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segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Da Proibição


Da Proibição
por Antônio Túlio (Ismael Gomes Braga)
Reformador (FEB) Junho 1947        

As leis sociais proíbem tudo quanto prejudique a vida harmoniosa da coletividade e aplicam penalidades a quem viole tais proibições. Isso é justíssimo num mundo habitado por Espíritos atrasados como é o nosso. A sociedade tem o direito de regulamentar sua própria vida e punir os membros que lhe desobedeçam às determinações.

Igualmente a primeira Revelação participa dessa natureza de legislação social e estabelece proibições: Não furtarás; Não matarás; Não levantarás falso testemunho; Não cobiçarás as coisas alheias. São proibições ao indivíduo para que ele possa viver e colaborar com os outros indivíduos, formando a sociedade útil e feliz. Essa moral das proibições é negativa e passageira; não é a ideal, porque esta não se contenta com o não fazer e reclama ação; por isso a segunda Revelação já aboliu as negações e as substituiu por princípios afirmativos: Faze aos outros o que queiras que os outros te façam a ti; ama o teu próximo como a ti mesmo.  Já não se proíbe ao homem fazer o mal, porque se exige que ele só faça o bem.

A interpretação humana do Cristianismo, porém, voltou às negações e até pediu o apoio do Estado para fazer valer suas proibições. Em 1793 as ideias revolucionárias ameaçavam todos os privilégios da aristocracia europeia e do Clero, e a Áustria, por pedido de seu Ministro de Polícia, Conde Pergen, estabeleceu a mais rigorosa censura literária. Um exército de censores lia todos os livros e proibia tudo que não estivesse de acorde com os interesses das classes superiores. Por outro lado corrigiam e refaziam as obras clássicas, modelando-as aos interesses da moral religiosa e das classes dirigentes. Periodicamente aparecia uma lista completa dos livros proibidos, com o título "Catalogus Librorum Prohibitorum".

Esse catálogo tinha grande procura e todos os livros nele incluídos eram impressos e vendidos clandestinamente em grande escala, ficando os outros, os permitidos, encalhados com os editores. Havia pessoas ricas que se ufanavam de possuir toda a literatura proibida, de estarem perfeitamente em dia com o "Catalogus".

Diante do resultado contraproducente; foi decretada a proibição de publicar-se o "Catalogus Librorum Prohibitorum". Por mais ridículo que isso hoje nos pareça, o fato é verídico e o escritor húngaro István Râth-Végh o deixou bem registado num trabalho hoje amplamente divulgado pelo mundo em excelente tradução para o Esperanto, feita por Ferenc Szilágyi e publicada na Suécia.

O ideal espírita é não proibir, mas esclarecer as consequências de cada ato, deixando ao homem o livre arbítrio, a liberdade de aprender à sua própria custa. Demonstrar ao homem que cada ato produz fatalmente suas consequências e que a sociedade humana continua sua jornada, através dos milênios e das reencarnações, sob a lei da mais perfeita justiça que não deixa impune o crime nem a virtude sem prêmio.

Em vez de proibir que se mate, faz demonstrar que a morte não existe e que a vítima se vinga por vezes durante séculos contra o assassino, reduzindo-o aos estados mais horrorosos no mundo espiritual e durante as encarnações: por isso o inimigo morto é muito mais perigoso do que o vivo, pois que este tem as limitações da matéria, enquanto que o outro é livre em seus planos de vingança contra o culpado.

As mesmas consequências do homicídio e n os mais diversos graus de intensidade acarretam todos os outros atos que possam engendrar o ódio a alguém: o furto, o adultério, a calúnia, o desrespeito a qualquer direito, a ingratidão, a arrogância, as ofensas por palavras e pensamentos, tudo, enfim, que possa ferir a lei de amor entre os membros dessa sociedade humana visível e invisível que caminha através da eternidade e do infinito.

O indivíduo necessita de conhecimentos para decidir por si mesmo a só fazer o bem por ser este de sua conveniência e evitar toda sorte de mal que viria recair sobre ele mesmo; possuir conhecimentos para ser o juiz severo de seus pensamentos, palavras e obras, para se tornar um ser consciente e responsável, mas não um encarcerado numa rede de proibições que ele não entende ou não acha justas e só não as viola quando não pode.        

Observar inconscientemente as proibições, limitar-se a não fazer o que é proibido como mal, sem desenvolver em si mesmo as faculdades de fazer o bem, é um estacionamento, uma paralisia espiritual.

O ideal, a grande aspiração do Espiritismo, é esclarecer, acordar as consciências individuais, sem pear as energias, mas, ao contrário, desenvolvendo em cada pessoa o espírito de iniciativa, o amor à atividade harmoniosa e construtiva. Podemos reconhecer que no estado atual da humanidade da Terra a aspiração espírita é de realização difícil, destina-se a remoto futuro, mas nem por isso deixa de ser um grande ideal superior que devemos ter sempre diante dos olhos.

A moral negativa, das proibições, do não faças tais e tais coisas, produz massas inconscientes e obedientes ou revoltados e rebeldes: é o desejo dos amantes da disciplina, da padronização do espírito humano; mas essa padronização é negada pela natureza da evolução espiritual.

Os Espíritos superiores não formam uma democracia como algumas pessoas supõem, mas, muito ao contrário, formam uma aristocracia com uma hierarquia infinita, na qual reina compreensão e por isso mesmo harmonia natural e não harmonia imposta pela disciplina, pelos mais fortes aos mais fracos.

Numa democracia as tarefas são estabelecidas de baixo para cima: as massas escolhem entre si as pessoas que terão de dirigi-las e as minorias disciplinadamente submetem-se às maiorias, estejam estas com ou sem razão. Prevalece o número e não a qualidade e esse número pode a qualquer tempo desfazer sua própria obra, substituir seus dirigentes. Precisamente o contrário se dá no mundo espiritual: as tarefas são destinadas de cima para baixo e o número nada significa; reina consciência clara, e as substituições não são consequência de erro da "eleição", mas de incapacidade prevista do missionário e providenciadas antes do insucesso. Um Espírito pede uma tarefa superior às suas forças: os Guias sabem que ele vai falhar em meio do caminho, mas que o esforço lhe será útil e fará obra preliminar de pioneiro: conferem-lhe a tarefa e destinam outro para retomá-la no ponto em que o primeiro provavelmente virá a falhar; de sorte que a sua falência não anula o plano Divino da evolução, porque, a substituição se faz no momento oportuno e já previsto.

A Democracia é excelente para o governo material das nações, mas não é aplicável nem aplicada ao mundo espiritual, onde a disciplina só existe pela superioridade individual de uns e inferioridade de outros, mas não pela imposição tirânica das maiorias às minorias. Em outras palavras: os Espíritos atrasados não elegem seus Guias, nem teriam conhecimentos necessários a tal eleição; são os Guias que decidem a quem cabe dirigir. Deus não impede ao homem de praticar o mal, deixa-lhe toda liberdade, mas ele sofrerá todas as consequências e aprenderá à sua custa a evitar o mal e praticar o bem, por sua própria escolha.


Nossas organizações atuais ainda necessitam de proibições, mas o nosso ideal é aboli-las a pouco e pouco até que cada homem seja um juiz de todos os seus atos. 

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