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segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Do Mercantilismo Religioso- 3



Do mercantilismo religioso- 3’
por Hermínio C. Miranda
trechos de artigo publicado sob título
‘Não tenho prata nem ouro...’ in Reformador (FEB) Maio 1976

            “Se não preservarmos aqui, no seio do movimento brasileiro, a pureza doutrinária do Espiritismo, como iremos, mais tarde, cumprir a tarefa que nos fixaram os poderes superiores, de servir de sementeira da Verdade para o novo milênio que se aproxima? ... Há tumulto e desvairamento por toda parte. Estamos bem conscientes da responsabilidade que nos cabe? Estamos fazendo tudo quanto é possível, e o impossível também, para manter um elevado padrão de Espiritismo filosófico, científico e evangélico? Estamos combatendo sem tréguas qualquer tentativa de mercantilização, dogmatização e cultualismo sacramentário?


            Muito cuidado, muita vigilância, muita atenção, principalmente conosco mesmos. Se cada um de nós se mantiver firme, sustentado pelos ensinamentos contidos na Codificação Kardequiana, então, sim, terá cumprido seu modesto e sagrado dever. Caso contrário, começaremos a irradiar para o mundo uma Doutrina já corrompida e contaminada, recaindo nos erros fatais que nos custaram séculos de aflições.”

Do Mercantilismo Religioso - 4



Do mercantilismo religioso- 4’
por Hermínio C. Miranda
trechos de artigo publicado sob título
‘Não tenho prata nem ouro...’ in Reformador (FEB) Maio 1976

            “Ao que se depreende do relato de Emmanuel, em "Paulo e Estêvão", não seria difícil obter recursos da próspera comunidade judaica tradicional e ortodoxa, mas um debate íntimo e de coração aberto entre Paulo e Pedro resultou num plano segundo o qual a "Casa do Caminho" teria por objetivo tornar-se, tanto quanto possível, auto suficiente. Recursos adicionais seriam complementados por donativos recolhidos entre os próprios "caminheiros", para que atrás do dinheiro alheio não viessem as concessões e as acomodações doutrinárias: que fatalmente acarretariam o desvirtuamento da herança insubstituível do Cristo.

            Por outro lado, aqueles homens estavam acostumados a contar com seus próprios recursos, ainda que limitados. Vários deles eram pescadores e continuaram pescadores, mesmo ao longo do ministério que exerceram junto ao Cristo. Suas necessidades eram poucas, suas aspirações, elevadas. Jamais comerciaram com os dons que Jesus lhes concedeu.

            Quando o mago de Néa-Pafos propôs adquirir o "talismã" de Paulo, o Apóstolo dos Gentios proporcionou-lhe inesquecível oportunidade de aprendizado. Quando Paulo encontrou a mediunidade comercializada da pitonisa de Filipos, enfrentou com energia e coragem seus exploradores.

            E, como recomendara o Cristo, não levavam consigo senão o estritamente necessário para as viagens e andanças. Quando o paralítico pede uma esmola a Pedro, à Porta Especiosa, ele responde de pronto:

            - Não tenho prata nem ouro, mas o que tenho te dou! Em nome do Cristo, levanta-te e anda!


            Essa autoridade, essa certeza do apoio maciço da Espiritualidade, essa felicidade pura de servir, jamais dependerá da quantidade de ouro que trazemos no bolso ou acumulamos nos cofres - ela vem do fundo do ser, ela transborda do coração vinculado ao Cristo, ela emerge da gratidão do Espírito ante o privilégio de servir. Ela nunca esteve à venda, e enganam-se tanto os que pretendam vendê-la como aqueles que julgam poder comprá-la.”

domingo, 13 de dezembro de 2015

Erros e faltas



            Imaginemo-nos diante de uma falta alheia que nos fere e aborrece. Erro que nos humilha e estraga a tranquilidade.

            Provavelmente, o delito terá sido até mesmo perpetrado contra nós.

            Vale, porém, conscientizar atitudes antes de apresentar qualquer reação. Se te vês em condições de raciocinar, será justo inquirir de ti mesmo se a pessoa em falha permanece em harmonia consigo própria. Disporá do equilíbrio que, porventura, estejamos desfrutando, para ajuizar com o possível acerto em torno de acontecimentos e coisas? Que antecedentes lhe ditaram a mudança de conduta? Haverá contado na existência com as escoras afetivas que nos resguardam a segurança, desde muito tempo? Que recursos de autoeducação recebeu para evitar a queda em que se nos fez objeto de inquietação? Que forças lhe pesam na mente para abraçar comportamento contrário à nossa expectação e confiança?

*

            Se te dispuseres ao autoexame, indispensável à preservação da consciência tranquila, sem nenhum obstáculo, compreenderás o ensinamento do Cristo, que nos pede amor pelos inimigos, e recomenda se perdoe a ofensa setenta vezes sete vezes, sempre que nos bata à porta ou nos visite o coração.

            E não basta unicamente observar a posição anômala em que os nossos companheiros terão agido. Razoável reconhecer que, se vivemos, sentimos, pensamos, falamos e trabalhamos juntos, somos Espíritos na mesma faixa de evolução, uns mais à frente e outros um tanto à retaguarda do progresso, guardando todos a possibilidade de errar pelos empeços morais que ainda nos caracterizam.

            A diferença entre aqueles que se transviam e aqueles que se conservam em linha reta é que o companheiro ainda impecável se mantém de freios seguros no carro da própria vida, e o outro, o que errou, perdeu temporariamente o controle da direção.

Erros e faltas
Emmanuel
por Chico Xavier

Reformador (FEB) Abril 1976 

Quando amanhecer o dia...


           A brutalidade humana estigmatizou o Cristo de Deus durante todo o trajeto por Ele percorrido, nos 33 anos que passou entre nós. Chegado de regiões sidéreas, investido de tamanho poder que declarou a Pilatos que sua condenação só ocorria porque o Alto assim o desejava, tanto o início quanto o final de sua missão na Terra constitui-se, aos nossos olhos, em pomo de discórdia, especialmente se nos recordamos de que Ele é o selo da mansidão e da paz. Da manjedoura ao Getsêmani, do Getsêmani ao Gólgota, os homens rodearam-no de controvérsias, testaram-lhe a paciência que, em momento algum, demonstrou as fraquezas que nos são peculiares, atestando-lhe a genealogia completamente estranha à da raça humana. Renan, o grande historiador, diz que Ele foi tão grande que não pode localizar-se na corrente comum do tempo percebido pelo ser humano: dividiu a História em antes e depois. Dialogou com todo tipo de pecadores e criminosos, enfrentou o mundo de César, e não fraquejou em um só minuto. A grandeza inabordável de Jesus, como grandeza, não nos é acessível, embora o seja, e plenamente, como amor, que cobre uma multidão de pecados.

            Ainda hoje o seu nascimento perde-se entre discussões improdutivas e polêmicas acerbas, quando a grande realidade é que, primeiro, o que nos deve importar é a exemplificação que Ele nos legou, consubstanciada nas obras que empreendeu, e que não passaram nem passarão, como passou Jerusalém, no ano 70. Foi tão augustamente sábio que fez das hediondas perseguições de Nero e de Diocleciano motivo de difusão do Cristianismo; soube retirar da iniquidade o bem que socorre a própria iniquidade. Em segundo lugar, falávamos de polêmicas, o que nos importa não é o que Ele foi ou deixou de ser, mas o que Ele é. Em terceiro lugar, importa a nós que tudo se passou de acordo com a vontade Divina; que em Maria se fez, de igual modo, a vontade do Senhor; e que Ele veio para a salvação do mundo, que o não compreendeu, e não o compreende ainda. O Evangelho de Lucas, que alguns exegetas também consideram como sendo destinado aos Gentios, junto com o de Marcos, carregados de maior historicidade, o primeiro, como o sabemos, brotado na atilada mente paulina, de acordo com informações da própria Virgem Mãe, narra o que se passou na noite maravilhosa do nascimento do Rabi Galileu.

            A partir, muito depois, da transformação da água em vinho, durante as Bodas de Caná - o início da vida pública de Jesus - desabou sobre o Mestre uma intempérie de acusações falsas, incompreensões, acintes e absurdos, os quais somente a excelsa posição que ocupa poderia suportar.

            Com a ida do Senhor a Betânia, a ressurreição de Lázaro, e a refeição na casa de Simão, o leproso - que alguns estudiosos identificam com o próprio ressurrecto, o que não está provado - junto a Marta e Maria de Betânia, toda a intransigência dos homens deu as mãos, combinando atrocidades, no mais ominoso processo de que se tem conhecimento.

            Impossível a atribuição de culpa em separado a essa ou àquela facção: a verdade é que o gênero humano é o grande responsável pelo Calvário do Senhor. A grande verdade é que os interessados e autoridades que arquitetaram o evento não passam de símbolos da raça de que fazemos parte, a crucificada por excelência, e, ainda hoje, a prisioneira única do túmulo de onde Ele desapareceu. De um lado, a ira farisaica, a intransigência judaica, oferecendo denúncia formal contra o que, nascido em Belém, na Judéia, foi chamado Nazareno. A denúncia não foi por Judas desencadeada, mas o teve como pretexto, cuja traição contrariou a própria Lei Moisaica, tão defendida pelos lobos do Sinédrio, e que dispõe, no Levítico, XIX, 16: "Não te oferecerás a ti mesmo como testemunha contra a vida do teu próximo." Naquela hora, até mesmo o que já serviria de motivo para a dilapidação de Estêvão poderia ser relegado a plano secundário. Aquele homem precisava ser condenado e sumariamente executado... para segurança da mentira e da injustiça! De outro lado, a conivência temerosa, entibiada por parte da justiça romana que, chamada a atuar, viu-se forçada a confirmar a sentença, perante o ódio da populaça.

            Fraudes, dolo, erros essenciais: todo o negativismo precisou combinar-se para levar à morte, aos olhos dos homens, o Filho de Deus.

            Pôncio Pilatos, assustado diante do sonho de Cláudia, que o aconselhava a não arriscar a responsabilidade no julgamento de um justo, apela para os conselhos de Públio Lentulus, que - após afirmar que ninguém tinha Jesus na conta de conspirador ou revolucionário, em Cafarnaum, e que ele próprio, Lentulus, encarava suas ações, naquelas plagas, como as de um homem superior, caridoso e justo - sugere a Pilatos que envie o acusado ao julgamento de Herodes Ântipas, representante do governo da Galileia em Jerusalém. Lá, o Cristo é recebido com sarcasmo, informa-nos Emmanuel, veste a túnica alva, e tem assentada sobre a cabeça a coroa de espinhos, que não é de ferro ou bronze, ou qualquer outro metal, mas de uma planta espinhosa, que produz ardentíssima seiva. Reconduzido à presença de Pilatos, tendo enfrentado o sarcasmo da turba, Pilatos assegura que seu coração lhe diz que aquele homem nada havia feito. Como a multidão enlouquecida ameace invadir a mansão, Polibius sugere o açoite em praça pública, para que se saciasse a sede de condenação ali exibida. Mas, é impossível aplacar violência com mais violência, neutralizar o sangue com mais sangue. Após ter Jesus, durante os açoites, encontrado os olhos do Senador,... "que baixou a fronte, tocado pela imorredoura impressão daquela sobre-humana majestade", Públio retorna ao interior do palácio, contristado. Nesse momento, Emmanuel informa-nos que foi ele mesmo quem sugeriu uma espécie de permuta do Cristo por outro prisioneiro que já tivesse a sentença de morte irrecorrível.

            Pilatos sugere Barrabás... Mas, a multidão absolve Barrabás e quer Jesus crucificado. Pilatos lava as mãos (mais tarde, é o próprio Emmanuel quem informa que ele irá suicidar-se), e o Cristo marcha na direção do Monte da Caveira.

            Toda essa aparente coordenação falha por demonstrar ordem, e parece-nos válida a estupefação de Daniel Rops, ao dizer que não se consegue entender como tinha podido Ernest Renan deixar escrito que, no processo de Jesus, tudo transcorreu na mais absoluta ordem. Todo o procedimento iniciou-se com trevas, e não poderia terminar senão em trevas. O próprio Céu ratificou a escuridão moral da humanidade, cobrindo o mundo com trevas. E tudo se consumou assim... E tudo se iniciou assim!

            Marcado pela animalidade dos seus irmãos menores, marcou-os Jesus, indelevelmente. Seus sinais serão cicatrizes, enquanto em nós houver maldade; luzes, ao contrário, é o que restará de tudo, quando redimidos estivermos.

***

            Um evento contendo dois episódios chama-nos a atenção para o poder regenerador do Messias. Ambos os episódios são, mais uma vez, narrados pela noção de historicidade de Emmanuel, que, embora não seja aceito como fonte escrita de História, o que, de resto, ninguém consegue provar, é, para nós, o grande evangelizador, ao qual o futuro prestará mais respeitos. (1)

            (1) A própria História nega autenticidade à célebre lâmina descoberta em Nápoles, contendo artigos referentes ao processo da crucificação, um dos quais discrimina sedução à pessoa do Cristo (mesith - sedutor).

            O primeiro deles toca o problema da descrição dos traços físicos do Mestre. Historicamente, nada existe que nos leve a afirmar como fosse Jesus. Alguns hermeneutas pretenderam "interpretar" a passagem de Lucas, XIX, 1 a 4, de tal modo a que fôssemos levados a crer que Jesus, e não Zaqueu, era o que se estampava em estatura pequena. Uma efígie do Cristo parece estar insculpida numa antiga pedra, trazida de Constantinopla a Roma, e cuja influência se faz sentir quer sobre uma tapeçaria atribuída a Johann Van Eyck, quer sobre um medalhão, que se encontra em Poitiers, esculpido no século XVI. Alguns afirmam que, quando da Ascensão, os Apóstolos pediram a Lucas que criasse um quadro retratando o Senhor (2); e que, depois de três dias de preces e de jejuns, começando seu trabalho, Lucas viu aparecer o rosto sagrado. O caso de Verônica é também aventado, sendo que outros conhecedores dizem que ela é a mesma hemorroíssa, curada por Jesus, a qual, tentando pintar a fisionomia inesquecível, desespera-se e vê entrar Jesus, que vem pedir-lhe refeição, e que, enxugando o rosto com um pedaço de linho, nesse tecido deixa impressos os seus traços.

            (2) Trata-se, evidentemente, de uma lenda. Não temos noticia de que Lucas tenha estado presente à Ascensão.

            No entanto, é a célebre Carta de Lentulus que exige maiores atenções de nossa parte. Os estudiosos dizem não existirem evidências históricas desse Senador, mas nós sabemos que o "Larousse do século XX" registra a figura de Públio Lentulus Sura, que Emmanuel identifica como sendo ele mesmo, quando era avô daquele que seria o Senador. Isso é, de fato, uma pista. No entanto, os pesquisadores preferem ter a carta na conta de apócrifa.

            A carta é dirigida "ao Senado e ao Templo Romano", e vem sendo classificada como poética, e psicologicamente de grande efeito (3). Eis a descrição que nela se contém do Cristo:

            (3) De fato, a identificação de Públio Lentulus Sura é uma pista de localização de um tronco familiar. Na realidade, quanto à carta, existiram dezenas de Lentulus na ocasião, além de termos de considerar que o documento, se não pode ser dito como de Públio Lentulus, tampouco lhe pode ser negado historicamente. Existe, a rigor, um ponto apenas onde pode surgir dessemelhança válida: o Lentulus da carta diz-se Governador de Jerusalém. De um certo modo, coonestando a complexidade do assunto, convém ressaltar que há diversos textos para a mesma carta, e até mesmo nos jornais antigos - quando a reproduziam - poder-se-Ia, facilmente, detectar as diferenças.

            "É um rosto venerável, e de tal modo que aqueles que o encaram podem experimentar, ao mesmo tempo, temor e amor. Seus cabelos são da cor de avelãs maduras, lisos até quase as orelhas, com leve reflexo azulado, caindo sobre os ombros. A tez é cheia de vida; seu nariz e sua boca não têm defeitos. Tem a barba abundante, do mesmo tom que a cabeleira, não muito longa e dividida no queixo. É esguio, ereto, e suas mãos e seus braços são admiráveis." A carta, realmente bela, termina com a citação dos Salmos, XLV, 3: "É o mais lindo dos filhos dos homens!"

            Apócrifa ou não, ninguém melhor do que Emmanuel para resolver o problema. Vejamos. Flavia Lentulia padecia grave enfermidade. Lívia, a inesquecível Lívia, insiste com o Senador para que vá ter com o Messias de Nazaré. Ele acede aos rogos da esposa, embora ressalte que...  "Não procederei, todavia, conforme sugeres. Irei sozinho à cidade, como se me encontrasse em hora de simples entretenimento, passando pelo trecho do caminho que nos conduz às margens do lago, sem chegar ao cúmulo de abordar pessoalmente o profeta, de modo a não descer da minha dignidade social e política, e, no caso de sobrevir alguma circunstância favorável, far-Ihe-ei sentir o prazer que nos causaria a sua visita, com o fim de reanimar a nossa doentinha."

            Não foi sem lutas íntimas, orgulho contra humildade, que Lentulus se dirigiu ao encontro, após uma hora sobre as suas amargas cogitações íntimas (sic).

            O Senador esperava encontrar "homem simples e ignorante, dada a sua preferência por Cafarnaum e pelos pescadores". Esperava encontrar dificuldades, porque... "não lhe interessara o conhecimento minucioso dos dialetos do povo e, certamente, Jesus lhe falaria no aramaico comumente usado na bacia de Tiberíades". Eis que se encontrava inteiramente enganado! Apoiado num banco de pedras, começa a experimentar sensação nunca dantes sentida. Recorda-se dos menores feitos de sua vida terrestre, e parece ter abandonado temporariamente o corpo carnal. Experimentava êxtase, olfatava perfumes vindos do lago de Genesaré, o mar da Galileia, com mais ou menos vinte quilômetros de extensão, quando o Jordão está a 208 metros sob o nível do mar, e que pode ser atravessado em pouco mais de meia hora. Há, por ali, mimosas, jasmins e loureiros. Diz-se ser, ainda hoje, um dos
mais belos lugares da Terra.

            As palavras de Emmanuel levam-nos à conclusão de que ele, Públio Lentulus, encontrava-se desdobrado; e tanto é assim que, depois que tudo cessou, por volta das vinte e uma horas, o Senador despertava (sic). Já em estado de desdobramento,
estacara diante de seus olhos "personalidade inconfundível e única". Eis a descrição de Emmanuel, em confronto com a carta de Lentulus:

            "Tratava-se de um homem ainda moço, que deixava transparecer nos olhos, profundamente misericordiosos, uma beleza suave e indefinível. Longos e sedosos cabelos molduravam-lhe o semblante compassivo, como se fossem fios castanhos, levemente dourados por luz desconhecida. Sorriso divino, revelando ao mesmo tempo bondade imensa e singular energia, irradiava da sua melancólica e majestosa figura uma fascinação irresistivel."

            Mais adiante, Lentulus identifica "aquela criatura impressionante" ... "e torce misteriosa e invencível tê-lo ajoelhar-se na relva lavada em luar".

            Alguns estudiosos dizem que Jesus ria pouco mas, Emmanuel diz que Ele sorria, e não que Ele ria naquele momento. Não há, na narrativa do Espírito, qualquer menção à tonalidade azulada, se bem que ambas as narrativas falem em cabelos castanhos, porque a avelã madura é da cor de cabelos castanhos. Além disso, muito embora mencione fios castanhos, levemente dourados, logo a seguir referenda uma luz desconhecida, que, no atordoamento da presença do Cristo, e no estado de desdobramento, bem poderia ser azulada ou dourada. Além do mais, não poderia o azulado ser suave emissão magnética do Senhor, ao passo que o dourado seria o reflexo da luz solar em seus cabelos sedosos?..
           
            Nada parece estar em choque nas duas narrativas, e tudo leva a crer que elas são uma e só coisa, com pontos de vantagem para a dissertação mediúnica, que é o Espírito dando o próprio testemunho, ao passo que a carta bem poderia, em qualquer ponto, se fosse o caso, ter sido prejudicada, dessa ou daquela forma. Há praticamente uma identidade de vistas, e o problema da luz azulada ou dourada deixa de ser problema, enfocado à luz dos conhecimentos espíritas.

            Mais um ponto que autoriza a interpretação do desdobramento, enquanto lança por terra todas as suposições do Senador Públio Lentulus sobre a ignorância de Jesus, é o problema da comunicação entre os dois personagens, naquele dia. Das palavras de Emmanuel, depreende-se que Jesus não falou nem aramaico, nem siríaco, nem latim, nem linguagem alguma conhecida, mas "exclamou em linguagem encantadora, que Públio entendeu perfeitamente, como se ouvisse o idioma patrício, dando-lhe a inesquecível impressão de que a palavra era de espírito para espírito, de coração para coração". (Grifos nossos.) Mais adiante, Emmanuel diz que... "o profeta, como se prescindisse das suas palavras articuladas" (palavras essas de Lentulus), o que demonstra que, de fato, a comunicação era pelo veículo do pensamento, que, naquele instante, suplantava as barreiras dimensionais, para dizer ao Senador que... "ainda assim, meu amigo, não é o teu sentimento que salva a filhinha leprosa e desvalida pela ciência do mundo, porque tens ainda a razão egoística e humana; é, sim, a fé e o amor de tua mulher, porque a fé é divina... "

            Quebraram-se os elos... Lentulus ainda o veria no dia do açoite, sugerido por Polibius, para acalmar a turba insaciável. O tempo que se passou desde o desdobramento até ao êxtase, e deste ao despertar, por volta das vinte e uma horas, são a narrativa perfeita da rapidez do crepúsculo em todas as paragens da Terra Santa. Emmanuel chegou a ponto de, com toda a naturalidade, mostrar que uma hora após o percurso de uns trezentos metros (página 83), insensivelmente apoiado sobre o banco de pedras já mencionado, ... "um velário imenso de sombras invadia toda a região:..." e que... "o céu, àquela hora, era de um azul maravilhoso, enquanto as claridades opalinas do luar não haviam esperado o fechamento absoluto do leque imenso da noite."

            O leque imenso da noite fechou-se, sim, aguardando que o Senador Públio Lentulus despertasse ao toque caricioso do Messias. Quando nasceria o dia para o Patrício? Quando nascerá o dia para nós? Seremos daqueles que, ainda hoje, face a face com o Mestre, no Consolador Prometido, insistem em negá-lo renitentemente? E não digamos que se o víssemos transformar-nos-íamos imediatamente, porque é bem provável que tenhamos sido um dos que o viram, sem o ter descrito para a posteridade, para que a História duvidasse menos, a fim de que tudo nos fosse bem mais fácil, simplesmente porque estávamos ocupados em gritar: "Jesus!.. Jesus!.. Absolvemos Barrabás!.. Condenamos a Jesus!.. Crucificai-o!.. Crucificai-o!.."

Quando amanhecer o dia
Boanerges / (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Abril 1976

Indalício Mendes assinou...


sábado, 12 de dezembro de 2015

Os testes do caminho


             Em todos os setores da vida submete-se o Espírito à aferição de resistência valores pelos mecanismos do Universo.

            Da mais singela das formas às mais altas expressões da consciência, a natureza nenhum momento deixa de prover a banca examinadora de papel e lápis, adequados à altura da prova.

            A rigor, os testes se sucedem na razão direta das capacidades íntimas do discípulo porque o mestre sempre leva em conta os limites do plausível, fiel ao conceito do peso da cruz depositada sobre os ombros do ser.

            Se nas camadas menos densas da manifestação anímica as provas são desafios ao Espírito interessado em ascender, o teste, na Terra, sob o peso constritor do corpo que lhe é peculiar, é testemunho penoso, aparentando eternidade, que instrui e fortalece o íntimo, na serenidade, ou algoz enfurecido, que desespera e assola. Tudo depende de como o encara o homem.

            Útil lembrar que só pelo abatimento do débito o crédito nos bancos da divina providência aumenta. Não existe outra alternativa. Para que o triunfo realize, incentivando-nos a novas conquistas, no plano do Espírito Imortal, avalistas possuidores de vastíssimo patrimônio imperecível, inerente aos tesouros da individualidade, garantiram nossos títulos. Se somos nós, todavia, os responsáveis pela emissão dos cheques, uma vez que a responsabilidade jamais supera os tetos da capacidade. Quanto mais fizermos em benefício do ser humano, tanto mais contribuiremos para a noção integral do homem.

            Diante de quaisquer empecilhos, portanto, humildade continua sendo a grande serva em nossa conta, nos setores da economia celeste. O quanto realizarmos, o quanto reverterá a nosso crédito; o quanto nos beneficiarmos em nós, através da renúncia, o quanto a sociedade aprimorar-se-á. É pelas parcelas somadas que se altera o produto. Nenhum sábio assomou aos pináculos do conhecimento sem milhares de adições na conta íntima, base do condomínio das duas asas, gerando equilíbrio. Aliás, não foi pela revolta ou pelo destempero que o Senhor entrou em comunhão com Deus.

            Convencidos da realidade, entendamos o próximo com a mesma prodigalidade de desculpas com que acendramos a fertilidade de porém para com nossas próprias falhas. Não que raiemos pelas bordas do desculpismo destruidor; no entanto, nada se resolverá a chicote. O talião é Lei diretamente vinculada a Deus, assim também em sua aplicação.

            Nisso tudo, somemos parcelas de desprendimento, abandonando progressivamente noção egoística de personalidade, e percebamos o hoje a apontar-nos não o que somos, tão-somente, mas aquilo que devemos ser.

            Reflitamos em nós as luzes do Cristo, suportando os testes do caminho. Eles nada mais são que a medida de nossa inferioridade.

Os testes do caminho
Eurípedes Barsanulfo
Reformador (FEB) Abril 1976

(Mensagem recebida no Grupo Ismael, em 19-2-1976) 

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

A Obra do Evangelho



            Muitos daqueles que se entregam atualmente aos postulados científicos do Espiritismo condenam os estudiosos das ilações de ordem moral e religiosa, às quais a doutrina inevitavelmente conduz com as suas expressões fenomênicas, demonstrando as realidades espirituais.

            Mesmo aqui no Brasil, onde Ismael fixou as bases luminosas do seu programa, observam-se movimentos sub reptícios, tendentes a nulificar a ação do Evangelho, eliminando as feições religiosas e consoladoras da doutrina.

            Que se crie uma ciência nova sobre a argamassa dos fenômenos espíritas, que se amplie a metapsíquica, com os seus compêndios de complicada terminologia, é natural; mas que se olvide que o moderno Espiritismo tem de ser a confirmação do Cristianismo, em sua primitiva pureza, restaurando as forças coletivas para a Prática do Bem, é inadmissível. As ciências terrenas têm um valor sobremaneira relativo diante das leis transcendentes que regem o mecanismo dos destinos. O homem físico tem atingido a cumeadas evolutivas; mas o homem moral se ressente de graves lacunas e grandes defeitos. Para o primeiro, a Terra está cheia de novas comodidades e de eficazes tratamentos. Para o segundo, porém, só existe um caminho de progresso - o do instituto cristão.

            Na compreensão exata do Evangelho está hoje guardada a solução de todas as crises que assoberbam os humanos. O critério de civilização ou de cultura, sob o ponto de vista mundano, não resolve os sérios enigmas que preocupam a mentalidade geral, porquanto, moralmente falando, o. homem está cheio de necessidades. A mensagem do Cristo, ainda hoje, é obscura e desconhecida no ambiente de quase todas as nacionalidades, não obstante as igrejas de todos os matizes, isoladas dos verdadeiros característicos do Cristianismo. Muitos povos esperam ainda a palavra do Mestre, para que se aproximem as suas leis do Código da Fraternidade e do Amor.

            No domínio das coisas espirituais, o homem ainda oscila entre a civilização e a barbaria. Daí se infere a necessidade de se esclarecer o entendimento humano, no que se refere aos seus deveres divinos.

            Todos os programas dos ideais espiritualistas têm de se basear na melhoria do homem. O Espiritismo terá de reviver o Cristianismo ou terá de perecer; as suas questões científicas são acessórios necessários à sua evolução como doutrina, mas não significam a sua vitalidade essencial. Os que malsinam a obra evangélica, taxando-a de inútil e descabida, não apreenderam as grandes verdades da Vida, despidos do senso das realidades atuais.

            É necessário que os espíritas se convençam de que toda a obra doutrinária, sem o concurso da parte moral do Espiritismo, passará como meteoro. Se nas vossas atividades consuetudinárias tendes visto fracassarem inúmeras edificações, rotuladas com a nossa fé consoladora, semelhantes desastres são o fruto de injustificáveis irreflexões. Antes de criar os espíritas conscientes dos seus deveres de fraternidade, de humildade e de amor, tendes levantado as obras espíritas, vazias das consciências esclarecidas, inaptas a orientá-las no labirinto das atividades modernas. Criar instituições, sem afinar as mentes que as nortearão nos ambientes da coletividade, de acordo com os seus objetivos sagrados, é meio caminho andado para a sua própria falência.

            Convencei-vos de que a atualidade necessita do esforço comum de todos, à sombra da bandeira da tolerância e da unificação, para que se dissemine a lição do Evangelho em todo o planeta. Antes dos cérebros, faz-se mister iluminar-se os corações. O Espiritismo marchará com Cristo ou se desviará de suas finalidades sagradas. Ou os homens realizam o Evangelho ou a sua civilização terá de desaparecer.

A Obra do Evangelho
Bittencourt Sampaio
por Chico Xavier

Reformador (FEB) Março 1976

Ontem e Hoje


                 Recordando os tempos do cristianismo nascente, impossível sopitar sinceras expressões de admiração. Quanto fizeram os que nos antecederam em quase 2.000 anos, na trajetória de homens renovados para a luz de Cima!

            A história do Cristianismo é a maior de todas as odisseias que já a Terra viu. Campos juncados não de cadáveres, na rigidez que caracteriza a morte no corpo físico, mas de arbustos e plantações santificadas, no louvor mudo às mães, em louvor aos filhos, em louvor aos irmãos, em louvor às crianças de Deus, que tombaram na divina epopeia.

            Fez-se o martírio. Madeiros ostentavam estamparias carnais, testemunhando não a força bruta, mas a impotência da treva perante a força da bondade. Por muitos anos, portas fechadas ocultaram ao geral do mundo as expressões do Alto, não porque o Amor do Cristo temesse travar contato com as feridas da incompreensão humana, mas porque jamais convirá que o Bem abandone a prudência, que a caridade esqueça os limites do bom senso, para bem ser praticada.

            Como cuidaram dos leprosos, dos coxos e dos estropiados, dos cegos e dos possessos, os trabalhadores das horas difíceis que cercaram a vinda do Messias, e nos dois séculos que decorreram após as cenas até hoje incompreendidas do Calvário e da Ressurreição, bases da segurança do Cristianismo! ... Por quantos martírios, desde a discórdia familiar às hediondas macerações nos calabouços da indignidade, passaram nossos irmãos de luta... Paulo, abandonando a vida imediata, comparecendo com o exemplo nítido do homem que, aquém da santidade, entregou o coração além da morte ao flagício dos espinhos na carne, vaso de barro a comprovar que tudo o que existe de bom procede de Deus. Os discípulos anônimos, testemunhando a escola casta do Cristianismo, que Jesus inaugurou em pleno deserto de nossos corações. João, o Evangelista, pelo Mestre apelidado "filho do trovão", junto a Tiago. Simão Pedro confundido pelo olhar do Senhor, a face branda, cheia de amor, de um Amor que ainda não compreendemos...

            Recordamos e cremos dizer dos caminheiros e testemunhantes da estrada, do mais fundo de nossa pequenez, através da nossa imperfeição. Homenageamos as lágrimas vertidas dos corações maternos apartados dos filhos adorados, testemunhando a comunhão com o Espírito de Deus.

            Meus irmãos, quantas agruras a história do Cristianismo ainda hoje nos oculta! Que temos nós construído, de nossa parte?.. Como reagiremos perante os desafios múltiplos integrantes de nossa cruz, nós que também estamos sob o jugo do ódio, tornado leve sob as bênçãos crísticas?.. Como procederemos face aos que nos agredirem com o pensamento ou com o verbo desequilibrado?.. Que vantagens buscaremos auferir, senão as lídimas vantagens do Céu?.. Que plantações semearemos em nossa casa?..

            Meus filhinhos - que o amor que vos dedico autoriza-me a chamá-los assim - :Quando chegaremos às portas de Damasco?!. .. Que haja muita tolerância e muita luta, nesse amor que detendes, que Jesus derramou sobre o mundo, no milagre da libertação, segundo a responsabilidade de compreender.
Ontem e hoje
Bittencourt Sampaio
Reformador (FEB) Janeiro 1976

 (Mensagem recebida na sessão pública de 29-8-1975, na FEB - Seção Rio.)

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O grande medo de Kardec...


        ...o grande medo de Kardec é que o espiritismo derivasse para a formalização religiosa do sacerdócio, do ritual, da hierarquização. Para Kardec, religião era toda uma estrutura venal, podre, pestilenta, falida, que engodara o homem durante quase dois mil anos e propiciara a consubstanciação do maior perigo para a humanidade: o aurorescer do materialismo! Tudo deveria ser feito, pois, para que nem um nem outro se repetissem.

            Ao mesmo tempo, Kardec não fazia mais do que assentar seu raciocínio e sua proclamação religiosa nos próprios postulados contidos em O Livro dos Espíritos. São Luís, por exemplo, respondendo à questão número 1010, informa:

            Os Espíritos, portanto, não vêm subverter a religião, como alguns o pretendem. Vêm, ao contrário, confirmá-la, sancioná-la por provas irrecusáveis. (...). Eis por que, daqui a algum tempo, muito maior será do que hoje o número de pessoas sinceramente religiosas e crentes.

            E, no capítulo V da Conclusão, já se podia ler: "O Espiritismo é forte porque assenta sobre as próprias bases da religião."

            Assim, o pensamento do Codificador pode ser nimiamente compreendido pela síntese que lemos em Obras Póstumas, primeira parte, capítulo "Os desertores" , e que é também a síntese do que eu mesmo expus até aqui:

            O Espiritismo é uma doutrina filosófica de efeitos religiosos, como qualquer filosofia espiritualista, pelo que forçosamente vai ter às bases fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma e a vida futura. Mas, não é uma religião constituída, visto que não tem culto, nem rito, nem templos e que, entre seus adeptos, nenhum tomou, nem recebeu o título de sacerdote ou de sumo-sacerdote. Estes qualificativos são de pura invenção da crítica.

                  Obs 87      Em "Dos Alfarrábios - II", de minha autoria,
publicado no Reformador de fevereiro de 1972,
à página 37, eu já havia feito a transcrição
destas palavras de Kardec.

            E nesta mesma obra, sob o título "Futuro do Espiritismo", uma mensagem de Brion Dorgeval ao médium Jorge Genoullat sentencia: "O Espiritismo (...) restaurará a religião do Cristo" (...) e "instituirá a verdadeira religião, a religião natural."

            Mas o grande medo de Kardec, hoje, há de estar potencializado. O Codificador já percebeu, sem dúvida, que o movimento espírita enveredou por ilusório atalho e deve ser aguda e dolorosa a sua mágoa... Tudo quanto temeu está acontecendo ou por acontecer. Se ele retomasse, haveria de deplorar o esmero com que se sofisma para justificar todos os erros que, antes, já foram perpetrados e que aí estão, novamente, e no chamado Coração do Mundo, comprometendo a pureza da doutrina... Meu Deus! é preciso parar um instante, um segundo que seja, para a reflexão e a autocrítica. Observe-se a história, os seus anais, seus registros, seus processos filosóficos e religiosos. Medite-se sobre quanto ficou para trás relativamente às dores e tristezas a que o atalho levou os líderes religiosos de ontem. É preciso observar, friamente, o que está acontecendo. Meu Deus, é toda uma causa maravilhosa, sublime, transcendental que está em jogo! É a doutrina da Verdade que, confiada a nós, reencarnantes da Pátria do Cruzeiro, estabelecerá de fato o reinado do amor e da paz sobre a face da Terra, desde que não se repitam os equívocos do passado, na defenestração das lições amargas já aprendidas! O grande medo de Kardec é o meu próprio medo, é o medo imenso da Casa de Ismael! É o medo de que tudo se perca outra vez... Afastemo-nos, por um instante, da craveira comum dos fatos que passam e olhemo-los à distância do bom senso. Há diante de todos um caminho belíssimo, luzente e seguro; mas os pés avezados parecem preferir o atalho incerto e penumbroso... O movimento espírita precisa voltar, urgentemente, às suas origens! Porque muitos dos "melhores" e mais "eficientes" núcleos já estão completamente enovelados pelos baraços das impenitentes distorções humanas. A sua porta já não falta uma imagem qualquer de algum mago do espiritismo, fazedor de milagres. Na recepção, entre maus livros, editados mediante preponderante critério comercial, alguns títulos alarmam pela preocupação de "santificar" humildes, sinceros e inocentes médiuns. No interior, coros de jovens ou de adultos entoam peças do Hinário Espírita (?!), geralmente de mau gosto artístico, enquanto as paredes ostentam uma galeria de taumaturgos, ataviados com ramilhetes coloridos. Alguns deles - os mais "venerandos" - ganham até luzinhas devocionais, permanentemente acesas... Oradores esguelam-se em panegíricos a confrades ilustres, permeados da exaltação ao sentido ecumênico do movimento, de maneira a ficar muito bem justificada a presença de irmãos "tolerantes" em solenidades e rituais promovidos sob os auspícios do Concílio Vaticano II (88) As autoridades são convidadas a compor a mesa dos trabalhos, na qual nunca faltam as corbelhas e as alfaias de crepom. Os fotógrafos profissionais, convocados sofregamente pelos dirigentes, queimam seus flashes para depois venderem o "santinho" à porta do centro ou na sua própria livraria. Com essas fotos, fazem-se ainda chaveirinhos, medalhinhas, carteirinhas de fósforos, bandeirolas, plásticos para vidro de automóvel, etc. Os rádio-repórteres sarandam, aflitos, de microfone em punho, na esperança de arrancarem algum "furo" sensacional, a fim de garantir o Ibope do horário nobre! E, para arremate amargoso, incentiva-se a instituição de escolas, academias, institutos e universidades espíritas, a mostrarem que a nova escolástica vai muito bem, obrigada, graças à multiplicação dos cursos regulares que Kardec "teria" proposto, embora ninguém o visse ministrar algum... Em meio ao cursilho, o "professor" exalta a pujança da massificação espíritas esclarecendo ser ela o fruto "abençoado" da complexa organização que vige nas instituições, com grandes organogramas, diretorias executivas, conselhos, departamentos, divisões, seções, setores, comissões, além de técnicas moderníssimas de fazer a caridade, fluxogramas para a ajuda ao próximo, métodos auditoriais de amar ao semelhante, et caterva... Contrasenso fantástico o da atualidade do movimento espírita, quando enfocamos principalmente as lideranças mais ortodoxas. Ficam muito injuriados, muito indignados porque os umbandistas se dizem espíritas; mas devagarinho e sob mil disfarces vão copiando os mesmos rituais. Batuque e ponto são barbaridades antidoutrinárias; porém, hino e coral são apropriadíssimos. E isso é só um exemplo.

            Obs 88  Leia-se, a propósito, a mensagem de Irmão X
 intitulada "Religiões Irmanadas",
veiculada no Reformador de agosto de 1971,
página 171. Mas leia-se mesmo.
Vale a pena. Garanto.
E, depois, se desejar arrematar a boa leitura,
abra A Descida dos Ideais, de Pietro Ubaldi, primeira edição, 1967,
prefácio, página 9, onde o autor aborda o movimento ecumenista
 e afirma, referindo-se ao papel da Igreja:
"Em resumo, agita-se para salvar a sua posição de domínio."

            Obs 89 Leia-se a mensagem de Emmanuel,
recebida em Brasília e publicada no
Reformador de fevereiro de 1973, página 40.

            Pobre Kardec... Se seu medo fê-lo temeroso ao tempo em que codificou a
doutrina, agora o temor há de fazê-lo medroso dela, pelos muitos males que, nesse diapasão, há de causar à humanidade!...
             
páginas 60-61-62
do capítulo ‘O Grande medo de Kardec’
inO Atalho - Análise Crítica do Movimento Espírita
de Luciano dos Anjos
1ª edição 1994 - Publicações Lachâtre

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Obs 88 - Religiões Irmanadas
Irmão X por Chico Xavier
Reformador (FEB) Agosto 1971

            Comentávamos a conveniência de se irmanarem as religiões, em favor da concórdia no mundo, quando meu amigo Tertuliano da Cunha, desencarnado no Pará, falou entre brejeiro e sentencioso:

            - Gente, é necessário pensar nisso com precaução. Ideia religiosa é degrau da verdade e o discernimento varia de cabeça para cabeça. Exaltam vocês a excelência de larga iniciativa, em que os múltiplos templos sejam convocados à integração num plano único de atividade; entretanto, não será muito cedo para semelhante cometimento?

            Porque a pergunta vagueasse no ar, o experiente sertanista piscou os olhos, sorriu malicioso e aduziu:

            - Isso me faz lembrar curiosa fábula que me foi relatada por velho índio, numa de minhas excursões no Xingu.

            E contou:

            - Reza uma lenda amazônica que, certa feita, a onça, muito bem posta, surgiu na selva, imensamente transformada. Ela, que estimava a astúcia e a violência, nas correrias contra animais indefesos, escondia as garras tintas de sangue e dizia acalentar o propósito de reunir todos os bichos no caminho da paz.

            Declarava haver entendido, enfim, que Deus é o Pai de todas as criaturas e que seria aconselhável que todas o adorassem num só verbo de amor. Confessava os próprios erros. Reconhecia haver abusado da inteligência e da força. Despertara o terror e a desconfiança de todos os companheiros, quando era seu justo desejo granjear-lhes a simpatia e a veneração. Convertera-se, porém, a princípios mais elevados. Queria reverenciar o Supremo Senhor, que acendera o Sol, distribuíra a água e criara o arvoredo, animada de intenções diferentes. Para isso, convidava os irmãos à unidade. Poderiam, agora, viver todos em perpétua harmonia, porquanto, arrependida dos crimes que cometera, aspirava somente a prestigiar a fé única. Renunciaria ao programa de guerra e dominação. Não mais perseguiria ou injuriaria a quem quer que fosse.

            Pretendia simplesmente estabelecer na floresta uma nova ordem, que a todos levasse a se prosternarem perante Deus, honrando a fraternidade. Solenizando o acontecimento, congraçar-se-ia a família do labirinto verde em grande furna, para manifestações de louvor à Providência Divina. Macacos e cervos, lebres e pacas, tucanos e garças, patos e rãs, que oravam, em liberdade, a seu modo, escutaram o nobre apelo, mas duvidaram da sinceridade de tão alto discurso. Todavia, apareceram serpentes e raposas, aranhas e abutres, amigos incondicionais do ardiloso felídeo, aderindo-lhe ao brilhante projeto. E tamanhos foram os argumentos, que a bicharada mais humilde se comoveu, assentando, por fim, que era justo aceitar-se a proposta feita em nome do Pai Altíssimo.
           
            Marcado o dia para a importante assembleia, todos se dirigiram para a toca escolhida, repentinamente transfigurada em santuário de flores. Quando a cerimônia ia a meio caminho, com as raposas servindo de locutoras para entreter os ouvintes, as serpentes deitaram silvos estranhos sobre os crentes pacatos, as aranhas teceram escura teia nos orifícios do antro, embaçando o ambiente, os abutres entupiram a porta de saída, e a onça, cruel, avançou sobre as presas desprevenidas, transformando a reunião em pavoroso repasto... E os bichos que sobraram foram escravizados na sombra, para banquete oportuno...

            Nosso amigo fez longa pausa e ajuntou:

            - A união de todos os credos é meta divina para o divino futuro, mas, por enquanto, a Terra ainda está fascinada pelo critério da maioria. Como vemos, é possível trabalhar pela conciliação dos religiosos de todas as procedências; no entanto, segundo anotamos, será preciso enfrentar a onça e os amigos da onça... Onde o melhor caminho para a melhor solução?..

            Sorrimos todos, desapontados, mas não houve quem quisesse continuar o exame do assunto, após a palavra do engraçado e judicioso comentarista.

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Obs 89 - Mensagem de Emmanuel
Reformador (FEB) Fevereiro 1973

Senhor Jesus!

            Reunidos na Casa de Ismael, rogamos para que nos abençoes os propósitos de servir ante os problemas da atualidade terrestre.
            Deixa-nos saber que estamos todos interligados em teu coração compassivo e sábio, para que não venhamos a desertar da fraternidade que nos reúne!..
            Orienta-nos o raciocínio, de modo a verificarmos que as nossas necessidades e aspirações se irmanam no mesmo campo de experiência, a fim de que o respeito recíproco nos presida atividades e relações.
            Faze-nos observar, por misericórdia, que Deus não nos cria pelo sistema de produção em massa e que por isto mesmo cada qual de nós enxerga a vida e os processos da evolução de maneira diferente. Ainda assim, induze-nos a registrar que embora as nossas disparidades de interpretação diante dos fenômenos que nos cercam, todos podemos e devemos ser cada vez mais irmãos uns dos outros nas áreas de vivência e solidariedade, ação e tolerância.
            Ajuda-nos a entender que a Ciência pode governar a matéria no Plano Físico e eliminar as distâncias no Espaço Cósmico, entretanto, faze-nos reconhecer que nós outros, os obreiros da fé viva, fomos chamados para reacender a luz de teus ensinamentos nos corações, objetivando a edificação espiritual do futuro, a começar de nós mesmos. Para isso, Senhor, para que o título de servidores nos honorifique as tarefas, ampara-nos o desejo de trabalhar aprendendo e de servir elevando sempre!..
            E auxiliando-nos a desterrar qualquer fórmula de violência de nossas resoluções e atitudes, ensina-nos que somente o amor, em nossas realizações de cultura e de inteligência, pode construir em nós e por nós o teu reino de sabedoria e felicidade, no qual estaremos incessantemente contigo, tanto quanto já estás conosco, hoje e para sempre.

                                                                                                                      Emmanuel
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Religiões Irmanadas
Nota em Reformador (FEB) Março 1959

            Através de um telegrama procedente de Roma e publicado em nossos jornais no dia 26 de Janeiro, S. Santidade convocará um concílio ecumênico (universal), a fim de atrair os protestantes e outras seitas cristãs ao seio da Igreja Romana, da qual é ele o chefe supremo e único infalível.

            O concílio certamente será chamado - "Concílio das Religiões Irmanadas", mas, diremos nós, como irmanar, juntar, conglomerar concepções colidentes? - Talvez o consigam, mas no papel, apenas. Para fins políticos, tudo é possível, mas religiosamente nunca, salvo se o Catolicismo resolver voltar aos tempos realmente áureos do Cristianismo dos dois primeiros séculos.


            A boa vontade de S. Santidade não é suficiente, só com ela não será solucionada a questão, apesar da legião de 2.000 bispos que ao Concílio comparecerão, segundo informam os jornais.