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quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Norma de Conduta



Norma
de conduta

           
            Diz Renan, em sua obra, a "Vida de Jesus", interessante sob vários aspectos - embora nem sempre retrate com fidelidade, a pessoa do Divino Mestre - que o cristão é a antítese do homem mundano.

            Parece-nos, todavia, que essa concepção literal dos ensinamentos do Cristo não está certa. Se Deus criou o mundo e nos colocou na Terra, é claro que também devemos contribuir para a evolução de nosso planeta, não somente nos aspectos moral e intelectual, mas também no âmbito material, que é, igualmente, muito importante. Melhorando-se as condições econômicas do meio, mais confortavelmente viverão as criaturas, sentindo-se, assim, mais felizes.

            O problema humano consiste em encontrar a felicidade. É para isto que vivemos e nossos anseios visam tal meta, como escopo da vida.  Mas Jesus advertiu que "a felicidade não é deste mundo", a fim de compreendermos que, sendo este plano "de provas e de expiações", não poderemos encontrá-la, inteiramente, por aqui. Todavia, temos o dever de contribuir para a evolução do planeta, espiritual e materialmente.

            O Messias declarou, outrossim, que "nem só de pão vive o homem". Mas fazendo tal assertiva, ele reconheceu que o homem também vive de pão, embora não deva enxergar, exclusivamente, as coisas materiais. Por outro lado, nós, os que vivemos ainda neste mundo, não devemos olhar tão somente para as coisas espirituais.

            Cremos que o bom senso está no equilíbrio, entre os dois lados da vida. Aquele que vê somente as coisas do mundo, é mundano. Mas aquele que se enclausura exclusivamente numa beatitude doentia, é fanático. O cristão verdadeiro não deve ser a antítese do mundano, como Renan supôs, mas viver sem dar valor excessivo às coisas do mundo, harmonizando-as criteriosamente com o lado espiritual da vida.

            Se Deus nos deu mulher e filhos, devemos esforçar-nos para que eles vivam com conforto, tenham boa educação e possam ser encaminhados na vida, não para um plano de privações ou de angústias, mas de evolução, ou seja, de ascensão para o melhor.

            Precisamos, em geral, ser caridosos, bons para com os semelhantes, fugir do mal e do erro, por serem caminhos de nossa própria desgraça, ou por outra, da infelicidade. Os Evangelhos são simples lições de amor e de virtudes, para nosso bem. 

            Mas quando vier o sofrimento - que também educa - não nos revoltemos, que é pior. Tal conformidade com a vontade do Pai Celestial não implica em deixarmos de nos esforçar para melhoria de nosso estado.

            Em resumo, o cristão não deve ser elemento social passivo, mas ter a inteligência e a atividade necessárias para prosperar, moral, intelectual e materialmente, pois a lei de Deus é da evolução, em todos os sentidos.

            Se o materialismo é condenável, o misticismo também o é. In media est virtus, já frisava a sabedoria romana. O mérito e o critério estão no equilíbrio. 

            Consultar os Espíritos de como devemos agir em determinadas circunstâncias, também está errado. Temos o livre arbítrio; que Deus nos outorgou, não somos crianças e precisamos aprender pela nossa própria experiência e com o nosso esforço, apesar de auxiliados, muitas vezes, sem que o percebamos.

            Espiritismo é norma de conduta para a vida em sociedade. Daí a interpretação às palavras do Salvador, sem tabus ou dogmas, que amedrontam o indivíduo. Mas não devemos ter amor somente nas horas de sessões, quando nos reunimos em nome de Jesus. A bondade deve ser externada no lar e na luta pela vida. Aí é que o cristão exercita as suas virtudes e prova o grau de seu valor espiritual.

            Sejamos fortes, mas atenciosos com todos, inclusive com os que abraçam outros credos, que também são nossos irmãos; sejamos sinceros na prática indistinta do bem, sem desprezarmos as coisas deste mundo, pois nele mourejamos e devemos evoluir, em todos os sentidos. Não nos esqueçamos das coisas da alma, mas tenhamos cuidado com o fanatismo, pois este é tão prejudicial ao espírito como o próprio ateísmo. Jesus realçou na sua palavra meiga, mas incisiva, que quer amor e não sacrifício.


Ernani Cabral
Reformador (FEB) Outubro 1947


quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

11. 'As Vidas Sucessivas'



11

‘As Vidas
Sucessivas’

por  Adauto de Oliveira Serra

 Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira

1943



MAIS FATOS

            O fato que se segue foi relatado por Oliver Lodge e transladado para a pág. 128-9, de "A Morte", de Maeterlinck:

            "Lodge entrega à senhora Piper, em transe, um relógio de ouro que acaba de lhe ser enviado por um dos seus tios, e que pertencera a outro tio falecido havia mais de vinte anos. Pegando no relógio, a senhora Piper, ou aliás Phinuit, um dos Espíritos seus familiares, revela, ao cabo de algum tempo, uma infinidade de minudências relativas à infância daquele último tio, que remontavam a mais de setenta anos e eram naturalmente ignorados de Sir Oliver Lodge. Pouco depois, o tio sobrevivente, que não mora na mesma cidade, confirma por carta a exatidão da maior parte daquelas minudências, de que ele se havia esquecido completamente, e que só lhe voltaram à memória por meio das revelações do médium; e aquelas, de que se não lembra absolutamente, são posteriormente declaradas conforme à verdade por um terceiro tio, velho capitão de marinha mercante, que residia em Cornualha, e que ignorava a razão por que lhe faziam perguntas tão extraordinárias."

            "Esse fato, como outros atrás mencionados", termina Maeterlinck, "indica, com muita exatidão, os pontos extremos, até onde, graças à intervenção dos Espíritos, se tem até hoje, penetrado no desconhecido."

            Como vemos, o Espiritismo por suas bases fundamentais, é a mais velha filosofia do mundo. Os Evangelhos de Jesus lhe servem de base moral. E todos os fatos que vimos transcrevendo o demonstram, sem ser preciso recorrer a Kardec. Este não inventou os fundamentos espiritas e nem tampouco fundou religião alguma.

            Kardec, numa visão esclarecida de missionário, apenas codificou o Espiritismo dentro das bases morais científicas e filosóficas que já existiam.

            Mais adiante, Maeterlinck ainda esclarece o fato acima relatado:

             "Na história do relógio de Sir Oliver Lodge, por exemplo, que é uma das mais características e mais adiantadas, é preciso atribuir ao médium faculdades, que já não tem nada de humano. Seja por visão à distância. seja por transmissão de pensamento, de subconsciente a subconsciente, ou seja por clarividência subliminal, deve o médium pôr-se em relação com os dois irmãos sobreviventes do falecido, possuidor do relógio; e no inconsciente daqueles dois irmãos distantes, que ninguém preveniu, cumpre ver uma infinidade de circunstâncias esquecidas por eles próprios, e em que se acumulou o pó e as trevas de setenta anos."

            Ao leitor consciente e de boa vontade, aconselhamos a leitura de "No limiar do Etéreo", de A. Findlay, onde encontrará explicações claras e convincentes da fenomenologia espírita, que é fecunda em fatos de materializações, vozes e escrita direta, xenoglossia, tiptologia, psicografia, etc.

            E quanto aos fatos espíritas, vamos ver o próprio Maetelinck relatá-los, pois que eles se passaram entre Maeterlinck e uns amigos:

            "Uma noite, na abadia de Saint-Wandrille, onde costumo passar o verão, uns hóspedes, que tinham chegado recentemente, divertiam-se em fazer girar uma mesa de pé de galo. Eu fumava tranquilamente a um canto do salão, bastante longe da pequenina mesa, não tomando interesse nenhum pelo que se passava em volta dela e pensando em qualquer coisa. Depois de se ter feito rogar, como é de uso, a mesa respondeu que ocultava o Espirito de um monge do século XVII, enterrado na galeria oriental do claustro, debaixo de uma laje que tinha a data de 1693, Depois da partida do monge, que, de repente, sem razão aparente, recusou prosseguir na conversa, tivemos a ideia de ir, com um candeeiro na mão, à procura do túmulo, Acabamos por descobrir, ao cabo da galeria oriental, uma pedra funerária, em muito mal estado, partida, na qual se podia decifrar com custo, examinando de muito perto, a seguinte inscrição: A. D. 1693. Ora, no momento da resposta do monge, só estavam no salão os meus hóspedes e eu. Nenhum deles conhecia a abadia, tinham chegado naquela mesma tarde, alguns minutos antes do jantar, e depois da refeição, como anoitecera completamente, tinham adiado para o dia seguinte a visita ao claustro e às ruinas. A revelação, a não acreditarmos nos teólogos, só podia, pois, provir de mim. Eu julgava; contudo, ignorar absolutamente a existência daquela pedra tumular, uma das menos legíveis, entre umas vinte, todas do século XVII, que pavimentavam aquela parte do claustro",

            Vê-se, pois, que Maeterlinck afasta a hipótese telepática, tão do agrado dos céticos e materialistas, bem como a da sugestão.

            O ensino que as comunicações nos trazem, esclarece o outro lado da vida, que os teólogos dogmáticos procuram ocultar insidiosamente.

            Nenhum dos comunicantes se queixa dos tormentos infernais e nenhum deles se jacta de estar gozando as delicias paradisíacas. A vida no outro mundo prossegue sem solução de continuidade, a mesma vida espiritual. Reencarnação e comunicação dos Espíritos se relacionam entre si para formar a mais bela das filosofias: aquela que é capaz de desvendar todos os mistérios e mostrar o porquê da nossa existência material .

            O Espiritismo é a ponte colocada entre os dois mundos: o espiritual e o material, por sobre o abismo que os teólogos cavaram; é a força que vence a muralha erguida pela ciência, procurando interceptar o conhecimento da vida do Espírito. Com Maeterlinck, "exploremos o mistério da nossa vida, antes de renunciar a isso em favor do mistério da nossa morte". Só a reencarnação, com a doutrina das expiações e das purificações sucessivas, dá conta de todas as desigualdades físicas e intelectuais, de todas as iniquidades sociais, de todas as injustiças inevitáveis do destino.




4. 'Guia Prático do Espírita'


4
 ’Guia Prático
 do Espírita’

por  Miguel Vives y Vives

3ª Edição

 Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira
1926


 O QUE DEVE SER O ESPÍRITA
ENTRE SEUS IRMÃOS E NOS CENTROS ESPÍRITAS



            Todo espírita deve fazer uso de toda a humildade possível entre seus irmãos, porque a humildade é sempre um exemplo constante de boas formas e nunca compromete nem é causa de distúrbios e discussões; essa humildade, porém, nunca deve ser fingida, mas leal e disposta a todo serviço, contanto que este seja justo e possa redundar em bem de algum dos nossos irmãos. O espírita deve sempre considerar-se inferior a seus irmãos e disposto a ser o servo de todos, porque já sabe que o primeiro deve ser o servo de todos, e por mais que faça e tenha feito, nunca poderá pagar o que deve Àquele que é o autor de tudo; e, por mais que saiba, nunca alcançará a infalibilidade; assim, pois, sempre poderá enganar-se; debaixo deste ponto de vista não fará, pois, nunca, nem alarde de saber nem de possuir faculdades, e menos deverá considerá-las extraordinárias; deverá, antes, expor suas opiniões de maneira prudente e sensata e com oportunidade. Se alguma vez se vir importunado por algum de seus irmãos, procurará proceder com bons modos, e se não for possível que, de momento, seu irmão chegue à razão, calar-se-á, esperando uma boa ocasião para que possa, com a humildade que o deve caracterizar, convencê-lo e levá-lo à razão, se tanto for possível; assim, fará uso da caridade, porque todo espirita deve ser caritativo com seu irmão.

            Assim como para realizar uma empresa, para levar a cabo um negocio, para adquirir algum objeto que nos agrada muito, fazemos às vezes sacrifícios e realizamos empresas de alguma importância, não deve esquecer o espírita que não há empresa maior nem trabalho mais nobre que o de atrair para si o amor leal e sincero de seus irmãos; nada há na Terra de tanto proveito como ser homem de paz, de amor e de concórdia; esse procedimento será uma garantia para a paz e progresso de seus irmãos; se anda errado, não deve nenhum espírita cair-lhe em cima, mas recordar que todos podemos adoecer do corpo e da alma, e, se não é possível atraí-lo por meio da caridade, deve todo o espírita atraí-lo por meio da indulgência. Há um grande meio para atrair os homens: é buscar neles se há alguma coisa que, sem faltar à justiça, seja muito da sua predileção. Quando em um dos nossos irmãos se notar algum mau costume ou modo, tanto no falar como no obrar, não se deve nunca lançar sobre ele a murmuração (lastimar-se, queixar-se em voz baixa, falar mal, apontar faltas), nem julgá-la ligeiramente, nem abandoná-la, nem deixá-lo, antes de haver experimentado os meios possíveis de atraí-lo. Se se notar nele, porém, alguma inclinação ou costume que não falte à justiça, às vezes nós o podemos atrair, procurando aparentar que aqueles costumes e inclinações são do nosso agrado; buscando contrair uma amizade íntima por aquele lado, para ver se aquele nosso irmão, tendo depois mais confiança em nós, podemos chegar a ter influência moral para levá-lo ao bom caminho. Isto é licito e de alta prática moral, sempre que se não possa afastar do mau caminho o espírita que tal faz. Para mais clareza: devemos estudar as qualidades boas que há em nós, para ver se com a soma destas reparamos alguns defeitos. Quando a favor de um irmão fizemos todo o possível e ele se não deixou convencer, é necessário, então, sem ruído e sem choque de espécie alguma, afastarmo-nos ou afastá-lo, procurando não nos contaminar, e que ninguém se contamine com ele, mas isso depois de haver esgotado tudo o que aconselham a humildade, o amor, a indulgência e a caridade.

            Já disse que todo o espírita deve ser caritativo com seu irmão, e isso o demonstra ele, porque, se somos obrigados, segundo a lei divina, a praticar a caridade em tudo, muito mais devemos praticá-la entre os que debaixo do ponto de vista espiritual devem formar uma só família.

            O espírita não deve, portanto, abandonar seu irmão, nem na crise, nem na enfermidade, nem na miséria; muito pelo contrário, deve ser para ele um pai ou uma mãe; consolá-lo nas suas aflições, assisti-lo nas suas enfermidades, ajudá-lo nas suas necessidades, protegê-lo na sua velhice, dar-lhe a mão na sua juventude; numa palavra, deve ser todo espírita para seu irmão a verdadeira providência terrena, sustentando-o até onde possa em todos os transes da vida planetária. Assim como na parte moral devemos ser caritativos, indulgentes e humildes com os nossos irmãos, não o devemos ser menos na parte material. Devemos manter entre nós a verdadeira fraternidade, porque o amor dispensa muitas coisas e se chegarmos a nos amar muito não há duvida que suportaremos nossos defeitos com paciência.

            Eis a maneira de dar bom exemplo à humanidade, que tão cheia de males e egoísmos está: eis a maneira de tornar mais leve a cruz que por lei temos de carregar neste mundo, porque o amor é uma seiva divina; é o bem; é a paz. Eis a maneira de atrair os olhares da humanidade e de demonstrar-lhe que a palavra irmãos não é pura fórmula, mas a expressão do amor que nós sentimos. Eis a maneira de constituir uma família que nos pouparia muitas amarguras, que hoje nos alanceiam, e nos daria muitos dias de paz e de alegria, e reinaria em torno de nós tanta cordialidade e tanto amor que nelas se regenerariam os nossos espíritos. Não quero dizer com isso que entre nós não haja paz; haveria, porém, muito mais; não direi que não haja amor e proteção; esta seria, porém, mais decidida e outros horizontes se abririam em nossas reuniões, em nossos centros, em nossas sessões. Há amor e proteção mútua entre nós; esta, porém, deve ser mais decidida; há amor entre nós: pode e deve, porém, este ser mais entusiasta; há caridade; mas esta deve ser mais ampla e extensiva. Se na Terra não é possível, fora da família, achar moradas de paz, deve sê-lo entre nós; por isso devemo-nos tratar com indulgencia, com amor e com caridade.

            Só assim cumpriremos aquilo que nos propusemos ao vir à Terra, porque não somos espíritas porque o somos, mas porque viemos já preparados e não há dúvida que desde o mundo espiritual tornamos o compromisso de fazer muito e bem, e só a perturbação pode fazer- nos esquecer tão bons propósitos: é necessário, pois, fazer grandes esforços para que a proteção espiritual possa despertar propósitos esquecidos.

            Nem sempre o amor em gérmen, a caridade e a humildade dominam nos centros e reuniões espiritas. Causa lástima ver, como eu tenho visto, algumas vezes, lutas nos centros para chegar-se a ser dos primeiros; causa lástima ver, às vezes, lutas, discussões, desavenças, sobre se será este ou aquele o que deve exercer o cargo de presidente. Isto se tem dado algumas vezes, mostrando até onde se chega quando se perde o bom senso espirita. Isto chega a suceder, quando em um centro se perde o verdadeiro amor ao Pai e a gratidão ao Senhor e Mestre.

            Os que mais influem em um centro espírita são os que mais devem estar alerta e são os que mais devem guardar as regras prescritas nos artigos anteriores, porque são os encarregados de vigiar e conduzir os que têm menos alcance e menos compreensão. Se a todos os espíritas incumbe serem práticos na caridade e na adoração ao Pai, em espírito e verdade; na admiração da sua grande obra, da sua grande providência e do seu grande amor; na adoração e estima do Sublime Mártir, Senhor dos senhores; no conhecimento e execução da sua lei; no exercício da humildade, da indulgência, da temperança e do amor do próximo, quanto mais incumbe aos que, por alguns ou vários conceitos, chegam a ter influência e a dirigir alguns de seus irmãos! A missão destes é sumamente delicada; porque, segundo a sua maneira de agir, podem levar alguns ou muitos ao bom caminho ou os podem fazer encalhar nos perigos da vida. Os que pela sua inteligência compreendem mais e se convertem em guias de seus irmãos, não se pertencem a si mesmos, são exemplo de seus irmãos e não podem fazer bancarrota à verdade; devendo ser fieis à lei divina, são forçados a procurar sempre viver alerta para interpretar mal a lei; devem ser modelos em tudo, nunca se deixando dominar pelo amor próprio, que é sempre mau conselheiro, e que todo o espírita deve repelir, principalmente o que veio com inteligência superior à generalidade. Os que se elevam pela sua compreensão acima da maioria poderão auferir grande bem da sua missão e elevar-Se à grande altura espiritual, se empregarem sua existência no bem de seus irmãos, sendo modelos das virtudes e práticas recomendadas; podem, porém, contrair grande responsabilidade, se a inteligência e superioridade que tem sobre seus irmãos for empregada em satisfazer tendências ou opiniões pessoais, ou se, procedendo com pouco cuidado, pouco fruto souberem tirar das suas faculdades.

            Eu, apesar de ser pessoa insignificante, tremo só ao pensar que poderia cometer alguma falta, que, por desídia minha, ou por amor próprio ou por falta de amor ao Pai, de gratidão ao Senhor ou de indulgencia, amor ou caridade, poderia ser causa de que algum dos meus irmãos se desviasse. Não podemos ser infalíveis, mas quando nalguma coisa não tenhamos sido corretos na prática da lei divina, se essa incorreção só a nós prejudica, devemos corrigi-la; mas se transcende e pode prejudicar aos nossos irmãos na prática do Espiritismo, devemos ser prontos em dar todas as satisfações, acudindo a todas as virtudes que o caso requeira, até deixar apagados os vestígios da incorreção cometida.

            Sucede, às vezes, que são duas as pessoas que exercem influencia decidida entre os irmãos de um mesmo centro; cada uma delas deve sempre procurar que não se formem partidos, mas que se mantenham constantemente na maior unidade possível; e, se a influência de cada qual não bastar para conservá-los unidos no amor e na unidade de vistas sob os intuitos que devem reinar sempre nos centros espíritas, os que tal influência exercem devem colocar-se entre os últimos, e, calando-se, só falar para lhes aconselhar o que o Senhor manda na sua lei. Há pouco tempo vieram alguns espiritas à minha presença para diminuírem suas divergências, a fim de que eu desse razão a quem a tivesse, segundo a minha opinião. Para que não me dissessem que eu não tinha escutado as suas razões, atendi-os. A ofensa consistia em algumas palavras desrespeitosas que dirigiram uns aos outros; ao perguntarem o meu parecer, a minha resposta foi a seguinte: os que haveis pronunciado palavras pouco caritativas sobre vossos irmãos, pensastes, antes de pronunciá-las, no dever que tem todo o espírita de praticar a lei de caridade, amor, indulgência e fraternidade a que vos obriga o Espiritismo? E os que haveis recebido a ofensa, antes de vos dardes como ressentidos, recordastes-vos do Senhor e Mestre que se deixou beijar pelo apóstolo traidor e não respondeu nem uma palavra aos insultos, aos golpes, às feridas que lhe abriam os seus verdugos e martirizadores, e, pelo contrário, lhes perdoou e pediu perdão para eles? 

            Como era natural, não me puderam dar resposta categórica. Então lhes disse: ide, pois; aprendei o que o Espiritismo vos ensina e inteirai-vos bem do que manda o Senhor no seu Evangelho e do que Ele fez; e quando estiverdes bem inteirados e vós mesmos o praticardes, dir-me-eis quem de vós tem razão e quem a não tem.          

            Julgo, pois, que não é fácil haver dissensões, onde reinem o amor, a caridade e a humildade, porque cada um considerará que é o servo dos outros e terá sumo gosto em o ser, porque saberá que assim cumpre a lei e que assim progride e que por este caminho chegará á sua felicidade; ao passo que, seguindo caminho contrário, lavra a sua sentença de ruína, que mais tarde ou mais cedo terá que suportar. Entendo também que se podem apresentar assumptos difíceis de se resolver; neste caso os mais prudentes calam-se e suplicam a Deus e esperam que o tempo e os acontecimentos venham dar remédio aos males, e só se recorre a uma solução extrema, quando nem a caridade, nem a indulgência, nem o amor, nem a humildade podem remediar esses males; a resolução, porém, deve executar-se com a prudência e boas maneiras que aconselha a moral mais acrisolada, evitando murmurações e, sobretudo, fatos que podem exceder a órbita dos espíritas, porque, senão, incorre-se em grave falta, visto como se originam escândalos e publicidades que nos podem trazer grande dano, porquanto darão lugar a considerar-se os espiritas como se considera os outros homens que não professam nenhuma doutrina moral.

            Em resumo, entendemos que, nos centros espíritas, deve haver quem dirija e ensine; mas essas individualidades não se criam por votações nem à vontade dos irmãos; já vêm nomeadas do alto; nesse particular, pois, o principal cuidado deve consistir em conhecer os que são aptos para fazer um trabalho especial, e logo que se chegar a conhecê-los, em procurar que eles ocupem o lugar para que vieram entre nós, e enquanto não houver motivo em contrário, devem eles permanecer no seu posto; porque, de outro modo, corre-se o risco de perder a verdadeira lógica espirita e cair-se-á em graves erros.

            Não nos cansaremos de repetir: nos centros onde reine o amor e a adoração ao Pai em espírito e em verdade, a admiração, respeito e amor ao Senhor, a indulgência, a caridade e a humildade não faltarão, assim como a paz e harmonia entre os irmãos; sua vida deslizará mais tranquila e seus membros sentirão gozo na alma, porque muitas vezes receberão a influência de bons espíritos, e, assim, farão grande progresso ,e acharão no mundo espiritual recompensa maior do que se pode calcular.




terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Oração a Jesus



            Jesus,

            Pastor benevolente e sábio, revela-nos o aprisco do bem! Conheces os caminhos que ignoramos; acendes a tocha da verdade quando as trevas da mentira se espalham em torno; sabes onde se ocultam as armadilhas perigosas das margens; identificas de longe a presença da tempestade; tens o verbo que desperta o estímulo sadio; ensinas onde se localizam os raios do farol que conduz e as chamas do incêndio que destrói; curas nossas chagas sem panaceias de fantasia; repreendes amando; esclareces sem ferir; não desprezas as ovelhas quebrantadas, nem abandonas as que ouviram o convite sedutor dos lobos escondidos na sombra!            


Irmão X
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Dezembro 1946     (trecho)



Oração ante a Manjedoura



Oração
ante a Manjedoura


            Senhor: quando iniciaste o Divino Apostolado, na Manjedoura singela, preocupava-se o Império Romano por um mundo só, em que se garantisse a paz pela centralização administrativa. Augusto, o glorioso imperador, ostentava a coroa do supremo poder humano, cercado de legisladores e filósofos que pugnavam pela unidade política da Terra...

            No entanto, Senhor, sabias que além da superfície brilhante das palavras, formavam-se legiões consagradas ao aniquilamento e à morte.

            Enquanto se erguiam as vozes do Senado, proclamando o direito, a concórdia e a dignidade humana, a Espanha pagava dolorosos tributos de sangue à pacificação; a Germânia experimentava a miséria; a Grécia conhecia incêndios e devastações da conquista; a Panônia chorava os lares destruídos; a Arábia tremia sob o terror; a Armênia pranteava os seus filhos; a África dobrava-se sob atrozes humilhações.

            Em Roma, os poetas teciam madrigais à beleza e os literatos homenageavam a justiça, mas, nas margens do Danúbio e do Reno, soluçavam crianças e mães desamparadas.

            Sabemos, hoje, que a atmosfera de júbilo, reinante no mundo de então, representava fruto de tua presença santificante e reconhecemos que os homens se embriagavam de alegria por fora, continuando, porém, por dentro, os mesmos enigmas de luz e treva, ignorância e conhecimento, impulsividade e razão. Sabias, por tua vez, que eles glorificavam o respeito à dignidade pessoal e matavam-se, uns aos outros, nos circos, sob o aplauso quente da multidão; reverenciavam os deuses nos templos de pedra e partiam, em seguida, integrando expedições dedicadas à rapinagem; declaravam-se livres perante a lei e escravizavam-se, cada vez mais, ao império do egoísmo e da morte.

            Não consideras, Senhor, que o quadro atual continua quase o mesmo?

            Desde a Renascença, ouvimos lições de concórdia mundial, ensinamentos alusivos à liberdade, cânticos religiosos exaltando a fraternidade, discursos filosóficos definindo conceitos de solidariedade humana, argumentos científicos em favor da renovação social para um mundo só, onde a existência seja digna de ser vivida, mais elevada, mais feliz.

            Todavia, enquanto os peritos diplomáticos se reúnem, solenes, mobilizando rotativas e microfones, o espírito de hegemonia domina os povos e o ódio calcina os corações.

            Entoam-se hosanas à paz nos templos calmos e prepara-se a guerra nas fábricas febris. A discórdia doméstica e coletiva nunca foi tão complexa, agora que a Sociologia é mais pródiga em conceituação de harmonia.

            Os homens, não contentes com o poder de matar pelo canhão e pela metralhadora, pelo gás e pela fome, descobriram a desintegração atômica, a fim de que não somente os irmãos na espécie sejam exterminados, mas também os animais e as árvores, os ninhos e os vermes, os elementos vitalizantes doar, da água e do solo... E invocam-te a presença, antes da batalha, abençoam armas em teu nome, declaram-se teus protegidos, acionando maquinarias de arrasamento.

            Relacionando, porém, estas verdades, não desconhecemos que o teu amor infinito prossegue vigilante e que, se nenhum serviço do bem permanece despercebido diante de tua misericórdia, nenhuma interferência do mal se perpetua sem a corrigenda de tua justiça! Acompanhas teu rebanho com a mesma esperança do primeiro dia e, quando as ovelhas tresmalhadas se precipitam no despenhadeiro, ainda é a tua bondade que intervêm, carinhosa, salvando-as da queda fatal. Teu devotamente cresce com as nossas transgressões e se permites que a ventania do sofrimento nos fustigue o rosto, que os golpes da guerra nos abalem as entranhas do ser é que, Artista Divino, concedes poder ao martelo da dor, a fim de que, vibrando sobre nós, desfaça a crosta de endurecimento que nos deforma a vida, entregando-nos a temporário infortúnio estabelecido por nós mesmos, como se fôramos pedras valiosas, confiadas ao zelo de um lapidário prudente e benigno! ...

            É por este motivo, Mestre, que, inclinados sobre a recordação de teu Natal, agradecemos a luta benfeitora que nos deste, a experiência que nos permitiste, as bênçãos que renovas sobre a nossa fronte todos os dias!

            Pastor benevolente e sábio, revela-nos o aprisco do bem! Conheces os caminhos que ignoramos; acendes a tocha da verdade quando as trevas da mentira se espalham em torno; sabes onde se ocultam as armadilhas perigosas das margens; identificas de longe a presença da tempestade; tens o verbo que desperta o estímulo sadio; ensinas onde se localizam os raios do farol que conduz e as chamas do incêndio que destrói; curas nossas chagas sem panaceias de fantasia; repreendes amando; esclareces sem ferir; não desprezas as ovelhas quebrantadas, nem abandonas as que ouviram o convite sedutor dos lobos escondidos na sombra! . .            

            Sê abençoado, Senhor, nos séculos dos séculos, pela eternidade de teu amor, pela grandeza de teu trabalho, pela serenidade de tua sublime esperança.

            E permite que nós, prosternados em espírito, ante a lembrança de tua manjedoura desprotegida, possamos regressar às bases simples e humildes da vida, continuando nosso trabalho redentor, após repetir com o velho Simeão, encanecido nas inquietantes experiências do mundo:  "- Agora, Senhor, despede em paz o teu servo, segundo a tua palavra, pois já os nossos olhos viram a salvação".

Irmão X
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Dezembro 1946


Página do Natal



Página
do Natal



"Luz para alumiar as nações". - LUCAS, 2-32.

            Há claridade nos incêndios destruidores que consomem vidas e bens.
            Resplendor sinistro transparece nos bombardeios que trazem a morte.
            Reflexos radiosos surgem do lança-chamas.             
            Relâmpagos estranhos assinalam a movimentação das armas de fogo.

*

            No Evangelho, porém, é diferente.

*

            Comentando o Natal, assevera Lucas que o Cristo é a luz para alumiar as nações.
            Não chegou impondo normas ao pensamento religioso.
            Não interpelou governantes e governados sobre processos políticos.
            Não disputou com os filósofos quanto às origens do homem.
            Não concorreu com os cientistas na demonstração de aspectos parciais e transitórios da vida.

*

            Fez luz no espírito eterno.

*

            Embora tivesse o ministério endereçado aos povos do mundo, não marcou a sua presença com expressões coletivas de poder, quais exército e sacerdócio, armamentos e tribunais.
            Trouxe claridade para todos, projetando-a de Si mesmo.
            Revelou a grandeza do serviço à coletividade, por intermédio da consagração pessoal ao Bem Infinito.

*

            Nas reminiscências do Natal do Senhor, meu amigo, medita no próprio roteiro.
            Tens suficiente luz para a marcha?
            Que espécie de claridade acendes no caminho?
            Foge ao brilho fatal dos curtos-circuitos da cólera, não te contentes com a lanterninha da vaidade que imita o pirilampo em voo baixo, dentro da noite, apaga a labareda do ciúme e da discórdia que atira corações aos precipícios do crime e do sofrimento.
            Se procuras o Mestre Divino e a experiência cristã, lembra-te de que na Terra há clarões que ameaçam, perturbam, confundem e anunciam arrasamento...            

*

            Estarás realmente cooperando com o Cristo, na extinção das trevas, acendendo em ti mesmo aquela sublime luz para alumiar?


Emmanuel
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Dezembro 1947




segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Natal




Natal



            Quando o homem compreender a sublimidade das lições evangélicas, o Natal de Jesus será comemorado todos os dias. Não mais se esperará um ano para glorificar o Mestre através do exibicionismo de atos de caridade mal sentida; não se esperará tanto para demonstrar espírito fraterno, para deitar um olhar menos duro sobre aqueles que morrem lentamente, corroídos por enfermidades terríveis, famintos e seminus, abandonados nas sarjetas imundas, esquecidos nos bancos de jardim, nos casebres ocultos em socavões de morros vergastados pelo vento e nas favelas que desafiam a lei de gravidade, onde proliferam endemias.

         


Indalício Mendes
Reformador (FEB) Dezembro 1945


O Natal do Cristo



O Natal do
Cristo


            Todos os anos a Humanidade dita cristã celebra bulhentamente o Natal do Cristo, evocando as cenas tradicionais do presépio divinizado pela presença do Redentor do mundo.

            Os templos se enchem de fiéis, que vão levar a Jesus a oferenda de sua fé; os corações vibram  de alegria, realizando a prece muda e eloquente do sentimento. Os homens que se deixaram separar pelo egoísmo e por preconceitos de natureza vária, confraternizam durante algumas horas. Nos lares bafejados pela fortuna, o riso se desata, livre, enquanto em outros, onde a miséria pontifica e a dor tiraniza, a comemoração do Natal se faz em comovedor silêncio, muita vez entrecortado de lágrimas ardentes. Mesmo nestes, onde a fome e o desconforto se unem, o Natal é lembrado com emoção. A mesa está vazia, a casa impregnada de tristeza, mas um raio de esperança resignada perpassa os sofredores, incutindo-lhes mais fé e mais coragem na áspera e ingente luta que sustentam, seguindo a escala de suas provações.

            Natal!

            Quando o homem compreender a sublimidade das lições evangélicas, o Natal de Jesus será comemorado todos os dias. Não mais se esperará um ano para glorificar o Mestre através do exibicionismo de atos de caridade mal sentida; não se esperará tanto para demonstrar espírito fraterno, para deitar um olhar menos duro sobre aqueles que morrem lentamente, corroídos por enfermidades terríveis, famintos e seminus, abandonados nas sarjetas imundas, esquecidos nos bancos de jardim, nos casebres ocultos em socavões de morros vergastados pelo vento e nas favelas que desafiam a lei de gravidade, onde proliferam endemias.

            Natal!

            Ó Jesus, Mestre e Irmão, Irmão e Amigo! Compadece-te de nós, permite que a tua misericórdia, uma vez mais, além de tantas em que já a desfrutamos, desça sobre a humanidade volúvel e rebelde, envolvendo-a na luz do teu Evangelho! Perdoa, Jesus, a nossa impenitência! Torna-nos mais humanos, cristãos em espírito e verdade, para que possamos festejar-te, ó Mestre não nos templos de alvenaria, não em solenidades mundanas, mas nos templos do coração, onde o sentimento fortalece as obras de amor e caridade!

            Natal!

            Deixaste no Evangelho todo um código de assistência social, baseado no amor ao próximo, na exemplificação da caridade em suas múltiplas formas. Permite que transformemos o teu Natal numa festa perene de evangelização, na qual cultivemos a cada instante as virtudes que pregaste!

            Que nos adianta celebrar com espavento a tua descida à Terra, se de ti nos esquecemos nos demais dias? De que nos vale o título de cristão, se pensamos e agimos contra a tua ética, Senhor?! De que nos serve patentear publicamente, uma vez por ano, sentimentos de piedade, se matamos o nosso próximo, nos outros dias, com a nossa farisaica indiferença? Eis porque, Jesus, precisamos também de caridade, cegos que somos às lições sublimes da Boa Nova! A tua bondade, que se estende sobre todos os humanos, indistintamente, confortando o fraco, encorajando o desalentado, aliviando o sofredor, alertando o forte para que não abuse de sua força, venha também, ó Mestre, por sobre nós! Queremos amar-te, mas não sabemos exercer o amor puro que predicaste em tua gloriosa peregrinação terrena! Jesus, a nossa ignorância é maior que a nossa maldade, mas já aprendemos que a felicidade mora no coração dos simples, está no riso franco dos que não têm orgulho, no sorriso ingênuo e confiante da infância, no heroísmo extraordinário dos que sabem sofrer resignadamente suas mais acerbas dores e viver discretamente suas parcas alegrias!

            Natal!

            Glória ao teu nome, Jesus! Que os nossos corações se constituam em templos augustos das comemorações do teu Natal, a todos os instantes de nossa vida, a fim de que possas ressuscitar em nós, que te crucificamos com os nossos pensamentos pecaminosos e as nossas ações malévolas!

            Perdoa-nos, Cristo! Acredita em nossa sincera resipiscência e permite que te evoquemos o santo nome, Imaculado Mestre!

            Glória a Deus nas alturas e paz na Terra a todos os seres!


Indalício Mendes
Reformador (FEB) Dezembro 1945



Natal



Natal


            Nascer é um fenômeno biológico. Diz respeito à Vida numa das suas mais estupendas e maravilhosas manifestações. Onde há Vida, há movimento e crescimento, reza o velho e conhecido aforismo.

            Assim, pois, o Natal de Jesus deve ser para os verdadeiros cristãos um acontecimento positivo, de cuja realidade cada um dará o seu inconfundível testemunho.

            O natalício do Divino Mestre é a sua Vida mesma iniciada no coração dos discípulos. Este sucedimento não se presta à simulação ou dissimulação. "Ser ou não ser, eis a questão". Pueris e vãs serão sempre as exterioridades com que pretendem comemorar e festejar o advento do Filho de Deus neste mundo, uma vez que tal fato é todo de ordem íntima e de natureza espiritual.

            Se, realmente, Jesus nasceu em nossas almas, havemos de revelá-lo. Não poderemos manter em segredo o seu alviçareiro natalício. Provado ficará pelo nosso crescimento espiritual, fruto legítimo da força incoercível que caracteriza a Vida em todas as suas infinitas formas de exteriorização .

            Onde Jesus nasce, floresce a Vida do Espírito através dos seus atributos inconfundíveis: inteligência, sentimento e vontade. O evolver ininterrupto dessas faculdades, em perfeito equilíbrio, atesta a sua presença no coração humano. Ainda que se quisesse, não se poderia disfarçá-lo ou escondê-lo.

            De outra sorte, irrisórias serão as tentativas em simular o seu Natal, de vez que não existe engenho humano capaz de produzir a Vida como a Vida é. Imitá-la ou fantasiá-la importa em ridículo gesto de auto mistificação. Não podemos dar viço e aroma às flores de papel ou de pano. Não podemos, igualmente, imprimir movimento, e, sobretudo, crescimento aos simulacros. Só a Vida cresce, enflora e frutifica. O engenho humano imita, não produz a Vida. A Vida só procede de uma única fonte eterna e inexaurível, que é Deus. Jesus veio de Deus; é o seu Verbo que se fez carne e habitou entre os homens para instruí-los e educá-los a fim de redimi-los. "Eu sou o caminho, a verdade e a Vida; ninguém vai ao Pai senão por mim."

            Hosanas, pois, ao Verbo Divino, que veio apontar ao homem o roteiro da Vida Eterna, roteiro esse que se concretiza na evolução constante da criatura para o seu Criador, conforme a sabedoria da sua mesma revelação: "Sede perfeitos como o vosso Pai celestial é perfeito." Vida, movimento e crescimento em suas expressões reais, tais são as características da presença do Senhor em nós.

            Eis a mensagem dos anjos, que são as virtudes do céu, anunciando o acontecimento: "Eu vos trago uma boa-nova de grande gozo, que o será para todas as gentes: é que hoje vos nasceu na cidade de David um Salvador, que é o Cristo Senhor." 

            Nessa individuação - vos nasceu - está todo o espírito, magia e maravilha do NATAL.



Vinícius
Reformador (FEB) Dezembro 1945



domingo, 23 de dezembro de 2012

Bilhete a Jesus



Bilhete
 a Jesus


            Senhor Jesus, enquanto a alegria do Natal acende luzes novas nos lares festivos, torno à velha Palestina, revendo, com os olhos da imaginação, a paisagem de tua vinda...

            Roma estendia fronteiras no Nilo, no Eufrates, no Reno, no Tâmisa, no Danúbio, no Mar Morto, no Lago de Genesaré; nas areias do Saara. César "sossegava e protegia" os habitantes das zonas mais remotas, aliciando a simpatia dos príncipes regionais. Todos os deuses indígenas cediam a Júpiter, o dono do Olimpo, de que as águias dominadoras se faziam emissárias, tremulando no topo das galeras, cheias de senhores e de escravos.

            Lembras-te, Senhor, de que se fazia uma grande estatística, por ordem de Augusto, o Divino? Otávio, cercado de assessores inteligentes, intensificava-a centralização no mundo romano, reorganizando a administração na esfera dos serviços públicos. As circunscrições censitárias na Judéia enchiam-se de funcionários exigentes. Cadastravam-se famílias, propriedades, indústrias. E José e Maria também se locomoveram, com os demais, para atender as determinações. A sensibilidade israelita poderia manter-se a distância do culto de César, resistindo ao incenso com que se marcava a passagem dos triunfadores, em púrpura sanguinolenta, mas, a experiência judaica, estruturada em suor e lágrimas, não se esquivaria à obediência, perante os regulamentos políticos. As estalagens, no entanto, estavam repletas e não conseguiram lugar.

            Em razão disso, a estrela gloriosa, que te assinalou a chegada, não brilhou sobre templos ou residências de relevo. Apenas a manjedoura singela ofereceu-te conforto e guarida. Homens e mulheres faziam estatísticas minuciosas de haveres e interesses. Se o governo imperial decretava o recenseamento para reajustar observações e tributos, os governados da província alinhavam medidas, imprimindo modificações aos quadros da vida comum, para se subtraírem, de alguma sorte, às exigências. Permutavam-se cabras e camelos, terras e casas, reduzidos parques agrícolas e pequenas indústrias. Haveria espaço mental para a meditação nas profecias? Para cumprir o dever religioso, não bastava comparecer ao Templo de Jerusalém, nos dias solenes, oferecer os sacrifícios prescritos e prosternar-se ante a oferenda sagrada, ao ressoar das trombetas? Razoável, portanto, examinar os melhores recursos e burlar as requisições do romano dominador. A fração do povo eleito, que se aglomerava na cidade de David, lia os textos sagrados, recitava salmos e tomava apressado conselho aos livros da sabedoria; entretanto, não considerava pecado matar o tempo em disputas e conversações infindáveis ou enganar o próximo com a elegância possível.

            Por essa razão, Senhor, quem gastaria alguns minutos para advogar proteção a Maria e José? Eles traziam a sinceridade dos que andam contigo, falavam de visitas dos anjos, de vozes do céu, e o mundo palestinense estava absorvido no apego fanático aos bens imediatos. Comentava-se, apaixonadamente, as listas e informações, alusivas a rebanhos e fazendas. Às narrações do sonho de José ou da experiência de Zacarias, prefeririam noticiário referente à produção de farinha ou ao rendimento de pomares...

            Todavia, para entregar à Humanidade a divina mensagem de que te fizeste o Depositário Fiel, não te feriste ao choque da indiferença. Começaste, assim mesmo, na manjedoura humilde, o apostolado de bênçãos eternas. O Evangelho iniciou a primeira página viva da revelação nova na estrebaria singela. A Natureza foi o primeiro marco de tua batalha multi secular da luz contra as trevas.

            E enquanto prossegues, conquistando, palmo a palmo, o espírito do mundo, os homens continuam fazendo estatísticas inumeráveis...

            Aos censos de Otávio, seguiram-se os de Tibério, aos de Tibério sucederam-se arrolamentos de outros dominadores. Depois do poderio romano fragmentado, outras organizações autoritárias apareceram não menos tirânicas. Dilataram-se os serviços censitários, em toda parte.

            As nações modernas não fazem outra coisa além da extensão do poder, melhorando a estatística que lhes diz respeito.

            Inventariavam-se, na antiga Judeia, ovelhas e jumentos, camelos e bois. Hoje, porém, Jesus, o arrolamento é muito mais importante. Com o aperfeiçoamento da guerra, o censo é vital nas decisões administrativas. Antes da carnificina, arregimentam-se estatísticas de canhões, tanques e navios, aviões, metralhadoras e fuzis. Enumeram-se homens por cabeça, no serviço preparatório dos massacres e, em seguida, anotam-se feridos e mutilados. Isso, nas vanguardas de sangue, porque, na retaguarda, o inventário dos grandes e pequenos negócios é talvez mais ativo. Há corridas de armamentos e bancos, valorização e desvalorização de bens móveis e imóveis, câmbio claro e câmbio escuro, concorrências leal e desleal, mercado honesto e clandestino, tudo de acordo com as estatísticas prévias que autorizam providências administrativas e regem o mecanismo da troca.

            Nós sabemos que não condenas o ato de contar. Aconselhaste-nos nesse sentido, recomendando que ninguém deve abalançar-se a qualquer construção, antes de contas rigorosas, a fim de que a obra não permaneça inacabada.  Entretanto, estamos entediados de tanto recenseamento para a morte, porque, em verdade, nunca esteve a casa dos homens tão rica e tão pobre, tão faiscante de- esplendores e tão mergulhada nas trevas, tão venturosa e tão infeliz, como agora.

            Desejávamos, Mestre, arrolar as edificações da fé, os serviços da esperança, os valores da caridade, contudo, somos ainda muito poucos no setor de interesse pelos sonhos reveladores e pelas vozes do céu. Apesar disso, sabemos que os homens fanatizados pela estatística das formas perecíveis, examinam os gráficos, de olhos preocupados, mas erguem corações ao alto, amargurados e tristes, movimentam-se entre tabelas e números, mas torturados pela sede de infinito ...

            Quem sabe, Senhor, poderias voltar, consolidando a tua glória, como fizeste há quase vinte séculos?! Entretanto, não nos atrevemos ao convite direto. As estalagens do mundo estão ainda repletas de gente negociando bens transitórios e melhorando o inventário das posses exteriores. Os governos estão empenhados em orçamentos e tributos. Os crentes pousam olhos apressados em teu Evangelho de Redenção e repetem fórmulas verbais, como os judeus de outro tempo, que mastigavam a Lei sem digeri-la. Quase certo que não encontrarias lugar, entre as criaturas. E não desejamos que regresses, de novo, para nascer num estábulo, trabalhar à beira das águas, ministrar a revelação em casas e barcas de empréstimo e morrer flagelado na cruz. Trabalharemos para que a tua glória brilhe entre
os homens, para que a tua luz se faça nas consciências, porque, em verdade, Senhor, que adiantaria o teu retorno se a estatística das coisas santas não oferece a menor garantia de vitória próxima? Como insistir pela tua volta pessoal e direta se na esfera dos homens ainda não existe lugar, onde possas nascer, trabalhar e morrer?


 Irmão X
por Chico Xavier
no Natal de 1945
Reformador (FEB) Jan 1946