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sexta-feira, 15 de julho de 2011

'Centenário de um mito...'




Centenário de Um Mito


Túlio Tupinambá (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Maio 1971

            Passou quase desapercebido no mundo, o que reputamos assaz significativo, o centenário da imposição do dogma da infalibilidade papal, verificada em 1870, em meio a verdadeira tempestade de divergência, dentro e fora da Igreja Católica.

            Vinha essa idéia sendo acalentada desde muitos anos, mas ‘somente no princípio do século VII, a presunção dos prelados romanos encontrou guarida no famigerado imperador  Focas, que outorgou a Bonifácio a primazia injustificável de BISPO UNIVERSAL. Consumada essa medida, que facilitava ao orgulho e ao egoísmo toda sua nociva expansilbilidade, têm-se levado a efeito, até hoje, em 1870, na declaração da infalibilidade papal.’[1]

            O papa Pio IX viu-se, graças a isso, investido de poderes irrestritos, tanto mais que, segundo P. Jacintho (2), RÉF. CATHOL., pág. 121, “BASTA-LHE DECLARAR QUE TEM EM MIRA PRONUNCIAR UMA DEFINIÇÃO EX-CATHEDRA; por outra, BASTA QUERER SER INFALÍVEL”, para que sua vontade prevaleça definitivamente. O famoso estadista inglês Gladstone, em “The Vatican Decrees”, IV, pág. 35 (ibidem), esclareceu suficientemente[2] o poder ex-cathedra, em poucas palavras: “Um indivíduo há, e só um, a quem cabe declarar EX-CATHEDRA o que for EX-CATHEDRA  e o que não for, coisa que poderá fazer sempre, quando e como entenda. Esse indivíduo é o próprio papa. O preceito é que documento nenhum expedido por ele será válido sem um certo selo; mas esse tal selo fica entregue à custódia dele mesmo e sob as suas chaves”...

            Com muito senso disse Léon Denis que  “um dos maiores erros da Igreja, no ‘século dezenove, foi a definição do dogma da infalibilidade pessoal do pontífice romano.”[3] Na verdade  “o Vaticano conservará seu poderio enquanto puder adaptar-se a todos os costumes políticos das nacionalidades; mas quando o Evangelho for integralmente restabelecido, quando a onda de uma reforma visceral purificar o ambiente das democracias com a luminosa mensagem da fraternidade humana, desaparecerá, não podendo ser absolvido na balança da história, porque, ao lado dos poucos bens que espalhou, está o peso esmagador das suas muitas iniquidades”, adianta Emmanuel (ob. cit., pág. 32).

            O dogma da infalibilidade nada mais representa do que um instrumento de arbítrio, porque - os fatos o comprovam, de 1870 até hoje - essa infalibilidade não passa de um mito, decorado por pretenso privilégio divino, como se Deus participasse de conciliábulos humanos a serviço de grupos mais interessados nos interesses profanos do que realmente, nos problemas espirituais.

            Papa ou não, seja ele quem for, está sujeito ao determinismo cármico. Por maiores poderes temporais que enfeixe nas mãos, por mais lata que seja a sua cultura, por mais extraordinário que se mostre o seu talento, por mais terrível que se apresente a sua posição política, será sempre um homem, isto é, um ser subordinado à Lei retificadora do carma, que interfere automaticamente nos efeitos do comportamento humano. Essa Lei - de Causa e Efeito, de Casualidade - é indefectível, inexorável, fatal, acima das mais audaciosas pretensões humanas, mas benéfica ao futuro do homem. Ninguém escapa  à sua ação corretora, disciplinadora e redentora, seja um deplorável devasso, um mísero mendigo ou um ditador feroz ,servido por poderosos exércitos. Nenhum pistolão pode evitar ou modificar os seus efeitos, porque se trata de uma lei equânime, divinamente justa, pois distribui equilibradamente as suas sanções, beneficiando o bem e punindo o mal. Os antigos, embora a interpretassem erradamente, conheceram-na. É o ‘olho por olho dente por dente’, de que nos fala a Bíblia.

            A vida humana, individual ou coletiva, não lhe foge aos efeitos santificadores. As vicissitudes da Igreja, depois de, durante séculos, haver ela dominado a Humanidade, não nos surpreendem, pois está no Evangelho - ‘a cada um segundo suas obras’ - muito sutilmente mencionada, a sansão cármica. O exame retrospectivo do desenvolvimento da Igreja, à luz da História, demandaria tempo e um espaço de que não dispomos. Entretanto, mostraria que seu itinerário, muitas vezes tortuoso, aleitou e fortaleceu o materialismo ateu que, hoje, atormenta, desorienta, desespera, amedronta e polui a Humanidade, através da violência, da desmoralização e desagregação da família, pelo teatro, pelo cinema, pela televisão, pelo rádio, facilitando a múltipla divulgação e propaganda ostensiva da sodomia, do uranismo e de outras perversões que rebaixam o gênero humano , além de amiserá-lo fisicamente pelo uso de tóxicos inúmeros. Diremos, como Ruy Barbosa, ao referir-se aos Documentos do teólogo Friedrich, acerca de fatos escabrosos referidos nessa obra jesuítica: “... a pena a custo, recalcitrando, mal nos pode transcrever, para lição dos incautos, essas sordícias ultramontanas, e onde outros lances, ainda mais grosseiramente cínicos repugnam, até em latim, à decência mais trivial” ( (2) ob. cit., páginas 281-282).

            Em nome de estranha liberdade, defendida pelos que se comprazem na degenerência da juventude, prato preferido dos demagogos destes tempos, está sendo convulsionado o mundo. O ceticismo e o ateísmo, irmãos colaços, porfiam em amortecer e extinguir a fé no coração das criaturas já desesperançadas de uma vida menos torturante, acenando-lhes com a miragem de um paraíso criado pela imaginação febril de ‘camelots’ em delírio. Estamos enfrentando séria crise de ‘fim de século’, agravada, desta feita, pela conjunção de circunstâncias extralegais, oriundas de idéias, como algumas de Freud, destinadas a levar o homem de volta à animalidade.

            A Igreja tem lutado contra isso, sem dúvida alguma. Seríamos insinceros se o negássemos. E deve unir-se moralmente a todos os credos que trabalham pra arrancar a Humanidade do caos materialista, porque há o objetivo ateísta de destruir as religiões, mas a todos os crentes, cristãos ou não, cumpre o dever de permanecerem fiéis a Deus, na salvaguarda da Religião, mesmo porque jamais poderá o homem prescindir do Pai. Os desatinos de uma época morrerão ao alvorecer da época seguinte, enquanto a Religião, como o Sol, continuará a vivificar a alma humana, a aquecê-la, a confortá-la porque o destino do homem é Deus, malgrado os desvairamentos ateístas, que serão corrigidos pelo determinismo cármico, em outras encarnações.

            Abandone a Igreja os dogmas que ainda a separam da razão humana e poderá ressarcir o mundo de erros, equívocos e omissões cometidos no passado. A exortação do famoso bispo, Dr. Strossmayer, no concílio que aprovou o dogma da infalibilidade, não deve ser por ela esquecida: “Salvai a Igreja do naufrágio que a ameaça, e busquemos todos, nas Sagradas Escrituras, a regra de fé que devemos crer e professar!”

            É preciso que assim seja porque as religiões defrontam um perigo comum. Somente a fé em Deus e o respeito às determinações do Alto poderão afastar as nuvens negras que obstam a passagem da claridade solar. Os antigos cristãos foram lançados às feras, mas o triunfo das feras foi momentâneo, pois a fé sobreviveu para glória do mundo!






[1]  “Emmanuel”, do Espirito Emmanuel, pág. 29, 4ª ed. FEB
[2]  “O Papa e o Concílio”, de Janus, página 97, 3ª ed., ELOS.
[3]  “Cristianismo e Espiritismo”, de Léon Denis, págs. 20 e seg., 4ª ed., FEB.


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