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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

55b. "Doutrina e Prática do Espiritismo"



55b

            Começaremos por um caso descrito na obra magistral de Frederick H. Myers, o eminente psicólogo inglês, intitulada A PERSONALIDADE HUMANA, obra de tão alto valor científico e, conseguintemente, demonstrativo, que foi adotada em uma, e não sabemos se mais outras Universidades da Inglaterra, para o estudo da Psicologia.

            A narrativa tem, para prestigiá-la, não somente o agasalho que, na mencionada obra, lhe foi dispensado pelo autor, cujo rigor na pesquisa e escrúpulo na classificação dos fatos não constitui o seu menor título de renome no mundo científico, mas ainda a circunstância de ser um médico o seu protagonista, com a particularidade de se não ter dado a desencarnação, em cuja iminência esteve, tendo assim podido relatar as suas impressões pessoais, depois de restituído ao estado de saúde.

            Utilizamo-nos da tradução feita pelo Dr. Souza Couto e por ele publicada, sob a dupla epígrafe "Impressões de um médico - No limiar da Eternidade," na edição de junho de 1900 de sua excelente revista ESTUDOS PSYCHICOS (Lisboa), precedendo-a das seguintes observações:

            "A última obra, A PERSONALIDADE HUMANA,  do profundo investigador F.Myers, documenta-se com fatos de altíssimo interesse, entre os quais destacamos hoje o relato do Dr. . Wiltse, que foi publicado no JORNAL DE MEDICINA E CIRURGIA de S. Luís (novembro de 1889). Esse fato foi recolhido pela Sociedade de Investigações Psíquicas, tão prudente nos seus inquéritos; mas ainda o Dr. Hodgson e F. Myers o declararam da maior importância, depois do estudo pessoal que fizeram do seu relator.

            "É a própria narração original, abreviada, do Dr. Wiltze, que vamos reproduzir."

            É a seguinte:

            "...Quando enfim se me dilataram as pupilas, começou a vista a desaparecer-me e faltou-me a voz.

            Invadido pela sensação de um entorpecimento geral, fiz um violento esforço para distender os dedos e pude colocar os braços sobre o peito; depois, tornando a fechar os dedos crispados, fui rapidamente avassalado por um estado de inconsciência completa.

            Durante quatro horas fiquei sem pulso nem movimento perceptível ao coração, segundo informações posteriores do meu médico assistente, o Dr. Raynes.

            Durante esse tempo muitas pessoas presentes me consideravam morto, e como a notícia se espalhasse, os sinos da povoação dobraram a finados.

            0 Dr. Reynes enterrou-me uma agulha na carne, em vários pontos, desde os pés até a cabeça, sem que eu desse o menor sinal de vida.

            Durante essas quatro horas dos sinais descritos, houve meia hora em que a morte se apresentava com toda a aparência.

            Perdi toda a faculdade de pensar e todo o sentimento de existência; encontrava-me em absoluta inconsciência... Quando a consciência me voltou, reconheci que ainda estava no meu corpo, mas entre mim e o corpo nenhum interesse comum existia.

            Na admiração e na alegria, estudava-me a mim mesmo; via o eu, o Ego real encarcerado no não-eu, como num sepulcro  de argila.

            Com a curiosidade de médico, contemplava as maravilhas da fisiologia corpórea, com a qual me confundia, alma viva desse corpo morto.

            E então analisava com calma o meu estado, raciocinando assim:

            - Estou morto, segundo a linguagem dos homens, e, contudo, mais que nunca, continuo a ser homem, Eis-me prestes a sair do corpo.

            Seguia o processus interessante do desprendimento da alma.

            Por uma força que não parecia sair de mim, meu Ego era como sacudido de um lado e do outro lado, semelhantemente ao balançar de um berço, e isso o ajudava a libertar-se dos laços do tecido corporal.

            Ao fim de um instante, suspendeu-se esse movimento, começando eu a sentir e como que a ouvir, ao que me parece, numerosas picadas, formando pequenos círculos, nas solas dos pés, desde os dedos até o calcanhar. 

             Depois disso o meu eu começou a retirar-se vagarosamente das extremidades inferiores em direção à cabeça, e, quando esta ascensão chegou aos quadris, reflexionava:

            - Agora já não há vida para baixo, nos pontos abandonados.

            Nenhuma lembrança tenho de haver atravessado o abdômen e o peito, mas lembra-me claramente ter feito a seguinte reflexão, quando todo eu estava concentrado na cabeça:

            - Eis-me completamente todo na cabeça: - não tardará que dela me desprenda.

            Como se eu fora vazio, atravessei o cérebro, comprimindo-o e às suas membranas, ligeiramente; e enfim apareço no centro, entre as suturas do cancro, emergindo como fascículos de folhas tênues de um invólucro membranoso.

            Quanto à forma e a cor, recordo-me nitidamente de que eu me parecia, a mim mesmo, qualquer coisa como uma medusa.  

            Prestes a desprender-me, percebi duas senhoras sentadas à minha cabeceira. Calculei a distância entre o leito e os joelhos da senhora em frente, concluindo que havia um suficiente espaço para eu aí poder ficar em pé, mas via-me extremamente embaraçado com a lembrança de aparecer despido diante dela.

            Contudo, refletindo que com toda a probabilidade ela não poderia ver-me com os olhos do corpo, pois eu era um espírito, ousei  subir.

            Desde que saí, senti-me flutuar mais alto, mais baixo à direita, 1 esquerda como uma  bolha de sabão que ainda adere à extremidades duma palha, até que por fim me desliguei do corpo, caindo ligeiramente sobre o pavimento, donde me levantei, tendo tomado a aparência  exata de um homem. Eu era transparente como uma chama azulada e encontrava-me completamente desnudado.

            Com uma penosa sensação de constrangimento, escapei-me até a porta entreaberta, para furtar-me ao olhar das senhoras que ficavam defronte, assim como de outras pessoas, que eu sabia estarem em volta de mim; mas, tendo atingido a porta, encontrei-me vestido.
           
            Tranquilizado quanto a esse ponto, voltei novamente para junto das pessoas que tinha  deixado.

            Havia junto à porta dois cavalheiros e eu, ao passar, toquei com o cotovelo esquerdo o braço de um deles.

            Com grande espanto meu, o braço passou sem resistência através, do meu, cujas partes divididas se aproximaram sem dificuldade, voltando a reunir-se como ar. 

            Então atentei vivamente na fisionomia desse cavalheiro, para ver se ele tinha sentido o contato, mas disso nenhum sinal deu, e conservou-se em pé, olhando fixamente o leito, que eu há pouco tinha abandonado.

            Dirigi o olhar na direção do seu e vi meu próprio cadáver.

            Ele lá estava imóvel na atitude que tanto me custou a dar-lhe, ligeiramente inclinado sobre o lado direito, os pés juntos, as mãos cruzadas sobre o peito. Fiquei surpreendido com a palidez das faces. Desde muitos dias, não me tinha visto ao espelho, e por isso julgar-me-ia menos descorado que a maior parte das pessoas igualmente doentes. A mim mesmo me felicitei pela atitude decente que tinha sabido dar ao meu corpo, na esperança de que meus amigos se impressionariam menos à minha vista.

            Vi muitas pessoas, umas sentadas, outras em pé, rodeando o meu corpo, e em particular notei duas senhoras que pareciam ajoelhadas à minha esquerda. Depois soube que eram minha mulher e minha irmã, mas naquele momento não tinha consciência das individualidades: esposa, irmã, amigo, para mim tudo era a mesma coisa.

            Depois disso quis chamar a atenção das pessoas, para ver se as confirmava na certeza da sua própria imortalidade. Fazia-lhes graciosas saudações e enviava-lhes cumprimentos com a mão direita, colocando-me no meio delas; mas nenhuma atenção me davam.

            Então reconheci o cômico da minha situação.

            Eu pensava que isto devia ser percebido, mas não parecia, porque ninguém tirava a vista do meu cadáver. Comigo mesmo refletia:

            - Os outros só vem com os olhos do corpo, não podem ver os espíritos. Velam aquilo que tomam por mim, mas eu estou aqui mais vivo que nunca.

            Depois atravessei a porta, desci a escada e segui até à rua. Aí olhei em torno de mim. Nunca tinha tão distintamente visto essa rua como naquele momento. Notei a cor rubra do sol e as poças de água deixadas pela chuva. Olhei ansiosamente em volta de mim, como aquele  que vai ausentar-se do lar por muito tempo. Descobri então que era maior do que na minha vida terrestre, e isso me alegrou.

            Corporalmente eu era um pouco mais baixo do que desejava ser, e então pensava: "na minha vida talvez seja realizado meu desejo."

            Notei também que a minha roupa se acomodava à nova estrutura, e perguntava a mim mesmo, com admiração, de onde tinha vindo essa roupa e como me achava com ela sem o saber.

            O fabrico era parecido com uma espécie de tecido da Escócia, uma boa fazenda, não luxuosa, mas conveniente.

            Como me sinto bem! pensei eu: e há alguns minutos eu estava horrivelmente doente e sofria; eis aqui a mudança que nós chamamos morte, e de que tanto eu me horrorizava!: Mas operou-se: e sou eu ainda um homem vivo e pensante! - Sim certamente, pensante com maior lucidez do que nunca; e que bem-estar eu sinto! Nunca mais estarei doente, nunca mais morrerei!



terça-feira, 28 de agosto de 2012

Relíquias



Relíquias
                                                                                              por José Monteiro Lima
in Reformador (FEB) Março  1946


            Sabemos, pelo estudo do magnetismo animal, que do corpo humano se escapam radiações magnéticas de natureza especial que vão influir nos objetos mais próximos, impregnando-os de fluido bom ou mau, segundo o indivíduo que o emitiu.
Deleuze diz, com efeito, que a maior parte dos sonâmbulos veem um fluido luminoso e brilhante envolver o seu magnetizador, principalmente na cabeça e nas mãos, acrescentando que o homem pode acumular à vontade este fluido e dirigi-lo no sentido de impregnar as diversas substâncias.

            Ainda que não haja o desejo de magnetizar, os objetos de uso pessoal são, naturalmente, os que mais facilmente podem ser impregnados pelo fluido emitido. Bozzano, num exaustivo estudo sobre tão importante problema "Enigmas da Psicometria", reconhece que tais objetos são verdadeiros intermediários entre as pessoas distantes, mercê de uma "influência" real impregnada no objeto pelo seu antigo possuidor e perceptível pelos sensitivos.

            Ora, as relíquias dos santos são objetos de uso pessoal, podem, algumas vezes, estar impregnados desse fluido. Catarina Emmerich, médium vidente-psicômetra, religiosa do convento de Agnetenberg (Alemanha), por exemplo, segundo o abade Cazales ("Vie d' Anne-Catherine Emmerich", pág. 15), de posse das relíquias dos santos podia contar não só as particularidades desconhecidas das suas vidas, como ainda a história da relíquia que  lhe fosse apresentada e os diversos lugares onde tinha sido colocada.

            De certo modo, algumas das curas conseguidas por intermédio de relíquias, objeto deste estudo, vêm corroborar a teoria de uma influenciação originária do objeto impregnado, assim como o auxílio que os próprios espíritos dos chamados santos, com os quais o doente entrou em relação.

            O Rev. Brewer ("Dictionary of Miracles", pág. 16) conta que Eutícia, mãe de Sta. Lúcia, estando aflita com um fluxo de sangue que os médicos não tinham podido curar, foi, a conselho de sua filha, visitar as relíquias de Sta. Ágata em Catânia. Quando Eutícia e sua filha chegaram ao túmulo de Sta. Agata, Lúcia orou pedindo que a santa intercedesse por sua mãe, a fim de curá-la da sua enfermidade. Quando orava, Sta. Ágata apareceu-lhe e disse: "Irmã Lúcia, porque me pedes uma coisa que tu mesma podes fazer? Pede a Deus, porque sabemos que Ele nos ama, e uma vez que ouve as minhas preces, ouvirá também as tuas". Terminada a oração, Lúcia encontrou sua genitora restabelecida.

            Pelos numerosos fatos registrados nos meios católicos e acatólicos, conclui-se que os objetos de uso pessoal, impregnados dos fluidos de determinado indivíduo, têm a propriedade de não só estabelecer relação entre o sensitivo e o antigo dono do objeto, como ainda podem agir benéfica ou prejudicialmente, segundo a natureza dos fluidos que acumularam. Com efeito, um objeto que tenha pertencido a um indivíduo que morrera de determinada doença tem, pelos fluidos que acumulou, a propriedade de pô-la em imediata relação com o médium, fazendo-o sentir todos os sintomas da moléstia.

            Se se tratar de um médium espírita que frequente  sessões bem orientadas, naturalmente a causa poderá ser facilmente afastada, o que nem sempre é possível quando o médium não é espírita. Deduz-se daí que nem só os micróbios materiais transmitem moléstias, porque fluidos perniciosos, doentios, agindo embora por intermédio do perispírito, podem, pela continuidade, influir no corpo físico a ponto de produzir a doença propriamente.    

            Do mesmo modo, sem que haja milagres, as relíquias de pessoas que tiveram vida modelar, naturalmente impregnadas de bons fluidos, podem curar ou ajudar na cura de um doente que tenha fé. 



55a. "Doutrina e Prática do Espiritismo'



55a 


            Qualquer que seja a opinião que a crítica racionalista entenda formular a cerca desse fenômeno tão imperfeitamente definido e ainda menos satisfatoriamente Interpretado pelos mestres da ciência, ou se trate de sonhos contraditórios e vulgares, ou de sonhos lúcidos de cunho premonitório, ou ainda de visões simbólicas, como os que ficam relatados, não permanecerão eles menos como um testemunho vivo da atividade extra corpórea do espírito, durante a quotidiana fuga que uma lei providencial, não apenas permite, mas lhe impõe como uma necessidade, até certo ponto, neutralizadora de sua paralização nos limbos da matéria.

            Desse fato, por assim dizer, universalmente comprovado uma lição ou, pelo menos, uma advertência é lícito colher, e vem a ser que, se assim durante o sono do corpo goza o nosso espírito essa liberdade que lhe faculta entrar em relação com outros seres, como ele momentaneamente desprendidos, ou de todo livres dos grilhões carnais, devem ser tais momentos de temporária emancipação aproveitados, assim em frutuosos exercícios de instrução nas coisas desse plano espiritual em que coexistimos, como sobretudo na prática de uma salutar e benfazeja atividade; no primeiro caso, entrando em correspondência mental, senão em íntimo convívio, com elevados espíritos, cujos conselhos e lições devam ser postos em prática no estado de vigília, e no segundo caso buscando por nossa parte ir ao encontro de companheiros de presídio, isto é, de espíritos como nós encarnados, ou mesmo desencarnados, a fim de nos beneficiarmos com os testemunhos de uma afetuosa assistência que - tais sejam as condições em que nos coloquemos para o desempenho desse piedoso ministério - pode ser da mais fecunda e mútua utilidade.

            Por quiméricas que, aos olhos dos não iniciados, pareçam tais ideias, elas têm para os que das coisas espirituais se preocupam uma positiva significação.

            Se o destino do espírito, na Terra como em todos os planos do universo, é o eterno progredir, e se esse processo consiste no desenvolvimento das mais nobres faculdades, que em nós dormitam, e no exercício das virtudes de que a caridade é o coroamento magnifico, o dever nos corre de utilizar todas as oportunidades que para esse fim nos são proporcionadas.  

            Ora, o sono é um fenômeno de que unicamente o corpo, sujeito a perdas e cansaço, participa. O espírito, por natureza essencialmente ativo, não necessita repousar. Porque não há de, pois, utilmente empregar as mesmas horas de fugaz libertação, que lhe é quotidiana e providencialmente concedida?

            Assim procedem sempre, pelo menos, os iniciados nas transcendentes verdades com que o Espiritismo ilumina os seus adeptos, os quais sabem não dever abandonar ao repouso o fatigado invólucro e dele se desprender, sem resolutamente formar o propósito de prosseguir, no estado errático, a tarefa do bem que na vigília, os preocupa.

            Essa periódica e alternada permanência do homem na esfera espiritual - em diferentes graus, é certo, conforme a natureza de suas aspirações e sentimentos – sugere uma  outra consideração. Se assim constantemente visitamos a eterna estância donde viemos e para onde todos, mais dia menos dia, havemos de regressar definitivamente; se, por outros termos, o sono, que já a velha mitologia, no expressivo simbolismo de suas criações, apresentava como filho da Noite e irmão da Morte, é um ensaio de iniciação nesse mistério, que, não obstante, a todos amedronta, não a devêramos temer.

            Morrendo todos os dias- e que outra coisa é o sono senão morte transitória? - com serenidade confiante, que não com apavorada relutância, deveríamos aguardar o sono definitivo, que é também a definitiva libertação do nosso espírito.  

            E, todavia, o supersticioso temor que ao homem inspira a morte se explica por mais de um motivo: em primeiro lugar, o medo instintivo do desconhecido, alimentado pela ignorância das esplendidas realidades do Além, que o Espiritismo, com a sistematizada observação dos fatos,  veio positivamente demonstrar em nossos dias; em segundo lugar, e ainda em consequência dessa ignorância, que gera a incerteza da verdadeira vida, o instinto de conservação, em nome e a impulsos do qual se agarra obstinadamente o homem a única realidade em que geralmente crê; e por último o aparato lúgubre de que as religiões cercam a morte, fazendo-a aparecer, não o que realmente significa, isto é, o despedaçar da crisálida em que, borboleta imortal, se encerra o espírito, para o restituir à liberdade no infinito, mas como aniquilamento, por assim dizer, de tudo, a tal ponto que no Memento em vez de se lhe apresentar essa perspectiva sedutora de imortalidade, é a redução a nada o que se lhe recorda, advertindo-o de que “é pó e em pó se há de tornar."

            A essas razões, fundadas em errôneos preconceitos, condenados por isso a desaparecer, cumpre acrescentar uma última, que justifica, para a generalidade, o temor que inspira a morte: é a instintiva noção do que se pode considerar a prestação de contas, que mesmo - e sobretudo - o homem religioso sente que se verifica, nessa transposição, da esfera ilusória, em que vivemos, para o que a sabedoria popular com tanta justeza denomina o mundo da verdade.

            É porque, numa reveladora intuição, presente o homem que, com a passagem definitiva para o Além, caem os véus sob que na Terra todas as coisas se mascaram, e cada um lá se apresenta com a insofismável expressão do que realmente é e do que fez - tanto vale dizer que é o proferido no tribunal da consciência, e com todo o rigor desse foro inapelável, o julgamento da vida que deixou - que o homem, com justificado receio percebe avizinhar-se a hora solene dessa impressionadora transição.

            Vindo á Terra com o fim de pôr em prática elevados propósitos de reparação de erros do passado e aproveitamento nas virtudes, em que consiste aqui o seu progresso capital, quando reconhece próximo o termo da jornada e começam a ilumina-lo as primeiras claridades do outro lado, sente o espírito quão pouco se esforçara em tal sentido, e daí a legítima apreensão que o sobressalta.

            A não serem esses motivos de consciência, cuja pressão, todavia, desconhecem aqueles que levaram uma existência utilmente aproveitada no trabalho, no sofrimento e na pratica das boas obras, tríplice e inestimável patrimônio que de sua passagem pela Terra pode unicamente o espírito levar, o temor da morte é tanto menos justificável quanto essa passagem, ao contrário do que geralmente se acredita, não é em si mesma dolorosa. E o Espiritismo no-lo faz compreender, mediante fatos e argumentos.

            À medida que a enfermidade prossegue em sua marcha desorganizadora das funções vitais - para nos cingirmos ao caso mais comum - o progressivo esgotamento do fluido vital vai operando o desligamento do perispírito e afrouxando o laço que prende o espírito ao corpo, daí, resultando um amortecimento das sensações, por isso que ,tanto maior é a exteriorização da consciência, cuja sede, como se sabe, está no espirito, quão menos vivas são aí as repercussões do que se passa no organismo. Fora, portanto, dos casos de violenta desencarnação por acidente, em que o espírito experimenta um choque brusco, acompanhado de uma espécie de atordoamento, mais ou menos prolongado até que se inteire de sua verdadeira situação no novo estado, os fenômenos precursores da morte não são quase percebidos pelo agonizante.

            Para dizermos tudo em uma palavra, a morte, como seu irmão o sono - a não ser que se trate de consciências sobrecarregadas de remorsos, para as quais aproximação do julgamento constitui um motivo legítimo de angústia - é uma suave transição, podendo mesmo em alguns casos ser um momento de deslumbrantes êxtases, ante o esplendor das perspectivas descortinadas pelo agonizante, ao entrar na posse do sentido psíquico, em consequência da anulação, pelo menos parcial, do estorvo que lhe oponham  os sentidos corporais.

            É conhecida a exclamação de Goethe, ao expirar: Luz! Mais luz! Como não é menos expressiva a frase com que Schiller se despediu das trevas e das vicissitudes deste mundo: "Os olhos de meu espírito se abrem a uma luz mais viva!"

            Poderíamos citar, em apoio da nossa tese, numerosos testemunhos; mas acreditamos que, como subsídios ilustrativos e documentais, bastarão os poucos que passamos a reproduzir, em obediência ao duplo critério de os escolher entre os melhores e de não ocupar demasiado espaço. 



segunda-feira, 27 de agosto de 2012

14. "Amor à Verdade"


14
“Amor à Verdade”
por Alpheu Gomes O. Campos
Marques Araújo & C. – R. S. Pedro, 216
1927


Pedras do caminho


            É voz comum que os desígnios de Deus são impenetráveis.

            Confessamos que, antes da comunicação espontânea de um dos nossos instrutores espirituais - dedicado trabalhador, que não se cansa de subsidiar em suas pesquisas, os que estudam - entendíamos serem realmente inacessíveis os institutos divinos. Ignorávamos, porém, qual era disso o impedimento.

            A mensagem seguinte aclara algum tanto o assunto. É de Pedro II. Um intentava impedi-la, conforme se vai ver:

            “A luz do Pai celestial seja contigo.

            “Nada receies enquanto na doutrina empregardes o tempo a fim de te esclareceres e ao teu próximo.

            “As lutas prosseguirão, cada vez mais acessas, porque assim o quer o Pai, para aperfeiçoamento da humanidade.

            “Aplicar o tempo no trabalho, que sustente o corpo, e na doutrina, que eleva a alma, é aproveitar bem uma encarnação, que servirá de ponto de apoio a todas as bonanças celestiais.

            “Nenhum homem, conduzido embora pelos Amigos do passado, jamais penetrará os desígnios de Deus, sem que, pela operosidade, pelo amor e pela dedicação à causa divina, alcance o necessário mérito.

            “As almas ínfimas, que só veem o que circunda a Terra e sofrem a dor de fortes decepções, são os elementos de que Deus se utiliza para que o homem não desvende suas vistas, sem primeiro vencê-los. Tal o preço, aliás suavíssimo, de todo progresso e, pois, da gradativa compreensão dos planos celestiais: esforço, amor e fé.

            “Sentinela avançada, a alma infeliz trabalha incessantemente por sobrepujar tudo; o que, todavia, não deixa de ser produtivo, porquanto nada se desaproveita: os maus precisam de ser melhorados; e os bons, de exercitar, para desenvolve-las, suas inúmeras faculdades. Uns e outros são obreiros do Senhor e, caminhando sempre, um dia se encontrarão felizes.

            “Quando um encarnado tem a noção de seus deveres, é permitido que a guerrilha das trevas o ataque, por isso que ao que muito tem, muito se lhe dará. E a razão é porque, sabendo ele que deve amar seu próximo, terá gosto em auxiliar os que lhe baterem à porta. Sofrendo a agressão, expia faltas; com doutrinar os agressores, eleva-se. E vai assim desbastando caminho para decifrar os intentos do Pai, pondo empenho concomitantemente em cumpri-los o mais a ponto que puder.

            “A maravilha da criação é objeto de grandes estudos por parte de filósofos, que não logram ainda apreciá-la em toda sua magnificência. Ligações perfeitas, em perene solidariedade, eis o que são as leis divinas, cuja execução nada embargará.

            “O progresso aperfeiçoa; a lei nada sofre; uma coisa é consequência da outra. A evolução, a melhoria, resultantes lógicas do trabalho, jamais modificarão a lei, que é de todos os tempos e para todos os homens.

            “Quando um espírito ainda preso na carne compreende o que tem diante de si tudo para fazer e obter, esse espírito é feliz porque vinga as barreiras erguidas pelas almas infelizes, ensinando-as a amar, e a caminhar, portanto.

            “Assim vem a humanidade, nos diversos mundos, cujos habitantes, em graus diferentes de evolução, mas sujeitos à lei de solidariedade, mutuamente se completam.

            “Notarias hoje certo espírito buscando com insistência, perturbar-nos... Sabes o motivo? Deus, em sua infinita misericórdia, consente que certas almas, muito orgulhosas, sirvam às vezes, de empecilho entre um encarnado, que se instrui, e o desencarnado, que ensina. Constitui semelhante interposição, provança (prova) até para o Protetor chamado, o qual, assim, precisa empregar maior esforço para transmitir com segurança o ditado e mostrar, por igual lanço (oferta), ao encarnado, que a fé mais a perseverança são as grandes e insubstituíveis alavancas do progresso. E com isso também sai lucrando o infeliz, o inimigo da Verdade; pois, não obstante a liberdade de ação, nada poderá fazer contra os arestos (decisão) do Pai, servindo-lhe essa mesma impotência sua para guiá-lo a meditações e compreender, ao cabo, que o Amor tudo vence.

            “Agradeço teu esforço; ele valeu-nos a ambos para resgate de passadas faltas, visto como, deste modo, preparamos o perturbador, que é nossa vítima, para uma próxima conversão. Fizemos mais um amigo, salvamos uma barreira mais - o que é para nós, muito significativo.

            “Adeus, meu filho; a luz do Pai celestial fique contigo. Pedro.”


domingo, 26 de agosto de 2012

Confissões



           
            Diante do grande número de cartas que recebemos, pedindo-nos transcrever mais alguns trechos do livro - Deus - da autoria do rev. Padre Huberto Rohden, atualmente professor de uma universidade católica mantida pelos jesuítas na América do Norte, abaixo satisfazemos o desejo dos nossos leitores:           

            "Por ora, é o dogma e. a liturgia que dominam nas religiões e igrejas - dia virá em que a ética e a mística proclamarão o seu reinado dentro do homem e da sociedade. Prevalecerá o simbolizado sobre o símbolo, esse símbolo que, por ora, escraviza e quase que elimina o simbolizado. "

            "Os símbolos desunem, geram antagonismos, organizam sanguinolentas cruzadas de "fiéis" contra "infiéis", acendem autos-de-fé para queimar "hereges"; fulminam anátemas e excomunhões contra os dissidentes da ortodoxia oficial - tudo isto é efeito natural e inevitável da prepotência dos símbolos divergentes, tudo isto é inerente à imperfeita e imatura espiritualidade humana, tudo isto é a vitória do símbolo sobre o simbolizado. Mas, quando despontar a grande alvorada espiritual, a maturidade espiritual do gênero humano; quando o simbolizado prevalecer plenamente sobre os símbolos, então convergirão todas as linhas divergentes da grande pirâmide para um e o mesmo vértice."

            "Não estatuiu o Nazareno como alma do seu Evangelho a verdade, mas, sim, a caridade porque esta une, e aquela desune. A verdade, embora una em si, é vária nos homens que a contemplam. O homem não enxerga a verdade, só enxerga verdades - e cada uma dessas verdades tem a cor e o feitio de quem as contempla. A caridade, porém, é neutra, incolor, universal, essencialmente panorâmica e impessoal."

            "O que o chamado ateu nega é o deus da sua filosofia e do seu ambiente religioso. Esse deus cruel, mesquinho, vingativo, fraco, antropomorfo, choroso, amargurado, sem sorte nas suas obras, derrotado por seu inimigo, como inúmeras vezes aparece nas páginas da nossa literatura religiosa - esse deus não pode, naturalmente, ser afirmado nem amado por um sincero cultor da divindade, porque esse deus nem existe no mundo real, senão na imaginação doentia dos seus infelizes autores... E bom é que não exista, esse pseudo deus... Se existisse, devia todo homem sincero ser ateu..."

            Aí têm os nossos amigos mais alguns conceitos filosóficos do famoso padre jesuíta. Lamentamos que o pouco espaço de que dispomos não nos permita fazer mais algumas transcrições.  

assina     I. Pequeno
(Antônio Wantuil de Freitas)
in ‘Reformador’ (FEB)  Janeiro  1946




sábado, 25 de agosto de 2012

13. 'Amor à Verdade'


13
“Amor à Verdade”
por Alpheu Gomes O. Campos
Marques Araújo & C. – R. S. Pedro, 216
1927


Oposições


            As passagens comuns da vida preparam-nos, após meticuloso exame, para o conhecimento das dificuldades que encontramos em nossos tentames.

            Sempre que, na Terra, um homem se faz notar por suas boas práticas e pelas virtudes que diligencia desenvolver, começa por levar os olhos curiosos da turbamulta e não raro se vê transformado em ponto de convergência de mil oposições, maiores ou menores, segundo os interesses que, ao cego entender, parecem profundamente feridos e prejudicados.

            Na política, na religião, nas ciências mesmas, são frequentes arremetidas tais, e nem sempre interpretadas com acerto.

            O despeito, a inveja, o orgulho, filhos todos da escuridão, levantam grossa muralha a todo o raio de luz.

            Pois é o que também fazem os que morreram ignorantes da lei, orgulhosos e egoístas. Não tendo produzido senão frutos maus, não podem compreender os ensinos e desaceitam tudo quanto sai da trilha habitual e abala os seus inveterados preconceitos. É o egoísmo da opinião.

            Negando a realidade do progresso, imaginam que nada os preleva e excede; assim oferecem luta a todos que, «a peito aberto e fé lavada», se votam à pesquisa da verdade e à sua divulgação.

            Quando estudiosos e observadores, são os espíritas os mais visados pela coorte de revoltados da erraticidade, que se esforçam por dominá-los, como a outros já fizeram, os quais, acolhendo as suas sugestões, lhes servem de instrumento contra os primeiros. Mas, se assim é, releva não desanimar; antes, revestir-se de confiança e firmeza, desbravar o
terreno donde brotará farta ceifa.

            É de nosso Guia o estudo que segue.

            “Paz de Maria seja com o meu filho.

            “Vamos estudar o como se efetivam as obras do engrandecimento.

            “Sempre que se nos oferece ocasião para chamarmos à luz da verdade qualquer filho de Deus, empregamos o processo usado nas provas, isto é, deixamo-lo agir.

            “Todo homem que abre caminho novo em qualquer terreno, torna-se alvo da curiosidade natural despertada em seu próximo.

            “Ora, o que se dá com os homens, também ocorre com os invisíveis, que vivem em seu meio, aplaudindo ou reprovando os seus atos.

            “Quando alguém, por amor do progresso, chega a sacrificar-se em favor de um ideal, muita vez incompreendido, no momento, pelas multidões obcecadas e presumidas, alvoroçam-se os povoadores do espaço. Então, na maioria dos casos, pelo não poderem imitar, despropositam criando embaraços de toda a sorte; em guerra incessante lutam até vencerem ou serem vencidos.

            “Repare-se, com a necessária independência, na alegria, no tripudio dos irreflexos, quando podem contrapor obstáculos àqueles que, saindo fora do vulgar, por amor do próximo se submetem abnegadamente às leis imutáveis e harmônicas. A condição de destaque, ou, por outra, a grandeza de sentimentos não pode ainda ser compreendida; e a curiosidade faz com que sempre se aglomerem despeitadas sombras em torno do que assim procede, com o fito de o baldarem.

            “Assim não devera ser,  pensarão: porque o instrumento de progresso convém rodeado de todos os cuidados, de maneira que não lhe falte nada e a sua obra resulte perfeita. Perfeita, sim, sê-lo-á, eu vos afirmo; e exatamente por isso que encontra esses mesmos obstáculos - ensejo de mais ampla colheita.

            “Assim como  nas grandes empresas da Terra se ocupam centenas de operários, que sem trabalho estavam, para que ganhem no labor o pão de cada dia, assim e por igual teor sucede com as empreitadas divinas, onde os invisíveis curiosos e desocupados serão esclarecidos e ganharão também, por sua vez, o pão espiritual.

            “Obreiros do Senhor são os que serenamente enfrentam todos os perigos e todos os prélios (combates), sabendo que deles promanam seguramente enormes benefícios de feição moral.

            “Os que se julgam prejudicados com os trabalhos desta ordem, dão cerrados combates aos seus encarregados; e estes, para que sejam verdadeiros elementos de progresso, não reclamam nem se perturbam: ao invés, seguem calmos o caminho traçado; porque, tendo fé do tamanho de um grão de mostarda, nada os deterá em sua marcha, e por onde passarem deixarão vestígios de seu amor e dedicação.

            “Do exposto se colhe que todos os espíritas são laboradores (trabalhadores)  da vinha, e que encontrarão, em seus planos e fainas de aperfeiçoamento, dificuldades e peguilhos (embaraços)  de toda a casta, avultando entre eles, como o mais percário (arriscado), a hipocrisia - origem de negra selva de males.

            “Se, por exemplo, a propaganda doutrinaria que encetaste e já sofre, como tens visto, - ainda bem! - fecunda oposição, juntares qualquer outro trabalho que possa ser útil a teu próximo, mais e mais investidas terás. Porque, se a obra põe o viso (aspecto, aparência) em beneficiar um povo, deve impressionar primeiro os retardatários do espaço, para que, convertidos, graças ao choque, deem passo à luz que baixará sobre a humanidade. Assim, aliviados com o norteio dos defuntos, melhor podem os encarnados ouvir intuitivamente os seus Guias, que só lhes inspirarão o que for útil e vantajoso à sua evolução.

            “Bem-aventurados os que sofrem ... assim se diz: porque os que sofrem por amor do progresso, receberão o consolo de haverem esclarecido outros que também serão felizes; o Pai, que tudo vê e paga a cem por um a todos os seus servidores, aceitará tal ato como reparação das faltas praticadas em pretéritas existências.

            “As leis divinas tudo prevêm, de modo que tudo se aproveita para o concerto universal.

            “Os espíritas devem estar sempre vigilantes, porque, enquanto trabalham, tem em derredor infelizes cuja conversão lhes cumpre facilitar, para que não estacionem dominados por falanges tredas (falsas, traiçoeiras).”


12. 'Amor à Verdade'


12
“Amor à Verdade”
por Alpheu Gomes O. Campos
Marques Araújo & C. – R. S. Pedro, 216
1927


            Variada é a maneira como procedem os Espíritos inferiores na realização das terrenas provas.

            Deles procuram a princípio insinuar-se amigos: filtram pensamentos para bons negócios e prazeres; mas o fim real é ganharem ascendência sobre sua futura vítima. Com efeito, após, por assim dizer, paciente preparação, sabendo-a fácil de patroar, flexível à sua ingerência, habituada a receber e cumprir, mercê da afinidade estabelecida, as suas mais leves inspirações, eis lhe incute à pobre vítima os mais desarrazoados expedientes, desastrados negócios e nocivas paixões. Dessedenta-se então.

            Deles propelem ao jogo, proporcionam ensejo de ganho, dão o palpite, assanham a ganância, para em seguida fazerem perder os lucros e o mais. Em solo movediço, como se vê, levantam uma torre para mais fragorosa queda.

            Tomando-nos pois o pulso aos encarnados; perscrutando-nos as tendências; sondando-nos o íntimo, que de séculos; às vezes, já conhecem - abeiram-se de nós os inimigos e, alicerçados precisamente em nossas fraquezas e imperfeições, conduzem-nos a sofrimentos quer morais como físicos.

            Quando os psiquiatras houverem estudado tais assuntos, grandemente reformarão seus conceitos, pois não tem conta as moléstias nervosas chamadas e cuja verdadeira causa é a ação de um vingador oculto.

            Este nunca age só, procura companheiros com quem pactua recíproco socorro. Exemplifiquemos. Um infeliz intenta assassinar quem quer que seja... Subjugado que o apanhe, trata de descobrir o instrumento capaz de pôr por obra o seu plano - que para tanto também precisa de um braço a jeito.

            Depara o primeiro que, por prova certamente, vai receber-lhe os pensamentos. Mas, ainda que relativo, todos dispomos do livre arbítrio; o receptor pode, portanto, recusar-se.

            Não desanima o obsessor: qual perdigueiro subtil fareja outra mão, outra, até encontrar que sirva.

            Em seguimento disso, arma entre os dois relações, se já não as há; bafeja de parte a parte simpatia, amizade, confiança; e depois, por meio de qualquer transação ou desonesto arrastamento, promove o desfecho fatal.

            - Mas, dirá o leitor, podem os espíritos fazê-lo? Neste caso, estamos todos sujeitos a um irresistível domínio!

            Não. Pelo cuidado de melhorarmo-nos, lembrando sempre que os humildes serão exaltados e os orgulhosos humílhados, poderemos, se não evitar, ao menos atenuar certos males.

            Em toda a sua simplicidade, é curiosa a observação de um médium que conhecemos, de mui ampla vidência, sim, porém, aquele tempo, de exíguos ou nenhum conhecimentos da doutrina.

            Via ele os Espíritos a que chamamos protetores, vestidos de túnica branca, e os obscuros com a roupa que traziam na terra; e para distingui-los, quando queria narrar qualquer fato observado, nomeava aqueles “os homens de branco”, e estes “os camaradas.” 

            Certo dia, em palestra, disse-nos: “Seu doutor, esses homens de branco, não tem o que fazer.”

            - Como assim? - perguntamos.

            - Um grupo de camaradas, advertiu ele, agia sobre algumas pessoas, perturbando-as consideravelmente no que faziam; os homens de branco estavam ali nem se mexiam.

            “Ora, não achei aquilo direito e disse-lhes para que afastassem os camaradas. Pois eles, sorrindo, mandaram-me que deixasse, que não me incomodasse, que era assim mesmo. Então, calei-me.

            “Sabe o que aconteceu? Depois de os camaradas terem estragado tudo, eles num instante vieram e acomodaram as coisas. Não tem o que fazer! deixam agir os camaradas para poder haver serviço.”

            Isto assaz elucida quanto à nossa proteção. De feito, para que não soframos além do necessário, somos sempre vigiados e até inspirados pelos nossos Maiores, a quem, com tudo, é comum deixarmos de ouvir.

            “Quando, - fala aqui um dedicado e luminoso Espírito - quando em tuas preces elevas o pensamento ao Pai, por uma lei natural de afinidade ela chega primeiro a mim e daí segue de acordo com o teu e o meu desejo.

            “O Guia tem sobre o seu tutelado a maior ascendência e inteira responsabilidade por tudo o que a ele lhe sobrevier.

            “Devo dizer-te que não praticas ato algum na vida, por menor que seja, que não repercuta em mim, graças à ininterrupta corrente lançada entre protegido e protetor.

            “O conhecimento de todos os atos do primeiro tem grande valor para o segundo, pois o desenrolar, por assim, das provas e expiações daquele não partem imediatamente do Pai, senão do Anjo Guardião, que assumiu o compromisso de aprimorar tal alma, faze-la pura, cheia de virtudes e sabedoria.

            “Assim, o compromisso dá plena liberdade de ação ao Guia, para conduzir seu afilhado pelos passos que julgar conveniente, até cabal educação.”

            Do exposto conclui-se que o Pai vela de contínuo por todos os filhos e os seus mensageiros, com dedicação e carinho que a Terra desconhece, nos assistem na provação, incutindo-nos sempre força e boas resoluções.

            Repassando fados ocorridos em nossa existência, patenteia-se que, na ocasião, dois pensamentos nos acudiram à mente: um açulando à má conduta, evocando o decantado amor próprio, que não passa de orgulho estimulado pelos Infelizes; o outro, a voz da razão, da verdade, do amor, do Anjo Guardião. De resistir aquele e obedecer a este, o nosso mérito.