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sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Abre a tua janela!



Abre a tua janela!
José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Outubro 1952

            Malib amava a filosofia, porque com ela aprendera a compreender e interpretar a vida humana. Não era excessivamente otimista nem excessivamente pessimista porque achava os extremos contrários à sabedoria divina, tomando por base o princípio da harmonia universal. Tudo para Malib estava bem, porque, a seu ver, para todas as coisas havia sempre uma explicação, embora muitas vezes ele não a encontrasse, pois somente Alá possui o dom da onisciência.

*

            Descia Malib, ao entardecer, pelas vielas irregulares de Medina, quando encontrou um homem na pujança dos seus trinta anos, sentado numa esquina, deplorando a sorte ingrata que o ferira e regando seus lamentos com abundantes lágrimas. Malib parou, pôs as mãos à cintura, pensou um instante e em seguida a ele se dirigiu:

            - Que tens, homem, que choras como uma criança?

            - Trabalho, trabalho muito e não posso realizar meus sonhos! ...  Vejo outros que vivem sem sacrifício, pouco fazem e tudo têm...

            - E esperas que essas lágrimas melhorem a tua situação? - perguntou Malib. O homem que para na vida, ou está morto ou está dormindo. Se está morto, para um instante na eternidade para recomeçar a faina no reino de Alá; se está dormindo, dá descanso ao corpo para que possa retomar com mais ânimo sua tarefa. Tu não estás morto, mas dormes e sofres de pesadelo...

*

            O homem tirou as mãos que lhe cobriam o rosto e olhou para Malib, com ar expectante. Teria razão o filósofo? O desconhecido preferiu responder-lhe:

            - Sim, estou dormindo. Para que vieste perturbar-me o sono?

            - Porque não desejo que teu pesadelo se prolongue. Vamos, homem, desperta para a vida! Abre a janela da tua alma e deixa que por ela entre a claridade do entendimento! Respira o ar puro da compreensão sadia para que possas ver e sentir as belezas reais que a vida possui!

*

            O desconhecido, já agora, olhava, perplexo, para Malib. Mas parecia chumbado ao chão, pois não se movia e uma frase que se esboçara em seus lábios ficara paralisada no início. Malib aproveitou o ensejo para prosseguir, veemente:

            - Vamos! Desperta, homem! Não te entregues à indolência espiritual e ao quebrantamento físico, porque o tempo é curto e há longas tarefas a realizar! Aproveita o instante que estás vivendo para que algo dignifique a tua presença neste planeta! Desperta! Desperta para a vida amigo! Abre a janela da tua alma, desencarcera-te das ideias estreitas e constringentes que escurecem e comprimem tua razão! Vamos! Reage e luta! Nunca é vencido aquele que demonstra coragem e ânimo até o último momento. O essencial é saber lutar. Abre a tua janela espiritual e deixa que o ar puro do otimismo racional entre através dela para realizar em ti a graça da purificação mental!

*

            Atingira o auge a estupefação do desconhecido, que olhava, boquiaberto, para Malib. Em volta de ambos aglomeram-se alguns transeuntes, tangidos pela curiosidade. Não sabiam a razão do discurso de Malib, pois viam diante de si um homem acordado, enquanto outro mandava que ele despertasse. Malib percebeu o que se passava e retomou o fio da palavra:

            - Levanta a cabeça, olha as estrelas que começam a luzir no firmamento! Toma-as por fanal, porque são os vagalumes do Jardim de Alá! O homem que tem consciência do seu papel na vida, não perde tempo em remoer desventuras ou em reviver insucessos. Avança resolutamente para a adversidade, encara cada contratempo como um estímulo para o triunfo. Ainda que, para os outros homens, não sejas no sentido vulgar, um triunfador, sê-lo ás para o Todo Poderoso, se persistires na luta sem desânimo, com os olhos voltados para Alá! Não importa que o progresso seja, às vezes, imperceptível. A verdade é que todo homem que persevera numa tarefa digna, é sempre vitorioso! Quando te sentires fatigado repousa o necessário, porque tudo tem seu tempo. A água que perfura a pedra não se apressa. Pode levar séculos na obra de desgaste, até que um dia celebra a vitória da sua tenacidade!

*

            Alguns aplausos secundaram essas palavras do filósofo. Este, com simplicidade simpática, ergueu os braços, como se quisesse denotar que se dirigia, não somente ao desconhecido que motivara o discurso, mas a todos quantos ali se encontravam:

            - Abre os olhos do espírito para que possas enxergar o que os olhos do corpo físico nem sequer vislumbram! Aproxima-te do Bem para que tenhas o Belo a teu lado e verás como o Sol se apresentará com diferente fulgor e as estrelas cintilarão de diversa maneira, mais lindas, tão lindas quanto as sentenças de Maomé! Abre a janela da tua alma e tudo te parecerá melhor. Os gorjeios dos pássaros que brincam nas florestas te repercutirão nos ouvidos como os sons sintonizados de uma orquestra divina! O próprio ruído do vento nas quebradas não mais te assustará, assim como a precipitação das águas nas cascatas será como murmúrios da Natureza-Mãe num segredar de coincidências seculares! Desperta enquanto é tempo! Abre os olhos do espírito para que possas compreender o que os sentidos comuns do ser humano não podem apreender!

*

            Era sepulcral o silêncio. Centenas de olhos fixavam Malib, que perdera, por fim, a noção do lugar em que se encontrava, pois parecia transportado a páramos celestiais. A noite chegara. O céu se mostrava prodigiosamente belo. Luzia o Crescente circundado por estrelas rutilantes. Malib alcançara, por fim, um grande triunfo fazendo despertar aquele homem a quem o desânimo e o desespero pareciam haver ferido profundamente. Então, concluiu:

            - Olha para a Natureza com um sorriso de confiança, festejando nesse sorriso de fé a beleza sem par da criação, porque, afinal, tu, eu, todos nós, os animais, as árvores, as plantas, somos partículas da Natureza, de que fazem parte também a montanha majestosa de cume inacessível, o abismo insondável, o oceano poderoso que se diverte ameaçador, nos corcoveios dos vagalhões gigantescos, o riso simples da criança, o bramido terrível das feras que dominam as selvas! Sim, tudo é Natureza, tudo é Alá, cuja bênção se espraia, generosa, sobre as nessas cabeças! Há majestade no porte do elefante, na atitude do leão, no rastejar do verme, no remígio (vôo) do condor! Há divindade na explosão do raio e no pranto de quem sofre! Aprende, amigo, a ver beleza em tudo, através de pensamentos dignos e elevados, porque em tudo há, a presença de Alá!

*

            O desconhecido ergueu-se, abraçou demoradamente Malib, pronto para partir com ele. Comovido, disse-lhe somente:

            - Nada é maior que Alá e Maomé foi o seu profeta! Todavia, pela tua boca parece ter falado aos meus ouvidos o grande Emir dos Crentes! O que eu não pude fazer, tu fizeste. Agora, bendizendo teu nome, quero gritar para que todos me ouçam nesta noite feliz: 

            - Está aberta a janela da minha alma! Já posso ver, através dela, o caminho iluminado que me espera!

            - Alá seja com todos!

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