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domingo, 6 de agosto de 2017

Esquisitices e Espiritismo


Esquisitices e Espiritismo
Vianna de Carvalho por Divaldo Franco
Reformador (FEB) Novembro 1972

            Ressumam com frequência nos arraiais da prática mediúnica esdrúxulas superstições que tomam corpo, teimosamente, entre os adeptos menos esclarecidos do Espiritismo, grassando por descuido dos estudiosos, que preferem adotar uma posição dubitativa, malgrado a coerência doutrinária de que sobejas vezes deu mostras o insigne Codificador.

            Pretendendo não se envolver no desagrado da ignorância que se desdobra sob a indumentária de fanatismos repetitivos, alguns espíritas sinceros, encarregados de esclarecer, consolar e instruir doutrinariamente o próximo, fazem-se tolerantes com erros lamentáveis, em detrimento da salutar difusão da Doutrina de Jesus, ora atualizada pelos Espíritos Superiores. A pretexto de não contrariarem a petulância e o aventureirismo, cometem o deplorável engano de compactuarem com o engodo, desconcertando as paisagens da fé e, sem dúvida, conspurcando os postulados kardequianos, que pareceriam aceitar esses apêndices viciosos e jargões deturpadores como informações doutrinárias.

            É natural que a expansão de qualquer ideia de enobrecimento experimente a problemática da superfície em oposição ao valor da profundidade, empalidecendo momentaneamente. Como consequência, todo ideal que se desenvolve celeremente sofre o perigo de desgaste e desfiguração, caso não se precatem aqueles que se tornam propugnadores de suas virtualidades e ensinamentos, especialmente com o porte que caracteriza a Doutrina Espírita.

            De um lado, é a ausência de estudo sistemático, de autodidatismo espirítico haurido na Codificação, de atualização doutrinária em face das conquistas do moderno pensamento filosófico e tecnológico; doutro, é o desamor com que muitos confrades, após se adentrarem no conhecimento imortalista, mantêm atitude de indiferença, resguardando a própria comodidade, por egoísmo, recusando-se a experimentar problemas e tarefas caso se empenhassem na correta difusão e no eficiente esclarecimento espírita; ainda, por outra circunstância, é a falsa super valorização que se atribuem muitos, preferindo a distância, como se a função de quem conhece não fosse a de elucidar os que jazem na incipiência ou na sombra das tentativas infelizes; e, por mal dos males, é porque diversos preferem a falsa estima em que se projetam ilusoriamente, em lugar do aplauso da consciência reta e do labor retamente realizado...

            ...E surgem esquisitices que viram manchetes do sensacionalismo da imprensa, mais interessada na divulgação infeliz, que atrai clientes, do que na Informação segura, que serve como luzes do esclarecimento eficiente.

            Médiuns e médiuns pululam nos diversos campos da propaganda, autopromovendo-se, mediante ridículos conciliábulos com as fantasias vigentes no báratro em que se converteu a Terra, sem aferição de valores autênticos, com raras exceções, conduzindo, quase sempre, a deplorável vulgaridade a nobre mensagem dos Céus, assim chafurdando levianamente nos vícios em que incorrem. Fazem-se instrumentos de visões extravagantes e dizem-se dialogando com anjos e santos desocupados, quando não se utilizam, ousadamente, dos venerandos nomes do Cristo e de Maria, dos Apóstolos como dos eminentes sábios e filósofos do passado, a retomarem com expressões da excentricidade, abordando temas de somenos importância em linguagem chã, com despautérios, em desrespeito às regras elementares da lógica e da gramática, na forma em que se apresentam. Pareceria que a desencarnação os depreciara, fazendo-os perder a lucidez, o patrimônio moral-intelectual conseguido nos longos sacrifícios em que se empenharam arduamente. Prognosticam, proféticos, os fins dos tempos e, imaginosos, recorrem ao pavor e à linguagem empolada, repetindo as proezas confusas de videntes atormentados do pretérito, atormentados que são, a seu turno, no presente.

            Utilizando-se das informações honestas da Ciência, passam à elaboração de informes fantásticos, ensaiando débeis vagidos de "ciência-ficção", desencadeando debates com arrimo em provas inexpressivas retiradas de lacônicos telegramas das agências noticiosas, com que esperam positivar seus informes sobre a vida em tais ou quais condições nesse ou naquele planeta do sistema solar, ou noutra galáxia que se lhes torne simpática, como se a Doutrina já não houvera oportunamente conceituado com segurança a questão, à Ciência competindo o labor de trazer a sua própria afirmação, sem incorrerem os espiritistas no perigo do ridículo desnecessário.

            Outras vezes, entregam-se à atualização de antigas crendices e feitiços, enredando os neófitos em mancomunações com Entidades infelizes, ainda anestesiadas pelos tóxicos da última encarnação, vinculadas às impressões do em que acreditavam e se demoram cultuando... Estimulam, assim, o vampirismo, inconsequentes, aumentando o número de obsidiados, por meio de conúbios nefários em que padecem demoradamente...

            Receitam práticas estranhas e confusas, perturbando as mentes que se encontram em plena infância da cultura como da experiência superior, tornando-se chefes e condutores cegos que são, a conduzirem outros cegos, terminando, conforme a lição evangélica, por caírem todos no mesmo abismo...

            O Espiritismo é simples e fácil como a verdade, quando penetrado. Deixá-lo padecer a leviana aventura de pessoas irresponsáveis, ingênuas ou malévolas é gravame de que não se poderão eximir os legítimos adeptos da Terceira Revelação.

            Como não é lícito fomentar debates ou gerar discussões improdutivas, cabem, frequentemente, sempre que possíveis, as honestas informações que levem a distinguir entre Doutrina Espírita e doutrinas espiritualistas, prática espírita e práticas mediúnicas, opinião espírita e opiniões medianímicas, calcadas tais elucidações na Codificação Kardequiana que delineou, aliás, com muita propriedade, as características do Espiritismo, conforme se lê na Introdução de "O Livro dos Espíritos", estando presentes em todo o Pentateuco, que desdobra os postulados mestres em magníficos estudos de perfeita atualidade, a resistirem a todas as investidas da razão, da técnica e da fé contemporâneas.

            A função de terapia moral do Espiritismo é incomparável. Torná-lo reduto de banalidades e imediatismos, convertendo-o em mesa farta de frivolidades, seria conspurcá-lo dolorosamente.

            Doutrina de comportamento, imprime nos adeptos integridade e dignificação, constituindo rota e veículo de progresso a todo aquele que aspire a mais fecundos horizontes, ambicionando perspectivas mais felizes para si e para o próximo.

            Aprofundar, portanto, estudos, no seu organismo doutrinário, é dever de todo espírita consciente, que passará a lecioná-lo, como decorrência do auto aprimoramento, com segurança e lucidez, não permitindo que a urze do absurdo ou o escalracho da fantasia se lhe imiscuam, gerando dificuldades compreensíveis nas mentes necessitadas e nos espíritos sofridos que pululam em toda parte, sedentos da água viva do Consolador Prometido, que já se encontra na Terra há mais de um século, prenunciando o período de felicidade que se avizinha e de que nos deveremos constituir pioneiros, pela forma como apresentarmos e vivermos o Espiritismo com Jesus.


Com Amor

Com Amor
Roque Jacintho
Reformador (FEB) Novembro 1972

            O amor possessivo, que caracteriza a fase evolutiva da maioria das criaturas matriculadas na escola terrena, tem uma de suas mais dolorosas manifestações no drama afetivo diante da partida daqueles que fizeram breve trânsito pelo orbe.

            Na realidade, diante de alguém que participou de nossa constelação familiar e é chamado de retorno à Pátria Espiritual, poderemos nutrir desalento e sensação de quase revolta, lamentando lhe a ausência.

            Quanto menos soubermos respeitar as suas necessidades individuais, quanto
menor for o tirocínio religioso para compreender a finalidade de sua encarnação - mais ampliaremos a área do desajuste afetivo, alimentando dolorosas queixas, com as quais queremos exprimir nossa dor.

            À proporção, porém, que soerguermos nossa visão para os horizontes espirituais da Vida Maior mais respeitaremos os ausentes, sem nos enredarmos nas tramas do desequilíbrio emotivo.

            Não significa isto menos amor e sim menos possessão. Não significa isto simples, resignação inconsciente às leis divinas e sim mais entendimento para os quadros evolutivos individuais, que nem sempre conseguimos abarcar.

            Quando, pois, o amor se tornar mais afeto e menos sentimento de propriedade, saberemos interpretar a bênção do reencontro, nas pautas das leis da reencarnação, e aceitaremos a ausência dos familiares queridos com saudade, sem desespero, rejubilando-nos por saber cumprida uma das etapas de suas lutas redentoras.

            Mais amor e menos sentimento de posse revela o grau de espiritualização
que houvermos alcançado.

            Acolhamos com sabedoria e serenidade a lição do túmulo vazio que Jesus nos legou em seu Evangelho de amor e aceitemos com fé, confiança, amplo descortinio - que todo Espírito vem de Deus e realiza sua regeneração, vencendo etapas, coparticipando de nossas experiências na posição de familiar, parente querido - sem que venha a pertencer-nos. 

            O que une as criaturas, os únicos laços indestrutíveis, na consolidação das famílias espirituais, são os do amor com respeito, esmaecendo em nós o instinto da posse.

            Menos escravizados aos conceitos materiais - saberemos que as almas que

se amam estão vinculadas a Jesus e nada poderá separá-las, no fluir dos milênios, porque não se separa na Terra o que Deus ajuntou. 

A missão do pregador do Evangelho


A missão do pregador do Evangelho
Benedicto de Godoy Paiva
Reformador (FEB) Fevereiro 1942

"É chegada a hora. Eis que o Filho do Homem vai ser entregue às mãos
dos pecadores. Levantai-vos; vamos. Eis que está perto o que me trai" (Marcos 14:41).

Eis ai o trecho final do último colóquio de Jesus com os seus três abnegados companheiros - Pedro, Tiago e João, pouco antes de ser conduzido preso. Eis, também, como terminou a grande missão do maior pregador do Evangelho - do homem que "falava como ninguém ainda falou". Terminou a sua missão vitimado pela traição, por parte de um dos seus próprios auxiliares de divulgação da doutrina que ele trouxera ao mundo.

Não somos melhores do que Jesus, bem longe estamos dele: portanto, sirva esse fato de consolo aos pregadores do Evangelho do Cristo, todas as vezes que, atingidos por forças adversas, se sentirem enfraquecidos na sua gloriosa, mas espinhosa missão, de continuadores da divulgação dos ensinos que o Mestre nos legou.

Jesus foi perseguido por toda parte. As forças do mal empregavam os maiores esforços e lançavam mão de todos os artifícios possíveis para desencoraja-lo e Ele, sabendo disso, prevenia seus discípulos: "Eis que vos mando como ovelhas ao meio de lobos". "Haveis de ter aflições no mundo; mas, tende confiança: eu venci o mundo". "Se chamaram de Belzebu ao pai de família, que não dirão dos seus domésticos?"

O pregador do Evangelho do Cristo deve estar alerta às ciladas das forças do mal. Sua missão é cheia de tropeços e perigos. Inimigos encarniçados tramarão a sua perda. Ele será alvo da maledicência, da calúnia, da traição, mesmo dos que lhe pareçam mais dedicados amigos e companheiros. As suas melhores lições serão desprezadas e as suas intenções adulteradas, mesmo pelos que se dizem cristãos, e disso nos dá prova o "texto" que encima estas linhas. O grande apóstolo Paulo já nos prevenia de que “satanás” se transforma em "anjo de luz", e Judas, caminhando ao lado do divino Mestre, com a intenção de o trair, nos dá um exemplo bem frisante do que pode ser o "anjo de luz" que serve de instrumento às forças contrárias ao bem, sob o disfarce de cristão.

O Espírito que assistia a Allan Kardec, quando este codificava a doutrina espírita, disse-lhe, certa vez: "Para levares a termo a tua missão, é preciso fé e vontade inabaláveis; é preciso abnegação e coragem para sofreres as injúrias, os sarcasmos, as decepções, sem te abateres aos botes da inveja e da calúnia. Deixa que digam e falem o que quiserem. Tudo passa, exceto a felicidade eterna. Tudo te será contado e bem sabes que é necessário, para ser alguém feliz, ter contribuído para a felicidade dos pobres seres de que Deus povoou a Terra."

O pregador do Evangelho nunca deve esquecer as recomendações feitas pelo apóstolo Pedro, no capítulo 4, vers. 14, de sua Primeira Epístola: "Se fordes vituperados pelo nome do Cristo, bem aventurados sereis, porque o que há de honra, de glória, de virtude de Deus, e o espírito, que é dele, repousam sobre vós. Se padecem como cristãos, não vos envergonheis disso; mas, glorificai a Deus".

E, mais adiante: "Sede sóbrios e vigiai, porque o diabo, vosso adversário, anda ao redor de vós, como um leão que ruge, buscando a quem possa tragar. Resisti-lhe, fortes na fé, sabendo que os vossos irmãos espalhados pelo mundo sofrem a mesma tribulação."

As denominações de "diabo", "belzebu”, "Satanás" e outras não têm, para nós espíritas, a significação que os homens lhes deram; porém, as influências más, expressas por esses vocábulos, são uma terrível realidade e o pregador do Evangelho precisa estar prevenido contra elas, para não ser apanhado de surpresa e não sucumbir à "tentação".

Quantos Centros Espiritas não se tem desmantelado devido a uma pequenina pedrinha, jogada com habilidade e maestria contra as pessoas dos seus presidentes! Quantos pregadores do Evangelho não se afastam da sua missão, feridos por um espinho habilmente escondido na estrada que tem de palmilhar e colocado ali habilidosamente!

O pregador do Evangelho precisa estar alerta contra esses golpes traiçoeiros e manter-se firme no seu posto, pois o bom pastor não abandona as suas ovelhas, mesmo à vista do lobo! A missão do pregador do Evangelho foi-lhe confiada por Deus e não pelos homens; portanto, a Deus ele terá de dar conta dos "talentos" que lhe foram confiados, não podendo desculpar-se com a necessidade de "enterrá-los", para os ocultar aos olhares cobiçosos ou invejosos dos outros!

Sejamos fortes e sigamos o conselho de São Tiago (cap. 4, vers. 7 de sua Epístola): "Resisti ao diabo e ele fugirá de vós" e, quando nos sentir-mos desanimados, por qualquer motivo, no desempenho da gloriosa missão da pregação do Evangelho de Jesus, ouçamos os conselhos do Apóstolo Paulo a Timóteo: "Trabalha como um bom soldado de N. S. Jesus Cristo, porque virá tempo em que muitos homens não sofrerão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos ouvidos, acumularão para si doutores, conforme as suas próprias concupiscências; tu, porém, vigia em todas as coisas, sofrendo as aflições. Faze a obra de um Evangelista; cumpre o teu ministério".

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Perguntas de um Pastor


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Cortinas de fumaça
Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Dezembro 1942

No piedoso intuito de mostrar as maleficências do Espiritismo, o digníssimo reverendo Zioni, quando não dá ensanchas ao gênio inventivo, arma umas frases que ninguém entende. E é fácil saber porque.

Pretende ele desvirtuar, deturpar os ensinos ou os fatos espíritas, mas não quer que o apanhem em falso. Põe-se, então, a ajeitar os períodos, e, sobretudo, a enfumaçá-los, a fim de que passe por verdade o "maranhão" (mentira bem engendrada) que nos esteja a apresentar. Senão, vejamos esta, a título de amostra:

"A primeira vista, sob o aspecto social evidencia-se o Espiritismo como uma instituição beneficente aos que sofrem as dolorosas taras bio-psicológicas de uma hereditariedade infeliz. A Santa Igreja, sempre de atalaia, proibiu aos seus filhos a menor contribuição a essas instituições, sectárias do erro e de intentos perversos ... " (O Probl. Esp. Pág. 9)

Perceberam? Provavelmente, não. Nós, porém, que lidamos há muito com o "pessoal", com cujas manhas estamos familiarizado, já vamos explicar a coisa e o que ele quer dizer na sua.

Como se vê, fala-se ali em "instituições beneficentes". Todos sabem que, em Espiritismo, há essas instituições. Não existe ninguém, mediocremente esclarecido, que não julgue supinamente estúpido combate-las. Mas, a Igreja as combate; lançam-se lhe anátemas de todos os púlpitos; não deixa de entrar com seu contingente o padre Zioni.

Para justificar, então, assim a arrancada ofensiva, como para desmoralizar as ditas instituições, o professor lança aquela cortina de fumaça: "instituição beneficente aos que sofrem as dolorosas taras bio-psicológicas de uma hereditariedade infeliz". E reforça o período nebuloso, com epítetos, desta vez claros, à guisa de solução do enigma: - "instituições sectárias do erro e de Intentos perversos".

Ora, os asilos espiritas são abrigos de órfãos, casas de velhos, tabernáculos para os desamparados. Neles se socorrem, indistintamente, a todos.

Nunca, absolutamente nunca, nunca jamais, constou a ninguém que se andassem catando especialmente para os abrigos os sofredores de taras, os herdeiros infelizes. Donde viria, para o padre, essa finalidade das instituições?..

Clara, a manganilha (artimanha): Trata-se de conspurcar a beneficência espírita. Não sabendo como atingir o alvo e receoso de que desse muito na vista a protérvia (petulância), arranjou S. R. aquela frase, por onde se insinuava a maranha (fibras embaraçadas). Antevendo o risco de ser colhido em flagrante embuste, foi entrevando o período; besuntou-o de termos impressionantes, para que a casca do trovisco (tipo de arbusto venenoso) produzisse nas ideias as necessárias empolas (bolhas) e ficassem todos a crer que as beneficências estavam ligadas a taras infelizes e hereditariedades do mesmo jaez.

O ilustre ministro de Deus - vejam só a quanto leva o sacrifício pelas coisas divinas - faz ali o papel de melga, mosquito que pica sem zunir.

*

Constam em muitos estatutos das malsinadas instituições, que nelas não se faz questão do credo dos protegidos. Católicos ou protestantes, espíritas ou não, são eles aceitos de acordo com sua indigência ou infelicidade. Em muitas dessas mansões de amor fraterno, o asilado exerce o culto que entende. O que nelas se procura é prestar socorro, tão somente.

Mas não tinha que ver! O padre precisava escurecer aquilo tudo. Fazia-se mister denegrir a caridade espírita e, de outra mão, inocentar a campanha agressiva dos seus correligionários e a dele, inclusive. E vai daí, lançou aquela caligem (escuridão, trevas) das taras bio-psicológicas e da hereditariedade infeliz, com o acréscimo da terrível objurgatória - instituições sectárias do erro e de intentos perversos.

Tivesse S. Reverendíssima, ainda que por momentos, o desejo de explicar-se, ou pelo menos esclarecer-nos um pouco, e nós lhe perguntaríamos porque, apanhando uma criança ao desamparo, a quem morreram os pais, ou que estes abandonaram, são obrigados os espíritas a responder pelas taras bio-psicológicas, ou têm alguma coisa que ver com as hereditariedades Infelizes: ou porque há de haver sempre uma hereditariedade infeliz ou uma tara psicológica, num indivíduo a quem as asperezas da sorte ou as desgraças do mundo lançaram na orfandade, ou cobriram de andrajos na velhice.

E indagaríamos, ainda, ao honrado reverendo, porque será instituição sectária do erro a que procura dar em vez de receber, a que recolhe sem nada indagar, a que não estabelece condições para o amparo, a que consola em vez de excomungar, a que enaltece em vez de humilhar.

Onde estarão os intentos perversos, numa obra de caridade, em que se dá tudo e não se pede nada?..

Em resumo: não sabendo como aviltar as instituições de benemerência espírita, o professor mascara o seu período com uma transe bombástica e obscura, onde fala em bio-psicologia, em taras, em hereditariedades infelizes, sem que se saiba porque os beneficiados hão de ter essas taras e essas hereditariedades, nem se compreenda a culpa que delas cabe aos espíritas beneficiadores. Mas, a frase lá fica para turvar o merecimento da obra. E para achatá-la de veras, dado o caso de que o mistifório (confusão) não produza o desejado efeito, atira o padre a contumélia (insulto, afronta) final: instituições de intentos perversos.

Está justificada a Igreja no seu anátema. A Igreja e ele!

E depois daí, o honrado sacerdote continua a folhear tranquilamente o seu breviário e o erudito professor a esparzir as luzes do seu conhecimento e os benefícios da sua justiça por sobre as promissoras cabeças dos seminaristas do Ipiranga!
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A crença cega é morta, comparável à luz mortiça dos ambientes fechados. É preciso ler, estudar, perquirir sempre, como quem sabe que o progresso e a verdade são infinitos.
Procurem os bons livros e terão adquirido um cabedal de vida eterna, patrimônio da alma.
  

As perguntas de um Pastor
Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Dezembro 1943


Um pastor protestante, em S. João da Boa Vista, S. Paulo, lança-nos 8 perguntas, que tem como irrespondíveis.

Elas vêm ao pé de um longo artigo, como tiro de misericórdia. É para matar de vez. E assim diz: "Finalizando, ofereço aos curiosos umas perguntinhas práticas que devem ser feitas aos chefes espíritas idôneos.”

Não sei se as perguntas se dirigem aos chefes espíritas idôneos ou aos curiosos. Como quer que seja, são pontos que merecem ventilados, e embora não me inculque curioso ou chefe espírita idôneo, vou tentar responder-lhes, tão certo é também parecer impolidez deixar sem resposta uma pergunta.

Lá vai a primeira:

"1. Porque no Livro dos Espíritos resposta 625, se diz que Jesus é o mais perfeito guia e modelo, e o espiritismo desprezou o Evangelho de Cristo, para elaborar um Evangelho segundo o Espiritismo?...

Quem disse, a não ser o pastor, que o Espiritismo desprezou o Evangelho do Cristo? E como desprezou? E porque desprezou? E onde desprezou?

Quando se declara - o Evangelho segundo S. Lucas, ou S. Marcos, ou S. Mateus, ou S. João, pretenderá alguém que o Evangelho do Cristo foi desprezado?

O Evangelho segundo João, Mateus, Marcos ou Lucas é o Evangelho do Cristo, que eles escreveram; o Evangelho segundo o Espiritismo é o Evangelho do Cristo que os Espíritos interpretaram.

Nem ao menos o Evangelho conforme os Espíritos se desvia, se aparta ou difere daqueles apresentados pelos evangelistas. Os Espíritos aceitaram o espírito do Evangelho, de modo absoluto, e a letra, com poucas divergências. Como, porém, a letra mata e o espírito vivifica, trataram de vivificar os ensinos do Senhor para que os não matasse a letra obscura, que os exegetas não compreenderam e que as seitas do Cristianismo mantêm, em risco de prejudicar todo o monumental edifício que o Mestre erigiu.

Assim, por exemplo, no Velho e no Novo Testamento se declara que o Criador quer a salvação do ímpio, a regeneração do pecador, a remissão do pecado, a reunião das ovelhas sob um só pastor.

Mas no texto sagrado se fala do fogo eterno. Logo daí inferiram a existência do inferno. E ficou o Pai, cheio de infinita bondade, a criar um instituto de infinito horror; e ficou o onisciente, o onipotente, desejando e prescrevendo umas tantas ordenanças que não se obedecem; e estabelecendo umas tantas leis que não se cumprem.

Por obviar a este disparate, os Espíritos trouxeram à terra os necessários esclarecimentos sobre o que podia ser o fogo eterno, ou seja o fogo da purificação, que não se apaga.

Destarte, foram varrendo as nuvens que obumbravam os horizontes da palavra divina, e daí O Evangelho segundo o Espiritismo. Mas os Evangelhos são os mesmos, é o mesmo espírito das lições de Jesus: são os textos, como no-los referem os seus discípulos.

Donde sairia, portanto, o desprezo do Evangelho? Cabe, agora, ao pastor, a vez de responder.

A segunda pergunta é esta:

"Porque Jesus admitiu sofrimento sem culpa numa existência anterior (Evang. S. João 9:1-8) e o Espiritismo dogmatiza que o sofrimento tem sua explicação nos mates cometidos numa existência anterior.

Por mais que lêssemos e examinássemos os versículos apontados, não vimos onde Jesus admite "sofrimento sem culpa numa existência anterior" .

Dir-se-ia que o ilustre inquiridor está escrevendo para quem não conhece as Escrituras ou não as pode adquirir.

O que o texto diz é o seguinte:

"E ao passar viu Jesus um homem, que era cego de nascença, seus filhos lhe perguntaram: Mestre, que pecado cometeu este homem ou cometeram seus pais, para que nascesse cego? Respondeu-lhes Jesus: Nem ele pecou nem pecaram seus pais: isto assim é para que nele se manifestem as obras do poder de Deus."         

Quem nega ali a existência do sofrimento anterior?

Os discípulos só se poderiam referir à época presente, visto que nada conheciam de vidas pretéritas. Jesus lhes respondeu conforme à pergunta que fizeram, isto é, que, naquela vida, nem ele nem o pai pecaram.

As obras do poder de Deus podem ser interpretadas de diversos modos, se é que foi precisamente assim que falou Jesus.

Penso eu que estas obras seriam o poder de sua justiça, que seguia o seu curso. Era a dívida contraída que se saldava; era o final da expiação, - e tínhamos, então, nele, paciente, verificadas as obras do Criador.

Essa interpretação tem a vantagem de satisfazer a razão; por ela poderemos compreender a equidade de Deus. Por isso é que os Espíritos vieram elucidar os Evangelhos. O que não se compreenderia é que o Onipotente lançasse um cego no mundo, e o fizesse sofrer, só para que, a folhas tantas, tivesse o inefável prazer de operar um milagre, e mostrar aos discípulos, embasbacados, o seu formidando poder.

Esse procedimento estaria, por certo, muito de acordo com as mentes enfatuadas e pueris dos tiranetes deste mundo. Não se ajustaria, porém, à excelsa magnitude do Pai da Criação,

Isto posto, vamos à terceira pergunta:

"3. Porque o Espiritismo ensina a caridade, se ela atrasa o processo de purificação, por diminuir o sofrimento do padecente?"

Permita S. R. que lhe faça outra pergunta:

A cartilha, por onde reza o eminente pastor, diz o seguinte:

"Pelo decreto de Deus e para a manifestação de sua glória, alguns homens e alguns anjos são predestinados para a vida eterna e outros preordenados para a morte eterna." (Confissão de Fé e os Catecismos da Igreja Presbiteriana).

E mais:

"Segundo o inescrutável conselho de sua própria vontade, pela qual ele concede ou recusa misericórdia, como lhe apraz, para a glória do seu soberano poder sobre as suas criaturas, o resto dos homens, para louvor de sua gloriosa justiça, foi Deus servido não contemplar e ordená-los para a desonra e ira por causa dos seus pecados."

Das Sagradas Escrituras, conforme as entende e traduz o douto pastor, transparece que Deus cega e endurece suas criaturas, recusa-lhes a graça pela qual poderiam ser iluminadas em seus entendimentos e movidas em seus corações; tira-Ihes, ainda, os dons que já possuíam e as expõem a objetos que lhes propiciam os pecados; entrega-as às próprias paixões, às tentações do mundo, ao poder de Satanás. E, assim, o Senhor, enquanto emprega meios para o abrandamento de uns, trata de endurecer outros.

Tudo isto parece curial e deve ser de uma grande justiça, diante do nosso digno contestante. Mas o que eu tinha a perguntar era o seguinte: Se os indivíduos estão previamente fadados para a vida eterna e para a morte eterna; se o que impera e dirige o mundo é o arbítrio divino, que emprega meios para o abrandamento de uns e o endurecimento de outros; se tudo está preordenado, predestinado, preestabelecido, que adianta o pastoreio do eminente contraditor?

"Deus, para sua própria glória, predestinou tudo que acontece, especialmente com referência aos anjos e aos homens."

           E ainda "para patentear sua gloriosa graça escolheu alguns homens para a vida eterna e os meios para consegui-la, e deixou e predestinou os mais à desonra e à ira." (O Catecismo Maior).

Entretanto continua o Sr. pastor o santo apostolado de encaminhar as almas, de dirigir o rebanho, e, perseverante no magistério, não se lembrou de que perde o tempo, visto que a vontade divina é um imperativo contra o qual de nada valem os trabalhos, as canseiras, as lutas do preclaro escritor.

Porque, ainda, faz uso da tribuna e da pena, porque não esmorece no seu poder combativo, porque ataca implacavelmente o Espiritismo, se lhe não cabe mover um grão de areia contra a ordem estabelecida pela providência, pela previdência, pela presciência pela vontade imutável do Criador?..

E enquanto fica o digno ministro protestante de S. João da Boa Vista a refletir nestas perguntas, passo eu a responder às suas.

A prescrição do Pai é que façamos a caridade. O Cristo só indagará, quando tiver que colocar uns à direita e outros à esquerda, se eles deram de comer, de beber, de vestir...   Desse modo, o Espiritismo estabeleceu que fora da Caridade não há salvação.

Os indivíduos, a quem estão reservadas as provas, passarão por elas infalivelmente. Teremos que lhes assistir ao sofrimento, de braços cruzados, como acontece agora diante das desgraças que assolam o mundo. Parecem sob o ferro, o fogo, as inundações, pela fome, pelo frio, pela tortura; passam por todas as dores possíveis, os nossos pobres irmãos, nos quatro cantos da Terra. Que lhes podemos fazer? Não nos é permitido minorar-lhes o sofrimento, anda que o queiramos. Cumpre-se, portanto, a lei, sem os receios que afligem Sua Reverendíssima, - o de que se atrase o processos de purificação.

A nossa caridade será, em alguns dos casos, em pura perda. Se ela, porém, se perde em relação àquele que dela é objeto, não se perderá nunca para quem a pratica.

É esta a principal razão da caridade, pastor amigo. E aí tem elucidada a sua terceira pergunta. Veremos as outras.



As perguntas de um Pastor – parte 2
Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Fevereiro 1944



Estamos na 4ª pergunta do muito digno reverendo Zaqueu de Melo, pastor de S. João da Boa Vista, em S. Paulo:         

4ª - Porque há tantas revelações de "Espíritos superiores", e o avanço da civilização não deve nada de importante a essas pretensas revelações?"

Dois profundos enganos mostra nesta simples pergunta o honrado pastor de S. João. O primeiro é o de supor que o avanço da civilização tenha que ser ditado pelas revelações dos "espíritos superiores"; e o segundo é de crer que nada de importante se deva a essas "pretensas revelações".

De maneira que a prova da imortalidade da alma que essas "pretensas revelações" nos trazem, não tem importância nenhuma para o escritor, nem a civilização lucra qualquer coisa com isto!

A convicção na vida do além túmulo, a certeza da sobrevivência que é, para alguns filósofos e mesmo para muitos cientistas, o maior problema de todos os tempos, a mais profunda e mais séria das cogitações que jamais passaram pelo espírito humano, isso cá para o pastor de S. João não vale nada, nada é para a civilização!

O Espiritismo procura, com a demonstração de uma outra vida, e com a filosofia que a acompanha, regenerar a humanidade, fazer-lhe ver as dores que os seus desregramentos acarretam, norteá-la para o bem, conduzi-la para a felicidade. Certo de que toda a causa má produzirá um mau efeito, convicto de que uma ação má produzirá fatal, inexoravelmente um mau resultado, o pecador procurará emendar-se. Pois isto, para o pastor, é uma ninharia. 

Até hoje o Sr. pastor não provou coisa nenhuma do que tem pregado, e entre as pregações se acham os dogmas da existência de Deus, da vida post mortem, da imortalidade do ser, e muitos outros. Estes princípios que ele ensina e outros que não ensina, mas que vêm trazer uma formidável revolução no mundo moral, não têm a menor parcela de importância para o Sr. pastor. Bagatelas! ...

*

Outro engano de S. R. - o de ver no Espiritismo, ou em suas revelações, meios de avanços para a civilização.

Se ele veio trazer uma reforma completa na parte espiritual, nada lhe compete -no que toca à material, a não ser num ou noutro ponto, a fim de chamar a atenção dos homens para as coisas transcendentais. 

Não demonstrarei esses pontos por não me prolongar demasiado.

Conhecesse o eminente presbiteriano um pouco da doutrina que combate, e não faria aquela pergunta, que é já por si uma prova de que, ignora o ensino dos Espíritos.

Ora, eles nos dizem que a Evolução é regida por leis que a ninguém é dado obstar. Ela tem o seu ritmo, que não pode ser modificado nem pelos humanos nem pelos Espíritos. Dentro daquelas leis, o progresso tem que ser feito, paulatinamente, e por nosso esforço. Só aos homens compete esse progresso; só deles depende. Se os Espíritos se intrometessem nisso, se estivesse a seu cargo o avanço da civilização, se as revelações fossem fautor desse avanço, lá se ia a Evolução, lá se iam as leis, e, na torrente, afogar-se-ia o próprio Espiritismo, que, com as ditas revelações desmentir-se-ia a si próprio.

Numa revista psíquica, já Ernesto Bozzano estudou esse caso, visto que são muitos que o desconhecem. E assim dizia o grande pensador:

A evolução não poderia certamente realizar-se se os espíritos dos defuntos se metessem indevidamente nos acontecimentos humanos, com o fim, evidentemente altruístico mas errôneo, de poupar aos vivos o trabalho de descobrimentos, conhecimentos científicos de toda a sorte. É claro que, se assim fosse, essa intervenção imprudente constituiria desastrosa calamidade para a evolução psíquica do gênero humano. Este, em lugar de progredir e elevar-se espiritualmente, não tardaria a estagnar-se e a degenerar, terminando numa raça reduzida a condições de idiotia e atrofia, em vista falta de exercício das faculdades superiores, faculdades que a natureza tinha concedido à espécie, sob a forma de germes divinos destinados a manifestar-se e evolver, graças à sólida disciplina que se liga à luta pela vida, sob todas as formas."

            "Bozzano, apresenta, ainda a respeito, várias mensagens célebres, colhidas entre as melhores que nos tem aparecido. Uma delas é a personalidade medianímica Julia, recebida pelo notável vulto que foi William Stead; esclareceu Júlia:

“É me facultado predizer-vos, eventualmente, acontecimentos futuros, a título de prova da minha presença, mas transformar-me-ia para vós em calamidade, se me propusesse a sugerir-vos as diretivas de vossa vida... Seria como se uma progenitora trouxesse sempre o filho nos braços. Este jamais poderia aprender a caminhar... O fim da vida é evocar e desenvolver o divino que reside em vós, e tal não sucederá se abandonardes a outrem a tarefa de dirigir os vossos passos."

Apresentaremos outra mensagem, esta extraída da obra As it is to be, que tanto impressionou Gladstone:

 "Sabei que não estamos aqui para revelar aos vivos as leis da Natureza ou grandes descobertas científicas, mas exclusivamente para transmitir-lhes as verdades espirituais que eles não poderiam penetrar com os próprios recursos. Sabei que Deus não tem a intenção de conceder aos vivos, como dons livremente outorgados, os segredos da Natureza que a inteligência humana é capaz de penetrar pela pesquisa e pelo estudo. No meio terreno, o que é necessário ao homem para elevar-se espiritual e materialmente pode e deve ser posto em valor pelo próprio homem...
Seria insensato que os Espíritos trabalhassem para reprimir e aniquilar, na humanidade, essas admiráveis aspirações ao saber e ascensão espiritual que a tornam pouco inferior à natureza angélica..."

Pascal Forthuny, respondendo a J. Douglas, dizia:

"Temos o encargo de assegurar nosso progresso com a colaboração do Além, mas o maior esforço nos pertence. É por nossa iniciativa, nosso labor, que devemos ganhar nossas vitórias. Senão, seria muito fácil. Newton, Darwin e os outros fariam tudo. Resolveriam todos os problemas, todas as dificuldades e nos só a dizer: - Obrigado!.. Bastaríamos tomar o lápis e deixar correr a mão para se ter a chave de todos os mistérios e a fórmula da panaceia. Não passaríamos de bonecas articuladas, sem a obrigação de pensar, deduzir, criar; receberíamos as rendas nos postigos do Além como foreiros muito resolvidos a nunca trabalhar, nem nada arriscar. Não é isso, Mr. Douglas, o que quer o Criador...  Se os Espíritos solucionassem todas as dificuldades, esse mundo tornar-se-ia perfeito, e nunca se disse que a perfeição é deste mundo. Todos os descobrimentos e aperfeiçoamentos virão à sua hora, segundo a regra, e gradualmente.”

Já vê o honrado ministro da Igreja Presbiteriana, que a questão, de há muito, já estava resolvida. E assim, à luz da lógica, dos fatos e dos ensinos dos Espíritos fica esclarecida a sua 4ª pergunta.



As perguntas de um Pastor
Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Março 1944

Estamos, agora, na quinta pergunta do digníssimo reverendo Zaqueu de MeIo, pastor de São João da Boa Vista, em S. Paulo:

"5º - Se a memória é função de uma mente imaterial, como se explica que o Espírito não tenha consciência de suas experiências? Deus seria "um pai amoroso", pelo menos justo, em tirar a consciência do crime e lançar no sofrimento o criminoso? Se o sofrimento é corretivo, como explicar psicológica e eticamente essa correção, sem consciência do erro cometido?"

Parece-nos desde logo, que S. R. põe em dúvida que a memória seja função da mente imaterial. Não sabemos o que é a memória ou como será a memória na sua cartilha. A condicional faz-nos supor que tanto as santas almas dos justos como as indignas almas dos réprobos perdem a memória do que lhes sucedeu na Terra. Dar-se-ia, assim, a mesma injustiça do pai amoroso: os justos ficariam sem compreender porque estariam a gozar as delícias do paraíso e os condenados porque estariam a sofrer as torturas do inferno.

Não sabe o autor como se explica percam os Espíritos a consciência de suas preexistências, sendo a memória função da mente imaterial. Tirá-lo-ia da perplexidade qualquer manual que tratasse da memória, ou mesmo um pouco de raciocínio sobre o que é essa "função". Toda a gente sabe que a memória é susceptível de gradações, que passa por modificações diversas, que aumenta ou diminui. É intensa em uns, é, fraca em outros. Entorpece, gasta-se, obnubila-se. Enfraquece com a idade e com as doenças e vai até seu completo desaparecimento. Faculdade do espírito, sofre, entretanto, das condições da matéria. A matéria é o seu veículo, é o meio por que se manifesta; perturba-se, portanto, de acordo com as deficiências desse meio. Ninguém vê pelas janelas do quarto, mas com os próprios olhos. Se, entretanto, elas não dão luz bastante, já pouco se vê; e o indivíduo chegará à completa cegueira, se se fizer no quarto escuridão absoluta. Logo, porém, que se descerrem as persianas, tudo volta à primitiva normalidade.

Assim é com a memória... Constringida pelo cérebro, vai minguando à proporção que se lhe vão entupindo os canais por onde se escoa e manifesta; retomada a liberdade, volta a plenitude de suas forças. É isto o que se dá no mundo físico.

Essa liberdade da memória, plena, integral, brilhante, é, ainda, privilégio de Espíritos superiores, porque, mesmo fora do corpo, ela continua contrafeita, diminuída ou apagada, tais sejam as nuvens que encubram o Espírito. O criminoso, a entidade coberta de culpas, cobre-se de negrume; esse negrume envolve toda a entidade espiritual, de sorte que a memória dele participa, e o infeliz vagueia no Espaço sem perceber a sua situação, sem saber para onde vai, e, muitas vezes, o que foi; ignora, até, nos casos mais graves, quem é; fica inteiramente esquecido de sua personalidade.

Como vê, o reverendo, nada há que espantar em ter o reencarnado perdido a memória de suas vidas pretéritas, já que nós não nos espantamos que o ser a perca na própria existência terrena, Ora, se o indivíduo pode deslembrar-se do passado, simplesmente, porque lhe envelheceu o cérebro, muito mais compreensível é a deslembrança, quando já não se trata de um cérebro velho, mas de um cérebro desaparecido; quando há outro cérebro, outras células, outro veículo...     

Parece que fica explicado, justificado ou esclarecido esse ponto do esquecimento das existências passadas. Vamos a outro.

Malgré tout, (não obstante) e como para demonstrar que a memória é do Espírito, e que a reencarnação é um fato, quaisquer que sejam as noções que as cartilhas religiosas nos ministrem, existe a inesgotável série dos fenômenos psíquicos, que nos estão a trazer, todos os dias, as mais sensacionais revelações.

Elas nos chegam pelos cinco sentidos conhecidos, ou pelo 6º, de que nos fala Richet, pelos caminhos normais, ou anormais; pelas sensações de toda a ordem. Às vezes, na simples meditação, abrem-se rasgões em nosso entendimento, e por eles penetra a luz do passado; nos sonhos, nessas viagens do Espírito, recebemos inúmeros quadros; os desencarnados nos fazem ver as culpas que tivemos, e diante delas, fácil nos é perceber as provas por que passamos. É muito comum àqueles que estudam estes assuntos terem inesperados esclarecimentos por médium, que não nos conhece, aponta-nos o Espírito grande número de faltas cometidas, seja por exemplo, a da impiedade, do egoísmo, do vício, do adultério... E então, o indivíduo que sofre pela maldade ou pelo egoísmo dos outros, que tem o físico depauperado, que foi enganado no lar, compreende que está passando pelas dores que fez o semelhante curtir. É a lei de causas e efeito.

Como se não bastassem essas provas, há outras muito comuns, - da criança que se lembra da vida anterior, e diz a casa em que viveu, os lugares em que esteve, os parentes que possuiu, os acontecimentos que lhe sobrevieram, e tudo se descobre como absolutamente exato.

Há as recordações repentinas, à vista de uma pessoa ou de um lugar. É o que se conhece em ciência sem explicação plausível, pelo nome de já visto; já sentido, já percebido... Até línguas estranhas são mencionadas, pondo-se o indivíduo a falar nas mesmas, sem nunca as ter aprendido.            

É conhecido o fato de certos viandantes se lembrarem instantaneamente de regiões que estão visitando e onde nunca estiveram, e vão descrevendo as paisagens, as situações, as minudências, antes de lá chegarem, numa antevisão que os outros não compreendem, nem ele sabe explicar.

Há mais as provas experimentais da regressão da memória, a que se dedicam os psiquistas modernos, e das quais as mais célebres, ou, pelo menos, as mais conhecidas, são as do eminente engenheiro Rochas...

Há, ainda, as justificações de ordem moral e intelectual, como as razões da imensa variedade da sorte humana, como o fato da genialidade, do aprendizado fácil ou difícil, da maior ou menor aptidão às artes, à filosofia, à ciência, aos misteres manuais, aos ofícios...

Há as simpatias e antipatias inexplicáveis pelo nosso senso comum; há as afinidades, o prazer ou desprazer na convivência de certas pessoas, sem que haja motivo apreciável para isso.

São fatos, senhor Pastor, diante dos quais a nossa razão se inclina e contra os quais de nada valem os textos. Não são eles, os fatos, que devem desaparecer diante dos nossos postulados, nem diante das nossas frágeis construções, mas estas é que cederão o passo àqueles. É inútil levantar preceitos, se a natureza os está a desmentir.

Nada mais teria a acrescentar, visto que os nossos fundamentos, movediços, instáveis, não podem resistir à demonstração cientifica. E o pensador, o filósofo, o estudioso terá que ser levado para onde o dirigirem os fatos. Só a intolerância religiosa, senão o fanatismo, é que poderão ficar emperrados, a lutar contra a correnteza, que a civilização e os conhecimentos vão avolumando cada vez mais.

O reverendo, porém, diz que o pai amoroso não seria justo em nos tirar a consciência do crime; nem Sua Senhoria sabe como se explica, psicológica e eticamente, uma correção, sem aquela consciência.

Interessante essa dúvida em quem subscreve o dogma da predestinação. Não se sabe como um pai amoroso castigaria sem a consciência do crime, no delinquente; mas compreende-se que ele crie umas tantas almas, de antemão fadadas ao inferno. Aqui, sim, é que se percebe a amorosidade do Pai!

No sofrimento humano, como o entendem os espiritistas, há uma razão. Com consciência ou sem consciência atual, o indivíduo a tinha quando praticou o delito. Houve um delito, cuja falta se expunge pela dor. Na cartilha protestante, não houve delito nenhum. O cidadão sofre sem saber porque; não cometeu falta, não cometeu pecado, não cometeu causa que lhe justificasse as angústias. Mas sofre. Sua dor é incompreensível, é injustificável; não se lhe imputa qualquer causa. Puro regime do arbítrio, ou duras consequências do acaso.

Pois isto é que claríssimo para o nosso antagonista este sofrimento sem motivo é que nos demonstra como é amoroso o Pai. Diante daquele sofrimento sem motivo fica tudo ética e psicologicamente explicado! ...

*

Teria alguém se lembrado, algum dia, de tirar o criminoso da cadeia porque se esquecera ele do crime que praticou?

Provavelmente, ainda ninguém se lembrou disso, o que deve ser uma lamentável lacuna na nossa legislação penal.

O que convém, porém, se diga, para maior explicação do caso, é que o sofrimento é processo de evolução, e não é injusto, porque nasce de uma lei justa, a da falta do sofredor.


O Pai não tem em vista punir, senão melhorar. Não sabemos porque escolheu esse processo, mas o que não pode restar dúvida aos que não perderam o senso filosófico, é que há mais bondade, há uma bondade infinitamente maior no sofrimento que resgata, do que nas chamas inapagáveis que devoram o desgraçado, na maior das angústias, e isso por toda a Eternidade!..

O homem racional


O homem racional
Vinícius (Pedro de Camargo)
Reformador (FEB) Abril 1941

O homem racional não pode viver sem religião, disse Tolstoi.

O que entenderia o filósofo russo por homem racional? Acaso, todos os homens não são racionais?

Segundo o ponto de vista em que se coloca aquele grande pensador, não é pela inteligência, nem pela vontade, nem pelo sentimento que os homens se distinguem dos seres inferiores, chamados irracionais, por isso que estes possuem aquelas faculdades.

A diferença entre a inteligência e o sentimento dos homens e os dos animais procede do grau evolutivo em que uns e outros se encontram. Aliás, esta circunstância verifica-se também entre as raças e os indivíduos que compõem a humanidade. Portanto, a racionalidade a que se reporta Tolstoi prende-se a certa particularidade própria e inerente ao homem, e que não se encontra nos animais.

Que particularidade será essa? Não é preciso dar muitos tratos à bola para descobri-Ia. Trata-se das cogitações que preocupam o homem com relação ao futuro, à sua origem e a tudo o que se relaciona com os acontecimentos que com ele se dão.

O homem pensa na morte e nas consequências que sobre ele trará esse sucedimento inevitável e certo. O homem alimenta aspirações que não podem consumar-se nesta existência e que levam a pensar nos problemas do seu destino. A dor constitui, a seu turno, objeto  de sua preocupação. Em suma: o animal vive, o homem sabe que vive.

Levado por essas e outras considerações semelhantes, o homem descobre em si mesmo, nas profundezas de sua alma imortal, uma certa ligação com a fonte eterna da Vida e do amor: Deus!

Tal é, em síntese, a religião, ou, melhor, o sentimento religioso em sua lídima e pura expressão.

Os animais, vivendo do presente e para o presente, naturalmente não se interessam pelo dia de amanhã. Vivem a vida do momento, tal qual ela se lhes apresenta. Não existe neles aspirações que se prendem ao porvir. O "porquê da vida", as questões relativas ao destino, ao "ser ou não ser", à dor e à morte são privativas do homem, constituindo o roteiro que o conduzirá ao reino de Deus, após o conhecimento de Sua justiça.

Eis aí a razão das sábias palavras do renomado romancista russo: O homem racional não pode viver sem religião. Isto é: o homem racional não pode prescindir de todas as cogitações que digam respeito à sua origem e ao futuro que o espera. Do contrário, resvalará para o terreno da irracionalidade! 

A Religião em Espiritismo


"Não creias numa coisa, só porque te hajam dito, nem em escritos de sábios, só porque estes os escreveram e nem em fantasias que se digam inspiradas por anjos; nem em deduções inferidas de alguma fortuita suposição, nem na meia autoridade de vossos mestres e instrutores; temos que crer o escrito, doutrina e dito quando corroborados por nossa própria razão ou consciência" .

A Religião em Espiritismo (trecho)
Carlos Imbassahy

Reformador (FEB) Abril 1942