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sábado, 7 de setembro de 2019

Sê forte




Sê forte em qualquer trabalho,
Cada luta é uma lição,
Tristezas e desalentos
São cupins no coração.


  Casimiro Cunha
por Chico Xavier
in ‘Cartilha da Naturezaa’  (4ª Ed. FEB 1988)

Do amor



 O amor em todo o Universo
Mostra uma lei singular:
Quanto mais alto se eleva,
Mais desce para ajudar. 


  Jovino Guedes
por Chico Xavier
in ‘ Mais Vida’  (1ª Ed. ‘Cultura Espírita União’ 1982)

Da dor



 Quem ama não desanima.
Por mais dor na alma sincera
O amor se faz esperança
Onde a razão desespera.
 


 Benedito Candelária Ir.
por Chico Xavier
in ‘ Mais Vida’  (1ª Ed. ‘Cultura Espírita União’ 1982)

Da vida que passa...


Da vida que passa,
deixando um rastro,
deixando um lastro,
de cantos e queixa,
de dores e flores,
de amores soberbos,
de amores gentis,
de gemidos profundos,
de ais lamentosos,
ao homem do mundo
lhe resta um caminho
que não é de saudade,
mas lhe dá, na verdade
a posse total da Eternidade.


Amazonas Hércules
in ‘Canção da Esperança”
  (4ª Ed C E Filhos de Deus - 1999)

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

A bebida mortal



A bebida mortal
 Redação 
Reformador (FEB) Dezembro 1925

Ao dar a seus apóstolos e discípulos as últimas instruções, antes de desaparecer definitivamente de suas vistas humanas e voltar às regiões superiores donde dirige e governa o nosso mundo e a humanidade terrena, disse Jesus, entre outras coisas: “Aos que crerem acompanharão estes milagres; expulsarão os demônios em meu nome; falarão novas línguas; segurarão a serpente com as mãos e se tomarem alguma bebida mortal, esta nenhum mal lhe fará”.

Falando quase sempre por parábolas e por símbolos, como lh'o impunham as necessidades daquela época e o estado das inteligências dos que o ouviam, Jesus, compondo em poucos termos uma imagem material singela, oferecia aos homens ensinamentos de uma profundeza que, obscurecidos pela carne, os nossos Espíritos, ainda agora, só muito imperfeitamente podem alcançar.

É o que mais uma vez se nos depara nesta figura de extrema simplicidade com que ele simbolizou o poder extraordinário, formidável da fé, como a ensinou e
exemplificou em todo o curso da sua missão messiânica: “Os que crerem segurarão com as mãos a serpente e, se tomarem alguma bebida mortal, esta nenhum mal
lhes fará.”

De novo se apresenta aqui a serpente corno símbolo do mal. Tendo que dali partir, para desempenharem a missão em que ele os investia - a de pregarem
pelo mundo o Evangelho a todas as criaturas, iam os discípulos pôr-se em contato com a serpente de mil cabeças, pelas quais instila os venenos mortíferos dos vícios, paixões e misérias, que taravam e ainda taram a pobre humanidade. Eles, porém, criam, tinham a fé viva e pura lhes garantia a assistência continua do Espírito Santo, isto é, dos Espíritos puros, dos Espíritos superiores, dos Espíritos elevados, que são os ministros do Senhor, agentes da misericórdia divina. Tanto bastaria, afirmava-lhes o divino Mestre, para que nenhum mal lhes causasse a peçonha do temível réptil e, mais ainda, para que o segurassem com as mãos, o dominassem, livrando-se de suas terríveis mordeduras.  

            Tampouco, mal algum lhes faria essa bebida mortal que tanto prazer dá ao homem- a lisonja, que alimenta a vaidade, filha primogênita do orgulho, principal tropeço ao progresso do Espírito.

            Era de certo a esse outro veneno que aludia Jesus, quando dizia: “Se alguma bebida mortal tomarem (os que crerem), ela nenhum mal lhes fará.”

Pela fé, estariam preservados, mas não pela fé que só existe nos lábios. A fé que preserva da peçonha do monstro de tantas cabeças quantas são as causas de queda, de pecado para o homem, é a fé como a tinham os apóstolos, a que assenta na humildade, a que só reconhece poder no Criador e no seu Cristo, que dele o recebeu para tudo quanto respeita ao nosso mundo; a que repete sinceramente com Jesus, que a personificava: só Deus é bom, porque só Ele é absolutamente perfeito.

Quando, como os discípulos do Mestre divino, todos os homens abrigarem nos seus corações a fé qual na amplitude infinita do seu poder; Jesus, a mostrava, a serpente do orgulho, do egoísmo, da vaidade, de todos os vícios e paixões que degradam a humanidade e que daqueles derivam, estará banida da Terra, onde só viverão mansas ovelhas do rebanho do divino Pastor.

            De que esse dia chegará, de que não vem por demais longe, temos a certeza, pela fé plena que depositamos nas promessas do mesmo Jesus.

            E tanto mais pronto serão seu advento, quanto mais depressa os novos discípulos do Cristo, os espíritas cristãos se revelarem possuidores dessa fé, se mostrarem verdadeiros crentes do Evangelho, que lhes incumbe a eles pregar agora pelo mundo, e o pregarem demonstrando que dominaram por completo a infernal serpente e se imunizaram contra aquela mortal bebida.

Aproveitamento de forças



Aproveitamento das forças
por Angel Aquarod
Reformador (FEB) Dezembro 1925

O estudo da economia é indispensável ao Espírito em evolução na Terra, a fim de que possa utilizar bem as forças e elementos de que disponha para sua atuação no planeta.

Falando, porém, aqui, de economia, não nos referimos à que se ensina nas instituições docentes da Terra. Aludimos à que o espírita precisa conhecer para o máximo aproveitamento das forças com que conte.

É de simples bom senso que, ao tentar-se a realização de um empreendimento, depois de concebido o projeto, depois de estudado por todas as faces e de pesadas as vantagens ou desvantagens que possa trazer o empreendimento, importa se reúnam os elementos indispensáveis à sua execução.  Sem que se faça isso, o fracasso é inevitável.

E não é senão por descurarem desse trabalho prévio que os espíritas militantes tão grande número de fracassos contam no desenvolvimento da obra a que se consagraram.  

O Espiritismo oferece pasto abundante às imaginações ardorosas, que facilmente se deixam seduzir pelos encantos da realização prática de empreendimentos de maior ou menor importância. São excelentes, não há negar, os seus propósitos e abençoadas as suas intenções. Isso, porém, não é suficiente para o êxito. Não basta que um projeto seja bom. Preciso é também que seja viável, que por bem empregado se possam dar os esforços que o empreendimento exija ou melhor, que fique plenamente demonstrado haver mais vantagem na execução da obra intentada do que no seu adiamento para outros tempos.

Não é raro esquecerem-se os espíritas de que a doutrina de que são adeptos ainda não adquiriu desenvolvimento bastante para que à sua sombra se empreendam certas obras, como raro não é que simultaneamente e sem que os respectivos projetos tenham passado por amadurecido estudo, vários núcleos se lancem à realização de empreendimentos idênticos ou semelhantes, descurados dos elementos indispensáveis ao êxito.

Em geral, apressam-se demais, levados por louvado zelo pelo engrandecimento da doutrina, traduzindo-se em obras visíveis de maior ou menor vulto. Logo, porém, surgem os inconvenientes da ideia propugnada e abandonando-se os intentos anunciados com entusiasmo. Com isso, está claro, nada lucra a doutrina.

Sem dúvida, o Espiritismo dará nascimento a obras de grande importância e vulto, com o cunho da elevação que lhe é própria, mas a seu tempo.

Quais, entretanto, as obras visíveis, de caráter social que já podem se realizar sob a égide do Espiritismo? Indubitavelmente as de beneficência e de instrução. Assim o têm entendido os adeptos mais entusiastas da Nova Revelação, tanto que desses gêneros são as instituições que projetam fundar.

Bom é que assim aconteça. Cumpre, todavia, que tais propósitos se não generalizem e que os poucos núcleos que se acham em condições de tornar realidade esse objetivo não ultrapassem os limites do possível e do razoável.

Não é, contudo, o que se observa. São em grande número os núcleos que se mostram inclinados a realizar os mesmos intentos, contando, não com recursos próprios, mas com os que terceiros lhe ofereçam. Ora, manifesto parece o inconveniente de semelhante método, cujo resultado é fatigarem-se com exigências contínuas a maiores esforços, os que podem dar alguma coisa, oferecendo-se lhes por prêmio se seus sacrifícios uma série de fracassos.

E, enquanto isso, deveres outros que a doutrina impõe a todos os seus adeptos e aos núcleos de crentes, deveres a cuja observância importa que uns e outros se consagrem escrupulosamente, ficaram esquecidos. Esses deveres são os de contribuírem, todos, por seus esforços e meios que lhe estejam ao alcance, para aumentar, em si e nos outros, a cultura doutrinária, assentando sobre bases indestrutíveis os elementos componentes do organismo espírita para que a toda parte sejam levados os ensinos dos Espíritos, de modo que ninguém fique ignorante do que ela proclama, do que dela podem que é a Nova Revelação, dos princípios esperar os indivíduos e as sociedades e dos benefícios que proporciona aos que a conhecem, sentem e praticam.

Distrair para outros efeitos as forças, de que disponham, é desperdiçá-las.

Para a propaganda doutrinária dispõem os núcleos espíritas das copiosas obras a que o Espiritismo tem dado origem, para oferece-las aos que queriam instruir-se das sessões de estudo: para a prática da beneficência dispõem das faculdades mediúnicas de alguns de seus membros, mediante as quais podem restituir a saúde aos que a perderam e dispõem das contribuições pecuniárias com que essa obra possam concorrer os que a compõem.

Para a instrução da infância e mocidade, dispõem do recurso do instituírem aulas especiais, onde se ensine a doutrina espírita, sob seus aspectos, filosóficos e moral religiosos. Essas aulas não reclamam grandes dispêndios para serem criadas e podem sempre funcionar em dias e horas que não obstem ao comparecimento dos que as ajam de frequentar, nas escolas oficiais ou particulares, onde vão beber os conhecimentos que nelas se ministram.

Desse modo de praticar a beneficência ou a caridade podem lançar mão, com relativa facilidade, todos os núcleos espíritas visto que ao alcance de todos estão os meios indispensáveis para isso, acrescendo que o desempenho dessa  tarefa não impede o cumprimento dos outros deveres que a doutrina prescreve a seus adeptos e às agremiações por eles formadas.

Embora ainda não sejam tantas quantos se desejam, já por toda parte há escolas que facilitam às crianças e aos jovens instruírem-se nas matérias que formam o curso elementar de ensino, pondo-as em condições de mais tarde ampliarem seus conhecimentos, de acordo com as suas vocações. As escolas espíritas, portanto, deverão ter por fim apenas ministrar a essas mesmas crianças e jovens a instrução moral cristã, na conformidade da doutrina dos Espíritos, o conhecimento do ideal que lhes inspirou a fundação. As de outro gênero só deverão cuidar de fundá-las os núcleos espíritas que o possam fazer, tão somente para atender à necessidade da instrução nos bairros e nas povoações que não as possuam e onde, conseguintemente, as crianças não podem sair das trevas da ignorância completa.

Fora destes casos especiais, afigura-se nos não haver motivo para que todos os núcleos espíritas se preocupem com a fundação de escolas para instrução primária e secundária. Basta se preocupem com oferecer às crianças o pão do Espírito e isto todos o podem fazer abundantemente.

No tocante a instituições de beneficência, certo não se contam ainda tantas quantas são precisas e nem todas as que existem correspondem ao ideal cristão, a que se acha vinculada a verdadeira caridade. Muitas instituições desse gênero, porém, já existem que, melhoradas, aperfeiçoadas, satisfariam, em escala bastante considerável, à necessidade da assistência aos indigentes e sofredores. Incontestavelmente, mais fácil seria para os espíritas a tarefa de amparar e melhorar as instituições já fundadas com esse caráter, ou que venham a fundar-se, do que criar outras, responsabilizando por elas, ante o mundo, o Espiritismo. 


Sabe-se que não é com os filantropos abastados, com os que empregam grandes capitais na fundação e manutenção de instituições de beneficência, que as fileiras espíritas se engrossam. Ao contrário, em geral são pobres de bens materiais os adeptos da Nova Revelação. Assim sendo, claro é que todos os empreendimentos, da natureza das instituições de que tratamos, por eles tentados se ressentirão sempre da falta de recursos para sua manifestação. Para sua manutenção, quando cheguem a efetivar-se do que resulta estarem de princípio condenados a fracassos comprometedores do prestígio da doutrina.

De tais fracassos não há duvidar, desde que somente de boa vontade disponham os núcleos que se abalancem, assim no campo do ensino, como no da
beneficência, a semelhantes empresas que, ainda quando sejam suficientes os recursos financeiros, exigem trabalhadores em grande número, devotados
e capazes, além de extrema atenção e cuidado com enorme dispêndio de energias.

Ao fracasso se juntará uma perda imensa de forças que, bem empregadas, na medida do possível, a favor do ideal, teriam produzido efeitos importantíssimos.

A observação dos fatos já ocorridos mostra que toda vez que entidades
Espíritas hão tentado a realização de empreendimentos da ordem dos que tratamos, tudo quanto a doutrina mais reclama de seus adeptos foi posto de lado, pela necessidade de fazer convergir todas as atenções e todos os esforços para a obra tentada.

Em sobrevindo o fracasso, que é o com que as mais das vezes deve contar, enormemente sofrerá o núcleo, se não chegar mesmo a dissolver-se, por efeito dos desgostos e decepções decorrentes do malogro. Se este não se der, quase sempre mesquinha será a instituição resultante dos ingentes esforços empregados, instituição que, por conseguinte, em nada contribuirá para o prestígio de uma causa da importância do Espiritismo, redundando mesmo a sua manutenção em prejuízo da ideia que este consubstancia, porquanto ele ficará desatendido nos seus mais importantes aspectos.

            Quer parecer que ainda não chegou o tempo dos espíritas consagrarem seus esforços à fundação de instituições de ensino, que devem continuar principalmente a cargos dos poderes públicos, nem de instituições de beneficência nos moldes das que já existem com caráter oficial ou sob o patronato de confissões religiosas. A situação em que se encontra o Espiritismo não permite que seus adeptos empreguem as forças de que disponham em empresas de tal natureza.

Por enquanto, o que há de mais aconselhável, para o melhor aproveitamento dessas forças, é que os núcleos espíritas, em geral, se limitem, ao cultivo da doutrina, à sua difusão, ao fortalecimento dos mesmos núcleos para lhe assegurar a inextinguibilidade.  

Dentro desses limites, cabe perfeitamente o que dissemos acima relativamente à assistência moral e à instrução espírita das crianças e dos jovens.

Faz-se mister o aproveitamento de todas as forças existentes no campo do
Espiritismo, para que o ideal espírita cada vez mais esplendente se mostre e em condições de exercer a influência social que lhe compete.

           Haja em tudo o bom senso necessário e os espíritas evitarão o mínimo desperdício das forças de que necessitam e os fracassos, que acarretam, pelo menos, lamentável e prejudicialíssimo estacionamento na marcha da ideia.


quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Testemunho insuspeito



Testemunho insuspeito
Redação 
Reformador (FEB) Dezembro 1925

Fato curioso o que se observa entre os adversários do Espiritismo: no pressuposto de combate-lo, em vez de o aniquilarem, aumentam-lhe o vigor, graças aos livros que publicam. É o que vamos verificar por alguns trechos a famosa obra - O Espiritismo em face da Igreja e da História - publicada m 1866 pelo abade  Poussin, então professor do seminário de Nice.

“0 Espiritismo, diz ele, forçoso é reconhece-lo, envolve, como numa rede imensa a sociedade inteira; pelos seus profetas, oráculo, livros e jornalismo, esforça-se por minar surdamente a igreja católica. Se nos prestou o serviço destruir as teorias materialistas do século XVIII, dá-nos em troca uma revelarão nova, que solapa pela base todo o edifício da revelação cristã.

“O Espiritismo invade neste momento a humanidade inteira.

"Vários escritores católicos, forçados a admitir os fatos, não hesitaram em reconhecer em certos fenômenos do Espiritismo a intervenção direta do demônio.  Para eles, o Espiritismo não é senão a continuação da magia pagã que aparece em Toda, desde os magos do Faraó, a pitonisa de Endor, os oráculos de Delfos, as profecias das sibilas e dos adivinhos, até as possessões demoníacas do Evangelho e aos fenômenos extraordinários e constatados do magnetismo contemporâneo.

“A crença na existência dos Espíritos e sua intervenção no domínio da nossa vida ou melhor, o Espiritismo enfim, e a prática da evocação dos Espíritos, almas, anjos ou demônios, remonta à mais alta antiguidade, são tão velhos quanto o mundo.

“As sibilas romanas, evocando os mortos, interrogando os Espíritos, não são menos surpreendentes do que Tirésias e a pitonisa de Endor. Toda Roma se inclinava diante das decisões dessas profetisas e os maiores generais, antes de combater, consultavam as videntes, tão lúcidas como as pitonisas da Grécia. Vários santos padres reconheceram a existência e o valor de seus oráculos. O historiador Josefo fala dos versos da sibila da torre de Babel; S. Justino, S. Teófilo de Antioquia; Clemente de Alexandria e outros santos padres os citam e lhes fazem ilusão.

“Uma polêmica entre Celso e Orígenes, sobre a interpretação dos oráculos sibilinos parece provar que sua autenticidade não fora contestada pelos cristãos e vários dentre estes chamavam sibilistas, acreditavam, como temos dito, no seu valor profético.

“Persuadido de que um grande número de oráculos sibilinos eram favoráveis às ideias cristãs, Constantino, no concílio de Nicéia, seguindo o exemplo dos santos padres, não hesitou em citá-los, seja por seu valor intrínseco, seja pelo menos como argumento ad hominem.”

O abade Poussin, depois de haver remontado à antiguidade, para provar que o comércio com o invisível nada tinha de novo, toma conhecimento do que se há feito a respeito do Espiritismo contemporâneo e diz:

"Agora, para resumir e concluir, diremos aqueles que negam a existência e a possibilidade desses fatos: - Podeis admitir que tantas testemunhas sérias e graves, que estudaram friamente essas questões, tenham sido enganadas não diremos sobre a natureza ou essência do fato, mas sobre a realidade exterior do próprio fato? Quando teólogos, padres, sábios, católicos, como os Ventura, Matignon, Gury e os redatores da Civiltá Cattolica; racionalistas inteligentes e instruídos, como Figuier, Coquerel, Gasparin, bispos como os de Quebec, de Tours, de Mons; missionários como Huc, Bonduel e outros; quando todos estes Espíritos graves e sérios atestam os fatos mais insólitos, como podereis sustentar que eles acreditaram ver no que viam, ouvir o que não escutavam? Será preciso repelir o testemunho dos sentidos, admitir que vós somente, que negais, tendes razão e todos os outros, em massa, são os alucinados.

Mais uma vez ainda: uma mesa que bate, interroga, responde, levanta-se só no ar; uma invisível e fria mão que aperta a vossa; um lápis que escreve fatos que se passam à distância, tudo isso nada tem de comum com a arte, agora desvendada, dos nossos mais hábeis prestidigitadores, e não poderia escapar a velhos desconfiados e exercitados.
  
“Racionalista ou católicos, é mister, de bom ou mal grado, aceitar o grande número desses fatos estranhos que abalam a ciência e a teologia, as quais buscam penetrar o mistério.”

*

Ao Espírito inteligente do abade Poussin não passou despercebida a ação decisiva do Espiritismo em face do materialismo; a ele devemos, confessa, a destruição das ideias materialistas do século XVIII; no entretanto, em troca disso, solapa a igreja católica e mina pela base todo o edifício da revelação cristã.

A força de expressão, dá a entender que o monumento cristão, os Evangelhos, sofrem abalos e ameaçam ruir com o advento da revelação dos Espírito. Ora, esta objeção é sem fundamento, porque é nos Evangelhos que ela tem sua razão ser. O Espiritismo não veio destruir a lei, mas cumpri-la; a obra do homem, sim, sofre a ação purificadora que ele exerce. Se a doutrina dos Espíritos solapa a igreja católica, é porque esta apartou-se do Evangelho: seu objetivo é cristianizá-la.

Infelizmente predominou no entendimento do professor do seminário de Nice o demonismo, só compatível com as épocas obscuras, em contradição com a perspicácia do seu Espírito; não fora isto, a sua obra teria maior vulto; todavia, podemos afirmar que muito contribuiu, outrora e quiçá hoje ainda, para a propagação de uma crença que é tão velha quanto o mundo.

Dos ataques de toda natureza beneficia o Espiritismo; até mesmo do ridículo de que pretenderam cobri-lo, resultou ser conhecido. Os homens sérios, que habituaram por índole a examinar tudo, bem reconheceram logo a magnitude dos fatos que vieram marcar uma era para a humanidade.

E assim se comprova a sentença do velho e prudente fariseu Gamaliel: “se esta obra vem dos homens, ela se dissolverá; porém, se vem de Deus, não a podereis desfazer” (1).

(l) Atos dos Apóstolos, vers. 38.



terça-feira, 3 de setembro de 2019

Nos domínios da fé







Nos domínios da fé - 1
por Luiz de Oliveira
Reformador (FEB) Julho 1925

“Aquele que persevera até ao fim será salvo”. Jesus

Do mundo das inspirações benfazejas, em hora de meditação, quando a alma do crente, na contrição da prece, se transporta às regiões espirituais, em vibrações de amor, lhe transitam pela imaginação, plenas de luz e de harmonia, sugestivas melodias, portadoras do convite que os mensageiros do Alto dirigem aos viajores da Terra, dizendo-lhes: -

“Trabalhemos para a Vida
Com os olhos fitos no Além,
Porque o instante da partida,
Certamente, a todos vêm.

A Terra não nos pertence,
Quem a palmilha, contrito,
Vivendo para o Alto, vence
Etapas pelo Infinito !..

Acatando esse convite que os Trabalhadores Invisíveis nos dirigem, vamos trabalhar para a verdadeira vida.

Façamos a melhor jornada. Dispostos a sacrifícios, confiemos na palavra divina, ouvindo a promessa do Cristo às gerações que, em surtos e quedas, ora na
Terra, ora no espaço, fazem trânsito pelo mundo.

Trabalhemos estimulados pelas exortações animadoras do “Filho do Homem”, quando, em contato terreno com a turba, iniciando a era cristã, visando a humanidade de todos os tempos, carinhosamente dizia: - “Aquele que perseverar até ao fim será salvo!”

Nesse aviso, temos sentença e recompensa: sentença em virtude da qual se dermos mau emprego ao exercício da vida, em prejuízo do próximo e, por conseguinte, da lei de amor: - Amai-vos uns aos outros - o futuro nos será de expiadoras aflições; recompensa que, prometedora de melhores dias aos dedicados executores das instruções cristãs, garante ao homem ativo e esforçado na realização de obras meritórias, soberana paz nos santuários da eternidade, onde os que se sacrificam por amor à justiça, tranquilidade e progresso de seus semelhantes, vencendo, em etapas luminosas para as mais altas regiões, os mundos inferiores, destinados à vida embrionária da humanidade confusa, libertos da imperfeição, livres da ignorância, invulneráveis às sugestões orgulhosas dos estacionários e rebeldes, sentir-se-ão felizes, plenamente remunerados, ao cêntuplo, das aspirações mantidas através de todas as lutas.

Quem persevera até o fim tem direito a essa remuneração, porque, perseverar no Bem, praticando-o de ânimo forte, superior as instigações contrárias, sem esmorecimentos, sem recuar das dificuldades e provas que exigem muito amor, resignação, tolerância e inquebrantável fé, é crescer para a vida eterna, florir para Jesus, para o regaço da Divindade, numa grande paz, inesgotável e santa, abençoada pelo Senhor; é realizar etapas luminosas, conquistando, em gloriosa ascensão, farta recompensa portadora de perpétua felicidade e de maiores possibilidades, para as escaladas do progresso e da sabedoria nos departamentos do Infinito.

Não perseverar, afastar-se do dispositivo em que a fé se caracteriza por força da demonstração paciente, deixando-se ficar inerte e duvidoso, sem coragem
Para a luta, sem as energias do esforço, da crença, bem provada, para a vitória moral, é recusar-se ao caminho da espiritualidade, patenteando falta de confiança na Providência divina; é não querer aceitar a assistência heroica e magnânima do Cristo, nascendo numa manjedoura, irmanando-se aos pobres, acolhendo-os para seus discípulos, sorrindo, com indulgência, aos seus detratores e perdoando a seus verdugos, nos braços de um madeiro. 

Destarte, quem se não irmana à alma simples dos viajores obscuros, tratando-os com carinho, imitando-os na modéstia; quem se não faz complacente e tolerante, olvidando ofensas, orando por seus desafetos, para todos pedindo a misericórdia do Senhor; quem se revolta e blasfema, cuidando, na hora do sofrimento e das provações necessárias, que melhor fora não ter nascido, deserta, lamentavelmente, as estâncias da fé, precipitando-se na voragem da descrença, do desespero e do desânimo - despenhadeiro horrível em que o homem se não contenta com a promessa do reino espiritual e onde os aflitos d'alma, por não terem conseguido posições distintas, que os trabalhadores cristãos jamais pleiteiam, não raro e deixam arrastar, desorientados e cegos às soturnas regiões do suicídio, em cujo âmbito vão despertar, atônitos e confusos, para a jornada do arrependimento.

Quem assim proceda, afastando-se ingloriamente do caminho da perseverança, não se poderá livrar da sentença reservada aos que não souberem perseverar até ao fim; mas, ao tropeçar na pedra tumular, depois de haver entregue ao seio da “mãe comum” os despojos materiais, verificará que melhor fora perseverar, porque as dores e dificuldades, bem sofridas na travessia terrena, purificam o Espírito, aproximando-o da mansão divina, do reino anunciado por Jesus, para que possa receber na hora propícia a recompensa que o Senhor reserva aos servidores fieis.

Abandonar, por conseguinte, o caminho de perseverança, continência, resignação, simplicidade e tolerância, é contrapor-se à lei divina; é recusar-se à prova de disciplina espiritual, negando-se à obra edificadora, à sujeição meritória que, para exemplo aos viajores do mundo, o Cristo abnegadamente realizou, enaltecendo-se, por isso, nas fileiras humildes e obscuras dos pescadores e necessitados.  

Trabalhemos, pois, modelados pelo divino Mestre, desenvolvendo atividade produtora de frutos que alimentem o Espírito.

Desse modo, estimulando e fortalecendo os necessitados de ânimo, conseguiremos perseverar até o fim, colhendo e distribuindo energias sãs e perfeitas, garantidoras de paz.

Nos domínios da fé - 2
por Luiz de Oliveira
Reformador (FEB) Setembro 1925

“Não queiras para outrem o que rejeitarás, se te quisessem dar...”

            Cuidemos de nosso dever perante Deus, deixando-nos guiar pelo sopro inspirador dos emissários que o divino Mestre orienta e dirige para edificação da humanidade.

            Não nos afastemos da norma que nos seja traçada por esse critério superior, convindo, para esse fim, não descuidarmos o presente, perdendo o tempo em indagações e conjecturas vãs, preocupando-nos com o que nos possa advir e entregando-nos à voragem do pavor ante a dolorosa expectativa do amanhã sombrio...

            O presente pertence a quem o faz, o futuro a quem o prepara e distribui para as vidas que transitam em todos os departamentos e moradas do Infinito. O acorda de novo dia, para o que desperta, não depende da vontade do homem: determina-o a Sabedoria Divina, que o regulariza, recompensando a atividade meritória de quantos se encartam na existência, e não o trabalho egoístico dos ambiciosos que, esquecidos de nobilitarem o presente, tornam-se para a sociedade improdutivos e indesejáveis.

            Deus, premiando aos que se esforçam e ajudam na prática do amor fraterno, garante o futuro do viajor que o atende e se sabe contentar como o que lhe é permitido em cada dia da vida, dizendo-lhe: “Não queiras para outrem o que rejeitarás se te quiserem dar.”

Quem se descuida do amor ao próximo, blasfemando na adversidade, tornando-se, na abastança, indiferente aos que necessitam e sucumbem, humildemente, nos tentáculos da miséria; quem não faz bom uso do que recebe em obras de merecimento, por entender que, desse modo, deixará de acautelar os interesses pessoais; imprevidente e inútil para a coletividade; diante do tribunal divino, é semelhante à criança que constrói sobre a areia em castelo de cartas, a mercê do vento que o arrebata e o distribui pelos ares...

O homem que se não esquece do dever, impulsionado pelos sentimentos do bem, propelido para os domínios da fé – âmbito de luz garantidor de paz – constrói montanhas de felicidade – indestrutíveis rochas e, assim, meritoriamente, trabalha o dia que lhe é dado viver.

Orando e vigiando, portanto, não nos afastemos dessa rota que se vai desenhando, para não suceder que as emboscadas dos estacionários, a se fazerem ricos para a vida passageira e pobres para as alvoradas futuras na evolução eterna do Espírito, nos venham determinar a queda, por meio de maus conselhos ditados pela cegueira da alma, pelas sugestões que nos despertem ambições desmedidas, propelindo-nos ao despenhadeiro em que, rolando para a escuridão do túmulo e para a agonia da existência errante no prisma espiritual, também nos precipitaremos em tenebroso abismo...

Quem cumpre o seu dever semeia para o futuro e para ele armazena frutos que o sustentem, distribuindo boas ações e amando ao presente que lhe seja concedido pela Divindade.
  
Nos domínios da fé - 3
por Luiz de Oliveira
Reformador (FEB) Outubro 1925

“Ajuda-te que o Céu te ajudará”

Vence de ânimo forte as dificuldades da vida quem se não afasta da moral Cristã e nela procura equilibrar-se, alheando se do convencionalismo dos homens para se não escravizar às atrações materiais.

Na hora do sofrimento, das acerbas desilusões, quando a alma do que padece é experimentada, em sua resistência, pelos retardatários que a alvejem, não sucumbe o que se entrega à misericórdia do Senhor porque, amparado pelos protetores espirituais, na guerra que lhe ofereçam os inimigos da Luz, inspirando-se no Mártir do Calvário, para suportar resoluto as supremas investidas contrárias que lhe venham colocar em prova a fortaleza moral, fortalecido, se ente amparado pela ação benéfica dos mensageiros do Alto, aparelhando-o para vitoriosamente resistir às lutas que se desenhem.

O trabalho na vida terrena é áspero e bruto, mormente para o homem que
se esforça, desejoso de realizar existência cristã e desse objetivo se não distancia, preferindo, para mantê-lo, renunciar aos bens garantidores da fortuna material, quando a posse destes, resultando em prejuízo coletivo, lhe venha conturbar a pureza dos sentimentos, comprometendo-o perante o tribunal da consciência e invalidando-o para o convívio simples e pacífico dos que se alteiam nas veredas da fraternidade, recolhendo as bênçãos do Senhor.

Difícil, em verdade, a execução dessa tarefa; mas quem não se desvia desse
critério modelado pelo “Filho do homem”- Jesus de Nazaré - que, para nortear o espírito humano à conquista do prometido reino espiritual, nasceu em condição humilde, preferindo para seu progenitor um carpinteiro, a fim de demonstrar que o operário, em seu trabalho honesto, tem mais valor que o rico de ouro e pobre de sentimento; quem não afasta dessa diretriz não conhece barreira nem mortificação capazes de lhe amortecerem o vigor e anseios progressistas; antes, acionado pela fé, que se não caracteriza unicamente pela prece, porque – “nem todos os que dizem Senhor! Senhor! entrarão no reino do céus” - inspirando-se no divino Mestre, para se não desviar da prática do bem, sentir-se-á tranquilo e bem disposto, sempre apto para vencer na trajetória do progresso.

O homem de fé não perde nunca a esperança de melhores dias. Em situação precária, na miséria, na enfermidade, na hora acerba dsa fundas agonias, sente-se amparado pela caridade do Alto, que lhe transmite o alento renovador das energias inquebrantáveis, dando-lhe coragem e perseverança para não esmorecer na lutas. Então, a voz serena e persuasiva dos Instrutores divinos lhe vem dizer: “A impaciência é inimiga da evolução; originando-se da ignorância, impossibilita o progresso do Espírito, precipitando-o na violência, na exteriorização do orgulho que o desorienta e propele ao desespero, em cujo reduto, estacionário e insano, vomitando para o infinito a gargalhada rebelião, semeia ventos que passam o fermento das tempestades...”  

O homem de fé assim não procede, isto é, como o que semeia ventos... Ao contrário, modelando-se pelo Cristo, amando e distribuindo frutos de amor, de paciência e harmonia, com exemplos que edificam, trabalha, espera e progride sempre. Trabalha quanto pode, dentro da esfera de ação que lhe esteja determinada, para o bem comum; não visa recompensa aos benefícios que derrama e, deste modo, entregando-se à proteção divina, realiza a maior das fortunas que consiste, unicamente, na paz espiritual, pela consciência do dever cumprido.

Assim vive o homem de fé. De outro modo não deve agir o espírita cristão, pois, o que desta arte não procede deixa de cumprir o dispositivo divino: “Ajuda-te que o Céu te ajudará.”

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

A Traição de Judas


Traição de Judas

26,14  Então, um dos doze, chamado Judas Iscariotis, foi ter com os sacerdotes e perguntou-lhes: 
26,15  Que quereis dar-me e eu vo-Lo entregarei!  Ajustaram com ele trinta moedas de prata 
26,16  E, desde aquele instante, procurava uma ocasião favorável para entregar Jesus.

         Para Mt (26,14-16) -Traição de Judas - , encontramos em “Palavras do Infinito” de Humberto de Campos por Chico Xavier, o lindo trecho que reproduzimos abaixo:

Judas Iscariotis -

            Silêncio augusto cai sobre a Cidade Santa. A antiga capital da Judéia parece dormir o seu sono de muitos séculos. Além descansa Getsêmani, onde o Divino Mestre chorou numa longa noite de agonia, acolá está o Gólgota sagrado e em cada coisa silenciosa há um traço da Paixão que as épocas guardarão para sempre. E, em meio de todo o cenário, como um veio cristalino de lágrimas, passa todo o Jordão silencioso, como se as suas águas mudas, buscando o Mar Morto, quisessem esconder das coisas tumultuosas dos homens os segredos insondáveis do Nazareno.

            Foi assim, numa destas noites que vi  Jerusalém, vivendo a sua eternidade de maldições.

            Os espíritos podem vibrar em contato direto com a história. Buscando uma relação íntima com a cidade dos profetas, procurava observar o passado vivo dos Lugares Santos. Parece que as mãos iconoclastas de Tito por ali passaram como executoras de um decreto irrevogável. Por toda a parte ainda persiste um sopro de destruição e desgraça. Legiões de duendes, embuçados nas suas vestimentas antigas, percorrem as ruínas sagradas e no meio das fatalidades que pesam sobre o empório morto dos judeus, não ouvem os gemidos da humanidade invisível.

            Nas margens caladas do Jordão, não longe talvez do lugar sagrado, onde o Precursor batizou Jesus Cristo, divisei um homem sentado sobre uma pedra. De sua expressão fisionômica irradiava-se uma simpatia cativante.

            Sabe quem é este? - murmurou alguém aos meus ouvidos. Este é Judas.

            - Judas !?!

            - Sim. Os espíritos apreciam, às vezes, não obstante o progresso que já alcançaram, volver atrás, visitando os sítios onde se engrandeceram ou prevaricaram, sentindo-se momentaneamente transportados aos tempos idos. Então mergulham o pensamento no passado, regressando ao presente, dispostos ao heroísmo necessário do futuro. Judas costuma vir à Terra, nos dias em que se comemora a Paixão de Nosso Senhor, meditando nos seus atos de antanho...

            Aquela figura de homem magnetizava-me. Eu não estou ainda livre da curiosidade do repórter, mas entre as minhas maldades de pecador e a perfeição de Judas existia um abismo. O meu atrevimento, porém, e a santa humildade do seu coração, ligaram-se para que eu o atravessasse, procurando ouvi-lo.

            -O senhor é, de fato, o ex-filho de Iscariotis? - perguntei.

            -Sim, sou Judas - respondeu aquele homem triste, enxugando uma lágrima nas dobras de sua longa túnica.

            Como o Jeremias, das Lamentações, contemplo às vezes esta  Jerusalém arruinada, meditando no juízo dos homens transitórios...

            - É uma verdade tudo quanto reza o Novo Testamento com respeito à sua personalidade na tragédia da condenação de Jesus?

            Em parte... Os escribas que redigiram os evangelhos não atenderam às circunstâncias e às tricas políticas que acima dos meus atos predominaram na nefanda crucificação. Pôncio Pilatos e o tetrarca da Galileia, além dos seus interesses individuais na questão, tinham ainda a seu cargo salvaguardar os interesses do Estado romano, empenhado em satisfazer as aspirações religiosas dos anciãos judeus. Sempre a mesma história. O Sinédrio desejava o reino do céu pelejando por Jeová, a ferro e fogo; Roma queria o reino da Terra.  Jesus estava entre essas forças antagônicas com a sua pureza imaculada. Ora, eu era um dos apaixonados pelas idéias socialistas do Mestre, porém o meu excessivo zelo pela doutrina me fez sacrificar o seu fundador. Acima dos corações, eu via a política, única arma com a qual poderia triunfar e  Jesus não obteria nenhuma vitória. Com as suas teorias nunca poderia conquistar as rédeas do poder já que, no seu manto de pobre, se sentia possuído de um santo horror à propriedade. Planejei então uma revolta surda como se projeta hoje em dia na Terra a queda de um chefe de Estado. O Mestre passaria a um plano secundário e eu arranjaria colaboradores para uma obra vasta e enérgica como a que fez mais tarde Constantino Primeiro, O Grande, depois de vencer Maxêncio às portas de Roma, o que aliás apenas serviu para desvirtuar o Cristianismo. Entregando, pois, o Mestre, a Caifás, não julguei que as coisas atingissem um fim tão lamentável e, ralado de remorsos, presumi que o suicídio era a única maneira de me redimir aos seus olhos.

            - E chegou a salvar-se pelo arrependimento?

            - Não. Não consegui. O remorso é uma força preliminar para os trabalhos reparadores. Depois da minha morte trágica, submergi-me em séculos de sofrimento expiatório da minha falta. Sofri horrores nas perseguições infligidas em Roma aos adeptos da doutrina de Jesus e as minhas provas culminaram em uma fogueira inquisitorial, onde, imitando o Mestre, fui traído, vendido e usurpado. Vítima da felonia e da traição deixei na Terra os derradeiros resquícios do meu crime, na Europa do século XV. Desde esse dia, em que me entreguei por amor do Cristo a todos os tormentos e infâmias que me aviltaram, com resignação e piedade pelos meus verdugos, fechei o ciclo das minhas dolorosas reencarnações na Terra, sentindo na fronte o ósculo de perdão da minha própria consciência...

            -E está hoje meditando nos dias que se foram...  pensei com tristeza.  

            -Sim, estou recapitulando os fatos como se passaram. E agora, irmanado com Ele, que se acha no seu luminoso Reino das Alturas que ainda não é deste mundo, sinto nestas estradas o sinal de seus divinos passos. Vejo-O ainda na cruz entregando a Deus o seu Destino...  Sinto a clamorosa injustiça dos companheiros que O abandonaram inteiramente e me vem uma recordação carinhosa das poucas mulheres que O ampararam no doloroso transe...  Em todas as homenagens a Ele prestadas, eu sou sempre a figura repugnante do traidor...  Olho complacentemente os que me acusam sem refletir se podem atirar a primeira pedra...  Sobre o meu nome pesa a maldição milenária, como sobre estes sítios cheios de miséria e de infortúnio. Pessoalmente, porém, estou saciado de justiça, porque já fui absolvido pela minha consciência no tribunal dos suplícios redentores.

            Quanto ao Divino Mestre - continuou Judas com os seus prantos - infinita é a sua misericórdia e não só para comigo, porque se recebi trinta moedas, vendendo-O aos seus algozes, há muitos séculos Ele está sendo criminosamente vendido no mundo a grosso e a retalho, por todos os preços, em todos os padrões do ouro amoedado...

            -É verdade - concluí - e os novos negociadores do Cristo não se enforcam depois de vendê-lo.
            Judas afastou-se tomando a direção do Santo Sepulcro e eu, confundido nas sombras invisíveis para o mundo, vi que no céu brilhavam algumas estrelas sobre as nuvens pardacentas e tristes, enquanto o Jordão rolava na sua quietude como um lençol de águas mortas, procurando um mar morto.

            Humberto de Campos”

(Página recebida em Pedro Leopoldo a 19 de Abril de 1935)