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domingo, 8 de dezembro de 2019

Esquizofrenia e Obsessão



Esquizofrenia e obsessão
por Leopoldo Machado
Reformador (FEB) Junho 1940

            Esquizofrenia é criação moderníssima da ciência materialista, que abrange uma série sem fim de distúrbios psíquicos. Substitui, largamente, a histeria, que, parece, vai saindo de moda. Pudera! Histeria é termo que anda - embora a medicina materialista não saiba o que ela é - nos lábios de toda gente! E bem não fica ao cientificismo materialista, pretensioso e impreciso, que sua tecnologia caia no conhecimento do povo! Esquizofrenia, não! É termo novinho em folha, a cuja ação se empresta, ademais, bem maior amplitude!

            Que é ela? Quem o sabe? Um distúrbio nervoso de caracteres ainda imprecisos, dizem alguns sábios materialistas. A soma de distúrbios de várias naturezas, afirmam outros.

            Sabe-se, ao certo, que se trata de um nome bonito e empolado, que o Dr. Wolf criou para a demência precoce que é, por sua vez, um mal ainda por precisar, dentro da psiquiatria, definitivamente. É o grande problema da psiquiatria moderna, para o Dr. Kraepelin, o criador da demência precoce. E também para o Dr. Wolf, que foi buscar esquizofrenia no grego antigo! E também para o Dr. Breuler, que deu curso ao termo empolado, como sinônimo de demência precoce, não faz ainda trinta anos!

            A natureza de seus sintomas? Quem o sabe? Para uns, de origem puramente material! É moléstia fisiógena, o que vale dizer: de fundo orgânico, que pode resultar de agentes tóxicos, para o sr. Breuler. Mas, apresenta sintomas secundários de origem psíquica, como alucinação, ideias confusas e delirantes, psicoses maníaco-depressivas,
manias. Os tratados de medicina e os tratadistas lhe enfeitam os sintomas de coisas ainda mais complicadas e difíceis. Hermann Bouman descobre-lhe certa “degeneração parenquimatosa primitiva do cortex, degeneração gordurosa e esclerose das células cerebrais”, etc. Chastin classifica-a de loucuras discordantes, compreendendo a demência precoce de Kraepelin e outros grupos provisórios de moléstias. Kretschmer vai buscar na hereditariedade e no temperamento psíquico suas origens.

            Para Eugenio Breuler, o grande psiquiatra de Zurich, não há esquizofrenia, mas esquizofrênicos e esquizofrenias. E, psicopatologicamente, entra a corrigir Kraepelin, Kahlbam, Kaecker, Morel, no sentido de firmar sua doutrina esquizofrênica. O Dr. Claude diverge da ciência de seus Ilustres colegas, emprestando dois aspectos à questão: o aspecto nitidamente orgânico, segundo o conceito de Kraepelin e MoreI, e o aspecto essencialmente psíquico. Dualiza, assim, a moléstia, ajustando ao aspecto psíquico uma série de nomes bonitos e moderníssimos: esquizoses, esquizoidia, esquizomania, até chegar à esquizofrenia. Não há de ser por falta de batismo sob nomes gregos e empolados que a doença deixará de ser conhecida! Pode faltar-lhe, como lhe está faltando, o conhecimento científico, mas onomatias é que não! O Sr. Dr. Henrique Roxo, embora ache que “não há certeza em relação à interpretação patológica", entende, psicanaliticamente, que há uma relação bem estreita entre a sexualidade e a esquizofrenia.

            Não se pode conceber, é claro, psicanálise sem sexualidade! O Dr. Austregésilo entra no assunto e nem podia deixar de fazê-lo, criando as catafrenias que são, por assim dizer, fases da esquizofrenia. Um grande psiquiatra norte-americano, o Sr. Harry Sullivan, a classifica como “um distúrbio do espírito” a que dá o nome de rachaduras da alma...  

            Mais definições que aqui ajustássemos dariam no mesmo: a esquizofrenia ficaria, ainda, por ser cientificamente conhecida. E, se ainda não é conhecida pelas sumidades médicas, não pode ser, consequentemente, curada. É tão verdade que sua cura constitui outro problema bem maior do que o de seu conhecimento, que o Dr. Sullivan não encontra na cultura médica ocidental, ainda na fase juvenil, recursos para debela-la! Que o Dr. Henrique Roxo diz que não há nenhuma “certeza em relação à segurança de uma boa terapêutica” a aplicar-lhe! que o Dr. Heitor Peres afirma ser “ela uma verdadeira calamidade social: o grande Moloc a desafiar e desapontar os estudiosos da psiquiatria!” que existe, desde junho de 1927, um prêmio de um milhão de francos instituído, em França, pelo Sr. Mauricio de Fleury, para quem lhe descobrir a cura radical, prêmio que pode ser dividido, para maiores facilidades, em cinco partes iguais, a serem entregues anualmente...

            Assim, a esquizofrenia é uma doença desconhecida nas suas origens e de terapêutica desconhecida. Contudo, médicos de fama procuraram combatê-la a xaropadas materiais. O Dr. Roxo, que afirma ser desconhecida, ainda, uma terapêutica eficiente para ela, aplica, entretanto, diz que favorecidamente, em esquizofrenices: lúpulo, alface, mulungú, iodo, cálcio, em diferentes receituários e dosagens. Na Alemanha, procura-se curá-la, fazendo-se os doentes trabalharem. Coube a glória da descoberta ao dr. Gutersloh. Como o trabalho a tudo pode remediar, cremos na eficiência de sua terapêutica, quer na esquizofrenia, como em quase todos os nossos males...

            A medicina moderna, materialista e imprecisa, não sabe, numa palavra, o que é a esquizofrenia. Entretanto, há sábios que levam à conta de fenômenos esquizofrênicos os fenômenos mediúnicos que lhes são ainda mais desconhecidos! Nem dispõe, tampouco, de recursos para combatê-la e curá-la!

            É o que diz, claramente, o Dr. Harry Sullivan, através de recente mensagem de desespero que lançou ao mundo. Diz, na mensagem, que a esquizofrenia é a loucura da época, a retratar a grave desordem mental de uma era. Suas vítimas são para figurar “entre os loucos mais perigosos”, diz o psiquiatra da Psichiatric Foundation. E não encontra ele, na Terra, manicômios que os comportem a todos!

            Pois, se a Terra é, toda ela, a julgar pelos fatos, um vasto manicômio, estando segregados da sociedade, apenas, como já se tem dito, o estado maior da loucura! Ninguém poderá, a rigor e com lógica, negar razão ao psiquiatra norte-americano, em face dos sintomas generalizados de loucura coletiva, observados por toda parte e em toda gente, caracterizado, como diria Montegazza, a nossa era como século esquizofrênico! A guerra que, embora no princípio, já dominou 3/5 da população do globo e, podemos dizê-Io, da litosfera, aí está, abonando tais sintomas! São as lutas de box, como a última, nos Estados Unidos, que, com o nome de arte nobre, atraiu perto de cem mil almas a vibrar de interesse por dois homens que se esmurram, até um cair vencido e exangue, que atestam a loucura da Terra! São essas turras futibolescas, a sacudir clero, governo e povo, imprensa e rádio, alterando o ritmo da Vida, de tudo e de todos, que confirmam o estado esquizofrênico do mundo! É o nosso povo, no mais quente mês do ano, entregue a pinotes, na rua, brincando o carnaval, que dá razão ao Dr. Sullivan! É o interesse quase que vital, que se põe, através do cinema, da imprensa e do rádio - as três maiores forças de propaganda da época, - é o interesse que se põe somente no que é fútil, trivial e frívolo, que caracteriza os distúrbios esquizofrênicos aí dominando a tudo e a todos!

            Um cientista inglês, precisou, há coisa de cinco anos, a data exatíssima em que toda a humanidade estará louca, louquíssima! Será no ano de 2139, por seus cálculos científicos. Não cremos, diante da mensagem do Sr. Sullivan e da maneira em que vão as coisas que o mundo chegue tão longe, com o juizinho no lugar!

            Há no livro da Sabedoria e da Vida - o Evangelho - uma passagem que pode explicar o estado esquizofrênico do século . É aquela que se encontra em Mateus XII, 43 a 46; a esclarecer que, quando o espírito imundo sai do homem, anda por lugares áridos, sem encontrar repouso. Volta, novamente, ao ponto de onde saiu e, achando-o desocupado, varrido e adornado, leva consigo para aí outros sete espíritos piores do que ele...

            A Terra, planeta atrasado, tem sido quase que somente morada de espíritos imundos. Espíritos que, na carne, promoveram as guerras religiosas, as Cruzadas, a Santa Inquisição, o despotismo real e religioso, a escravidão humana e quejandas. Indo-se da Terra, a ela ficaram ligados por suas inferioridades, continuando a Terra sob a influência espiritual deles. Voltam, pois, à Terra ou reencarnados ou em espírito, por não encontrarem repouso em outros planetas, encontrando-a desocupada, ainda, da ideia e do sentimento racionais de Deus e, mais, varrida e, mais adornada, por obra e graça da civilização que aí está! Trazendo cada um desses espíritos mais sete consigo, formam falanges de forças invisíveis, que estão, neste período de transição, esquizofrenizandoTerra!

            Enquanto a medicina materialista e a ciência oficial não se curarem de seu preconceito e da catarata do exclusivismo e da ignorância que as cega e torna "esquizofrênicas", para perscrutar o mundo invisível, estudando-o, a fim de entrar, cientificamente, em contato com ele, ambas, a medicina e a ciência, ao invés de saberem crismar doenças novas e de não saberem debelá-las, serão fatores - isto sim! - da disseminação delas, infelicitando, cada vez mais, o mundo e a humanidade!          

            Pensamos que já é tempo da ciência meditar, cientificamente, nestes conceitos experimentais do Dr. Webster: “Muitos insanos há, tidos por loucos, incuráveis, que, no entanto, apenas se acham subjugados pela ação opressora de Espíritos ou falanges de Espíritos”.

            E, mais, nestes, do Dr. William James, ambos da Ass. Médica Norte-Americana:
            “Torna-se cada vez mais evidente que a obsessão é a causa determinante de muitos casos de loucura e que estes se podem curar. A atenção médica terá que se voltar para tais problemas ou a matéria médica perderá o domínio do assunto”.

            Esquizofrenias e esquizofrênicos?

            Em 99 casos contra um, talvez, pura obsessão e obsidiados!

            Do Blog: Com a palavra os especialistas já que o autor do texto não foi médico em sua última e muito profícua encarnação.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Rotulagem



Rotulagem
Emmanuel por Chico Xavier
Reformador (FEB) Dezembro 1954

"Mas quem não possui o espírito do Cristo, esse não é dele." – Paulo
Romanos, 8:9

            A rotulagem não tranquiliza.
            Procuremos a essência.
            Há louvores em memória do Cristo, em muitos estandartes que estimulam a animosidade entre irmãos.
            Há símbolos do Cristo em numerosos tribunais que, em muitas ocasiões, apenas exaltam a injustiça.
            Há preciosas referências ao Cristo em vozes altamente categorizadas da cultura terrestre, que, em nome do Evangelho, procuram estender a miséria e a ignorância.
            Há juramentos por Cristo através de conversações que constituem vastos corredores na direção das trevas.
            Há invocações verbais a Cristo, em operações puramente comerciais que são escuros atentados à harmonia da consciência.
            Meditemos na extensão de nossos deveres morais, no emulo das responsabilidades que abraçamos na fé cristã.
            Jesus permanece em imagens, cartazes, bandeiras, medalhas, adornos, cânticos, poemas, narrativas, discursos, sermões, estudos e contendas, mas isso é muito pouco se lhe não possuímos o ensinamento vivo na consciência e no coração.  
            É sempre fácil externar entusiasmo e convicção, votos brilhantes e frases bem feitas.  
            Acautelemo-nos; porém, contra o perigo da simples rotulagem. Com o Apóstolo, não nos esqueçamos de que, se não possuímos o espírito do Cristo, dele nos achamos ainda consideravelmente distantes.    

A palavra de Pitágoras



“Sofres injustiças? – Consola-te;
a verdadeira desgraça é praticá-las.”
Pitágoras

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Páginas esparsas...



Páginas esparsas...
J. Passos
Reformador (FEB) Junho 1940

            ...e fico triste, meu filho, muitíssimo triste, porque vejo e sinto a humanidade ainda tão fanatizada!.. 

            Sim, fico acabrunhado, filho querido, diante das cenas ultra pagãs que se verificam no século das luzes! Compunge-me o coração ver que os homens têm olvidado as sábias advertências do Excelso Pastor.

            Há sessenta anos eram admissíveis tais espetáculos, devido aos ensinos errôneos, mas agora... E que têm valido ao mundo, à humanidade sofredora, as cerimônias exteriores, constantemente deturpadas e berrantemente praticadas?.. Nada, absolutamente nada, meu filho, e aí está, patente e inelutável, o resultado deveras doloroso do esquecimento lamentável das lições do Cristo.

            As guerras continuam! O egoísmo, a vaidade e o orgulho transbordam do coração dos homens! Os déspotas prosseguem na inglória caminhada, tiranizando e oprimindo as massas! A lágrima e a dor, com seu cortejo de gemidos e blasfêmias, residem, implacavelmente, onde moureje uma criatura; e o desespero, infelizmente, campeia inexoravelmente por todos os cantos!.. 

            Vinte séculos se escoaram na ampulheta do tempo! E a humanidade, malgrado a sua evolução material, como que vai caminhando para trás, revivendo as coisas bolorentas...

            Enfim, o veneno foi inoculado com habilidade, penetrou tão sutil e profundamente, que somente a dor, unicamente o látego do sofrimento, farão que os rebeldes e hipócritas voltem à estrada que nos traçou o Cordeiro Imaculado.  

            - E o velhinho, trêmulo e trôpego, como se fora a sombra do passado, ou a experiência personificada, partiu vagarosamente, rumo à sua tosca choupana, sumindo-se ao longe, na curva da estrada...

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Oração da Paixão



Oração da Paixão
Philemon
Reformador (FEB) Abril 1940

            Jesus, manso cordeiro de Deus, perdoa-nos se ainda não te podemos ver na plenitude da tua glória excelsa e necessitamos encontrar-te, exangue e angustiado, sobre o madeiro infamante, para poder compreender-te na grandeza do teu sacrifício, a fim de nos apercebermos, dessa forma, da grandeza dos teus exemplos e dos teus ensinamentos.

            Somos réus confessos de faltas e de fraquezas que a tua divina pureza reprova - e não podemos, por isso, fazer jus ao título de discípulos teus. Mas, somos ovelhinhas frágeis que buscam o teu divino aprisco. Andamos perdidos pelos caminhos da terra e chegamos muitas vezes exaustos e desfalecidos à porta do redil e confrange-nos contemplar o divino semblante do bom pastor toldado pela tristeza, ao ver-nos chegar tão tardiamente, quando poderíamos ter abreviado o caminho, seguindo rotas mais certas e determinadas, que a luz do Evangelho ilumina a todo instante.

            Mártir do Gólgota! A essência divina dos teus ensinamentos é a caridade, em toda a sua amplitude - e nós apenas entendemos da caridade material; a pedra angular da tua igreja é a humildade - e para nós a humildade se confunde ainda com uma série imensa de imperfeições que nos obscurecem o entendimento das coisas divinas.

            Mas, perdoa-nos, Jesus. Mesmo assim, ovelhinhas pouco atentas ao teu chamamento, queremos-te muito, Jesus, e os nossos olhos se nublam de lágrimas toda vez que contemplamos o teu divino semblante através das névoas da dor infinda que trespassou a tua alma divina, naquela hora angustiada, em que foste alçado sobre a cruz dos nossos pecados.

            Não mais queremos magoar-te com a dissimulação das nossas imperfeições; corrige-nos, Mestre, dando-nos forças para usar sempre de sinceridade, mesmo quando estejamos tratando com endurecidos corações capazes de enganar-nos.

            Tens complacência para com todas as fraquezas e esperas pacientemente a regeneração do culpado, para recebe-lo nos tabernáculos eternos; mas, o que nunca toleraste, Jesus, foi a desfaçatez dos que, faltosos e ímpios, assoalham virtudes que não possuem. Por isso, confessamos-te as nossas imperfeições e esperamos do teu amor e da tua divina caridade o fortalecimento de ânimo em que nos escudemos, para não mais falir.

            Dá aos espíritas, a quem incumbes de mostrar ao mundo o caminho da verdade, a inteireza moral de que necessitam, para propagarem a tua santa doutrina mais pelo exemplo do que por simples palavras; dá-lhes, Jesus, essa couraça contra os ataques da perfídia humana, para que venhas, em dias próximos, apascentar as tuas ovelhinhas, não mais com esses estigmas que revelam a maldade e a grosseria dos homens - os dolorosos estigmas da cruz, mas em todo o esplendor de tua gloria, na sublime expressão do teu amor, que é benção, que é luz, que é incentivo de altas virtudes.

            Recebe, amado Jesus, da pequenina ovelha do teu rebanho, esta humilde homenagem, partida de um coração alanceado de dores, mergulhado muitas vezes no desespero da incompreensão humana, mas que recebeu e aceitou o Evangelho em sua expressão caridade e pode, Mestre, encontrar o orvalho divino que lhe veio, como dádiva do teu amor, mitigar essas dores e transformar esse desespero em doce e consoladora esperança.

            Bendito sejas, Mestre e Redentor nosso! Bendita seja a luz dos teus santos Evangelhos - refúgio de corações aflitos para os santos labores da caridade.

            Glória a Deus no mais alto dos céus e paz, Jesus, às tuas ovelhinhas de boa vontade.



A profissão do sofrimento



“O médico elege a profissão do sofrimento. Clinicar, que pelo étimo grego da sua raiz significa estar junto do leito, é sinônimo de sofrer. Sofre cada um as suas dores, sofre o médico as de todos. Sofrem todos pelos seus, e pelos dos outros. Sofrem todos por ver o sofrimento, sofre o médico por vê-lo e o não poder remediar. Sofrem todos sem nada fazer, sofre o médico pelo que faz e pelo que não faz. Sofrem todos pelo que veem, sofre o médico pelo que vê e pelo que adivinha. Sofrem todos com lágrimas. Sofre o médico com angústia.
            Eis, meus amigos, o que vos espera; a vossa profissão é de heroísmo.”

Miguel Couto
Album dos doutorandos de 1918
Fonte: “O Espiritismo à luz dos fatos” de Carlos Imbassahy (Ed. FEB – 1952)

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Ligeiros comentários

Pietro Ubaldi


Ligeiros comentários – Parte I
por Theófilo Siqueira 
Reformador (FEB) Março 1940

            A Igreja católica romana, como já é sabido de toda gente, proibiu a leitura de A Grande Síntese, livro que foi, assim, para o Index. Esperávamos essa resolução, que está de acordo com os cânones da sua lei e não a culpamos por isso.

            Limitada no tempo e no espaço, a Igreja, como todas as instituições humanas, tem que obedecer ao determinismo físico do seu nível, ou, melhor, ao determinismo que o mundo da matéria, no seu absolutismo, impõe. No seu livre arbítrio a Igreja resolveu isso, porque não podia resolver outra coisa.

            Determinismo e livre arbítrio são os dois polos entre os quais o homem se move, evolvendo de matéria a espírito, mas trazendo em si esses dois extremos, que se conjugam, em vez de se oporem, no relativismo da nossa existência, que caminha entre as duas fases sucessivas.

            A Igreja, determinista na matéria, por isso que suas necessidades materiais têm força de lei, não conseguiu ainda libertar-se da contingência terrena. Demos-lhe o lenitivo da nossa piedade, pois, egresso que somos de suas fileiras, nenhum mal lhe desejamos na sua escabrosa jornada. Retiramo-nos do seu seio, lamentando-a, repetimos, porque sentimos que o nosso destino era seguir avante, objetivo a que ela se opunha.

            O catolicismo romano, nesta fase de degradação biológica, fatal a todo organismo que não transpôs ainda o período de um psiquismo mais ou menos primário, evidentemente fecha um dos ciclos da sua vida. “A velhice, a morte, são um processo evolutivo normal, com uma função biológica criadora”. Pena é que a Igreja se esqueça de que tudo nasce, vive e morre, e se agarre tanto ao seu misoneísmo (hostilidade para com o novo) caduco. Mas, ponhamos as coisas em seus lugares e convenhamos em que a Igreja se mantem coerente. Senão, vejamos:

            O Evangelho jamais foi sua fortaleza, sendo a tradição seu principal ponto de apoio. E quanto é fácil criar-se a lenda na tradição! Aquele, relegado à letra de uma língua morta, o latim, esquecido, incompreendido ainda estaria, se não fosse a Reforma do século XVI.

            Tacitamente, ela proíbe a leitura da Bíblia uma vez que, condenando o profetismo, se arvorou em “única profecia viva, única revelação perpétua e permanente”.

            Mantém-se coerente, proscrevendo “A Grande Síntese", que se escuda no Evangelho, por lhe serem ambos contrários, pois aquela, no capítulo 86, à pag. 289, diz: “No cume, como farol luminoso, coloquei o espírito do Evangelho, a mais alta expressão da Lei, dentro do que vos é concebível e cuja compreensão significará a realização do Reino de Deus, da qual, para cada vez mais se aproximar, o homem luta no diuturno esforço da vida.” “Religião sintética do futuro, feita de força espiritual e de bondade, o meu sistema aceita fraternalmente qualquer fé, desde que seja fé, e a nenhuma condena, desde que sincera e colocada no seu lugar."  

            Vê-se que a Igreja não poderia aceitar o livro que assim se refere ao Evangelho e com o qual, paralelos ambos, dá aquela compreensão que significará a realização do Reino de Deus na Terra, coisa que colide com os respeitáveis interesses econômico-financeiros da grande instituição, que hoje não passa de mera seita italiana e fascista, por isso que, desde o célebre tratado de Latrão, de fevereiro de 1929, até às últimas trocas de credenciais, há pouco realizadas no Quirinal, entre S. Santidade Pio XII e o Rei da Itália, cada vez mais se evidencia que o que importa à velha instituição, acima de tudo, é ser mera organização política.

            Não vai neste juízo individual nenhum desrespeito, mesmo porque, sendo ela uma organização estatal político-totalitária, pode e deve servir de modelo a outros Estados.

Ligeiros comentários – Parte 2
por Theófilo Siqueira 
Reformador (FEB) Abril 1940

            “A Grande Síntese”, livro que colocamos paralelo com ao Evangelho e que o amplia na parte científica, se destina principalmente aos materialistas, de cujas armas se aproveita para com elas feri-los profundamente.
           
            Comprovando por a mais b ou melhor, tomando a unidade trifásica representada pelas letras c, b e a (matéria, energia, espírito) como ponto de partida para a construção do edifício monístico do Universo, aquela obra revoluciona, modifica por completo vários e pacíficos conceitos científicos, tidos como verdades cristalizadas. A indestrutibilidade da matéria, por exemplo, cai por terra, para firmar a indestrutibilidade da substância.

            A ciência, partindo dos efeitos, porque incapaz de remontar às causas, criou um ambiente de materialismo entre os homens, o qual se espraiou até às Religiões. Estas, já gastas, não mais empolgam as massas e, aquela, circunscrita a um reduzido número, igualmente não atrai e as mais das vezes se mostra agnóstica.

            Assim, a característica da nossa época é o indiferentismo e o salve-se quem puder. O egoísmo cresceu, tomou vulto e impera soberano. Religião e ciência, exânimes naquilo que é humano, vão ruindo aos poucos e a Era Nova se aproxima, esbarrondando-se o velho mundo! Louvado Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade!   

            Na nova concepção monística d’A Grande Síntese hão de querer enxertar os descontentes um acentuado panteísmo, mas, se panteísmo for um momento do pensamento humano, a se debater no relativo do seu plano, nenhum mal há em confundir-se os dois conceitos. Esse pensamento humano, a se debater no relativo do seu plano, nenhum mal há em confundirem-se os dois conceitos. Esse pensamento humano já se deteve no politeísmo e demorou no monoteísmo de um Deus antropomórfico, caprichoso, cruel e vingativo. Que se passe agora ao monismo (concepção segundo a qual a realidade é constituída por um princípio único, um fundamento elementar, sendo os múltiplos seres redutíveis em última instância a essa unidade), a “concepção de um Deus que é a criação".

            As religiões serão, como sempre, as primeiras sentinelas, tocando a reunir para o combate. O Vaticano já proscreveu a leitura desse livro, o maior descido do Céu à Terra. Desgraçada fatalidade da condição humana! Houvera a humanidade de receber de joelhos semelhantes bênçãos, puras graças divinas e, ao contrário, repele e agride as verdades de Deus. A culpa maior cabe às Religiões que se inculcam depositárias - primo occupandi(no início da ocupação) dessas verdades, monopolizando-as como privilegio seu e como únicas interpretes do pensamento de Deus, prendendo assim o movimento progressivo das ideias. Semeiam elas, as Religiões, no seu otium cum dignitate, (descanso com dignidade) convicções e tendências contrárias aos lídimos princípios.

           Foi assim, quando o Senhor Jesus deu ao mundo os divinos ensinamentos. Crucificaram-no as igrejas. Sempre tem sido assim, quando desce uma verdade que vem acelerar a marcha evolutiva da humanidade. Porque não haveria de ser assim, agora com a “A Grande Síntese” que enfeixa, num todo compacto e indivisível, ciência, religião, fé, arte, etc.?

            Não queiramos mal às igrejas, lamentemos apenas que elas retardem o progresso da humanidade, paralisando por séculos a mente humana. Perdoe-mo lhes os erros, sem, contudo, deixarmos de clamar contra a sua obstinação em permanecer neles.

Ligeiros comentários – Parte 3
por Theófilo Siqueira 
Reformador (FEB) Junho 1940

            “Houve na Itália a conciliação política entre o Estado e a Igreja; presentemente, porém, urge se efetue a conciliação, muito mais importante, entre a ciência e a fé, no mundo." (“A Grande Síntese”, pag. 352).

            O avassalador egoísmo humano jamais se deteve em face da ciência e da fé. Não são, portanto, esses dois conceitos forças capazes de conter o mal humano. Pelo menos, até à hora que vive a humanidade, ciência, fé e egoísmo marcham pari passu. Qual o princípio que pode coordenar a fé e a ciência? Seria a Bondade, ou, melhor, o Amor. A alma humana e a alma das coisas une-as o Amor. Ele estabelece a ligação do criado ao Criador. É um Tabor de transfigurações. Mas, o Amor elevado, na concepção evolutiva da vida, que vai desde a alga marinha ao homem, ao super-homem, não um Amor formal, sim o que sintoniza alma, inteligência, coração, ato, tudo!
           
            Formas teológicas ou sociais não mudam situações de fato. Convênios entre Religião e Estado não se destinam a melhorar o indivíduo, por isso que atendem apenas a interesses de grupos. Que tem a ver com os destinos de nossas almas as conciliações entre dois poderes humanos que por questões de posse, de domínio, se desavieram, se chocaram? Nestas condições, repetimos, as Religiões já não satisfazem, não empolgam as massas. Em sua maturação biológica, no desgaste, fenômeno imposto pelo tempo, num determinismo incoercível, elas se tornam inúteis, não passando de mera atitude formalística de espíritos  céticos.

            E no nível animal que a luta assume desenfreada violência, salvando-se os mais fortes. A força aí, é a lei, pois, nesse nível, raramente se conhece a piedade. Esta não existe ainda na nossa mecanizada civilização, civilização de técnicos. As Religiões acompanham essas civilizações e são palacianas, solicitam a mão forte dos governos e por isso já deram de si tudo que podiam. Passam à História; mas, querem ficar com o mando, predominando como maiorias, como se o número fosse o critério da razão. Elas têm a primazia, em vez do primado. Fazem-nas os seus sacerdotes. Mas, sacerdote, do nosso ponto de vista, é uma autoridade moral que não choca, não colide, não tem conflitos de jurisdição, nem de autoridade. Desde, porém, que se dê a essa função um sentido político, como fazem as Igrejas, ela não passará de sua natureza terrena, tendente a assegurar poderio sobre os homens e daí os conflitos.

            O pensamento do Senhor Jesus foi aquele. Quando seus discípulos entre si discutiam qual deles deveria segurar o cetro da autoridade, a que os outros teriam de obedecer. Ele respondeu com meridiana clareza, que não deixa margem para dissenções, como entre os príncipes, os governadores do mundo, em que uns e outros dominam os seus vassalos, dizendo: Entre vós, não deve ser assim: o que entre vós é maior seja como o menor; e aquele que manda, como o que serve.” O divino Mestre não admitiu, para ser discutida, nenhuma primazia entre os apóstolos, deixando-lhes, todavia, a convicção de um primado
entre eles - primado do Amor, primado do que cresce, cresce, fazendo crescer os outros igualmente, e não crescendo para abater a quem quer que seja. Primado daquele que quer irradiar os preceitos cristãos, firmando-os nos espíritos e não o do que quer absorver em si o poder. Primado daquele que, em vez de disputar honras ou recebe-las, as defere aos outros. Primado daquele que tem o senso, o hábito da caridade, da tolerância e não mistura a ganga inferior com os lídimos princípios evangélicos, praticando a intolerância, o anátema.

            Em suma, primado como o de S. Pedro, que soube confessar, como pioneiro, a verdade da essência messiânica, da missão divina do seu Mestre. Eis o que entendemos por sacerdócio. Primado de quem se reconhece pecador e se esforça para viver em Cristo. Neste primado, quanto maior o número, melhor. Primados assim se completam, em vez de se atropelarem, de se excluírem. Neste primado reinará, serena, a hierarquia do espírito.

            Mas, hierarquia de espírito, claras convicções etc., tudo se reduz a maturação biológica, ou fase espiritual mais evoluída do que a do cristianismo do Vaticano ou de Lutero ou da Igreja ortodoxa,


Ligeiros comentários – Parte 4
por Theófilo Siqueira 
Reformador (FEB) Agosto 1940

            Maturação biológica ou evolução anímica equivale a provas, luta do ser que na escada de Jacó já subiu vários degraus. O Espiritismo é doutrina de quem já venceu muitas etapas no caminho da eternidade, já tendo transposto montes e vales, o que deve agradecer a Deus, pedindo-lhe estímulos para enfrentar, com serenidade, as dificuldades por vir. Mas, se daí lhe advêm motivos de satisfação, pesa-lhe igualmente a noção de responsabilidades que crescem na razão direta da distância percorrida. Na parábola da distribuição dos talentos, o Senhor Jesus ensina que “cada um receberá segundo a sua capacidade e que a todo o que já tem mais se dará, e esse terá em abundância”. E que o servo inútil será lançado nas trevas exteriores, “onde haverá choro e ranger de dentes”. Trevas exteriores são a vida do Espírito na prisão da carne em mundos inferiores. Os embates da vida para o espiritista cônscio da reversibilidade do dano, levam-no ao aperfeiçoamento dos seus sentimentos de caridade, de amor para com toda criatura. O espiritista tem maior soma de responsabilidade que, por ser efeito de sua maior liberdade, adquirida na caminhada longa, lhe traz a percepção exata do sentido espiritual da vida. A liberdade, é o mais perigoso dos bens que Deus dá ao homem e, por isso mesmo, o mais sagrado. O próprio Deus respeita tanto a liberdade do homem que lhe deu até o direito de negá-lo. Loiola diz:  Sê um cadáver nas mãos do teu Senhor.” Aqui é o desrespeito absoluto dessa liberdade e quem dela tem medo não deve acreditar no Espírito, não deve aceitar o Cristo, pois que Ele é o Libertador.

            .Jamais um livro de concepção humana nos deu, como “A Grande Síntese”, conceito igual sobre a responsabilidade, livro esse que devera denominar-se – “Quinto Evangelho” - e que todo cristão deveria ler e assimilar porque é o livro luminoso da sabedoria e do amor. E a Igreja lhe proscreve a leitura! Não soube a grande instituição viver forte e heroicamente, como o fizeram os apóstolos Pedro, Paulo, etc. Não soube dominar; antes deixou-se vencer pelo próprio destino. Não há derrota que não tenha um significado e não represente também uma culpa, diz Stefan Zweig, e a derrota da Igreja, que se tornou irremediável, é o resultado de erros tais como essa proibição e outros. Por questões de sectarismo religioso, uma vez que a obra não saiu com a sua chancela, proibir-lhe a leitura!

            Os quatro Evangelhos também não saíram autorizados pela igreja hebraica. Mas, é esse o destino das Igrejas que, agarrando-se aos símbolos, desprezam os fatos, confundindo o abstrato com o concreto, tratando, então, os fatos como se fossem símbolos.

            A Igreja, na Idade Média, proibiu a leitura do Evangelho; a “Reforma” de Lutero, porém, rompeu os diques e a Bíblia jorrou, espalhando-se por todos os quadrantes. Para difundir “A Grande Síntese” – “Quinto Evangelho” - o Espiritismo, Reforma da Reforma, organizado em ciência e religião, lhe precedeu de algumas dezenas de anos ao aparecimento, ao contrário do que se deu com aquele, que levou mais de dois séculos para começar a ser conhecido.

            Insiste a Igreja em pôr remendo novo em pano velho, em deitar vinho novo em odre velho. Qual o resultado? O Espírito não respeita a força e aí temos o velho odre da Igreja a rebentar-se e o vinho, derramado pelo Consolador, a jorrar formando caudal pois que, só no Brasil, o Espiritismo já conta não poucos milhões de crentes. O número deles, a crescer avassaladoramente, assusta os profitentes de outros credos, que não souberam acompanhar a marcha ascencional da religião, a evoluir, como evolui todo corpo vivo, como evolui o idioma de um povo.

            Mas, aqueles credos, estacionados no seu equilíbrio instável, procurando amparo no Estado, instituição política, obra do egoísmo humano, se atiram contra a ideia nova, com a fúria do interesse material ferido, ou do fanatismo, e gritam: - É diabólica... crucifiquemo-la.

            Inútil desespero, pois que o espírito humano, sob a ação inelutável da lei de evolução, avança necessariamente, porque seu destino é avançar. A velha fé arma barreiras e já não tendo em mãos o poder temporal, não podendo repetir com Luiz XIV “O Estado sou eu”, proíbe, com ingênuas medidas coercitivas, a propagação da ideia; proscreve-lhe o conhecimento, como se o Espírito fosse acessível a pressões!

            Todavia, compadeçamo-nos da cegueira alheia e tenhamos piedade de suas manifestações de fraqueza. Não sabem o que fazem. “Não é por Isto que estais em erro, porque não compreendeis as Escrituras nem o poder de Deus? 1" (Marcos X, 11, 23 e 24). Não devemos, contudo, inchar, na frase de S. Paulo, pois também nós não somos infalíveis  “todo homem é falaz, só Deus é veraz” - no dizer do grande apóstolo.

            Mauricio Maeterlink ao analisar certos críticos da Revolução Francesa, dizia: “É muito fácil compreender o que se deveria fazer em certos momentos, quando se sabe de tudo o que aconteceu”. Mas, o que agora acontece à Igreja já lhe tem acontecido sempre, dada a obstinação da velha instituição na sua verdade, o que lhe tem feito expiar a própria degenerescência de presumida igreja de Deus, em organização pura e simplesmente político e fascista... O que nós, os espiritistas, sem vaidade, devemos dizer à Igreja é que não pode ser divina uma fé que erige altares a concepções tão mesquinhas da vida. Devemos dizer-lhe ainda que os discípulos do Senhor Jesus não podem adormecer, no Getsêmani, como aconteceu aos velhos apóstolos. Tem que orar e vigiar sempre.




domingo, 1 de dezembro de 2019

Do Mestre para o Discípulo



Do Mestre para o Discípulo
por  Angel Aquarod
Reformador (FEB) Julho 1920

- O que se deve ao corpo e o que se deve à alma -

            Meu amado discípulo: Livra-te de imitar os que, não tendo outro Deus senão a matéria, cifram todas as suas aspirações em satisfazer as exigências da carne e das paixões que essas exigências desenvolvem; e os que, levados por um egoísmo espiritual mal compreendido, ao impulso de um fanatismo exagerado, sacrificam o corpo, negando-lhe a nutrição que a sua natureza exige, a vestimenta, o repouso conveniente, o asseio e outros cuidados higiênicos indispensáveis à conservação da saúde e ainda o sujeitam à macerações e cilícios brutais.

            Tudo isso, tanto da parte de uns como de outros, é antinatural e, portanto, produz efeitos opostos aos que se visam. Os que querem tratar o corpo como soberano, satisfazendo-lhe a todas as exigências, desequilibram o seu regular funcionamento. Com este desequilíbrio produzem a perda da saúde e, sem nunca o satisfazerem, porque ele é insaciável e descontente como criança mal educada, lhe preparam um fim prematuro, após um período, mais ou menos longo, de sofrimentos.

            Os segundos pensam favorecer a alma e só conseguem atrofiar suas potências principais e entorpecer o cumprimento de sua missão terrestre, quando colocam em más condições o instrumento de sua manifestação no plano físico. O que acontece é inutilizarem o corpo, tornando-o enfermo, enfermidade que se transmite ao espírito, envolvendo-o numa espécie de idiotice - em uma idiotice efetiva - da qual custará muitíssimo a se ver livre.

            São casos de fanatismo fulminante, que ataca a maior parte da humanidade e cujas consequências todos sentimos. A isso se deve a degeneração da espécie, o desequilíbrio entre o corpo e o espírito gerador de tendências rivais, duma irredutibilidade notória, que põe em perigo a liberdade, a paz, o sossego público e a dignidade humana.

            Acrescente-se a perda da saúde corporal e espiritual como resultado fatal, e vejamos se isso não oferece motivo de sobra para bradar forte e insistentemente contra este mal universalmente espalhado.

            Foge, pois, querido discípulo, de semelhantes extremos e dai ao corpo e ao espírito o que a um e a outro corresponde.

            O espírito tem que cumprir, encarnado na Terra, a importantíssima missão de desenvolver e por em ação suas faculdades; de contribuir, em diferentes ordens, para a realização do plano divino, na grande obra da evolução. Para esse fim, como veículo de manifestação, como instrumento de ação, necessita do corpo e se este não se achar de perfeita saúde, em bom estado de funcionamento, comprometida está a missão do espírito, cuja ação se torna deficiente e improdutiva, contraproducente muitas vezes.

            Ao corpo, em verdade, como vês, se devem dar satisfações; porém, nada mais do que aquelas que, legitimamente, exija a sua natureza não viciada: nutrição sã e adequada, em quantidade suficiente, nem mais nem menos, porque igualmente se prejudica o corpo assim por excesso como por falta de nutrição. Exclusão de toda satisfação desnecessária, como é o uso - e mais o abuso - do tabaco, do ópio, das bebidas alcoólicas, os refinamentos da mesa, etc., etc. Desta maneira se favorece ao corpo e se beneficia o espírito. O interesse de ambos é o mesmo. Os excessos que enfermam o corpo enfermam também o espírito. Pois se é pecado cometido por este! Por isso, em boa justiça, sobre ele têm que recair as consequências. O transbordamento das paixões e os fanatismos, que são enfermidades do espírito, repercutem no corpo e o enfermam também, expiando o espírito, nesta enfermidade, seus pecados, que o fazem sofrer e lhe retardam o progresso. Há perfeita solidariedade entre o corpo e o espírito, não ocorrendo a um nada que não afete ao outro.

            Tanto ao corpo como ao espírito se pode e se deve castigar; porém, não da forma como o fizeram e fazem certos místicos e fanáticos religiosos, sujeitando-o a prolongados jejuns, a privações de coisas essenciais ao seu sustento e aplicando-lhe disciplinas e cilícios rigorosos. A violência para com o corpo só se justifica se se lhe regateiam, ou, melhor, se se lhe negam em absoluto os prazeres doentios da gula, da luxúria, da negligência, da inclinação a certos vícios, excessos e paixões desordenadas, que com frequência se apoderam do homem. Destas violências perseverantes e sustentadas com firmeza lucram o corpo e a alma: o corpo, porque o purificam, sublimam e lhe melhoram o estado de saúde e a alma, porque, graças ao seu esforço, se obtém a vitória, sendo ela o principal agente, de justiça é que seja a primeira beneficiada. A alma sai da contenda purificada e enobrecida e com o instrumento, corpo, em melhor disposição para o serviço.

            Por bons motivos, certamente, Deus, ao criar os corpos, sujeitou o funcionamento, o crescimento e a conservação deles a certas leis. Pois bem, cumprir essas leis é fazer a vontade divina e, portanto, obra santa. Conculcá-las (espezinha-las) é faltar à lei de Deus, rebelar-se contra a vontade do Supremo Criador e, por conseguinte, fazer obra má.

            Só é admissível que se castigue o corpo quando em benefício da saúde ou do bem alheio, físico ou espiritual. Também quando, em cumprimento do mandato divino, se expõe a saúde e a vida, chegando-se mesmo à perda desta, procede-se cristãmente, pratica-se um ato plausível e altamente meritório, porque nessa maneira de proceder entram em jogo a abnegação e o sacrifício, duas virtudes celestes que se convertem em brancas asas para os espíritos que delas sabem usar a fim de se elevarem às puríssimas regiões da bem aventurança eterna.


Eu sou o caminho...



“Eu sou o caminho, a verdade, a vida." Isto quer dizer: sou o caminho da verdadeira vida. Sofrer, lutar, amar, crer, tomar a cruz, o fardo e levá-lo confiante; renunciar a si mesmo, isto é: à vida pela vida, a fim de se oferecer e dar fruto, eis o segredo varonil e santo da verdadeira vida.
            C. Wagner in Reformador (FEB) Março 1924

Cristo, Kardec e o ensino espiritual



Cristo, Kardec e o ensino espiritual
José Carlos da Silva Silveira
Reformador (FEB) Dezembro 1976

            Nos tempos que correm, marcados por acentuadas transformações nos diversos setores da atividade humana, particularmente na área da ciência da educação, parece-nos oportuno recordar a figura excelsa do Cristo destacando-lhe as qualidades de pedagogo nato, cujos métodos de ensino se mantêm atuais ante as mais recentes conquistas da Pedagogia.

            Sabe-se que um dos fundamentos da Pedagogia hodierna a tese de que a aprendizagem se baseia num “esquema de assimilação” já existente no indivíduo. Assim, uma verdade nova, para ser adquirida, tem que se apoiar numa experiência anterior da criatura.

            Ora, folheando os Evangelhos, vamos encontrar o Divino Mestre apropriando suas palavras ao tipo de vida dos ouvintes. Dessarte, fala aos camponeses, aos vinhateiros, aos pescadores, aos comerciantes, aos agricultores, procurando graduar seus ensinamentos pela capacidade de apreensão do público. Utiliza-se para isso, de comparação, recurso intuitivo que pressupõe uma experiência anterior do aprendiz. Vemo-lo, dessa forma. É a ensinar por parábolas. É o “semeador que saiu a semear seu campo”; a rede “que foi lançada ao mar e apanhou peixes de toda a espécie”; é a parábola do credor incompassivo, a dos lavradores maus, a dos servos inúteis; é o “homem que tinha uma figueira plantada na sua vinha, e foi buscar fruto nela mas não o achou”; é a parábola do fariseu e do publicano, e assim por diante.

            Entretanto, Jesus, em seu magistério, não usa apenas do recurso da comparação. Lança, a todo instante, verdadeira situações-problema aos ouvintes, estimulando-os a pensar, como preconiza a mais moderna Pedagogia, “Qual, pois, desses três te parece foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores?” (parábola do bom samaritano). “Quando, pois, vier o senhor da vinha, que fará àqueles lavradores?” (parábola dos lavradores maus). “E vós, (Simão), quem dizeis que eu sou?” “De onde era o batismo de João, do Céu ou da Terra?”

            Jesus procura sempre dialogar com o público. Suas palavras e atitudes provocam, frequentemente, indagações da parte dos discípulos e até discussões (a técnica moderna de aprendizagem em grupo), Não raro, instiga os doutores a abrirem as escrituras: “Que é que está escrito na lei?" (técnica de pesquisa). Seu objetivo maior é fazer que os outros cheguem a conclusões próprias, através do raciocínio. “Ouça quem tiver ouvidos de ouvir”. É o desafio que permanece até os dias de hoje.

            Como se vê, o avanço que se nota, atualmente, na ciência da educação, nada mais é do que um início possível de retorno à metodologia aplicada por Jesus, na divulgação da Boa Nova. (1)

            (1) É claro, todavia, que estamos cientes de que o próprio Messias, podendo ter dito muito mais, deu-nos uma lição velada de que as épocas necessitam de métodos e técnicas relativas às próprias condições, a fim de que o ensinamento não se perca.

            A propósito, cumpre ressaltar que o Codificador da Doutrina Espírita não se manteve estranho ao processo pedagógico usado peto Cristo para o ensino da Boa Nova. Tanto assim é que a metodologia empregada por Kardec para disseminação do Espiritismo é a mesma adotada pelo Cristo nos Evangelhos, resultando daí a atualidade da Doutrina, também no setor pedagógico.

            O livro dos Espíritos, por exemplo, é fonte inesgotável de situações-problema. O diálogo, as comparações são recursos utilizados em toda obra kardequiana. A Codificação foi surgindo, paulatinamente, da pesquisa e se fundamentou no preceito basilar da “fé raciocinada", que é incentivo constante ao desenvolvimento da razão.

            Por outro lado, discípulo de Pestalozzi - o inolvidável educador - Kardec soube muito bem impregnar a sua obra daquele profundo respeito à liberdade humana, que era, também, o objetivo maior da educação concedida às crianças, nos institutos de Berthoud e de Yverdon, pelo mestre. A propósito, em seu ensaio “Sur l'éducation Elémentaire”, escreveria Pestalozzi:

            “O educador impede-se de querer extirpar qualquer coisa que constitua a natureza de seu aluno, para não se arriscar a arrancar trigo juntamente com o joio (...). Livre de qualquer pretensão, dentro de um espírito de modéstia e devotamento, serve respeitosamente, contente com seu humilde papel de instrumento da ação divina; assim como um padre, mediador entre a criança e a vida." (Grifo do original).”

            Assim ensinou Jesus. Assim procedeu Kardec. Os preceitos contidos nos Evangelhos, os ensinamentos da Doutrina Espírita são difundidos à Humanidade através do apelo ao raciocínio e aos sentimentos do ser humano. Não são Impostos ao homem e sim construídos por este, partindo da sua motivação intrínseca, como quer a Pedagogia contemporânea.

            Jean Piaget, um dos maiores psicólogos de nossos dias, cujas ideias têm contribuído, sensivelmente, para a cristianização do processo educativo, assim se expressa em sua obra "Para onde vai a Educação" - recentemente lançada -, ao tratar do direito à educação moral:

            “Todos reconhecerão desde logo, até certo ponto, o papel formador da educação moral em oposição às tendências simplesmente hereditárias. Porém aqui, mais uma vez, e segundo um paralelismo que a análise torna sempre mais mercante, entre a formação moral e a formação intelectual do indivíduo, insere-se a questão de saber se a contribuição exterior que se espera da educação, para completar e informar as disposições individuais, congênitas ou adquiridas, pode ficar limitada a uma simples transmissão de regras e conhecimentos já elaborados. Tratar-se-ia, no caso, de impor determinados deveres e determinada obediência, paralelamente a obrigação intelectual de reter e repetir determinadas “lições”, ou o direito à educação moral implicaria, tal como o direito à formação do raciocínio em um direito de construir realmente, ou pelo menos participar da elaboração da disciplina que irá reger aqueles mesmos que houveram colaborado para a sua constituição? Existe, portanto, em matéria de educação moral, um problema de autogoverno, paralelo àquele de auto formação do raciocínio no interior de uma coletividade de pesquisa. Convém, em todo caso, ressaltar, de saída, que o direito à educação intelectual e moral implica algo mais que uma obrigação a cumprir: trata-se de um direito a forjar determinado instrumentos espirituais, mais preciosos que quaisquer outros, e cuja construção requer uma ambiência social específica, constituída não apenas de submissão.”

            Com efeito, aproxima-se o terceiro milênio. Nota-se lhe a chegada, não apenas pelo simples perpassar dos séculos, mas, principalmente, pela efervescência das ideias, já agora sacudidas pela germinação da semente caindo na terra fértil de inteligências de escol. Acentua-se a claridade divina que libertará a mente humana dos erros seculares do materialismo pragmatista.  A ciência começa a vislumbrar a luz que a despertará para Deus. Os homens serão mais felizes pois as crianças se educarão sob o embalo das cantigas eternas do Evangelho. Que Jesus nos oriente, a nós espíritas, nesses instantes da afirmação da fé. Com os olhos fitos no futuro, inspirados no Cristo e na obra do Codificador possamos também nós, cheios de amor e confiança no Pai, repetir, com o Mestre, o apelo milenar: "Deixai vir a mim as criancinhas porque delas é o reino dos céus”.


Antes do diagnóstico de obsessão



Antes do Diagnóstico de obsessão
Umberto Ferreira
Reformador (FEB) Dezembro 1976

            Frequentemente, são trazidas ao meio espírita pessoas com distúrbios mentais e que são prontamente rotuladas como obsidiadas.

            O conhecimento de todas as causas destes desequilíbrios nos induz, entretanto, a uma atitude mais cautelosa, uma vez que a parasitose mental não é a única causa destas alterações. Não desconhecemos que em praticamente todos estes casos há um componente obsessivo mas o problema surge quando se afirma que em todos eles o fator básico é a obsessão.

            Não se pode esquecer os casos das doenças mentais de fundo orgânico e que invariavelmente constituem expiação.

            Bezerra de Menezes (1) chama a atenção para este fato, quando afirma: “ora, a loucura, como temos demonstrado, é moléstia de fundo orgânico, nuns casos, e é de fundo espiritual, noutros casos; logo a Ciência precisa bem conhecer esta diferença, para variar de ação, segundo a espécie.”

            E os sintomas destas psicoses de fundo orgânico por vezes se assemelham muito aos do processo obsessivo.

            Uma outra condição que precisa ser considerada antes do diagnóstico de obsessão é a que André Luiz (2) chama de “emersão do passado” em que a pessoa revive situações de encarnações passadas que entram em choque com a realidade presente, dando a aparência de um verdadeiro possesso.

            Por fim é necessário lembrar que muitos Espíritos bastante atrasados moralmente, oriundos de zonas purgatoriais, reencarnam para progredir e praticam atos de verdadeira perversidade. Estes são quase sempre rotulados como obsidiados. É claro que eles atrairão a companhia de Espíritos da mesma categoria, que os ajudarão, mas a principal causa do comportamento estranho estará neles mesmos, na falta de evolução espiritual. (3)

            É por isso que qualquer precipitação neste campo pode levar a profundas decepções. Eis as razões por que é imprescindível um estudo meticuloso de cada caso antes de se firmar o diagnóstico de obsessão.

            (1) “A Loucura sob Novo Prisma”, Bezerra de Menezes, 3ª. Ed. FEB. p. 155.
                (2) "Nos Domínios da Mediunidade”, André Luiz, 3ª ed. FEB, p. 191.
                (3) “Mecanismos da Mediunidade”, André Luiz, 4ª ed. FEB, pp. 171-3.