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terça-feira, 18 de julho de 2017

Kardec-Roustaing


Kardec-Roustaing
por Indalício Mendes
Reformador (FEB) Maio 1943

Em O Caminho, estimado órgão da "Tenda Espírita Mirim", deparamos, no seu número de abril último subordinado ao título acima, com um bem lançado artigo da lavra do nosso distinto e esclarecido confrade Indalício Mendes, a quem pedimos, bem como a O Caminho, vênia para com ele enriquecermos as colunas de Reformador, transcrevendo-o nelas.

É este o artigo:

“...14. Lembra-lhes estas coisas, conjurando-os diante de Deus que não tenham contendas de pa. lavras que para nada aproveitam, senão para perverter os que as ouvem. 15. Esforça-te para te apresentar diante de Deus aprovado como obreiro que não tem de que se envergonhar, e que manejas bem a palavra da verdade."
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”... 23. Rejeita as questões absurdas e desassizadas, sabendo que elas provocam brigas. 24. Ora, o servo do Senhor não deve brigar, mas deve ser condescendente para com todos, capaz de ensinar, sofrido; 25. que corrija com mansidão aos que se opõem, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento para conhecerem a verdade." - (Segunda Epístola de Paulo a Timóteo, cap. 2, versículo cit.)

A situação do Espiritismo no Brasil exige, de todos os que se interessam pelo seu futuro, meticuloso exame e profunda meditação acerca dos problemas criados pela inobservância dos Evangelhos. Os verdadeiros espíritas - e estes são tão reduzidos... - precisam redobrar seus esforços para o reencaminhamento ao aprisco das ovelhas desgarradas pelos sentimentos inferiores que o orgulho e a vaidade inspiram. Nunca Se viu tanto apego à polêmica, nas fileiras do Espiritismo, porque também nunca se observara tamanho desconhecimento da doutrina, nem tão lata ignorância das lições de amor e humildade que refulgem nas páginas preciosas dos Evangelhos.

Urge que os "soi-disant" (supostos) espíritas se compenetrem de seus deveres em face da doutrina do Espiritismo, que é toda amor, toda humildade, toda paz, toda caridade, enfim. Colocam-se fora dela - e contra ela, concomitantemente - aqueles que, em vez de empregarem esforços para praticá-la e difundi-la conscientemente, realizam espúria tarefa, empenhando-se em contendas fúteis e provocando situações malsãs, muito do agrado dos irreconciliáveis inimigos da Terceira Revelação.

Está em moda combater J. B. Roustaing e "Os Quatro Evangelhos ..." Perde-se, semeando a discórdia no meio espírita, valioso tempo que poderia estar sendo proficuamente utilizado na evangelização daqueles que tanto necessitam de amparo doutrinário. Entretanto, Allan Kardec, homem superiormente equilibrado, cioso da enorme responsabilidade, que assumira em face da humanidade contemporânea, do seu trabalho gigantesco, não anatematizou a obra de Roustaing ainda que se manifestasse a respeito dela com indisfarçável prudência. Ele próprio escrevera na "Revue Spirite": "Estas observações, subordinadas à sanção do futuro, em nada diminuem a importância da obra, que, de par com algumas coisas duvidosas, segundo o nosso ponto de vista, outras contém incontestavelmente boas e verdadeiras e será consultada com proveito pelos espiritas conscienciosos".

Kardec, no trecho transcrito, ressalvou até que os "espíritas conscienciosos" consultariam com proveito a dita obra. E, quanto às restrições que fizera, provinham de sua opinião pessoal, tanto que lá está - "de par com algumas coisas duvidosas, segundo o nosso ponto de vista". Tanto ele prezou "Os Quatro Evangelhos" que se preocupou com a forma material da obra, ao ponderar inequivocamente: "No nosso parecer, se, limitando-se ao estritamente necessário, houvera reduzido a obra a dois ou mesmo a um só volume, ela ganhara em popularidade". É obvio que Allan Kardec pouco se importaria com a popularidade de "Os Quatro Evangelhos", se não estivesse convencido de sua utilidade para os estudos dos "espíritas conscienciosos". É claro também que, não obstante a grande autoridade moral e intelectual do codificador, não se podem considerar todas as suas opiniões pessoais como que forradas de infalibilidade.

Consideremos ainda o fato dele ter lealmente confessado: "O autor desta nova obra julgou dever seguir outra orientação: em lugar de proceder gradativamente, quis de um salto atingir o fim. Assim é que tratou de certas questões que AINDA NÃO JULGÁRAMOS OPORTUNO ABORDAR e a respeito das quais, portanto, lhe deixamos a responsabilidade, assim como aos Espíritos que as comentaram".

Devemos olhar para Kardec e Roustaing com "olhos cristãos", isto é, reconhecendo o valor do trabalho realizado por um e outro, porque ambos contribuíram para a elucidação dos Evangelhos. Kardec foi o grande pioneiro, o desbravador destemeroso que enfrentou as furiosas arremetidas do preconceito religioso do sécuIo XIX. Coube-lhe abrir o caminho para o esclarecimento espiritual da humanidade, permitindo-lhe a compreensão mais perfeita da vontade de Deus, através dos livros que deixou. Sofreu, como sofrem todos os apóstolos da verdade. Foi escarnecido, vilipendiado, perseguido, mas, encouraçado pela fé, nunca desertou o posto de honra, cumprindo sua elevada missão, sem ter dito, porém, a última palavra.

Do mesmo modo, Roustaing, como continuador de Kardec, é digno do respeito dos "espíritas conscienciosos", porque foi também um homem de excepcional valor moral e intelectual, deixando, em "Os Quatro Evangelhos", a prova do seu amor à doutrina de Jesus, ali explicada, com amplitude, em espírito e verdade.

Roustaing deve ser estudado sem prevenções, mas com boa vontade e disposição serena. Sem tolerância nem humildade, sem amor nem caridade, o Espiritismo terá, a sobressaltar-lhe o programa de ação evangélica, grupelhos de sectários, imbuídos do mesmo dogmatismo negativista que levou a ruina outras religiões.

"Pode e deve a criatura ser tolerante em face das opiniões alheias, por mais opostas que sejam às suas próprias; ela (a tolerância) prescreve o respeito às crenças, aos gostos e tendências dos outros; porém, a ninguém impõe o silêncio diante do que lhe desagrade, ou seja compreendido de outro modo. Ao contrário, respeitando o indivíduo, inspirado pela bondade e pela justiça que ela em si contém, a maneira por que os outros exteriorizam seus sentimentos, a tolerância o obriga a considerar os outros como a si mesmo e a fazer-lhes tudo aquilo que lhes possa convir. Ora, o que convém a todo ente humano é aprender, progredir, evoluir espiritualmente, o mais rápido possível. E a tarefa dos que mais sabem é, ou deve ser, ensinar aos que sabem menos e a dos que mais bondade possuem dar lições práticas dessa bondade, para que os seus inferiores tenham um guia que lhes indique de que maneira devem proceder para também subir" (Aguarod, "Grandes e pequenos problemas", págs. 100/1).

O que primacialmente nos interessa a todos não é discutir se Jesus teve "corpo fluídico" ou "corpo carnal como o nosso", durante sua passagem por este planeta, embora seja assaz conhecida a expressão de Paulo aos Coríntios, de que nem toda carne é a mesma carne''. Há tempo para chegarmos lá. Em relação ao que nos falta aprender, nada ainda sabemos. Precisamos, sim - e os fatos atuais o comprovam - é de nos evangelizarmos, estudando em vez de discutirmos, perdoando em vez de condenarmos, pesquisando, primeiramente em nós mesmos, as imperfeições e lacunas que julgamos existir em nossos semelhantes. Toda essa grita se faz porque está sendo negligenciado o estudo metódico e atento dos Evangelhos. As censuras, as polêmicas, as discussões podem satisfazer à vaidade de alguns homens, porém, ferem a doutrina codificada por Allan Kardec e colidem com os preceitos de paz, amor e caridade que constituem a palavra de ordem de Jesus. Persistir nessa atitude anti-espírita será favorecer a negregados desígnios dos inimigos gratuitos que o Espiritismo tem, na terra e no espaço.          

Em vez de dissenção, preguemos a união, porque a família espirita é uma só, como uma só é a verdade. Só uma luta deve entusiasmar-nos: a luta pelo bem, sem nos esquecermos, todavia, de que "a humildade é a fonte de todas as virtudes".

Está-se procurando formar um antagonismo que jamais existiu entre Kardec e Roustaing, no que diz respeito à doutrina espírita. Desses que criticam e combatem "Os Quatro Evangelhos...", quantos já leram e compreenderam essa obra superiormente elaborada e magistralmente desenvolvida? O "ponto nevrálgico" de toda essa questão é o "corpo fluídico", que, no entanto, interessa principalmente à parte científica do Espiritismo. Entre os espíritas, porém, é avultado o número dos que nunca leram todas as obras de Kardec e dos que, em tendo lido algumas, não assimilaram seus ensinamentos. Entretanto, discute-se, faz-se bulha, põe-se em triste evidencia a falta de orientação verdadeiramente espírita.

Sempre que houver algo de difícil compreensão para nós ou aparentemente absurdo meditemos, pedindo a Jesus que nos ilumine o entendimento. Nada se deve negar "a-priori", porque muitas vezes poderá suceder seja nosso o erro, por não havermos ainda alcançado a maturidade intelectual e espiritual adequada para interpretá-lo o acertadamente. Devemos não esquecer que “acima de tudo está a vontade superior, que pode ou não, em sua sabedoria, permitir uma revelação". (Kardec, "Obras póstumas".)

A melhor maneira de seguir as instruções de Allan Kardec está em exemplificar a doutrina que ele codificou, tendo por norma invariável este seu lema – “Trabalho, solidariedade, tolerância"- que muitos de seus pretensos defensores parecem desconhecer. A obra de Roustaing, pode, sem favor, ser incluída entre aquelas de Kardec, Léon Denis, Camille Flammarion, Gabriel Delanne, Ernesto Bozzano, etc., opímos (de grande valor) frutos de uma falange de trabalhadores assistidos pelos mensageiros do Cristo. Torna-se necessário que os espíritas sejam, pelo menos, espíritas, "espíritas conscienciosos", no dizer de Kardec, abandonando ideias sectárias, sufocando e destruindo em si tendências dogmáticas, jugulando inferiores impulsos que a doutrina desaconselha, se não quiserem ser apenas, como disse Jesus, "sepulcros caiados de branco por fora".

Somos todos irmãos, devendo-nos auxílio recíproco. Se Jesus disse que a ninguém viera julgar, porque só Deus julga, porque pretendermos nós os humanos, que nada valemos, ser maiores que o Divino Mestre? "Não julgues a fim de não serdes julgados; porquanto sereis julgados conforme houverdes julgado os outros; com a medida com que medirdes sereis medidos. Como é que vês um argueiro no olho do teu irmão e não percebes a trave no teu?" (Mateus, VIl, v. 1-3.)

0s que procuram perturbar a paz do ambiente espírita atacando Roustaing a pretexto de defender Kardec, como se este houvera sido vítima de algum agravo, estão fora da doutrina, são contra ela, porque não a cumprem. Os piores inimigos do Espiritismo são aqueles que estão dentro dele, dizendo-se espíritas sem cumprir-lhe os princípios essenciais. Já é tempo de se suspender tão inglória conduta. Preguemos todos o Evangelho e não a cizânia, porque quem estiver em erro por ele respondera. Deixemos em paz o corpo de Jesus; atentemos, porém, para a sua doutrina de amor e caridade, porque dela é que virá a nossa salvação moral. Está em "O Evangelho segundo o Espiritismo: "Não anatematizeis os que não pensem como vós". Porque não se procede assim? Nessa mesma obra confortadora e sublime, escrita por Allan Kardec lê-se este conselho amigo de O Espírito de Verdade": “Espíritas! Amai-vos! este o primeiro ensinamento; Instrui-vos, este o segundo".

Em "Obras póstumas", também de Kardec, encontram-se estas outras palavras, tão oportunas para os que falseiam o espírito da doutrina: "O Espiritismo proclama a liberdade de consciência como direito natural; reclama-a para si e para todo o mundo, respeita toda a convicção sincera e pede reciprocidade”.

"Se um cego se faz guia de outro cego, cairão ambos no fosso" (Mateus, XV, v. 14).

Para esses "cegos" devemos implorar a misericórdia do Pai. São almas que se afastam do caminho iluminado dos Evangelhos, ovelhas que se transviam.             .


"Guias cegos, que coais um mosquito e engolis um camelo”, meditai!

Considera a tua escolha


Considera a tua escolha
Emmanuel por Chico Xavier
Reformador (FEB) Outubro 1954

Não esperes o dia de amanhã para inventariar as causas da aflição que a existência te reserva.

Estamos em plena eternidade e a vida, com a justiça por fundamento, diariamente reprova nossos erros ou nos premia as boas ações.

Examina a paisagem de tua luta habitual e não percas a oportunidade do reajuste.

Se ofendeste o companheiro que te partilha as experiências, retifica, ainda hoje, o teu gesto infeliz.

Se deste ouvidos à suspeita delituosa, confia-te à meditação e não te enveredes no cipoal da desconfiança indébita.

Se puseste os teus olhos sobre o mal, auxilia a tua própria retentiva a esquecer as imagens perturbadoras que não deverias procurar nem reter.

Se falaste sem propósito, ferindo ou prejudicando alguém, retrocede e regenera as chagas que o teu verbo impensado terá imposto aos que te consagraram atenção.

Se a ociosidade tem sido a tua companheira, abandona-a ao círculo de sombras em que se compraz e busca o serviço sem delongas, para que a vida não te considere peça inútil em suas divinas engrenagens.

Estabelece causas nobres de alegria e bom ânimo, paz e otimismo, aprendendo, amando e servindo, porque o sofrimento nos surpreende na estrada com tanta duração e com tanta intensidade, conforme tenha sido o nosso esquecimento do dever que o Pai nos designou a cumprir.

Ninguém precisa morrer na carne para encontrar a correção ou a recompensa do Céu. A Terra é nosso lar sublime, em plena imensidade e, dentro dela, a vida nos liberta ou nos agrilhoa, nos reconforta ou nos dilacera, de conformidade com a escolha que traçamos para nós mesmos.



segunda-feira, 17 de julho de 2017

Desprendimento


Desprendimento
Emmanuel por Chico Xavier
Reformador (FEB) Julho 1954

Fácil é desprender-se alguém da moeda que sobra, em favor do vizinho necessitado, mas é muito difícil projetar, a benefício dos outros, o sorriso de estímulo e o abraço da fraternidade que ajuda efetivamente.

Fácil é dar, de acordo com a nossa vontade e modo de ver ou sentir, mas é sempre difícil auxiliar o companheiro de jornada humana segundo os projetos e aspirações que ele nos apresenta.

Fácil é desligar o coração de objetos e bens, no enriquecimento de quantos sejam simpáticos aos nossos caprichos individuais mas é muito difícil ceder em favor daqueles que não nos acompanham as opiniões.

Fácil é transmitir o que não nos custou esforço algum, entretanto, é difícil espalhar o que supomos conquista nossa.

Fácil é sacrificarmo-nos pela melhoria dos nossos amigos e familiares, no entanto, é sempre difícil a renunciação em auxílio dos que não oram pela cartilha de nossas devoções pessoais.

Fácil é libertar a palavra que ensina, mas é muito difícil desenvolver a ação que realiza.


Incontestavelmente, grande amor à Humanidade demonstra o aprendiz do Evangelho que distribui o pão e o remédio, o socorro e o ensinamento, a esmola e o auxílio, nas linhas materiais da vida; contudo, enquanto não aprendermos a dar de nosso suor, do nosso ponto de vista, do nosso concurso individual, do nosso sangue, do nosso tempo e do nosso coração, em favor de todos, não ingressaremos, realmente, no grande Templo da Humanidade, onde receberemos, edificados e felizes, o título de companheiros e discípulos de Jesus, nosso Mestre e Senhor. 

Oração e Vigilância


Oração e vigilância
Ypomêa de Oliveira
Reformador (FEB) Janeiro 1943

Através das inspiradas obras de Allan Kardec e outros ilustrados pensadores, sabemos que a vida se não extingue com a desorganização do corpo terreno, quando este, baixando ao túmulo, vai obedecer à lei inelutável das transformações. Provada, por conseguinte, nossa existência imaterial, na multiplicidade indefinível das vidas sucessivas, cumpre não descurarmos do futuro além-túmulo. Para que a vida nos transcorra feliz e calma nas estâncias espirituais, necessário se torna atendermos aos imperativos cristãos, que nos dizem: "Nem só de pão vive o homem; porém, muito mais, de cumprir a vontade do Pai que está nos céus". E a vontade de Deus é a vontade do Bem. O homem bom - eis o verdadeiro cristão! - É um Evangelho vivo a irradiar luz em todos os espíritos. Vários são os caracteres com que o podemos distinguir em qualquer parte onde esteja. Dentre esses caracteres, destacamos o seguinte: o homem bom não é ambicioso, por ser a ambição, no sentido em que vulgarmente se aplica o vocábulo, o maior obstáculo às conquistas de ordem moral, e, pois, ao progresso do Espírito. Mal tão pernicioso que, por ele subjugado, criamos uma atmosfera de antipatias e atribulações, de invejas e despeitos, ódios absorventes, paixões corrosivas!

Procedemos erroneamente quando procuramos, apenas, satisfazer, em prejuízo da coletividade irmã, aos nossos caprichos pessoais. O apego absoluto às coisas perecíveis da terra aniquila as qualidades eletivas da alma. Por isso, a vida do Divino Mestre, para demonstrar que mais vale o trato do espírito, foi de martírios, de renúncias aos bens efêmeros e combate à ambição. Pelos seus exemplos, pois, devemos regular nossa vida, moderando nossas aspirações, desprendendo-nos de todos os sentimentos de egoísmo e orgulho, certos de que a verdadeira felicidade está menos nos palácios dos reis do que nas choupanas dos pobres... Se cuidarmos exclusivamente de nossos interesses materiais, fugimos à norma cristã: "Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, que o Filho do Homem vos dará".

Meditando este ensinamento, verifica-se que o desapego dos bens terrenos constitui a pedra angular da verdadeira felicidade, que é a felicidade espiritual. Assim, estejamos sempre vigilantes para não sermos vítimas de uma sociedade onde fermentem paixões brutais, incoerências, má vontade em servir ao próximo, e em que a pedra de toque seja a - ambição!

A filosofia espírita nos veio proporcionar os melhores meios para a completa reabilitação das energias psíquicas, fazendo-nos entrever que a alma - essência imortal - só poderá criar para si uma vida ditosa e perfeita, vencendo a matéria, pela educação, exercício da vontade e renúncia a todos os atos contrários à boa disciplina mental. Eis aí a higiene espírita.

Se a ambição, com os seus tentáculos de polvo, quer enredar-nos o espírito, lutemos, declarando-lhe guerra aberta e franca. Quem se abroquela naquele ensino de Jesus - amar ao próximo como a si mesmo - pondo-o em prática em espírito e verdade, certo que possui a couraça dos gladiadores jamais vencidos nos entrechoques das arenas...

Oh! humildade, como exaltas! Oh! orgulho, como deprimes! Cegos, porque vos precipitais nos torvelinhos dos erros, em que a alma colhida nas negras malhas das iniquidades, se torna filha indigna da luz espiritual?

A humanidade muito tem padecido. E continuará ainda a sofrer males de toda a espécie - morais e materiais - porque, infelizmente, a maioria dos elementos que a compõem mais se prende à vida transitória, em prejuízo da verdadeira vida eterna e feliz!

A ambição há sido causa de grandes dores, a produtora nefasta de todos os flagelos. Os homicídios, furtos, atentados monstruosos; as guerras que se intensificam e em que sucumbem jovens cheios de esperança e ficam em abandono, à mercê das mais cruéis vicissitudes, infelizes crianças órfãs; os lamentos que pelo infinito sobem, partidos dos corações maternos; enfim, toda miséria e miopia moral que se verificam neste mundo nada mais são que consequências desastrosas provocadas por esse monstro insaciável - a ambição!

Evitemo-la, portanto; pois, o apego aos bens terrenos é um forte entrave ao progresso do espírito. O amontoar riquezas materiais abafa o amor ao próximo, endurecendo o coração com o concreto da avareza! Não esqueçamos, um dia que seja, as palavras do Mestre Amado, com as quais encerramos a presente página: "Não amontoeis tesouros na terra, onde a ferrugem e os vermes roem e onde os ladrões os desenterram e roubam; mas, acumulai-os no céu, onde nem a ferrugem, nem os vermes os roem; porque onde estiver o vosso tesouro também está o vosso coração".


domingo, 16 de julho de 2017

A Maior das Obras de Deus


A Maior das Obras de Deus – parte 1
por Abel Gomes
Reformador (FEB) Dezembro 1942

Convidado a opinar, para as páginas de uma revista, sobre a grandeza das obras de Deus isto é convidado a declarar qual dessas obras sublimes em minha opinião, é a mais elevada, mais bela, mais perfeita, conservei-me longamente em silêncio receoso de ser uma falta dissertar sobre assunto de tão provada transcendência.

Como poderia eu, pequenino, finito, frágil, alçar o pensamento à imensidade, ao infinito, à grandeza e ao poder do Pai Celeste?! Eu, tudo ignorando, minúsculo verme da terra, erguer o olhar à onisciência do Ser Supremo?!

O que hoje faço talvez seja, portanto, uma ousadia. Tão grande é, porém, a misericórdia divina, que extinguirá a minha falta, cobrindo-a com o manto do seu perdão sublime.

Mas, o meu ato, neste rude escrito, não é uma falta para com o Onipotente, apenas o será perante os homens; pois a Grandeza Infinita, que domina o universo, não será jamais atingida por um obscuro verme deste mundo.

Falta no tempo e não na eternidade; ousadia perante meus irmãos, os homens, e não para com o Eterno, o Pai.

Perdoai-me, pois, Deus e Senhor meu, se for ousadia proclamar qual é, de vossas obras sublimes, a mais elevada, a mais bela, a mais perfeita.

Perdoar-me, não por Vós, a Quem a minha ousadia, se assim o meu ato for considerado, jamais atingirá, mas pelo conceito que de mim podem fazer os homens, hóspedes, como eu, deste ponto minúsculo da imensidade, denominado Terra, se me puder molestar esse conceito, ao verem-me eles abordar assunto de tão extraordinária transcendência.

Perdoai-me, pois, Deus e Senhor meu, e permiti-me proclamar, neste rude escrito, qual é, dentre vossas obras sublimes, a mais elevada, a mais misericordiosa, a mais bela, a mais perfeita.

*

Quando, durante o dia, volvo o olhar pelo espaço que nos circunda na terra e imagino a quantidade de espaços semelhantes de que é composta a superfície desta enorme esfera, minha alma se extasia de admiração ante o Criador deste mundo. E vendo o Sol que nos ilumina e aquece, e lembrando-me de que esse Sol é o centro de um sistema de mundos semelhantes ao nosso mundo - maiores uns, outros menores, mas todos cheios de luz e de vida e todos habitados ou habitáveis por humanidades semelhantes à deste mundo - meu espírito se perde em conjecturas a cerca da grandeza e do poder do Senhor Supremo.

Se cada uma dessas moradas possui a sua atmosfera, as suas selvas, os seus rios, os seu mares, a sua fauna, as suas montanhas, os seus vaies; se sobre cada uma delas existe e evolui uma raça pensante; se em torno desses mundos gravitam astros secundários, que são outras tantas luas iluminando lhes as noites com os revérberos do astro-rei; e se tudo quanto vemos entre nós de encantador e grandioso - todo o meu ser vibra de admiração e deslumbramento, contemplando nessas maravilhas o poder do Senhor Supremo.

Mas, entre as obras de Deus, algo existe mais elevado e mais belo.

*

Quando, à noite, atiro um olhar à imensidade e contemplo os milhões e milhões de estrelas que povoam esses espaços sem fim, minha alma se sente extasiada perante a magnificência do Ser Supremo, sabendo ser um sol cada uma dessas estrelas, ao redor do qual gravitam outros astros que são outros tantos mundos, habitados ou habitáveis, centenas ou milhares de planetas e seus satélites, girando no espaço, e levando cada um desses mundos as suas maravilhas particulares, as suas raças ignotas; as suas belezas naturais, uma fauna talvez estupenda, uma flora talvez exuberante, e talvez os seus sábios, os seus gênios, os seus admirados cientistas...

E cada estrela é um sol, em torno do qual há outros mundos semelhantes a este que nós habitamos; e essas estrelas são tantas, isto é, são tão numerosos esses astros-sóis, centros ao redor dos quais vivem e giram astros, que se os pudéssemos contar veríamos, maravilhados, que o seu número é maior do que o número de gotas de água que o nosso oceano contém!

São tantos esses sóis misteriosos, perdidos para nós pelo infinito, que a lenda antiga pretendeu ver, esparso na amplidão, o branco liquido de onde se derivou o nome de Via-Láctea, nome dado ainda àquele magnificente e imenso cardume de estrelas, que aos nossos olhos parecem unidas umas às outras, estando entretanto separadas entre si por distâncias incomensuráveis.

Contemplando, a noite, aqueles sóis longínquos e imaginando o sistema solar que cada um deles preside, e pensando nas outras maravilhas do espaço infindo, com as suas nebulosas, - germes talvez de futuros mundos. - e os cometas misteriosos, de alongadas elipses, minha alma é arrebatada a curvar-se, submissa e deslumbrada, ante a magnificência de Deus, que tudo dispôs nesse universo sem fim.

Mas, entre as obras de Deus, eu penso existir algo mais elevado e mais belo.

*

Quem, como eu o fiz, já se embrenhou a sós por uma floresta espessa onde não se ouvia a voz de outro ente humano, e ai viu árvores colossais, e frutos, e flores, e aves canoras, e animais silvestres, e conservou-se longo tempo a pensar sobre a riqueza imensa das selvas, sobre a quantidade admirável de seres vivos aí ocultos e acerca dos mistérios aí entrevistos, deve ter ficado deslumbrado pela grandeza e pela sabedoria do Senhor Supremo.

Como pode, em urna pequenina semente, ocultar-se o germe de uma árvore gigantesca?! Como pode o tronco anoso originar-se de um fruto quase informe, e tanto se elevar e fortalecer que chega a resistir com galhardia à fúria dos vendavais?! Como pode, do solo impuro, subir a haste flexível onde desabrocha a flor?! E as aves, com o seu canto e os seus ninhos e as flores, com o seu perfume, e as águas cristalinas do riacho que murmura?!

Em tudo, e por toda parte, vemos a magnificência do Senhor Supremo - nas grandes e nas pequenas coisas da criação, no majestoso roble como no musgo humílimo, nas asas possantes da águia como no esvoaçar do esbelto colibri, para o qual nunca houve segredos para a permanência em um ponto no espaço.

É tão grande o poder e tão admirável é a sabedoria de Quem criou as selvas e nelas fez surgir quanto nelas vive e sente, que minha alma se enleva, comovida e deslumbrada, pensando na bondade infinita que tais maravilhas criou.

Mas entre as obras de Deus, algo existe mais elevado e mais belo.

*

No silêncio dos campos, na solidão das selvas, ou à vista do oceano, longe, bem longe do bulido dos outros entes humanos, é que nossa alma se eleva mais diretamente aos pés do Senhor Supremo.

O silêncio e a solidão aproximam-nos de Deus.

Alta noite, junto da cidade adormecida, quem já esteve, a sós, à luz argêntea da lua, contemplando o oceano, e sentindo, a seus pés, o embate forte e sonoro das vagas de encontro às pedras da margem, deve ter sabido compreender como é grande o mar, formoso nos seus dias de calma e nas suas noites silenciosas, majestoso e belo nos mistérios que encerra em suas entranhas profundas, e mesmo em sua imensa superfície, imponente e tétrico, mas ainda assim formoso, nos seus dias tempestuosos, nas suas noites de trevas e de borrasca, quando o nauta lhe vê as fauces dos abismos, estrondeando nos ares revoltos a voz ameaçadora, de morte e de extermínio, contra o frágil batel exposto à fúria dos ventos e das vagas.

No fundo ainda quase desconhecido do oceano, nos seus vales profundos e nas suas escarpadas montanhas, que estranha flora vegeta e que extraordinária fauna habita!!

Em cada gota de suas águas existe o que a fraqueza do nosso aparelho visual nos não permite distinguir; mas as lentes do microscópio aí descobrem seres que vivem, que sentem e talvez - quem o poderá negar? - progridem, evoluem...

Vendo esse mar imenso, com o desejo insano de lhe desvendar os arcanos, nossa alma se prostra reverente perante a grandeza dos oceanos, em tudo sentindo a magnanimidade de Deus, o Ente infinitamente poderoso e sábio para Quem não há mistérios em todas essas maravilhas.

Mas, entre as obras de Deus, algo existe mais elevado e mais belo.

*

Perdoai-me, Deus e Senhor meu, pela ousadia em que talvez esteja incorrendo, não perante Vós, mas perante meus irmãos, os homens, proclamando que alguma coisa existe, entre as vossas obras sublimes, mais elevada, mais bela, mais perfeita, do que o mar imenso com todos os seus mistérios, do que as florestas espessas com todas as suas riquezas, do que a terra onde habitamos com todas as suas belezas naturais, e do que a amplidão infinda, povoada de mundos incontáveis, e repleta de maravilhas, e que é, toda ela, como que um hino perene de glória para com o Senhor Supremo, para com a sabedoria infinita do Criador.

Algo existe, pois, entre as obras de Deus mais elevado, mais belo e mais perfeito do que a terra, o mar e o infinito.

*

Penso que, entre as obras sublimes de Deus, a mais elevada, a mais bela, a mais perfeita, é, incontestavelmente, o amor de mãe.

          *

Que seria do indefeso entezinho se lhe faltasse o carinho materno?

Iniciando a vida terrena o entezinho chora, lamenta-se. Talvez sejam os protestos da ave altiva e livre que se librava nos ares, contra as agruras do nosso mundo, cadeia de almas que recebe mais um sofredor.

Ei-lo, o recém-nascido, pequenino quase inerte, privado de consciência e de palavra, ignorando importância da sua missão, mas já envolto em faixas, e docemente estendido sobre o fofo colchãozinho do seu leito suspenso.

E alguém vela, dia e noite, à beira do pequenino berço.  

Ao abrir a criancinha os seus olhos doloridos, pouco afeitos ainda à nossa luz, alguém, num sorriso santo de felicidade, de esperança e de amor vem depor-lhe, sobre o corpo rosado, sobre os bracinhos tenros, sobre as mãozinhas apertadas, sobre a lisa e pequenina face, um sem número de beijos castos, impregnados do amor mais puro e mais santo.

Se chora o inocentinho, há alguém, a seu lado, que o embala e consola, que o defende contra as intempéries, que o alenta com carinho inexcedível, com afeição incomparável. 

É sua mãe.

*

A mulher é mais formosa quando é mãe. Não lhe reconheço a verdadeira beleza, se não lhe vejo nos braços o filhinho amado.

Sempre foi este, para mim, o quadro mais belo da criação: a mãe, sorridente, tendo nos braços o filhinho a sugar-lhe os seios túmidos.

É a carne da sua carne, a vida da sua vida. Representa para ela um mundo inteiro de amor e concentra para ela as mais fagueiras, as mais belas e lisonjeiras esperanças.

*

Que seria do inocentinho se lhe faltasse o carinho materno?!

Mas, passam dias e noites, decorrem semanas, escoam-se meses, sem que, por um momento, falte quem vele junto a seu berço, ou durma a seu lado, ouvindo-lhe o respirar calmo da inocência e da confiança, ou despertando ao som do mais ligeiro vagido, para novos cuidados, para novos esforços pela saúde e pela tranquilidade do pequenino ente tão ternamente adorado.

Mesmo durante o sono reparador, a mãe, amorosa e boa, vê em sonhos o filho querido.

E os meses continuam a passar, e vão os anos decorrendo. Com o perpassar do tempo não diminuem, porém, os cuidados maternos. O filho tem crescido em idade, em forças, em tamanho, em raciocínio, e então é tempo, para a mãe dedicada, de lhe formar a alma, de lhe incutir a crença em Deus, e na imortalidade, de lhe inspirar amor ao bem e ao próximo.

No correr da vida, muitos homens são, física e moralmente, quais suas mães os idearam.

Sem o amor materno, numerosas criaturinhas pereceriam, não podendo resistir aos perigos da primeira infância, e a quantos sobrevivessem faltariam, no futuro, os sentimentos mais nobres que apenas um coração de mãe sabe inspirar. E o mundo estaria, consequentemente, pleno de deformidades.

É por tudo isso que eu penso ser o amor de mãe a mais elevada, a mais bela, a mais perfeita das obras sublimes de Deus, mesmo quando essa maravilhosa criação da bondade divina é comparada às selvas, ao mar e ao espaço, e a quanto existe nas selvas, no mar e no espaço.

Ao inocentinho, que entre nós vem viver, falta, às vezes, nos seus primeiros tempos de existência terrena, o carinho materno, porque à mulher a quem deve a vida, terminou cedo ainda, a vilegiatura neste mundo de incertezas; mas, nesse caso, tão grande é a misericórdia divina, que o pequenino orfanado é recolhido com afeto e carinho, pressurosamente, por um coração a quem a ternura de outra progenitura soubera transferir, anos antes, quanto de afeição e de cuidados sabe abrigar um coração de mãe.

E é assim, mesmo indiretamente, que a infinita bondade de Deus se manifesta através da mais sublime de suas obras - o amor de mãe. Sem ele, o nosso mundo seria um caos. Os mais nobres sentimentos humanos desapareceriam. O amor conjugal passaria a ser uma convenção. A verdadeira fé religiosa seria substituída pelo negro ceticismo. O dever seria do domínio dos códigos.

Deus, criando o amor materno, agiu menos como Senhor do que como Pai. Essa criação, a mais sublime, é filha de Sua ciência sem limites mas inspirada pela Sua misericórdia imensa e Seu amor infinito.

Eu penso, pois, que a mais elevada, a mais bela, a mais perfeita das obras de Deus, é incontestavelmente, o amor de mãe...

A Maior das Obras de Deus – parte 2
por Abel Gomes
Reformador (FEB) Janeiro 1942

Examinemos uns fatos, entre os numerosos que me ocorrem.

Um dos meus amigos fora acometido de uma doença grave, no crâneo, e era necessário uma intervenção cirúrgica. Para isso dirigiu-se à Capital, acompanhado pela esposa; mas os ilustres facultativos, por ele procurados, exigiam que primeiramente se fizesse mais forte, mais robusto, de modo a resistir à dolorosa operação, pois, estava tristemente abatido no físico e no moral.

Entre esses facultativos estava um parente e amigo do enfermo. Esse ilustrado clínico, porém, devia seguir naquela ocasião para o sul, em trabalhos da sua honrosa profissão, e, fazendo-lhe a última visita de médico, partiu quase convicto de não mais o encontrar à sua volta, tão pálido e desanimado estava o pobre moço.

No dia seguinte, também a esposa do enfermo abandonou-o naquela grande metrópole, e voltou para a terra natal, onde enfermara gravemente o velho pai.

Cerca de trinta dias se escoaram. Em uma bela tarde de verão, o ilustre médico, regressando de sua viagem ao sul, quis, antes de se dirigir ao lar, saber notícias do primo enfermo e encontrou-o forte, animado, bem disposto, à porta da casinha ajardinada que lhe servia de residência. Parecia em plena saúde.

O moço foi ao encontro do recém-chegado, estendendo-lhe as mãos numa saudação cheia de afeto; mas, o doutor, antes de lhe corresponder ao cumprimento, asseverou:

- Tua mãe está aqui contigo.

- Sim - replicou o moço; - há mais de vinte dias. E porque o dizes?

- Porque somente um amor de mãe é capaz de fazer voltar à vida um quase moribundo, - replicou o doutor.

Realmente, com o enfermo estava sua mãe, que, sabendo, vinte e cinco dias antes, em que condições se achava o filho, correra em seu auxílio. Mal podendo dispor dos recursos necessários à longa viagem, partira pelo primeiro comboio.

A pobre senhora não conhecia a capital, mas seguiu sem relutância; não dispondo de uma companhia, seguiu sozinha.

Sem os cuidados assíduos de uma mãe amorosa, sem o tratamento carinhoso e incansável daquela a quem devia a vida, jamais o pobre enfermo recuperaria as forças e nunca se elevaria, física e moralmente, às condições necessárias à intervenção cirúrgica.

Pouco depois era o moço operado e iniciava a curta fase de convalescença, terminada pelo seu completo restabelecimento.

***

De quanto é capaz um coração de mãe! É sempre o mesmo o seu amor, em todas as épocas da vida do filho, e por este sacrifica a fortuna, os gozos da vida, o fruto do seu labor insano, os confortos de um lar feliz, a própria saúde, a própria vida enfim, se também se tornar preciso, tudo fazendo sem um queixume, e considerando-se feliz em concorrer para a felicidade do filho querido.

***

Quando entrardes numa cadeia, em visita de caridade, ou quando percorrerdes as dependências de uma penitenciária, levados pelo desejo de fazer o bem como discípulos do Cristo e como cidadãos, procurar um por um, em particular, os criminosos condenados pelos delitos mais horrendos, mais terríveis, e a cada um desses infelizes perguntai com interesse afetuoso:

"Onde reside tua mãe?"

Um deles responderá: "Não conheci minha mãe, Senhor: faleceu quando eu nasci".

Outro vos dirá: "Minha mãe me faltou na primeira infância; não existe mais".

Um outro vos explicará: "Eu fugi da casa de meus pais quando ainda era menino, e nem sei sequer se minha mãe ainda existe!"

Mais um infeliz vos elucidará: "Eu sou filho do erro, e as convenções sociais baniram-me do lar. Não sei quem é ou quem foi minha mãe”.

Dai a cada um desses infelizes, se disso necessitarem, uma pequena lembrança que lhas deixe um pouco de conforto material, e a todos eles dedicai uns momentos de consolo, descerrando-lhes as portas longínquas da esperança pelo caminho da fé, do arrependimento, da regeneração e do amor, e serenai o vosso espírito, ao deixardes esse campo de misérias, pensando na bondade infinita de Deus, que a todos os Seus filhos aguarda com o Seu perdão de Pai amantíssimo.

***

Conheceis de certo alguns moralmente sãos, cujas qualidades, como chefe de família, e amigo, e funcionário, e cidadão, podem ser tomadas por modelo. Encaminhai-vos a alguns deles, particularmente, na direção de um estabelecimento industrial, ou à banca honrada de um advogado, ou à cátedra do mestre erudito, ou ao laboratório onde trabalha o sábio, ou ao consultório de um facultativo que de sua ciência faz um sacerdócio, ou a qualquer parte, enfim, onde labuta um homem com honra, com dedicação e com fé, e a cada um deles interrogai:

“Senhor, eu desejava saber a quem deveis a posição que ocupais. Quem vos ensinou a subir com honra, a engrandecer-vos sem soberba, a devotar-vos ao bem? Deveis a compreensão dessas verdades ao vosso próprio mérito, aos vossos esforços pessoais, ou tivestes um mestre que vos apontou o caminho do bem, da honra, do dever?"

Algum desses homens, dirigindo-se ao interior de sua residência, de lá regressará trazendo pelo braço uma velhinha sorridente, que vos apresentará nestes termos: "É minha mãe!..”

Outro, menos feliz, ouvindo a vossa pergunta, erguerá a destra em direção a um quadro que lhe honra a câmara de trabalho e vos dirá com os olhos úmidos de pranto:
           
"Cavalheiro, eu tive uma mãe".

E diversos outros dar-vos-ão respostas semelhantes.

É que o amor de mãe não se confina somente num berço. Não justifica a alegria grega do amor-menino. Acompanha o filho desde o primeiro vagido até que um dos dois entes desaparece da vida terrena; depois ressurge na vida futura, e vive e brilha pela amplidão infinita.  

***

Vi algures uma família sem chefe, uma viúva coberta de luto, alguns infantes sem pai, um lar onde a desdita se alojara. Pouco tempo antes habitavam ali a alegria e a esperança. Mas um dia morrera o chefe da família, o pai, esvaindo-se em sangue, horrivelmente ferido pelo ferro homicida que o seu próprio filho manejara.

Muito jovem ainda, o imberbe matador pensou na fuga, mas o remorso o atirou às mãos da justiça dos homens que o condenaram à pena máxima.

Porque cometera ele o horrendo crime? Defesa de alguém? Defesa própria? Sugestão de um espírito devotado ao mal? Medo de opinar, nas desarmonias domésticas, se existiam, contra quaisquer arbitrariedades paternas? Ou ausência de cultivo moral, ou falta de crença, ou um momento de loucura?

Ninguém o sabe. Ninguém o saberá talvez.

E o infeliz parricida, muito jovem ainda, quase adolescente, viu fechados após de si as férreas portas da penitenciaria, e viu que ao longe, numa aldeia pacifica, naquela herdade anteriormente alegre e calma, ficava uma família banhada em lágrimas e coberta de luto e de vergonha.

Pois a mãe extremosa desse infeliz, vendo-o embora culpado de tanta dor, de tanta e tão acabrunhadora desdita, saía a procura de clemência para o filho parricida. Com o coração a transbordar de amor e a alma de mãe a retumbar afetuoso perdão, deixava bastas vezes o lar e despendia não pequena parte do fruto do seu trabalho e das suas economias, e partia, viajando com sacrifício inaudível, a fim de impetrar perdão para o filho, o seu primogênito, tanto mais querido quanto mais desditoso se tornara, até que um dia, quase vinte anos depois do horrendo crime, um dos dirigentes deixou-se comover pelas suas lágrimas, pelos seus rogos, restituíram-lhe o filho.

Tem muito de divino o amor de mãe, ao qual nem o crime, e crime tão atroz, consegue jamais arrefecer.

***

No interior de um castelo antigo e nobre, no seio de uma família de costumes austeros, penetrou um dia a desonra: uma criança devia em breve surgir à luz, sem que anteriormente se houvesse efetuado um matrimonio. Era necessário desaparecesse a prova do erro. Assim opinava a velha castelã, e assim confirmava a jovem, filha única, que tivera a fraqueza de crer nas juras fementidas das de um moço pervertido pelos maus exemplos da época.

Para que desaparecesse o inocentinho, porém, esbulhado até dos seus direitos de herança, pensou a rica fidalga dever falar ao velho e sábio arcebispo, - naqueles tempos em que, como disse Vieira, os vasos eram de pau, mas os sacerdotes eram de ouro - e o prelado, profundo conhecedor do coração humano, declarou a ambas as senhoras que o caso era justo e seria a ação digna da aprovação de Deus; mas, apenas, sendo ele o arcebispo quem recebesse o inocentinho e se encarregasse de o extraviar, sob o mais rigoroso sigilo, o que poderia ser feito somente depois que a jovem mãe conservasse consigo o pequenino durante três dias...

Efetivamente, o velho prelado, algum tempo depois, entrando na alcova alcatifada onde tinha nascido, três dias antes, a inocente criancinha, dirigiu-se a jovem mãe, que a amamentava sorrindo, e disse, estendendo-lhe as mãos: "Venho reclamar o recém-nascido a fim de fazê-lo desaparecer, concluindo a minha missão".

- Não - respondeu-lhe a mãe com firmeza; o meu filho não se arredará de mim. Eu o criarei com dedicação e com amor.

- E eu tudo farei para que o meu amado netinho seja feliz entre nós - asseverou a velha fidalga, sorrindo ao pequenino.

Eram dois corações de mãe. Afrontavam o opróbrio e encaravam desassombradamente as convenções sociais, desprezando todas as censuras, que pelo mundo lhes pudessem fazer, e conservavam consigo, amorosamente, com carinho inexcedível, aquele pequeno ser, cujos olhos misteriosos pareciam envolver uma carícia e cujos lábios rosados pareciam esboçar, a meio, um sorriso de gratidão e de afeto.

O arcebispo sorriu, satisfeito. Aquele três dias tinham sido suficientes, mais do que suficientes, para despertar no coração da nobre e orgulhosa castelã o amor ao pequenino infante, de quem era duas vezes mãe, e para substituir, no coração da jovem fidalga, a afeição mundana pelo amor puríssimo de mãe.

Já não consentiriam que lhes arrebatassem dos braços o filho querido.

***


Penso pois, que, entre as obras grandiosas de Deus, a mais sublime é o amor de mãe.

No princípio era o Verbo


No princípio era o Verbo
por Vinícius (Pedro de Camargo)
Reformador, Dezembro de 1942

Mateus, reportando-se à individualidade do divino Enviado, tratou de sua genealogia terrena, partindo de Abraão, em ordem descendente, até José contando 42 gerações. 

Lucas refere-se às particularidades que rodearam o seu nascimento em Belém de Judá, num estábulo abandonado, tendo por berço tosca e rude manjedoura.

Marcos apresenta o Mestre já em contato com o Batista, iniciando sua missão exemplificadora.

João deixa de parte tudo quanto se liga à forma material com que o Messias se apresenta no cenário humano, para considerar o seu Espírito isto é, o "ser" propriamente dito, sede da inteligência, do sentimento e de todas as faculdades psíquica dizendo: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus".

Verbo é a palavra por excelência visto que enuncia a ação. Jesus é o Verbo paradigma por onde todos os verbos serão conjugados. É o modelo, é o exemplo, é o caminho cujo percurso encerra o destino de toda a infinita criação, "Ninguém vai ao Pai senão por mim", "Aos que crerem em seu nome, deu Ele o direito de se tornarem filhos de Deus; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne ou do homem, mas sim de Deus".

Como Ele, todos nós, no princípio, éramos o Verbo. A fonte única da vida é Deus. "N'Ele vivemos, nos movemos e existimos, porque d'Ele somos linhagem". A vida manifesta-se através da forma que encerra a luz. "Nele, Jesus, está a vida e a vida é a luz do mundo". No homem está a vida, em seu Espirito brilha a luz. "Somos de ontem e ignoramos". "Sei donde vim e para onde vou; vós, porém, não sabeis". Antes que tivéssemos consciência do que somos, já éramos, A alma é imortal, porque é eterna. O "cogito, ergo sum" (eu penso, logo existo) não constitui o início, mas, apenas, um dos marcos da evolução.

Assim como a criança é objeto de cuidados e desvelos antes de possuir noção de sua existência, antes mesmo de nascer, assim os seres já estão contidos no pensamento de Deus desde toda a eternidade. "Vede as aves do céu que não semeiam nem ceifam; que não têm despensa nem celeiros; no entanto, o vosso Pai celestial as alimenta". "Vede os lírios do campo, que não fiam nem tecem; nada obstante, vestem-se com mais pompa que os áulicos de Salomão".

Não haveria evolução, se não houvesse previamente involução. O que sobe da Terra é o que desceu do céu. O Criador e a criação coexistem, são eternos. "O Pai sempre agiu, nunca cessa de agir". Tudo é solidário no Universo: sóis, planetas e seres. O geocentrismo e o antropocentrismo são nuvens que obscurecem os horizontes da verdade sobre a origem do homem e dos mundos.

A vida, na Terra, começou em certa substância gelatinosa que se encontra no seio do oceano. "Produzam as águas repteis em alma vivente e aves que voem sobre a terra. Criados, pois, foram os grandes peixes e todos os animais que têm vida e movimento, os quais foram produzidos pelas águas, cada um segundo suas espécies, e todas as aves segundo o seu gênero".

Donde procederia essa alma vivente que, saindo das profundezas do mar, povoou o globo terráqueo de todos os seres que o habitam, da monera (O reino monera é formado por bactérias, cianobactérias e arqueobactérias (também chamadas arqueas), todos seres muito simples), ao homem? Geração espontânea? Essa hipótese não figura mais no cartaz por destituída de critério e de bom senso em apreço. João Evangelista responde ao quesito, numa linguagem transcendente, mas, simples, como simples é toda verdade: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus".


Até hoje, vinte séculos decorridos, a ciência não disse mais nem melhor.