condicionado, as autoridades espirituais aplicam leis inflexíveis, existe um governo espiritual perfeito e rigoroso, logo, todo o ideal de liberdade ilimitada dos anarquistas encontra barreiras tremendas no Espiritismo.

Se tanto democracia como anarquia aplicadas a Espiritismo podem induzir a graves erros, também aristocracia e hierarquia, embora mais próximas da verdade, podem levar-nos a ideias falsas pelas noções humanas aplicadas a essas palavras. O mais seguro será dizermos que Espiritismo é Espiritismo mesmo e nada mais.

Quanto à organização do movimento espírita sobre a Terra, temos que seguir os princípios democráticos em tudo que concerne à administração material: eleger diretorias, decidir por maioria, mas esforçando-nos o máximo possível por entender e seguir o Plano superior dos Altos Dirigentes do movimento, os Espíritos superiores que ditam livros doutrinários e superintendem a propaganda da Doutrina. Esse Plano superior no Brasil é profundamente cristão e o percebemos em toda a literatura mediúnica publicada no país. Estaríamos, pois, errados e nossas decisões mesmo por maioria ficariam sem efeito, se decidíssemos coisas como:

1º - Atacar a maior obra evangélica recebida mediunicamente, a que comenta versículo por versículo os quatro Evangelhos; daí a não prosperarem no Brasil todas as instituições e pessoas que abrem luta contra a obra de Roustaing, como se nota nos 70 anos de nossa propaganda.

2º - Proclamar que o Espiritismo é somente ciência e não religião.

 3º - Abolir o emprego da prece.

Tais decisões, contrárias ao Plano superior exposto pelos Guias em seus livros, não têm o apoio do mundo espiritual superior e por isso fatalmente falham. Portanto, em nossas decisões "democráticas", por maioria, devemos lembrar sempre que o Espiritismo é dirigido pelos Espíritos e não pelos homens, como sempre insistiu Kardec, e que nossas deliberações só prevalecem quando estejam em harmonia com a Alta Direção do movimento, com essa Aristocracia Intelecto-Moral que ainda não existe em nosso mundo, mas já governa o mundo espiritual.


Todas as tentativas de organização, de trabalho, mesmo obtidas por unanimidade de votos humanos, quando desprezam a orientação superior dos Guias, têm falhado sempre. Logo, nossas decisões "democráticas" são bem limitadas em seu alcance, porque dependem da aprovação dos Guias, e, quando previamente vetadas por eles, por estarem em oposição ao seu Plano de trabalho, já nascem mortas. Muitas decepções e desilusões teriam sido evitadas por entusiastas do nosso movimento, se houvessem auscultado primeiramente os Guias e obedecido às diretrizes gerais dos Dirigentes espirituais do movimento 

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Eu sou o que sou


Eu sou o que sou
Carlos Buchele Jr
Reformador (FEB) Janeiro 1940

Um dos males que mais retardam a ascensão espiritual é a vaidade do homem em querer parecer o que não é. E, nesse desejo de parecer, quantas não são as almas que vão beber, no belíssimo e grandioso princípio da reencarnação, o veneno que as leva a se julgarem a encarnação de vultos que a história guarda com verdadeiro carinho e amor.

O homem é o que é: não adianta sofismar.

Infelizmente, dentro da seara espírita, há os que alimentam tais pensamentos: uns, porque, um dia, sonharam que haviam sido um gênio ou um missionário; outros, porque receberam do Alto essa revelação.

O maior perigo vem das revelações. É lamentável, quando são recebidas como oriundas de fontes dignas de crédito.

Obtém alguém a revelação do passado: fora um gênio ou um grande missionário, Absorvido este corrosivo, que é o que lhe não abrolhará, depois, na alma? Por certo, surgirão sentimentos de superioridade e um cortejo de vaidades humanas.

Jamais se deve aceitar revelação de tal natureza, venha de onde vier. Os Espíritos elevados conhecem muito bem as fraquezas humanas e, portanto, não seriam eles que viriam colocar em nossa estrada mais uma pedra de tropeço.

Pode, no entanto, tal revelação, não despertar aqueles sentimentos e ser aceita como verdadeira.

Haverá, ainda aí, algum mal? Sim e muito grande.

Se verídica fosse, os traços característicos que definiam a elevada individualidade surgiriam, na nova encarnação, gravados indelevelmente no Espírito. E muitas vezes, em contraposição aos argumentos irrefutáveis dos fatos e à opinião dos que o rodeiam, coloca-se o que recebeu a revelação em situação verdadeiramente infeliz: a do ridículo.

Essas fictícias revelações só trazem embaraço ao progresso espiritual.

Quando os Espíritos elevados levantam uma ponta do véu que encobre os mistérios da vida, é porque o homem já está amadurecido para compreende-los e benefícios espirituais daí lhe advirão, com o poder alongar as vistas através das gerações que se sucederam.

O que é extemporâneo, desnecessário e prejudicial jamais promana de fontes divinas: é do homem ou das trevas.

Nós somos o que somos; um missionário voltará com maiores possibilidades para a continuação de sua obra.

Se alguém foi, de fato, em uma de suas vidas pretéritas, um benfeitor da humanidade, não nos iludamos, um sinal divino o tornará conhecido: as obras, que atestarão, pelo seu vulto, o prosseguimento da missão que, porventura o Espírito venha desempenhando.


Que as obras são um sinal divino, Jesus o demonstrou, antes de o fazer por palavras, quando os dois emissários de João lhe perguntaram: "És tu mesmo o Cristo esperado?" Depois de curar a muitos de moléstias, de flagelos e de Espíritos malignos; de dar vista a muitos cegos, disse-lhe o Mestre: "Ide contar a João o que vistes e ouvistes: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados e aos pobres se lhes anuncia o Evangelho." 

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Belo ideal


Belo ideal
Camilo Silva
Reformador (FEB) Janeiro 1940

A célebre frase: errare humanum est tem lata aplicação a tudo o que se refere ao gênero humano, pois, não podemos estender o olhar a qualquer ponto do horizonte terreno, nem perscrutar as páginas da história de qualquer época do mundo, sem que vejamos confirmada essa triste e desconsoladora realidade, isto é, o patrimônio de trevosa ignorância, a passar de geração em geração, causando todas as desgraças e as mais horríveis decepções.

Nem assim, porém, a empedernida criatura planetária procura fugir-lhe.

Entretanto, uma só palavra tudo explica claramente - o orgulho, o fator principal dos males que achacam a humanidade. E, se dentro da prolongada noite escura que tem amortalhado o nosso orbe, aparece, como de fato tem aparecido em todos os séculos, desde os mais remotos, algum luzeiro, esforçando-se por espargir as suas centelhas pelo ambiente que a Providencia lhe permite ou determina abranger, logo mil e um obstáculos lhe surgem, inúmeros tropeços lhe são colocados no caminho, tentando impedir-lhe a ação beneficente, a marcha gloriosa, em demanda do objetivo que a sua missão lhe aponta: - a felicidade de seus semelhantes!

Orgulho! Como é difícil ao homem terreno abandonar, ou, antes, despojar-se dessa capa tétrica, tecida de fios coloridos, oriundos de uma planta que nenhum agrônomo ainda pode descobrir em qualquer campo, ou floresta, nem, tampouco, químico algum, mesmo dos mais exímios, conseguiu descobrir, no seu laboratório, em qualquer das substâncias, que manuseia, como capaz de compor essa roupagem de aspecto bizarro, que apresenta prismas diferentes, conforme a vontade ou o caráter de seu possuidor, em todos os atos de sua existência. O químico que descobrisse tal essência ganharia, por certo, todos os lauréis e o agricultor que encontrasse aquela fibra seria indubitavelmente aquinhoado com uma soma, em dinheiro, mais vultosa, do que aquele que descobre minas em suas propriedades!     

Sim, é difícil, porque essa vestimenta não nasce na terra, como, talvez, haja quem julgue. Ela tem sua origem no próprio espírito, que a foi tecendo, insensível e lentamente, por atos e pensamentos injustos, por infrações à Lei Divina, devido a se julgar o que não é e a se considerar o único fator de tudo quanto tem conseguido adquirir, em conhecimentos ou apropriações, sem admitir, apesar de advertido por outras entidades ou por guias espirituais, que tudo quanto de bom, de belo e de útil obtemos, devemo-lo sobretudo à clemencia e onipotência do nosso Criador e Pai - Deus!

Custar-nos-á muito despojar-nos dessa horrenda roupagem, porque ela não envolve unicamente a parte exterior da nossa personalidade, mas, todos os tecidos e filamentos do nosso ego real - a alma - pois que não só reveste, como, penetra todo o
nosso ser.

Assim, com justa razão, o grande Padre Germano, nas suas excelentes "Memórias", exclama: - "Os prejuízos de cem séculos não se despem num só dia".

É curioso observar, nos homens, o cuidado, a atenção, o carinho e o devotamento que prestam a esse dragão infernal -o orgulho! Orgulho, que todos alimentam com a presunção e adornam com a vaidade, sem compreenderem que estão nutrindo uma fera, que, mais cedo ou mais tarde, os maltratará ou devorará sem piedade, fazendo--os sofrer- a maior das decepções e a mais tremenda das desilusões, que é o tempo perdido, o aviltamento do caráter. Oh! como somos insensatos! Entretanto, o oposto, a humildade, quase a ninguém parece interessar! Há criaturas que pensam ser esta virtude uma espécie de mendiga, que nos deprime e envergonha, se a conduzimos conosco, ou lhe vestimos o traje... É grave erro pensar assim. A humildade (não a humilhação) é, ao contrário, uma joia de tão alto preço, que é bem possível não se encontre na terra criatura alguma, por mais inteligente que pareça, capaz de lhe estipular o valor real. É que nós, pobres pigmeus, com os olhos muito próximos do solo, cheios de poeira da estrada que palmilhamos, poucas vezes os dirigimos para o Alto, buscando compreender que pertencemos ao infinito. Deixamo-nos facilmente iludir pelas aparências: aí o nosso erro, daí o nosso fracasso.

Entretanto, quer no campo da ciência, quer no da virtude, os maiores vultos que deixaram pegadas luminosas no mundo estavam saturados de humildade. Krishna, na Índia, espelhando o ensino da imortalidade; Confúcio, na China, fundador de uma religião e de um ideal elevado; Sócrates e Platão, na Grécia, pregando as reencarnações como purificadoras do espírito: todos eles e ainda outros, muito antes do Cristo, assim se mostravam. Depois, os doutros ramos: Galileu, na Itália: Kepler e Goethe, na Alemanha; Flammarion e Victor Hugo, na França; assim como Kardec, cientista e codificador do Espiritismo, não esquecendo Roustaing, compilador da magistral obra: "Os quatro "Evangelhos", ou "Revelação da Revelação"; W. Crookes, na Inglaterra. Na poesia: Camões e Junqueiro, em Portugal. Na aviação, Santos Dumont; na ciência, na literatura e na verdadeira filosofia; Bezerra de Menezes e Bittencourt Sampaio, no Brasil. Todos estes e outros mais, foram, pela humildade, estoicos e persistentes no triunfo dos seus ideais. O que, por mercê e graça do Onipotente, comprova de modo inconteste que até aos planetas de treva e maldade, como a Terra, descem verdadeiros gênios do saber e da virtude, para destruírem os tropeços e prejuízos oriundos do orgulho, que tem entravado o progresso moral das criaturas.

Deixamos para o término do nosso modesto artigo o vulto excelso de Jesus, o maior expoente do saber e do amor, que à Terra baixou há quase vinte séculos.

Todo o esplendor da humildade nos apresentou aquele Espírito sublime, nos seus exemplos e ensinamentos prodigiosos e dignificantes, que começaram pelo seu aparecimento num curral escuro de animais domésticos, para finalizar, 33 anos depois, crucificado numa cruz entre dois delinquentes, quando só o bem havia feito a todos os necessitados! A humildade - disseram os Apóstolos e Evangelistas a Roustaing - é uma luz que tudo esclarece; o orgulho, uma treva que tudo obscurece. Seja, pois, a humildade o nosso mais belo ideal.

Humildade, palavra santa! fonte única de todas as virtudes. Sentindo-me pesaroso por ainda te não possuir, eu, profundamente contrito, curvo os joelhos em espírito ante o esplendor de teu fulgor radiante, almejando que tuas centelhas possam ser lançadas por toda a face da terra, afim de que as criaturas, envoltas nas trevas do orgulho, consigam fugir a essa horrível noite e, saturando-se de tua divina essência, ver e sentir, em todos os seres e em todas as criações, a encantadora harmonia do universo, ao som da harpa maravilhosa do Evangelho em espírito, com que o mavioso cantor, Jesus, inebriando-nos de suas melodias, nos arrebata os espíritos nas asas cândidas da prece, em direção a regiões mais altas e mais puras, de onde poderemos contemplar o surpreendente panorama da natureza, glorificando a grandeza de seu autor - Deus!



domingo, 11 de fevereiro de 2018

Paradoxos


Paradoxos
por Wantuil de Freitas
Reformador (FEB) Junho 1943

O Espiritismo, que é a religião por ser o próprio Cristianismo, visto que a sua doutrina trás o caráter de universalidade deste último; que não pode deixar de ser, ao menos, pelos que se neguem a considerá-lo assim, uma religião como as demais, diferindo destas unicamente pela sua extrema simplicidade, idêntica à do
Cristianismo inicial, simplicidade que exclui a existência de cerimônias cultuais em seu seio e de liturgias tomadas ao paganismo e ao judaísmo, ensina que, em geral, as enfermidades que atormentam as criaturas humanas são oriundas de males com sede no espírito e que tanto essas enfermidades, como as que entre elas não se classificam, podem servir de meio, e servem muitas vezes, para a ação de espíritos atrasados e, por isso, malfazejos, os quais lhes intensificam a gravidade, tornando-as dolorosíssimas, ou dificultando-lhes a cura.

Em qualquer religião, esse ensino é mais ou menos dogmático, como o é o do "diabolismo", a que ele se acha intimamente ligado, e, como dogmático, é escudado pelas leis humanas, cuidadosas sempre em recomendar o maior respeito para com as religiões, sobretudo para com aquelas que estabelecem relações estreitas com os
poderes temporais.

De outro lado, depois de provar, pela elucidação completa dos textos evangélicos, que, com referência às enfermidades humanas, o mesmo ensinou e exemplificou Jesus, curando, quase, ininterruptamente, durante a sua breve passagem pela Terra, toda sorte de doentes só com o lhes impor as mãos, isto é, transmitindo-lhes o fluido magnético que Ele manejava com poder supremo, conforme depois fizeram seus apóstolos e discípulos, o Espiritismo aconselha e ensina, demonstrando o fundamento do seu ensino, que aqueles a quem Deus outorgou o dom de serem verdadeiros reservatórios de magnetismo humano e, como tais, veículos apropriados ao magnetismo espiritual, portanto médiuns, também transmitam o fluido magnético, que os Espíritos do Senhor lhes forneçam, aos que dele necessitarem.

Vê-se, pois, que a cura pela imposição das mãos, hoje dita pela aplicação de passes, ou, seja, a cura pela transmissão do fluido ou agente magnético, faz parte integrante do Cristianismo, ou, por outra, da prática da caridade conforme a preceitua o Cristianismo do Cristo, desde a sua instituição, prática de que posteriormente se valeram, com êxito completo, vários dos chamados "santos". Se presentemente ela se mostra inócua, quando utilizada pelos que se dizem sucessores desses "santos", que mais não foram do que verdadeiros cristãos, o fato somente se pode atribuir a que semelhante dom não é concedido para satisfação de interesses quaisquer de grupos religiosos, mas, indistintamente, a todos quantos, segundo as vistas do Senhor, forem capazes de o receber e aplicar sem nenhum interesse, exclusivamente por amor ao próximo.

Ora, assim sendo, não se pode considerar justo, nem admissível que, pela circunstância de se verem hoje privados do dom divino de que falamos, o qual, aliás, eles já possuíram e não souberam cultivar e conservar, os componentes de alguns grupos religiosos se lancem, por despeito, a incitar os homens, ainda, em sua maioria, ignorantes destas coisas, a combater e perseguir os que atualmente possuem e dão bom uso à faculdade que lhes foi retirada a eles e que hoje, entre eles, só se manifesta num ou noutro dos mais humildes, o que concorre para aumentar a perturbação de seus chefes hierárquicas, por lhes contravir às ambições.

Considerado do ponto de vista meramente humano, o passe pode ser equiparado a um ato de culto religioso, como a aspersão com água benta, a aposição dos "santos óleos" e outros, que as leis humanas consideram dignos de todo o acatamento, havendo, apenas, entre o primeiro e os demais, a diferença de que aquele é ministrado sem remuneração de nenhuma espécie, sem qualquer pagamento ou retribuição material a quem o aplica, porque esse obedece tão só ao preceito do Cristo - dai de graça o que de graça recebestes, o que não acontece com relação aos demais.

Estas considerações nos vêm à mente através da leitura da brilhante promoção judiciaria firmada pelo Dr. Alcides Gentil, publicada no "Diário da Justiça" e transcrita no Reformador de maio último. Nesse documento, o eminente Promotor, luminar do Direito, depois de comparar as práticas do Espiritismo com as de outras religiões, assim conclui:

"Atender a fiéis, sem o intuito de remuneração, equivale, sem dúvida, a dar uma assistência espiritual muito mais generosa do que aquele que cobra, a dinheiro de contado, a missa, o batismo, ou a encomendação dos mortos. Trata-se de ato ligado a determinada crença. Não há, portanto, nestes autos, crime nenhum que punir.”

Diante do que se observa aqui, ali, acolá; diante das interpretações várias que se dão aos textos legais; diante dos fatos e dos termos categóricos da Constituição Brasileira, parecem-nos paradoxais todas as medidas que visem proibir aos espiritas, aos profitentes do Espiritismo, a observância de um dos pontos capitais do Cristianismo, que aquele veio restaurar na sua pureza. Tais medidas só seriam comparáveis, se tentadas, às que outrora se empregaram contra o mesmo Cristianismo, na esperança de o poderem sepultar ainda no nascedouro, mas que não o impediram de, embora deformado e fraudado, fazer progredir a humanidade durante vinte séculos.

Sob a sua égide ela continuará a progredir a evolver. Confiemos, pois, em que a evolução, dará aos homens a compreensão da Verdade e o sentimento da única felicidade com que devem e podem contar e, confiantes, não cessemos de orar para que não tarde o dia em que o Cristo efetivamente reine em todos os corações.


Be yourself




A Derrubada


A Derrubada
Casimiro Cunha
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Junho 1943


Rangem troncos seculares
À força do lenhador.
É o machado formidando
No impulso renovador.

Toda a floresta se agita
Nas terríveis convulsões,
Continua a derrubada
Que precede as plantações,

Sol quente. Suor. Serviço.
E as árvores vigorosas
Estraçalham com fragor
As frondes cariciosas.

Após o trabalho ingente,
A invasão do fogaréu,
Fumo espesso devorando
A doce amplidão do céu.

Gritam aves assustadas,
Sem ninho, sem paz, sem guia.
Animais inferiores
Vão fugindo em correria.

Depois, ainda, é a coivara,
Completando a grande prova,
É o termo da derrubada
A favor da vida nova.
Somente aí são possíveis
Pasto verde, espiga loura,
Pomares e sementeiras.
Celeiro, casa e lavoura.

Já observaste que o homem,
Ao longo de toda estrada,
Precisa também, por vezes,
Das foices da derrubada!

É a dor proveitosa e rude,
Surgindo em golpes violentos,
A força que retifica
A mata dos sentimentos.

Sem trabalho, não teremos,
No caminho universal,
Nem casa com Jesus Cristo.

Nem pão espiritual.

Tolerância e Intolerância



Intolerância e tolerância
por Lino Teles (Ismael Gomes Braga)
Reformador (FEB) Junho 1943

Chega ao nosso conhecimento um caso expressivo de tolerância, a par da mais extrema intolerância. Vamos tentar resumi-lo em poucas palavras, para nossa meditação quanto ao perigo dos extremismos, sempre tendentes a cegueira da razão...

Relatou-no-lo uma dama de boa sociedade, de fina educação, de majestosa beleza, no vigor de seus cinquenta janeiros. Reduzamos a sua longa historia à parte que nos interessa.

Disse-nos ela:

"Sou casada há quase trinta anos e fui das mais felizes. União decorrente só do amor, encontrei no meu esposo todas as qualidades que eu idealizava: bondade espontânea e sem afetação, amor ao dever e ao lar, repartindo seu tempo entre o trabalho e a família. Foi sempre pai extremoso e marido fiel. Vivemos felizes e aumentamos sempre o nosso patrimônio. Nossas filhas são a nossa alegria, pela dedicação ao estudo, pela devoção religiosa, pela elevação de princípios. Nosso único filho é um jovem prudente e virtuoso, com pronunciada vocação para o sacerdócio e Deus fará dele um digno servidor da religião. Assim correu sempre minha vida, cheia de fé e de esperança, a despeito dos pequenos sofrimentos que tive com enfermidades dos filhos na primeira infância.

"Agora, porém, toda a minha felicidade se desmorona. Sou completamente infeliz, há quase um ano. Tive que me separar do meu marido por que ele abandonou a nossa fé e se tornou espiritista. Súplicas, rogos, lágrimas, nada conseguiu afasta-lo dessa fatalidade. Finalmente, conhecendo o imenso afeto que nos votava a mim e aos filhos, lancei-lhe um grande repto, que deveria vencê-lo. Exigi que optasse entre o Espiritismo e a família. Apesar de toda a minha fúria, ele sorriu tristemente e me respondeu sem se alterar: "Jamais abandonarei o Espiritismo e nunca amarei menos à minha família".

"Tive que cumprir a palavra e retirei-me com os filhos para esta pensão. Aqui estamos há três meses e só o vemos aos domingos, quando nos vem visitar. Não é mais meu esposo, é uma visita..."

- E quanto à vocação do jovem, não faz o pai oposição? perguntamos à pobre senhora que nos falava de olhos úmidos.

- "Não; e nisso mesmo me demonstra que está alterado, que já não tem claro o raciocínio. Disse-me textualmente: "Se é sincera, como parece, a vocação do rapaz, deixemo-lo seguir a vida sacerdotal; é um dos caminhos para servir a Deus e aos nossos irmãos em humanidade". Interrompi furiosa, diante dessa indiferença pela sorte de nosso filho: "És contraditório; se o Espiritismo, como dizes, é a restauração do Cristianismo, é a verdade em religião, como podes admitir que teu filho seja sacerdote de uma Igreja que já não consideras a legítima expressão do Cristianismo?" Com a indiferença de lunático, respondeu-me: "Sempre haverá tempo para ele receber as luzes do Espiritismo; uma existência a mais ou a menos na eternidade pouco significa; o caminho para ele, agora, parece mesmo ser o sacerdócio..."

"Como é triste tudo isso! Que tortura horrível!  Um lar feliz desfeito, uma família sem pai e com o pai vivo! E que pai! Um dos melhores e mais amorosos que se poderiam conceber..."

-  Interrompemos de novo: Então, seu esposo, ao que se nos afigura, é um homem de bem.

- "Diga antes, meu Senhor, é um santo; perdoa a tudo e a todos; não nos guardou o mínimo ressentimento, por havermos abandonado o lar, e emprega todos os esforços para nos tornar a vida aqui mais tolerável, cercando-nos de carinho, visitando-nos todas as semanas".

- E, com as suas novas crenças, deixa ela inteira liberdade religiosa às filhas? ousamos interrogar.

- "Sim; anima-nos em nossas práticas piedosas; não desaconselha as filhas que se confessem e até insiste com elas para que se confessem bem, melhorando de conduta após a confissão..."

- Minha Senhora, seu esposo é um modelo raro de tolerância religiosa. Dificilmente se encontra tanta elevação moral num pai de família. E a consciência de V. Ex. julgará se de sua parte existe tolerância.

Aí fica o diálogo, sem os coloridos vivos das interrupções lacrimosas, sem a sua vida própria que não sabemos reproduzir. Agora, nossas reflexões.

Quanta razão tinham os antigos romanos ao nos dizerem que a virtude está no meio termo (In medio consistit virtus) e nunca nos extremos! O excesso de zelo religioso, nessa mãe de família, tornou-se extremismo, sectarismo fanático, intolerância violenta. Pelas suas próprias mãos, destrói ela toda a sua felicidade e se projeta com os filhos num abismo de sofrimentos, num verdadeiro inferno, privando-se e a todos os seus filhos, em angustiosa tirania, de um lar feliz e da presença constante de um esposo e pai amado e digno de todo o respeito e afeição.

A religião de amor, o Cristianismo, que a todos os seres humanos abraça como filhos do mesmo Deus; o Cristianismo, que tudo perdoa e ama até aos inimigos; a religião daquele que amou e visitou até os publicanos e pecadores e na cruz do suplício, esquecido de si mesmo, implorava perdão para seus algozes; o Cristianismo, transformado em seita intolerante que desfaz um lar feliz! Que tristeza, meu Deus, a
a nossa incompreensão! Quão longe estamos do modelo que nos enviaste!
De tudo fazemos um extremismo, porque em tudo metemos o nosso doentio orgulho; o nosso egoísmo é tão estreito, que nos isola num mundo de sofrimentos; nossa vaidade é tão infantil que exige tudo para sacrificar em seu altar. As dádivas mais sublimes que o Céu nos envia para nossa salvação, para nossa felicidade, nós as
transformamos em bandeira de lutas dolorosas e estéreis. Seremos sempre assim, meu Deus, nunca nos corrigiremos, nunca aprenderemos a ser felizes, cultivando as virtudes que de toda a eternidade nos são ensinadas pelos Enviados do teu amor?

Não; não seremos sempre assim. A nossa intolerância terá fim, o nosso egoísmo será substituído pela compreensão de que só podemos ser felizes colaborando para a felicidade alheia.

Virá tempo em que aboliremos, como irreligião, todos os pormenores religiosos que nos afastem de nossos irmãos, gregos ou troianos, judeus ou samaritanos. E talvez não venha longe esse tempo, Por toda parte as vozes do Céu se fazem ouvir e repetem sempre o mesmo ensinamento: "amai, amai sempre, amai a todos, amai aos vossos inimigos, porque pelo amor e pelo sacrifício é que chegareis com mais segurança ao Reino de Deus, à felicidade perfeita e inalterável, do que por todas as formas de culto externo".

Essas tristes reminiscências do paganismo, dos deuses ciumentos e ferozes, ainda existem no vigésimo século do Cristianismo e promovem a intolerância nos espíritos mais violentos; é dura verdade; mas, rara já se vai tornando essa intolerância barbara. Os deuses falsos e mentirosos vão sendo substituídos nos corações pelo Deus único, pai e criador de todos os seres, que nos foi revelado por Jesus. Esse Deus imenso, que palpita em toda a criação e anima todos os seres, não conhece as nossas divisões em seitas e partidos ridículos e infantis.

Tudo marcha para a unidade. Nossa ciência materialista já é uniforme no planeta todo. Nossa técnica industrial já se padroniza por toda parte. Nossos meios de comunicações já são os mesmos em toda a superfície do globo. Nossa civilização materialista ruma para o universalismo em futuro próximo. Porque então, só nos domínios superiores do pensamento não rumamos todos para a unidade divina? Porque nos apartamos em seitas que não se compreendem e se hostilizam, se no fundo de todas elas, despida a roupagem das formas, a verdade revelada é sempre a mesma?

O espírito de seita desaparecerá também. Grande passo já vai sendo dado pelas comunicações dos Espíritos superiores, recebidas em todas as línguas e em todos os pontos do planeta, dentro e fora das sociedades espíritas, nos meios mais cultos, como nos mais obscuros.

O Monoteísmo será uma realidade viva no futuro e ninguém mais poderá crer nas histórias tristes como essa que relatamos acima. Hão de supor que mentimos ou fantasiamos. Que assim seja muito em breve!