Pesquisar este blog

terça-feira, 6 de maio de 2014

Jesus em Casa


JESUS
EM CASA

O culto do Mestre em casa,
É novo sol que irradia
A música da alegria.
Em santa e bela canção.
É a glória de Deus que vasa
O dom da Graça Divina,
Que regenera e ilumina   
O templo do coração.

Ouvida a bênção da prece,
Na sala doce e tranquila,
A lição do bem cintila,
Como um poema a brilhar.
O verbo humano enaltece,
A caridade e a esperança,
Tudo é bendita mudança
No plano familiar.

Anula-se a malquerença,
A frase é contente e boa.
Quem guarda ofensas, perdoa,
Quem sofre, agradece a cruz.
A maldade escuta e pensa
E o vício da rebeldia
Perde a máscara sombria...
Toda névoa faz-se luz!

Na casa fortalecida
Por semelhante alimento,
Tudo vibra entendimento
Sublime e renovador.
O dever governa a vida,
Vozes brandas falam calmas...
É Jesus chamando as almas
Ao Reino do Eterno Amor!

Irene S. Pinto
por Chico Xavier

via ‘GE Os Mensageiros’

segunda-feira, 5 de maio de 2014

O fenômeno da 'Voz Direta'

O fenômeno da
 ‘Voz Direta’
por Ernesto Bozzano

in ‘Metapsíquica Humana’ (4ª ed. FEB – 1992)

            “Destaco o episódio do livro de Hannen Swaffer: "Northcliffe's Return", livro bastante interessante, recentemente aparecido na Inglaterra, e no qual trata das manifestações e das provas de identificação pessoal, fornecidas por Lord Northcliffe, através de vários médiuns.

            É mais um caso de identificação espírita de primeira ordem, inexplicável por qualquer teoria materialista e que se vem juntar à coleção já tão vasta e preciosa dos da mesma natureza, constatados nestes últimos tempos.

            Existe em Londres uma senhora de rara distinção, a Sra. Gibbons Grinling, que, com ardor e inteligência, se dedica a investigações metapsíquicas. Acompanhada sempre de seu filho Denis, e, às vezes, da sua amiga, Sra. Leonard, tentou em sessões regulares, de uma hora cada uma, realizadas três vezes por semana, desenvolver em si a mediunidade da "voz direta".

            Durante três anos foi essa perseverança admirável desafiada do modo mais desanimador, até que afinal, certa vez, de um dos cantos do quarto, em que mãe e filho estavam assentados, em completa escuridão, partiu uma voz, que chamava: "mamãe!"

            Era a voz do seu filho Cedric, morto em idade muito tenra. Desse dia em diante, o fenômeno da "voz direta", na Sra. Gibbons Grinling, desenvolveu-se com rapidez, atingindo, dentro em pouco, perfeição rara. Atualmente os Espíritos comunicantes não mais precisam do "porta-voz" para condensar as vibrações sonoras e falam, independentemente, com o mesmo timbre de voz que tinham quando vivos.

            Ora, uma noite em que a Sra. Grinling fazia uma sessão na maior intimidade, Lord Northcliffe se manifestou, espontaneamente, para dizer à médium que desejava fosse convidado a tomar parte numa das sessões o jornalista Hannen Swaffer, a quem desejava falar.

            A Sra. Grinling conhecia, de nome, Lord Northcliffe, mas nunca ouvira falar no jornalista Hannen Swaffer. Para obter as necessárias informações dirigiu-se à sua amiga Sra. Leonard, que se encarregou de prevenir Swaffer e de apresentá-lo à Sra. Gibbons Grinling.

            Hannen Swaffer compareceu a uma dessas sessões a que também assistiram, além naturalmente da Sra. Grinling e Denis, a Srta. Louise Owen e a Sra. Osborne Leonard.

            A sessão teve início em quarto iluminado por pequena lâmpada elétrica, suspensa ao teto. Passados alguns minutos, ouviu-se uma "voz direta" partindo do ângulo menos iluminado do quarto, dizendo: "A luz está muito forte." Era a voz de Cedric. Swaffer levantou-se e atirou à lâmpada, colocada um tanto alto, dois lenços que, depois de algumas tentativas, nela se prenderam, envolvendo-a, o que de muito diminuiu a intensidade da luz.

            Agora é Hannen Swaffer que vai narrar o ocorrido:

            Logo após, escreve ele, ouvi a voz de Lord Northcliffe, que me disse perto do ouvido:

            - Doris está aqui comigo:

            Para que se possa bem compreender a significação disto, devo esclarecer que, dias antes, durante uma sessão com a Sra. Leonard, perguntara eu a Lord Northcliffe se, no meio espiritual em que se achava, não havia encontrado uma pessoa dele conhecida e a mim estreitamente ligada...

            - Compreende bem a quem me quero referir? - perguntei.

            Não lhe havia pronunciado o nome da pessoa, mas mesmo assim a ela se referiu durante algum tempo e Fedda acrescentou saber que a amiga a quem nos referíamos "havia sofrido bastante durante a vida".

            Está claro que, tendo encontrado aquele ensejo de conduzir o Espírito dessa minha amiga a uma sessão, onde pudesse ela conversar diretamente comigo, Lord Northcliffe o não perdesse, embora não lhe havendo eu pedido tanto...

            Em seguida, uma voz de mulher a mim se dirigiu:

            - Sou eu, Doris, que te estou falando. Acho-me novamente contigo. Lembras-te do lugar em que me encontraste?

            - Sim - respondi-lhe, embora para isso tivesse a minha memória de recuar um bom quarto de século.

            A Srta. Owen perguntou:

            É esta a primeira vez que te manifestas?

            - Sim - e acrescentou: - Tive uma vida muito atribulada... mas meu filho, continuou ela, dirigindo-se a mim, meu filho está prestes a voltar para a Inglaterra... Ele deve continuar a ignorar... guarda bem o segredo.

            Compreendi perfeitamente o que me quis dizer. Era uma mensagem de além-túmulo na qual me pediam o maior desvelo por alguém que era extremamente amado da pessoa que falava. A alusão feita se referia a alguma coisa que só eu podia compreender e de que fazia grande questão o Espírito comunicante. Cumpre notar que por mais de uma vez muito me havia preocupado se devia revelar ao rapaz a sua origem...”

Lembrança Fraternal aos Enfermos



Lembrança fraternal
aos enfermos

Emmanuel
por Chico Xavier
in Reformador (FEB) Setembro 1941  

            Queres o restabelecimento da saúde do corpo e isso é justo. Mas, atende ao que te lembra um amigo que já se vestiu de vários corpos e compreendeu, depois de longas lutas, a necessidade da saúde espiritual.

            A tarefa humana já representa, por si, uma oportunidade de reerguimento aos espíritos enfermos. Lembra-te, pois, de que tua alma está doente e precisa curar-se sob os cuidados de Jesus, o nosso Grande Médico.

            Nunca pensaste que o Evangelho é uma receita geral para a humanidade sofredora?

            É muito importante combater as moléstias do corpo; mas, ninguém conseguirá eliminar efeitos quando as causas permanecem. Usa os remédios humanos, porém, inclina-te para Jesus e renova-te, espiritualmente, nas lições de seu amor. Recorda que Lázaro, não obstante voltar do sepulcro, em sua carne, pela poderosa influência do Cristo, teve de entregar seu corpo ao túmulo, mais tarde. O Mestre chamava-o a novo ensejo de iluminação da alma imperecível, mas não ao absurdo privilégio da carne imutável.

            Não somos as células orgânicas que se agrupam, a nosso serviço, quando necessitamos da experiência terrestre. Somos espíritos imortais e esses microrganismos são naturalmente intoxicados, quando os viciamos ou aviltamos, em nossa condição de rebeldia ou de inferioridade.

            Os estados mórbidos são reflexos ou resultantes de nossas vibrações mais intimas. Não trates as doenças com pavor e desequilíbrio das emoções. Cada uma tem sua linguagem silenciosa e se faz acompanhar de finalidades especiais.

            A hepatite, a indigestão, a gastralgia, o resfriado são ótimos avisos contra o abuso e a indiferença. Por que preferes bebidas excitantes, quando sabes que a água é a boa companheira, que lava os piores detritos humanos? Por que o excesso dos frios no verão e a demasia de calor nos tempos de inverno? Acaso ignoras que o equilíbrio é filho da sobriedade? O próprio irracional tem uma lição de simples impulso, satisfazendo-se com a sombra das árvores na secura do estio e com a bênção do sol nas manhãs hibernais. Pela tua inconformação e indisciplina, desordenas o fígado, estragas os órgãos respiratórios. aborreces o estômago. Observamos, assim, que essas doenças-avisos se verificam por causas de ordem moral. Quando as advertências não prevalecem, surgem as úlceras, as congestões, as nefrites, os reumatismos, as obstruções, as enxaquecas. Por não se conformar o homem, com os desígnios do Pai que criou as leis da natureza como regulamentos naturais para a sua casa terrestre, submete as células que o servem ao desregramento, velha causa de nossas ruinas.

            E que dizermos da sífilis e do alcoolismo procurados além do próprio abuso?

            Entretanto, no capítulo das enfermidades que buscam a criatura, necessitamos considerar que cada uma tem sua função justa e definida.

            As moléstias dificilmente curáveis, como a tuberculose, a lepra, a cegueira, a paralisia, a loucura, o câncer, são escoadouros das imperfeições. A epidemia é uma provação coletiva, sem que essa afirmativa, no entanto, dispense o homem do esforço para o saneamento e higiene de sua habitação. Há dores íntimas, ocultas ao público, que são aguilhões salvadores para a existência inteira. As enfermidades oriundas dos acidentes imprevistos são resgates justos. Os aleijões são parte integrante das tabelas expiatórias. A moléstia hereditária assinala a luta merecida.

            Vemos, portanto, que a doença, quando não seja a advertência das células queixosas do tirânico senhor que as domina, é a mensageira amiga convidando a meditações necessárias.

            Desejas a cura; é natural; mas, precisas tratar-te a ti mesmo para que possas remediar ao teu corpo. Nos pensamentos ansiosos, recorre ao exemplo de Jesus. Não nos consta que o Mestre estivesse algum dia de cama; todavia, sabemos que ele esteve na cruz. Obedece, pois, a Deus e não te rebeles contra os aguilhões. Socorre-te do médico do mundo ou de teu irmão do plano espiritual, mas, não exijas milagres, que esses benfeitores da terra e do céu não podem fazer. Só Deus te pode dar acréscimo de misericórdia, quando te esforçares por compreendê-lo.

            Não deixes de atender às necessidades de teus órgãos materiais que constituem a tua vestimenta no mundo; mas, lembra-te do problema fundamental que é a posse da saúde para a vida eterna. Cumpre teus deveres, repara como te alimentas, busca prever antes de remediar e, pelas muitas experiências dolorosas que já vivi no mundo terrestre, re

corda comigo aquelas sábias palavras do Senhor ao paralitico de Jerusalém: "Eis que já estás são; não peques mais, para que te não suceda alguma coisa pior." 

domingo, 27 de abril de 2014

Evangelho e Espiritismo



Evangelho e Espiritismo
Editorial
Reformador (FEB)  Janeiro 1978

          "Eu rogarei ao Pai” - disse Jesus - e Ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco. O Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito. O Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito de Verdade, que dele procede, dará testemunho de mim." (João, 14:16 e 26 e 15:26)

            "O Espiritismo - escreveu Allan Kardec - realiza todas as promessas do Cristo a respeito do Consolador anunciado. Ora, como é o Espírito de Verdade que preside ao grande movimento da regeneração, a promessa da sua vinda se acha por essa forma cumprida, porque, de fato, é ele o verdadeiro Consolador." ("A Gênese", FEB, 19ª edição, p. 34)

          E acrescenta: "Jesus claramente indica que esse Consolador não seria ele, pois, do contrário, dissera: "Voltarei a completar o que vos tenho ensinado." Não só tal não disse, como acrescentou: "A fim de que fique eternamente convosco e ele estará em vós. Esta proposição não poderia referir-se a uma individualidade encarnada, visto que não poderia ficar eternamente conosco, nem, ainda menos, estar em nós; compreendemo-la, porém, muito bem com referência a uma doutrina, a qual, com efeito, quando a tenhamos assimilado, poderá estar eternamente em nós. O Consolador é, pois, segundo o pensamento de Jesus, a personificação de uma doutrina soberanamente consoladora, cujo inspirador há de ser o Espírito de Verdade." (Obra citada, página 387)

            Conclui Kardec que o Espiritismo "não é uma doutrina individual, nem de concepção humana; ninguém pode dizer-se seu criador. É fruto do ensino coletivo dos Espíritos, ensino a que preside o Espírito de Verdade. Nada suprime do Evangelho: antes o completa e elucida. Com o auxílio das novas leis que revela, conjugadas essas leis às que a Ciência já descobrira, faz se compreenda o que era ininteligível e se admita a possibilidade daquilo que a incredulidade considerava inadmissível. "

            E para que não restasse nenhuma dúvida, voltou a afirmar, categórico:  "Assim como o Cristo disse: "Não vim destruir a lei, porém cumpri-la", também o Espiritismo diz: "Não venho destruir a lei cristã, mas dar-lhe execução." Nada ensina em contrário ao que ensinou o Cristo; mas, desenvolve, completa e explica, em termos claros e para toda gente, o que foi dito apenas sob forma alegórica. Vem cumprir, nos tempos preditos, o  que o Cristo anunciou e preparar a realização das coisas futuras. Ele é, pois, obra do Cristo, que preside, conforme igualmente o anunciou, à regeneração que se opera e prepara o reino de Deus na Terra." ("O Evangelho segundo o Espiritismo", FEB, 72ª edição, pp. 59/60.)

            "Tenho ainda muito o que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora" - havia dito o Divino Mestre; quando vier, porém, o Espírito de Verdade, ele vos guiará a toda a verdade, porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar. Tudo quanto o Pai tem é meu; por isso é que vos disse que há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar." (João, 16:12 a 15)

            Tudo isso forma um conjunto lógico de meridiana clareza: Jesus, o Messias, o Médium de Deus, que preside à regeneração da Humanidade, e prepara o Reino de Deusna Terra, não pode ensinar tudo, de viva voz, porque os homens não poderiam, na época, entendê-lo. Então, em nome do Pai, prometeu enviar-nos o Espírito Santo, isto é, uma Doutrina Consoladora, orientada pelo Espírito de Verdade, que tudo nos explicaria e que nos faria lembrar os seus divinos ensinamentos. Esse Consolador seria enviado por Ele, porque era dele e, como tal, o glorificaria. Cumpriu, quase dezenove séculos depois, a sua grande promessa, através do Espiritismo, que lhe clareou e completou os ensinamentos imortais.

            O Espiritismo é, pois, como Kardec reconheceu e proclamou, o Consolador prometido por Jesus, para apressar a redenção da Humanidade, em nome e sob o influxo do Soberano Mestre. Sem as luzes do Espiritismo faz-se impossível entender toda a lógica, toda a verdade e toda a excelsa beleza do Evangelho Cristão, do mesmo modo que sem as luzes divinas do Evangelho o Espiritismo simplesmente não teria qualquer razão de ser.




O Cristo está no leme...


Bittencourt Sampaio em foto colorizada que foi capa recente de 'Reformador' (FEB).


O Cristo está no leme...
do livro ‘Instruções Psicofônicas’ (FEB)

            A reunião da noite de 2 de junho de 1955 reservou-nos grande surpresa. Por ausência do companheiro encarregado do serviço de gravação, ocupamo-nos pessoalmente desse mister. E, enquanto atendíamos a semelhante tarefa, notamos que a organização mediúnica denotava expressiva alteração. Intuitivamente assinalamos que o nosso Grupo estava sendo visitado por mensageiro espiritual de elevada hierarquia.

            E não nos enganávamos.

            Colocando-se de pé, o Instrutor passou à palavra.

            Dicção educada. Voz clara e bela.

            Em sucinto estudo, exalça a figura excelsa de Jesus, à frente do Espiritismo.

            Na saudação final, Identifica-se. Tínhamos conosco a presença de Bittencourt Sampaio, cuja sublime envergadura espiritual escapa à exiguidade de nossa conceituação.

            Despede-se o orientador e encerramos a reunião.

            Movimentamo-nos para estudar a mensagem, ouvindo-a, de novo; no entanto, com o maior desapontamento, notamos que a gravadora não funcionara.

            Perdêramos a palavra do grande instrutor.

            Comentando a alocução ouvida, a maior parte dos companheiros afasta-se do recinto.

            Nós, porém, um conjunto de seis amigos, permanecemos na sede do Grupo mais tempo, examinando a máquina e lamentando o acontecido.

            Uma hora decorrera sobre o encerramento de nossas tarefas e preparávamos a retirada, quando o médium anunciou estar ouvindo de nosso amigo espiritual José Xavier o seguinte aviso: - "Não se preocupem. Meimei e eu gravamos a palavra do benfeitor que esteve entre nós, de passagem. Reúnam-se em silêncio e o médium poderá ouvi-la de nossa máquina, fixando-a no papel."

            Sentamo-nos ao redor da mesa, com o material de escrita indispensável.

            Depois de nossa prece, o Chico esclarece estar vendo uma pequena gravadora junto de nós, manejada pelos amigos espirituais e, dizendo escutar a mensagem, põe-se a escrever moderadamente, evidenciando a audição em curso.

            Entretanto, o médium escreve e faz a pontuação, ao mesmo tempo.

            Ajudando-o a segurar o papel, conjeturamos mentalmente: - "Ora, se o Chico está ouvindo a mensagem gravada, como pode fazer a pontuação? Estamos diante de um ditado ou de psicografia comum?"
            No instante exato em que formulamos a indagação em pensamento, sem externá-la, o médium interrompe a grafia por momentos e explica-nos:

            - "Meu amigo, o José (1) recomenda-me informar a você que, enquanto Meimei está comandando a gravadora, ele está ditando a pontuação para melhor segurança do nosso serviço."

               (1) Referência ao nosso amigo espiritual José Xavier. Nota do organizador.

            Extremamente surpreendido, guardamos o esclarecimento.

            Terminada a escrita, o médium leu quanto ouvira. Notamos com admiração que o papel apresentava a mensagem que ouvíramos de Bittencourt Sampaio.

            Relatada a ocorrência que julgamos seja nossa obrigação consignar nos apontamentos sob a nossa responsabilidade, para os estudiosos sinceros de nossa Doutrina, passamos à comunicação do venerável orientador.


            Confrange a quantos já descerraram os olhos para a verdade eterna, além da morte, o culto da irresponsabilidade a que muitos de nossos companheiros se devotam, seja na dúvida sistemática ou na acomodação com os processos inferiores da experiência humana, quando o Espiritismo traduz retorno ao Cristianismo puro e atuante, presidindo à renovação da Terra.

            Com todo o nosso respeito à pesquisa enobrecedora, cremos seja agora obsoleta qualquer indagação acerca da sobrevivência da alma por parte daqueles que já receberam o conhecimento doutrinário, porque semelhante conhecimento é precisamente o selo sagrado de nossos compromissos diante do Senhor.

            Há mais de dez milênios, nos templos do Alto Egito e da antiga Etiópia, os fenômenos mediúnicos eram simples e correntios; entre assírios e caldeus de épocas remotíssimas, praticava-se a desobsessão com alicerces no esclarecimento dos Espíritos infelizes; precedendo a antiguidade clássica, Zoroastro, na Pérsia, recebia a visitação de mensageiros celestiais e, também antes da era cristã, na velha China, a mediunidade era desenvolvida com a colaboração da música e da prece.

            Mas, o intercâmbio com os desencarnados, excetuando-se os elevados ensinamentos nos santuários iniciáticos, guardava a função oracular do magismo, entremeando-se nos problemas corriqueiros da vida material, fosse entre guerreiros e filósofos, mulheres e comerciantes, senhores e escravos, nobres e plebeus.

            É que a mente do povo em Tebas e Babilônia, Persépolis e Nanquim, não contava com o esplendor da Estrela Magna - Nosso Senhor Jesus-Cristo -, cujo reino de amor vem sendo levantado entre os homens.

            Na atualidade, porém, o Evangelho brilha na cultura mundial, ao alcance de todas as consciências, cabendo-nos simplesmente o dever de anexá-lo à própria vida.

            Espíritas! Com Allan Kardec, retomastes o facho resplendente da Boa-Nova, que jazia eclipsado nas sombras da Idade Média!

            Meus amigos, que o amparo de Nossa Mãe Santíssima nos agasalhe e ilumine os corações.

            Cristo, no centro da edificação espírita, é o tema básico para quantos esposaram em nossa Doutrina o ideal de uma vida mais pura e mais ampla.

            Compreendamos nossa missão de obreiros da luz, cooperando com o Senhor na construção do mundo novo!..

            Não ignorais que a civilização de hoje é um grande barco sob a tempestade... Mas, enquanto mastros tombam oscilantes e estalam vigas mestras, aos gritos da equipagem desarvorada, ante a metralha que incendeia a noite moral do mundo, Cristo está no leme!

            Servindo-o, pois, infatigavelmente, repitamos, confortados e felizes:

            Cristo ontem, Cristo hoje, Cristo amanhã!..

            Louvado seja o Cristo de Deus!

                                   Bittencourt Sampaio


Hermínio escreve sobre a Codificação



            Poucas as existências como a de Allan Kardec, nas quais tão claramente se evidencia a cuidadosa execução de um plano articulado entre Espíritos e homens. Há algum tempo, escrevi, fascinado pelo tema, um livro (ainda inédito) chamado "Mecanismos Secretos da História", para desenvolver a tese de que, ao contrário do que desejam fazer crer as correntes materialistas, a História tem um mecanismo espiritual, impulsos espirituais, causas e consequências espirituais, de vez que o homem é Espírito e todo o plano da História consiste em fazê-lo caminhar para Deus.

            No desenrolar da existência de Kardec vemos a marca inconfundível dessa ideia. Tudo na sua vida é planejado com atenção e executado com rigorosa fidelidade aos seus compromissos espirituais. Renasceu o grande Espírito em 1804. Quinze anos antes, a Revolução Francesa sacudira o mundo com o clamor de suas aspirações e o estremecera com os excessos de suas atrocidades. Justamente em 1804, Napoleão se fez imperador e a América do Norte vivia o primeiro decênio da sua independência.

            Kardec não teve pressa. Seu trabalho é todo um modelo de meticulosidade; o produto do seu labor só vem a público na época certa, no momento exato da maturação das ideias; não antes. Ele estuda, espera, reexamina, medita e somente depois de convencido segue adiante. Quer conhecer antes o terreno que pisa, para não repetir o drama do filósofo que contempla as estrelas, mas tropeça pelo chão. Durante 50 anos, meio século, toda a sua atividade está concentrada em estabelecer entre os homens sua reputação de educador e de pensador. Em 1848 os fenômenos de Hydesville, nos Estados Unidos, começam a despertar a atenção do mundo para as manifestações dos Espíritos, mas, Kardec não é adesista de primeira hora. Quer ver e estudar tudo primeiro. Somente em 1854, quando o fenômeno das mesas girantes fascinava toda a Europa, toma contato com o problema através de uma observação de seu amigo Fortier. Sem recusar sumariamente a coisa, Kardec se reserva a um juízo posterior, depois de estudado o fenômeno.

            Em princípio de 1855 outro amigo, o Sr. Carlotti, também lhe fala do assunto e Kardec continua em guarda, porque, segundo confessa, seu amigo era um tanto exuberante demais. Só em Maio de 1855 ele se põe, afinal, diante da manifestação mediúnica, em casa da Sra. Roger, com a presença do Sr. Fortier, do Sr. Patier e da Sra. Plainemaison.

            Era a primeira sessão de uma série da qual sairia toda a obra planejada pelos Espíritos. Mesmo, porém, atirando-se ao trabalho com a energia que lhe era característica, Kardec continuou lúcido e frio no exame dos fatos. Somente emite sua opinião depois de absolutamente seguro dela. Por isso, não tem pressa. De 1854, quando sua atenção foi solicitada para o fenômeno, até 1869, quando desencarnou, decorreram 15 anos incompletos. A história do pensamento humano ainda não fez justiça a esse período que marca o despertar da Humanidade. Em 11 anos vieram à luz os cinco livros básicos da Doutrina Espírita, na seguinte ordem:

1.        1857 - O Livro dos Espíritos
2.        1861 - O Livro dos Médiuns
3.        1864 - O Evangelho segundo o Espiritismo
4.        1865 - O Céu e o Inferno
5.        1868 - A Gênese

            A sequência é perfeita e se desenvolve de acordo com o plano. Em primeiro lugar, a doutrina se caracteriza pela sua despersonalização. Não é um sistema filosófico--religioso montado por um só homem, com a marca da sua personalidade, batizado com seu nome individual. A primeira pedra do edifício, a obra básica, sobre a qual se assentará toda a estrutura - "O Livro dos Espíritos" - é, de certa forma, trabalho anônimo, ou melhor, um trabalho de equipe.

            Ninguém o assina; os Espíritos se revezam nas instruções. É interessante observar, ainda, que os Espíritos não querem dar ao livro a feição de um depoimento expositivo, como se fosse um tratado. Isso, também, parece ter a sua razão de ser. Muitos aspectos do mundo espiritual são irredutíveis à linguagem humana e, ainda que eles insistissem em discorrer sobre tais aspectos, de pouco valeria para a maior parte dos leitores, senão para todos, e o livro correria o risco de ser tido por uma desvairada fantasia de cérebros doentios. Seria preferível que Kardec formulasse as perguntas, todas do ponto de vista humano, a fim de que nesse "background" intelectual do espírito encarnado, pudessem os desencarnados traçar, em linhas mestras, o panorama do mundo espiritual, de suas leis e perspectivas. Kardec era, inegavelmente, o homem indicado para formular as perguntas. Ampla e variada era sua cultura humanística, sólidos os seus postulados morais, lúcidos os seus conceitos científicos. Tinha um cérebro bem ordenado, habituado ao raciocínio lógico, e uma curiosidade intelectual sadia e bem orientada: uma inteligência penetrante, analítica e fria completava o seu arcabouço psíquico.

            Lançados os alicerces da doutrina em "O Livro dos Espíritos", Kardec prosseguiria, daí em diante, ainda sob a orientação dos seus amigos espirituais, porém, com maior autonomia de pensamento. Não é mais apenas o discípulo que pergunta aos mestres o que deseja saber; é o aluno aplicado que, findo o aprendizado, resolve explorar o terreno por sua própria conta. Não prescinde dos mestres, mas já sabe como conduzir-se. Os Espíritos deixam à sua discrição o plano de trabalho, deixam-no no exercício pleno do seu livre-arbítrio; e o novo mestre sai-se brilhantemente da tarefa. 

            Os livros subsequentes não são mais uma coletânea de instruções dos Espíritos desencarnados, sob a forma de perguntas e respostas, mas a contribuição de Kardec, o desdobramento humano da obra articulada e certamente planejada com imenso carinho, no espaço, antes de sua encarnação.

            "O Livro dos Médiuns" apareceria somente depois de 4 anos da publicação de  "O Livro dos Espíritos". "O Evangelho segundo o Espiritismo", em 1864, três anos após o precedente, seguido de perto pelo "O Céu e o Inferno", em 1865. Somente em 1868, onze anos depois do "O Livro dos Espíritos", era publicada "A Gênese".

            Este é o encerramento lógico da obra de Kardec. Nos livros anteriores explorara os segredos e problemas da mediunidade, analisara à luz do Espiritismo o Evangelho de Jesus, discutira as velhas e perniciosas crenças nas penas e recompensas eternas.

            Pouco faltava àquele espírito para fazer passar pelo crivo do seu raciocínio.

            Esse pouco está em "A Gênese", cujo centenário se comemora em Janeiro corrente, de 1968. Este livro não foge ao roteiro invisível de Kardec. Embora encadeada no conjunto do chamado pentateuco kardequiano, "A Gênese" constitui leitura autônoma. Pouco mais de dez anos são passados desde que o mestre elaborou com os Espíritos o primeiro livro da série. O momento é oportuno para uma revisão do seu trabalho e uma reapresentação das ideias discutidas ao longo de quase duas mil páginas compactas. Teria o tempo e as observações subsequentes modificado alguma coisa nos conceitos, mesmo secundários? Nada. É um monumento monolítico de beleza e grandeza sem par. Assim, antes de entrar no objeto do livro propriamente, Kardec apresenta uma reexposição da doutrina contida nas obras anteriores e nos seus inúmeros escritos espalhados pela "Revue Spirite". O Espiritismo, ensina ele, "não estabeleceu nenhuma teoria preconcebida; assim, não apresentou como hipóteses a existência e a intervenção dos Espíritos, nem o perispírito, nem a reencarnação, nem qualquer dos princípios da doutrina; concluiu pela existência dos Espíritos, quando essa existência ressaltou evidente da observação dos fatos, procedendo de igual maneira quanto aos outros princípios". (A Gênese, pág. 19 da 13ª edição brasileira da FEB.)

            Aproveita, ainda, a oportunidade para rebater certas acusações assacadas contra o Espiritismo, especialmente aquelas que poderiam, de certa forma, impressionar a mente dos menos avisados. Acha que a doutrina da pluralidade das vidas, ou seja, a da reencarnação, "é uma das mais importantes leis reveladas pelo Espiritismo, pois que lhe demonstra a realidade e a necessidade para o progresso" (pág. 29). Em seguida, examina uma vez mais o problema de Deus, o do  bem e do mal, para somente a partir do capítulo IV atacar o objeto do seu livro que é o estudo do mundo material em que vivemos.

            Na realidade, o livro não cuida somente da formação da Terra, sua história, sua constituição atual e as perspectivas do seu destino; examina também a questão dos milagres, e conclui estudando o problema das predições.

            Quanto à gênese propriamente dita, não elimina de todo a concepção de Moisés, procurando explicá-la em termos da ciência da sua época. Examina as noções de tempo, de espaço, de matéria, bem como a astronomia em geral e, em particular, o nosso sistema e, neste, a Terra. Oferece considerações sobre a gênese orgânica e a espiritual. Nos capítulos 13 a 15 estuda e explica, em face da Doutrina Espírita, os chamados milagres, ensinando que, longe de serem derrogações das leis divinas, indicam a existência de outras leis mal conhecidas ou desconhecidas. Tudo investiga, examina, analisa e, conclui, oferecendo o seu depoimento.

            Finalmente, aprecia a difícil questão levantada pela profecia, apresentando, de início, uma "Teoria da Presciência", passando, em seguida, a estudar as profecias e predições contidas nos Evangelhos. O capítulo final é uma janela panorâmica aberta para o futuro. Parece que o mestre sentia a aproximação do fim de sua existência terrena e queria deixar, no seu livro último, uma palavra de esperança e de otimismo, mas também de advertência. Ensina que a Humanidade caminha irresistivelmente para a frente, porque os espíritos que a compõem vão renascendo melhorados de vida em vida. Acredita que as grandes transformações preditas para o futuro próximo não sejam acompanhadas necessariamente de cataclismos espetaculares nem de terríveis abalos cósmicos. Acha ele que "uma mudança tão radical como a que se está elaborando não pode realizar-se sem comoções. Há, inevitavelmente; luta de ideias. Desse conflito forçosamente se originarão passageiras perturbações, até que o terreno se ache aplanado e restabelecido o equilíbrio. É, pois, da luta das ideias que surgirão os graves acontecimentos preditos e não de cataclismos ou catástrofes puramente materiais". Observa, entretanto, que há um encadeamento, uma certa sintonia entre conflitos de ideias e fenômenos físicos. É o que declara ao proclamar o seguinte: "Se, pelo encadeamento e a solidariedade das causas e dos efeitos, os períodos de renovação moral da Humanidade coincidem, como tudo leva a crer, com as revoluções físicas do Globo, podem os referidos períodos ser acompanhados ou precedidos de fenômenos naturais, insólitos para os que com eles não se achem familiarizados, de meteoros que parecem estranhos, de recrudescência e intensificação dos flagelos destruidores, que não são nem causa, nem presságios sobrenaturais, mas uma consequência do movimento geral que se opera no mundo físico e no mundo moral."

            Entende, porém, lógico e de se esperar que a promoção da Terra na escala moral tenha de ser feita à custa do afastamento, para outros corpos celestes, dos Espíritos que, ficando aqui, contribuiriam para a perpetuação das angústias por que passam os que desejam o progresso e a paz espiritual.

            Aí está o pensamento do mestre, nos últimos lampejos da sua vida como Allan Kardec. Em suma, pode dizer-se que em "A Gênese" Kardec dá um balanço no impacto causado pelo Espiritismo nos seus 10 anos de existência, estuda o meio físico em que vive o homem encarnado, aprecia os milagres do ponto de vista espírita, examina a complexa questão das predições e conclui com uma advertência e um brado de esperança.

            As últimas palavras de sua última obra de fôlego contêm uma súmula de todo o objetivo de sua vida: "Os incrédulos - diz ele - rirão destas coisas e as qualificarão de quiméricas; mas, digam o que disserem, não fugirão à lei comum; cairão a seu turno, como os outros, e, então, que lhes acontecerá? Eles dizem: Nada! Viverão, no entanto, a despeito de si, próprios e se verão, um dia, forçados a abrir os olhos."

Extraído de artigo de Hermínio Miranda em 'Reformador' (FEB) de Janeiro de 1968 

sábado, 26 de abril de 2014

O Caixão de Tereza



Humberto de Campos

O Caixão de Tereza
Humberto de Campos


in ‘Memórias Inacabadas’ (Ed. José Olympio - 1935)
  
            Em Parnaíba, a rua que passa ao lado da Santa Casa de Misericórdia, chama-se ‘Coronel Pacífico.’ À esquina, em um quadro feito de tinta escura, lia-se, quando ali cheguei em 1894, e ainda se lia em 1903, esse dístico, em tinta branca. No prédio enorme, que toma todo um quarteirão, em que funcionam hoje os serviços da caridade urbana, residia, há sessenta ou setenta anos, esse homem poderoso.  Membro, dos mais proeminentes, da aristocracia da província, possuía numerosos escravos e grandes terras. O seu gado mugia em nove comarcas do sertão e os seus negros enchiam toda a praça fronteira, à hora da bênção a seu senhor. Um orgulho fundo enchia-lhe, por isso, o largo peito brasileiro, e era com displicência altiva que passava a mão pela barba grisalha e espalhada que, aberta em leque, lhe cobria o coração.

            Das suas escravas, uma houve, todavia, que conseguira o milagre da alforria pelo trabalho. Rezando e penando, juntando o vintém ao vintém, comprara, primeiro, a liberdade, e, em seguida, para pagar a Deus a bênção da liberdade, adquirira,  um caixão de defunto. Era resultado de uma promessa que fizera. Prometera a Deus que, se um dia fosse livre, ofereceria à Igreja do Rosário um caixão enfeitado como o dos brancos para conduzir os escravos ao cemitério. Que eles tivessem, na morte, uma igualdade que não haviam conseguido em vida. O caixão levá-los-ia a enterrar e voltaria para a igreja, à espera de outro viajante da Eternidade. A caminho do outro mundo, naquele esquife agaloado, que substituiria a rede humilde e suja, o escravo teria a ilusão póstuma de que morrera redimido. E Tereza, a velha preta,  era feliz e rezava consolada, porque dera esse último sonho de liberdade aos seus irmãos.

            O negro, era, porém, antigamente, não só animal de trabalho como objeto de ridículo. Ao passar o caixão de um branco, os transeuntes se calavam, compungidos, murmurando um ‘Deus te leve’, com a pena e o terror no coração. Se era, porém o caixão de Tereza que atravessava as ruas, aos ombros de quatro negros que levavam a enterrar um companheiro, os brancos paravam pilheriando, e as senhoras corriam para a janela, sorrindo, numa zombaria alegre da última vaidade daqueles homens de cor. E quem melhor sorria, do alto do seu orgulho branco e de homem rico, era o coronel Pacífico, antigo senhor da Tereza, diante de cuja casa, no outro lado da praça, para que ele sorrisse mais, ficava o cemitério.

            Um dia, partiu o coronel, a cavalo, a visitar as suas numerosas fazendas do sertão. No segundo dia de viagem, ao apear-se em uma das povoações das margens do Parnaíba, tem uma síncope, e morre de repente. A população rodeia lhe o corpo, compadecida e preocupada. Sepultá-lo no cemitério local, cercado de varas e esburacado pelos tatus, é desrespeito a homem tão poderoso. Amarrar o cadáver à sela de um cavalo a fim de conduzi-lo, por terra, para Parnaíba, é missão impiedosa e difícil, pelas 24 horas de marcha, que são necessárias. E como o caminho mais cômodo é o rio, resolvem os moradores  colocar o corpo sobre uma taboa sobre os bancos de uma canoa, e fazê-la descer, à força de remos, a toda velocidade, rumo de Parnaíba. Se os remadores não descançarem, remando dia e noite, lá chegarão em vinte horas. Fez-se isso, e a canoa partiu.

            Animados pela esperança de uma larga recompensa, os tripulantes da embarcação fúnebre fazem-na voar pelas faces barrentas do rio. Horas seguidas, os remos roncam ao ritmo surdo, deixando para trás os redemoinhos gorgolejantes das águas. Ao anoitecer, param para repousar um instante, no porto de um povoado. Os remadores encaminham-se para uma taberna e põem-se a beber. A meia noite, embriagados todos, voltam para a canoa, e na exaltação do álcool, resolvem compensar as horas perdidas remando com maior fúria. Como tenham trazido para bordo um garrafão de aguardente, remam e bebem. E remam e bebem ainda quando, á primeira claridade do dia, um deles solta um grito:

            - Cadê o defunto?

            O morto havia realmente desaparecido. Com o impulso da canoa para a frente, o corpo se havia deslocado no rumo da popa sem leme, e, por aí, caído n’água... A embarcação faz, porém, meia volta e, em breve, os seus homens encontram o cadáver que descia na correnteza. Reembarcado, começa, de novo, a corrida vertiginosa da canoa, rio abaixo. Até que se ouve outro grito:

            - Pega o homem!

            Era o corpo do coronel que havia, de novo, caído n’água. E como, ao reavê-lo, os remadores, completamente bêbados, não o punham convenientemente sobre a tábua, tantas vezes o repescassem quantas ele voltava à água, forçando os tripulantes ora a mergulhar, ora a nadar, para que a embarcação não chegasse a Parnaíba sem a sua carga fúnebre. Da última vez, para não interromperem mais a viagem, e, mesmo porque o cadáver já tivesse entrado em putrefação, os canoeiros deliberaram:

            - Deixe o homem na água mesmo!
           
            E, amarrando o defunto pelo pé, prendem a corda à popa da canoa, e rebocam-no rio abaixo, rumo de Parnaíba.

            Ao chegarem ali, o corpo, em franca decomposição, foi arrastado para a praia. O mal cheiro, espalhado, e a notícia da ocorrência fazem correr para o porto metade da população. A família do morto, surpreendida pelo acontecimento que a cobre de dor e de luto, movimenta-se. É preciso, quanto antes, dar sepultura aqueles despojos macabros, que jazem sobre a areia, à margem do rio.  Os marceneiros, chamados, declaram que só no dia seguinte poderão dar pronto um caixão.

            E é quando alguém lembra...

             - E o caixão da Tereza?

            A ideia é aceita, embora com constrangimento. Vem o caixão, que se achava na sacristia do Rosário. O caixão, promessa da negra velha.


            E o corpo do coronel Pacífico atravessou a cidade, entre o dobre funerário dos sinos das duas igrejas de Parnaíba, no caixão de enterrar escravos, aos ombros de quatro escravos, que tapavam o nariz...