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segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Ligeiros comentários

Pietro Ubaldi


Ligeiros comentários – Parte I
por Theófilo Siqueira 
Reformador (FEB) Março 1940

            A Igreja católica romana, como já é sabido de toda gente, proibiu a leitura de A Grande Síntese, livro que foi, assim, para o Index. Esperávamos essa resolução, que está de acordo com os cânones da sua lei e não a culpamos por isso.

            Limitada no tempo e no espaço, a Igreja, como todas as instituições humanas, tem que obedecer ao determinismo físico do seu nível, ou, melhor, ao determinismo que o mundo da matéria, no seu absolutismo, impõe. No seu livre arbítrio a Igreja resolveu isso, porque não podia resolver outra coisa.

            Determinismo e livre arbítrio são os dois polos entre os quais o homem se move, evolvendo de matéria a espírito, mas trazendo em si esses dois extremos, que se conjugam, em vez de se oporem, no relativismo da nossa existência, que caminha entre as duas fases sucessivas.

            A Igreja, determinista na matéria, por isso que suas necessidades materiais têm força de lei, não conseguiu ainda libertar-se da contingência terrena. Demos-lhe o lenitivo da nossa piedade, pois, egresso que somos de suas fileiras, nenhum mal lhe desejamos na sua escabrosa jornada. Retiramo-nos do seu seio, lamentando-a, repetimos, porque sentimos que o nosso destino era seguir avante, objetivo a que ela se opunha.

            O catolicismo romano, nesta fase de degradação biológica, fatal a todo organismo que não transpôs ainda o período de um psiquismo mais ou menos primário, evidentemente fecha um dos ciclos da sua vida. “A velhice, a morte, são um processo evolutivo normal, com uma função biológica criadora”. Pena é que a Igreja se esqueça de que tudo nasce, vive e morre, e se agarre tanto ao seu misoneísmo (hostilidade para com o novo) caduco. Mas, ponhamos as coisas em seus lugares e convenhamos em que a Igreja se mantem coerente. Senão, vejamos:

            O Evangelho jamais foi sua fortaleza, sendo a tradição seu principal ponto de apoio. E quanto é fácil criar-se a lenda na tradição! Aquele, relegado à letra de uma língua morta, o latim, esquecido, incompreendido ainda estaria, se não fosse a Reforma do século XVI.

            Tacitamente, ela proíbe a leitura da Bíblia uma vez que, condenando o profetismo, se arvorou em “única profecia viva, única revelação perpétua e permanente”.

            Mantém-se coerente, proscrevendo “A Grande Síntese", que se escuda no Evangelho, por lhe serem ambos contrários, pois aquela, no capítulo 86, à pag. 289, diz: “No cume, como farol luminoso, coloquei o espírito do Evangelho, a mais alta expressão da Lei, dentro do que vos é concebível e cuja compreensão significará a realização do Reino de Deus, da qual, para cada vez mais se aproximar, o homem luta no diuturno esforço da vida.” “Religião sintética do futuro, feita de força espiritual e de bondade, o meu sistema aceita fraternalmente qualquer fé, desde que seja fé, e a nenhuma condena, desde que sincera e colocada no seu lugar."  

            Vê-se que a Igreja não poderia aceitar o livro que assim se refere ao Evangelho e com o qual, paralelos ambos, dá aquela compreensão que significará a realização do Reino de Deus na Terra, coisa que colide com os respeitáveis interesses econômico-financeiros da grande instituição, que hoje não passa de mera seita italiana e fascista, por isso que, desde o célebre tratado de Latrão, de fevereiro de 1929, até às últimas trocas de credenciais, há pouco realizadas no Quirinal, entre S. Santidade Pio XII e o Rei da Itália, cada vez mais se evidencia que o que importa à velha instituição, acima de tudo, é ser mera organização política.

            Não vai neste juízo individual nenhum desrespeito, mesmo porque, sendo ela uma organização estatal político-totalitária, pode e deve servir de modelo a outros Estados.

Ligeiros comentários – Parte 2
por Theófilo Siqueira 
Reformador (FEB) Abril 1940

            “A Grande Síntese”, livro que colocamos paralelo com ao Evangelho e que o amplia na parte científica, se destina principalmente aos materialistas, de cujas armas se aproveita para com elas feri-los profundamente.
           
            Comprovando por a mais b ou melhor, tomando a unidade trifásica representada pelas letras c, b e a (matéria, energia, espírito) como ponto de partida para a construção do edifício monístico do Universo, aquela obra revoluciona, modifica por completo vários e pacíficos conceitos científicos, tidos como verdades cristalizadas. A indestrutibilidade da matéria, por exemplo, cai por terra, para firmar a indestrutibilidade da substância.

            A ciência, partindo dos efeitos, porque incapaz de remontar às causas, criou um ambiente de materialismo entre os homens, o qual se espraiou até às Religiões. Estas, já gastas, não mais empolgam as massas e, aquela, circunscrita a um reduzido número, igualmente não atrai e as mais das vezes se mostra agnóstica.

            Assim, a característica da nossa época é o indiferentismo e o salve-se quem puder. O egoísmo cresceu, tomou vulto e impera soberano. Religião e ciência, exânimes naquilo que é humano, vão ruindo aos poucos e a Era Nova se aproxima, esbarrondando-se o velho mundo! Louvado Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade!   

            Na nova concepção monística d’A Grande Síntese hão de querer enxertar os descontentes um acentuado panteísmo, mas, se panteísmo for um momento do pensamento humano, a se debater no relativo do seu plano, nenhum mal há em confundir-se os dois conceitos. Esse pensamento humano, a se debater no relativo do seu plano, nenhum mal há em confundirem-se os dois conceitos. Esse pensamento humano já se deteve no politeísmo e demorou no monoteísmo de um Deus antropomórfico, caprichoso, cruel e vingativo. Que se passe agora ao monismo (concepção segundo a qual a realidade é constituída por um princípio único, um fundamento elementar, sendo os múltiplos seres redutíveis em última instância a essa unidade), a “concepção de um Deus que é a criação".

            As religiões serão, como sempre, as primeiras sentinelas, tocando a reunir para o combate. O Vaticano já proscreveu a leitura desse livro, o maior descido do Céu à Terra. Desgraçada fatalidade da condição humana! Houvera a humanidade de receber de joelhos semelhantes bênçãos, puras graças divinas e, ao contrário, repele e agride as verdades de Deus. A culpa maior cabe às Religiões que se inculcam depositárias - primo occupandi(no início da ocupação) dessas verdades, monopolizando-as como privilegio seu e como únicas interpretes do pensamento de Deus, prendendo assim o movimento progressivo das ideias. Semeiam elas, as Religiões, no seu otium cum dignitate, (descanso com dignidade) convicções e tendências contrárias aos lídimos princípios.

           Foi assim, quando o Senhor Jesus deu ao mundo os divinos ensinamentos. Crucificaram-no as igrejas. Sempre tem sido assim, quando desce uma verdade que vem acelerar a marcha evolutiva da humanidade. Porque não haveria de ser assim, agora com a “A Grande Síntese” que enfeixa, num todo compacto e indivisível, ciência, religião, fé, arte, etc.?

            Não queiramos mal às igrejas, lamentemos apenas que elas retardem o progresso da humanidade, paralisando por séculos a mente humana. Perdoe-mo lhes os erros, sem, contudo, deixarmos de clamar contra a sua obstinação em permanecer neles.

Ligeiros comentários – Parte 3
por Theófilo Siqueira 
Reformador (FEB) Junho 1940

            “Houve na Itália a conciliação política entre o Estado e a Igreja; presentemente, porém, urge se efetue a conciliação, muito mais importante, entre a ciência e a fé, no mundo." (“A Grande Síntese”, pag. 352).

            O avassalador egoísmo humano jamais se deteve em face da ciência e da fé. Não são, portanto, esses dois conceitos forças capazes de conter o mal humano. Pelo menos, até à hora que vive a humanidade, ciência, fé e egoísmo marcham pari passu. Qual o princípio que pode coordenar a fé e a ciência? Seria a Bondade, ou, melhor, o Amor. A alma humana e a alma das coisas une-as o Amor. Ele estabelece a ligação do criado ao Criador. É um Tabor de transfigurações. Mas, o Amor elevado, na concepção evolutiva da vida, que vai desde a alga marinha ao homem, ao super-homem, não um Amor formal, sim o que sintoniza alma, inteligência, coração, ato, tudo!
           
            Formas teológicas ou sociais não mudam situações de fato. Convênios entre Religião e Estado não se destinam a melhorar o indivíduo, por isso que atendem apenas a interesses de grupos. Que tem a ver com os destinos de nossas almas as conciliações entre dois poderes humanos que por questões de posse, de domínio, se desavieram, se chocaram? Nestas condições, repetimos, as Religiões já não satisfazem, não empolgam as massas. Em sua maturação biológica, no desgaste, fenômeno imposto pelo tempo, num determinismo incoercível, elas se tornam inúteis, não passando de mera atitude formalística de espíritos  céticos.

            E no nível animal que a luta assume desenfreada violência, salvando-se os mais fortes. A força aí, é a lei, pois, nesse nível, raramente se conhece a piedade. Esta não existe ainda na nossa mecanizada civilização, civilização de técnicos. As Religiões acompanham essas civilizações e são palacianas, solicitam a mão forte dos governos e por isso já deram de si tudo que podiam. Passam à História; mas, querem ficar com o mando, predominando como maiorias, como se o número fosse o critério da razão. Elas têm a primazia, em vez do primado. Fazem-nas os seus sacerdotes. Mas, sacerdote, do nosso ponto de vista, é uma autoridade moral que não choca, não colide, não tem conflitos de jurisdição, nem de autoridade. Desde, porém, que se dê a essa função um sentido político, como fazem as Igrejas, ela não passará de sua natureza terrena, tendente a assegurar poderio sobre os homens e daí os conflitos.

            O pensamento do Senhor Jesus foi aquele. Quando seus discípulos entre si discutiam qual deles deveria segurar o cetro da autoridade, a que os outros teriam de obedecer. Ele respondeu com meridiana clareza, que não deixa margem para dissenções, como entre os príncipes, os governadores do mundo, em que uns e outros dominam os seus vassalos, dizendo: Entre vós, não deve ser assim: o que entre vós é maior seja como o menor; e aquele que manda, como o que serve.” O divino Mestre não admitiu, para ser discutida, nenhuma primazia entre os apóstolos, deixando-lhes, todavia, a convicção de um primado
entre eles - primado do Amor, primado do que cresce, cresce, fazendo crescer os outros igualmente, e não crescendo para abater a quem quer que seja. Primado daquele que quer irradiar os preceitos cristãos, firmando-os nos espíritos e não o do que quer absorver em si o poder. Primado daquele que, em vez de disputar honras ou recebe-las, as defere aos outros. Primado daquele que tem o senso, o hábito da caridade, da tolerância e não mistura a ganga inferior com os lídimos princípios evangélicos, praticando a intolerância, o anátema.

            Em suma, primado como o de S. Pedro, que soube confessar, como pioneiro, a verdade da essência messiânica, da missão divina do seu Mestre. Eis o que entendemos por sacerdócio. Primado de quem se reconhece pecador e se esforça para viver em Cristo. Neste primado, quanto maior o número, melhor. Primados assim se completam, em vez de se atropelarem, de se excluírem. Neste primado reinará, serena, a hierarquia do espírito.

            Mas, hierarquia de espírito, claras convicções etc., tudo se reduz a maturação biológica, ou fase espiritual mais evoluída do que a do cristianismo do Vaticano ou de Lutero ou da Igreja ortodoxa,


Ligeiros comentários – Parte 4
por Theófilo Siqueira 
Reformador (FEB) Agosto 1940

            Maturação biológica ou evolução anímica equivale a provas, luta do ser que na escada de Jacó já subiu vários degraus. O Espiritismo é doutrina de quem já venceu muitas etapas no caminho da eternidade, já tendo transposto montes e vales, o que deve agradecer a Deus, pedindo-lhe estímulos para enfrentar, com serenidade, as dificuldades por vir. Mas, se daí lhe advêm motivos de satisfação, pesa-lhe igualmente a noção de responsabilidades que crescem na razão direta da distância percorrida. Na parábola da distribuição dos talentos, o Senhor Jesus ensina que “cada um receberá segundo a sua capacidade e que a todo o que já tem mais se dará, e esse terá em abundância”. E que o servo inútil será lançado nas trevas exteriores, “onde haverá choro e ranger de dentes”. Trevas exteriores são a vida do Espírito na prisão da carne em mundos inferiores. Os embates da vida para o espiritista cônscio da reversibilidade do dano, levam-no ao aperfeiçoamento dos seus sentimentos de caridade, de amor para com toda criatura. O espiritista tem maior soma de responsabilidade que, por ser efeito de sua maior liberdade, adquirida na caminhada longa, lhe traz a percepção exata do sentido espiritual da vida. A liberdade, é o mais perigoso dos bens que Deus dá ao homem e, por isso mesmo, o mais sagrado. O próprio Deus respeita tanto a liberdade do homem que lhe deu até o direito de negá-lo. Loiola diz:  Sê um cadáver nas mãos do teu Senhor.” Aqui é o desrespeito absoluto dessa liberdade e quem dela tem medo não deve acreditar no Espírito, não deve aceitar o Cristo, pois que Ele é o Libertador.

            .Jamais um livro de concepção humana nos deu, como “A Grande Síntese”, conceito igual sobre a responsabilidade, livro esse que devera denominar-se – “Quinto Evangelho” - e que todo cristão deveria ler e assimilar porque é o livro luminoso da sabedoria e do amor. E a Igreja lhe proscreve a leitura! Não soube a grande instituição viver forte e heroicamente, como o fizeram os apóstolos Pedro, Paulo, etc. Não soube dominar; antes deixou-se vencer pelo próprio destino. Não há derrota que não tenha um significado e não represente também uma culpa, diz Stefan Zweig, e a derrota da Igreja, que se tornou irremediável, é o resultado de erros tais como essa proibição e outros. Por questões de sectarismo religioso, uma vez que a obra não saiu com a sua chancela, proibir-lhe a leitura!

            Os quatro Evangelhos também não saíram autorizados pela igreja hebraica. Mas, é esse o destino das Igrejas que, agarrando-se aos símbolos, desprezam os fatos, confundindo o abstrato com o concreto, tratando, então, os fatos como se fossem símbolos.

            A Igreja, na Idade Média, proibiu a leitura do Evangelho; a “Reforma” de Lutero, porém, rompeu os diques e a Bíblia jorrou, espalhando-se por todos os quadrantes. Para difundir “A Grande Síntese” – “Quinto Evangelho” - o Espiritismo, Reforma da Reforma, organizado em ciência e religião, lhe precedeu de algumas dezenas de anos ao aparecimento, ao contrário do que se deu com aquele, que levou mais de dois séculos para começar a ser conhecido.

            Insiste a Igreja em pôr remendo novo em pano velho, em deitar vinho novo em odre velho. Qual o resultado? O Espírito não respeita a força e aí temos o velho odre da Igreja a rebentar-se e o vinho, derramado pelo Consolador, a jorrar formando caudal pois que, só no Brasil, o Espiritismo já conta não poucos milhões de crentes. O número deles, a crescer avassaladoramente, assusta os profitentes de outros credos, que não souberam acompanhar a marcha ascencional da religião, a evoluir, como evolui todo corpo vivo, como evolui o idioma de um povo.

            Mas, aqueles credos, estacionados no seu equilíbrio instável, procurando amparo no Estado, instituição política, obra do egoísmo humano, se atiram contra a ideia nova, com a fúria do interesse material ferido, ou do fanatismo, e gritam: - É diabólica... crucifiquemo-la.

            Inútil desespero, pois que o espírito humano, sob a ação inelutável da lei de evolução, avança necessariamente, porque seu destino é avançar. A velha fé arma barreiras e já não tendo em mãos o poder temporal, não podendo repetir com Luiz XIV “O Estado sou eu”, proíbe, com ingênuas medidas coercitivas, a propagação da ideia; proscreve-lhe o conhecimento, como se o Espírito fosse acessível a pressões!

            Todavia, compadeçamo-nos da cegueira alheia e tenhamos piedade de suas manifestações de fraqueza. Não sabem o que fazem. “Não é por Isto que estais em erro, porque não compreendeis as Escrituras nem o poder de Deus? 1" (Marcos X, 11, 23 e 24). Não devemos, contudo, inchar, na frase de S. Paulo, pois também nós não somos infalíveis  “todo homem é falaz, só Deus é veraz” - no dizer do grande apóstolo.

            Mauricio Maeterlink ao analisar certos críticos da Revolução Francesa, dizia: “É muito fácil compreender o que se deveria fazer em certos momentos, quando se sabe de tudo o que aconteceu”. Mas, o que agora acontece à Igreja já lhe tem acontecido sempre, dada a obstinação da velha instituição na sua verdade, o que lhe tem feito expiar a própria degenerescência de presumida igreja de Deus, em organização pura e simplesmente político e fascista... O que nós, os espiritistas, sem vaidade, devemos dizer à Igreja é que não pode ser divina uma fé que erige altares a concepções tão mesquinhas da vida. Devemos dizer-lhe ainda que os discípulos do Senhor Jesus não podem adormecer, no Getsêmani, como aconteceu aos velhos apóstolos. Tem que orar e vigiar sempre.




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