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terça-feira, 25 de março de 2014

Por que me fiz espírita


Porque me fiz Espírita

César Lombroso
Reformador (FEB) Novembro 1945

             Até o ano de 1890, não teve o Espiritualismo adversário mais tenaz e obstinado do que eu. Minha resposta invariável, aos que me incitavam a ocupar-me do estudo dos chamados fenômenos espíritas! era que falar dos Espíritos, das mesas e cadeiras que se movem, era o cúmulo do absurdo; que toda manifestação de força sem matéria ou de função sem órgão não podia ser tomada a sério.

            A maior parte de minha vida até agora tem sido consagrada às doutrinas positivistas; à demonstração do fato de que o pensamento é uma emanação direta do cérebro, e que as manifestações do gênio, como as do crime, têm sua origem nas anormalidades físicas - pelo desenvolvimento excessivo de certas deficiências correspondentes, ou uma suspensão do desenvolvimento ordinário, como o expliquei em minhas obras ‘O homem de gênio’, ‘O homem criminoso’, ‘O homem branco e o homem de cor’.

            Eu tinha chegado a esse período da vida em que todos recusamos admitir alguma coisa nova, mesmo quando sua evidência pareça irrecusável. Não tenho dúvida em convir também que os longos anos passados a lutar contra os adversários de minhas teorias sobre a origem do crime, tinham esgotado minhas faculdades de combatividade, e que a energia que me restava queria eu empregá-la em defender as minhas ideias sobre os problemas a cuja solução havia consagrado os meus melhores anos. Em uma palavra, não queria dar o primeiro passo num caminho que podia levar-me a novos campos de batalha.

            Pondo de parte estas razões, nada me podia ser mais desagradável que empreender investigações sobre fenômenos para cujo estudo todos os instrumentos de precisão e os métodos experimentais empregados geralmente não tinham aplicação, fenômenos que não era possível observar completa e diretamente, pois que se produziam no escuro. Tudo quanto pudesse unicamente examinar-se de um modo tão pouco exato, não me parecia objeto digno de estudo.

            Nessa mesma época (em 1892, para maior certeza) encontrei na minha clínica médica um dos casos mais extraordinários que me fora dado observar.

            Fui chamado para atender à filha de um homem que ocupava alta posição na cidade. A menina, que então passava por um período crítico da vida, tinha sido repentinamente atacada de histerismo violento, acompanhado de sintomas, cuja explicação não podia ser dada nem pela Fisiologia nem pela Patologia.

            Às vezes, por exemplo, perdia completamente a faculdade da visão, pelo menos no que se referia aos olhos! Mesmo quando se lhe vendavam completamente, podia ler algumas linhas de uma página que se lhe apresentasse diante da orelha.

            Se se dirigiam os raios do Sol, por meio de uma lente, sobre esse ponto, ficava tão deslumbrada como se a luz tivesse sido dirigida sobre os olhos: protestava energicamente, dizendo que queriam cegá-la!

            Mais tarde o sentido do gosto foi transportado aos joelhos, e o olfato aos dedos dos pés. Apresentava também fenômenos telepáticos e premonitórios extremamente curiosos. Assim, podia ver seu irmão entrando num Music-Hall, a um quilômetro de distância; e apesar de nunca ter visto semelhante espetáculo, descrevia com precisão os trajes das bailarinas. Quando seu pai voltava de seus quefazeres para casa, conquanto estivesse ela em uma habitação cujas janelas se achavam fechadas, sentia sempre que ele se aproximava, embora viesse ainda a uns centenares de metros.

            Anunciava com segurança matemática o que ia acontecer-lhe. Assim, uma vez declarou que justamente quinze dias depois, às nove horas, perderia completamente a faculdade de andar - o que sucedeu no momento preciso.

            Noutra ocasião disse: Ao meio-dia, daqui a um mês e três dias, vou experimentar irresistível desejo de morder. Conservei-a então em constante observação, procurando distrair-lhe a atenção com todos os subterfúgios possíveis. A meu pedido pararam-se todos os relógios da casa, para que ela ficasse na mais absoluta ignorância do tempo. Apesar de todas essas precauções, no dia e na hora anunciada ela teve um impulso de morder, que não se pode acalmar senão depois de ter rasgado com os dentes vários quilos de papel de jornais, cujos fragmentos encheram a casa.

            Declarava que a sua paralisia não poderia ser curada senão pela aplicação do alumínio. Foi em vão que procuramos enganá-la, empregando outros metais mais ou menos parecidos com o alumínio. Ela conhecia imediatamente a substituição. Quando finalmente empregamos o metal indicado, desconhecido da imensa maioria dos habitantes da cidade, e seguramente da menina, ela se sentiu melhor.          

            Fatos dessa ordem, apesar de não serem novos, pois há muito os observaram e publicaram Petetin, Frank e outros, me pareceram pelo menos muito singulares.

            Em vão trabalhava o meu cérebro para encontrar alguma explicação plausível; vi-me obrigado a admitir que se lhes não podia aplicar nenhuma teoria fisiológica ou patológica. 

            A única coisa que eu via era que a histeria de que essa menina estava afetada, a sua neurastenia, dava lugar a que se manifestassem algumas novas e particulares faculdades que sofriam as funções ordinárias, dos sentidos; e então me ocorreu que só o Espiritismo poderia explicar esses fatos.

            Poucos anos depois, achando-me em Nápoles, com o propósito de visitar os manicômios, encontrei-me casualmente com alguns dos admiradores de Eusápia Paladino, particularmente o Sr. Chiaia, que me convidou a realizar algumas experiências com essa médium.

            Como tinha feito anteriormente, recusei prestar-me a qualquer experiência feita na obscuridade, ou em sessões públicas, e me disseram que eu poderia fazer o que desejava, no quarto que eu ocupava no hotel e à luz do dia. Aceitei a proposta, pois as anomalias que atrás mencionei me tinham profundamente impressionado.

            Quando vi, em plena luz, levantar-se uma mesa do solo - estando eu e Eusápia sós no compartimento - e uma pequena trombeta voar como uma flecha, da cama para a mesa e da mesa para a cama, o meu cepticismo recebeu um choque, e eu quis fazer novas experiências de outra natureza, no mesmo hotel, com três de meus colegas.

            Na sessão seguinte fui testemunha do habitual transporte de objetos, e ouvi as pancadas ou chamadas; mas o que mais me impressionou foi uma cortina, em frente da alcova, subitamente despregada, dirigir-se para mim e enrolar se me no corpo, apesar de meus esforços, sendo-me precisos alguns segundos para desvencilhar-me. Parecia exatamente uma delgadíssima folha de chumbo.

            Outra experiência que me impressionou muito foi a de um prato cheio de farinha, que se virou sem entornar-se o conteúdo. E quando colocado na posição primitiva, a farinha, que estava perfeitamente seca, se tinha transformado em uma espécie de gelatina, e nesse estado permaneceu durante um quarto de hora.

            Finalmente, quando nos íamos retirar do aposento, um aparelho pesado que estava num canto afastado da casa principiou a deslizar em minha direção, como se fosse um enorme paquiderme.

            Em outra sessão, também em plena luz, coloquei um dinamômetro Regnier sobre a mesa, a um metro pouco mais ou menos de distância da médium, e lhe pedi que fizesse pressão sobre ele, a certa distância.

            De repente vi que a agulha indicava 42 quilogramas, ao passo que em sua condição normal Eusápia não podia passar de 36. Ela declarou que via o seu "Espírito", João, a exercer pressão sobre o instrumento, e estendia na direção deste, contorcendo-as, as mãos, que agarramos com força.

            Trouxeram em seguida uma pequena campainha, que foi posta no chão, a meio metro de Eusápia, e pedimos-lhe que a fizesse soar. Imediatamente vimos a mão de Eusápia intumescer-se como um balão que se vai enchendo de gás; no momento em que queríamos segurá-la, se desvanecia. Em um lapso de tempo que não posso avaliar, tão rápido se verificou o movimento, um braço gasoso se adiantou até a campainha e a fez tilintar.

            Em Milão, em uma sessão a que assistíamos Richet e eu, cada um viu um ramo de rosas crescer e em pouco tempo sair das mangas de nossos casacos com flores tão frescas como se fossem colhidas naquele momento.

            Pediu-se a Eusápia que escrevesse seu nome na primeira folha de uma resma de papel, que Schiaparelli tinha colocado sobre a mesa. Empregando o dedo de Schiaparelli, ela declarou um momento depois que havia escrito o seu nome, apesar de nenhum de nós poder ver sinal algum. Ela, porém, afirmava com tal convicção que tornamos a olhar, sem nada ainda descobrir. Finalmente encontramos a firma no interior da mesa. Outras vezes a encontramos na última folha da resma de papel, e houve até uma ocasião em que estava na orla da cortina, a mais de dois metros acima de nossas cabeças.

            Colocada Eusápia em uma balança, podíamos à vontade aumentar ou diminuir de umas vinte libras o seu peso e o mesmo se dava se era uma cadeira que colocávamos na balança. Não se podia suspeitar nisso fraude alguma, pois todos segurávamos energicamente as mãos e pés da médium, e ocasião houve em que lhe atamos os pés, depois de termos trocado as suas vestes pelas nossas.

            Em minha ignorância de tudo o que se refere ao Espiritismo, e baseando-me somente nos resultados de meus estudos sobre a História e a Patologia do gênio, a hipótese mais plausível que me ocorreu foi que esses fenômenos hístero-hipnóticos eram devidos a uma projeção motriz e ainda sensorial dos centros psicomotores do cérebro, sendo vários outros centros nervosos debilitados pela neurose e o estado de transe. É o mesmo que se observa na inspiração criadora do gênio associado a uma diminuição da sensibilidade, da consciência e do senso moral.

            Eusápia, que era nevrótica em seu estado normal, devido a um golpe que recebera na cabeça quando menina, era durante esses estranhos fenômenos espíritas, perfeitamente inconsciente e ainda presa de convulsões.

            Afirmei-me nesta suposição, reflexionando que o pensamento, por mais elevado que seja, é um fenômeno de movimentos, e observando que os mais importantes fenômenos espíritas sempre se manifestam nas pessoas e objetos situados perto do médium. Ainda a transmissão telepática, outro fenômeno do espírito, pode ser explicada pela transmissão física de um cérebro a outro, por processo análogo ao que se verifica na telegrafia sem fios.

            Foi-me, porém, demonstrado que nada, no presente estado de nossos conhecimentos, pode dar dele uma explicação suficiente: o Sr. Ermacora, que estudou mais profundamente que eu o Espiritismo, me provou.

            Demonstrou-me ele que as transmissões telegráficas percorrem enormes distâncias, enquanto que a energia dos movimentos vibratórios diminui segundo o quadrado da distância, e que o cérebro não é de modo algum um instrumento na parte superior de uma base imóvel, como o de Marconi. E para demolir, por exemplo, a minha querida hipótese, eu pude entrar, durante os últimos anos, em casas de pessoas falecidas, onde se produziam os mesmos fenômenos na ausência de médium.

            Foi somente depois de se terem verificado esses fatos, e das sessões em que Eusápia, em estado de transe, respondeu de modo claro e mesmo muito inteligente em línguas que, como o inglês, não conhecia absolutamente, ou durante ele modelava repentinamente baixos relevos, o que não podia fazer em condições normais uma pessoa sem instrução - foi somente depois de tudo isso, e de ter assistido às experiências de Crookes com Home e Kate King, de Richet e outros, que me vi também compelido a crer que os fenômenos espíritas, conquanto sejam devidos em grande parte à influência do médium, se devem atribuir também à influência de existências extraterrestres, que, aliás, se podem comparar à radioatividade persistente nos tubos depois que o rádio, a que devem sua origem, desapareceu. O fenômeno tão frequentemente observado, de suspensão e movimento de objetos, isto é, da inversão e derrogação de todas as leis da gravidade e da impenetrabilidade da matéria, do tempo e do espaço, sugere a ideia de que a influência do médium em estado de transe é suficientemente poderosa para mudar em torno dele o que chamamos as leis do espaço e das três dimensões, substituindo-as pelas leis do espaço de quatro dimensões dos matemáticos, isto é, provando experimentalmente a realidade do que até agora não era mais que hipótese matemática.                             (Ext. de Revista de Estudos Psíquicos).


XXXI - Apreciando a Paulo


XXXI
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec – 1958


“Mas, se alguém não tem cuidado dos seus,
e principalmente dos da sua família,
negou a fé e é pior do que o infiel.”
(Paulo - Primeira Epístola a Timóteo, 5:8)
             
            “Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más”, conforme ensina Allan Kardec, no cap. XVII, nº 4, de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, uma das obras fundamentais de nossa doutrina. Com efeito, encontram-se naquele livro, hoje tão divulgado, os princípios elementais do puro Cristianismo - e o Espiritismo outra coisa não é senão o verdadeiro Cristianismo - tal como era praticado entre os apóstolos do Senhor e seus primeiros discípulos, pois que eles adoravam a Deus “em espírito e verdade” consoante a lição que o próprio Nazareno dera à samaritana (João, 4:23 e 24).

            Realmente, os primitivos seguidores de Jesus, tal e qual agora fazemos, exercitavam os dons espirituais, como São Paulo mesmo dá testemunho, no capítulo doze de sua Primeira Epístola aos Coríntios. Eles criam no Paracleto (João, 14:26), que então se comunicava, como hoje sucede conosco. Repetimos, assim, o que faziam os primeiros discípulos de Jesus, isto é, os verdadeiros fundadores do Cristianismo, religião que tem como pedra angular o próprio Cristo (1 Coríntios, 10:4 e I Pedro, 2:4).

            Mas para que sejamos dignos do intercâmbio com o plano celestial é preciso que nos esforcemos para nos corrigir das imperfeições, analisando-as e combatendo-as com ardor e perseverança, conhecendo a nós mesmos, vencendo os maus pendores, isto é, os instintos inferiores ou perversos.

            Portanto, é indispensável estudar e cumprir os ensinamentos do Senhor Jesus e de seus apóstolos, que indicam o roteiro para nossa salvação, ou seja, para nossa evolução espiritual, que é eterna... e poderá ser constante.

            Uma das belas lições, profunda em sua moral, mas simples e lógica em seu enunciado, é a que está encerrada no versículo que serve de tema a estes comentários. É com prazer que nos abeberamos em Paulo, o apóstolo das gentes, vaso escolhido para levar o Evangelho a muitas terras e para deixa-lo, palpitante de vida, em suas epístolas imortais.

            Se alguém não dá o devido valor à sua família, certo não o dará também aos outros irmãos e muito menos aos estranhos. Nele impera ainda o egoísmo, característico de quem não é capaz de qualquer abnegação ou do menor sentimento de renúncia, em prol da felicidade de seus tutelados ou descendentes.

            “Porque, se alguém não sabe governar sua própria casa, terá cuidado da igreja de Deus?” (I Tim., 3:5)

            Reconhecemos que há situações domésticas intoleráveis. É o carma, a lei de causa e efeito, ou melhor, o reajuste (que se prende a existências pregressas), às vezes doloroso, quando não há cooperação, nem entendimento.

            Frequentemente, é o próprio drama da obsessão que se desenrola no lar. São Espíritos ligados por velhas imperfeições ou compromissos e onde não se sabe bem qual é o obsessor, pois ambos se obsidiam com antigas rixas, com caprichos fúteis, que criam o inferno na vida conjugal. Ou, então, é o aguilhão da própria carne - nunca satisfeita, mas sempre exigente -, gerando o ciúme, a intolerância doméstica, a falta de caridade ou de amor.

            Mas os espíritas temos o dever de refletir, de orar e de vigiar. Quem sabe se nosso orgulho ou nossa vaidade não motiva às vezes situações que poderiam ser evitadas? Quem sabe se com o carinho, em lugar da irritação, não conseguiríamos um resultado melhor? A verdade é que nós, dizendo-nos cristãos, temos o dever de ser compreensivos e bondosos, mesmo sob o guante de um tratamento injusto, ainda que manifestado reiteradamente. Lembremo-nos do ensino do Cristo de Deus:

            “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me.” (Marcos, 8:34)

            Qual a vantagem de renunciar à cruz? Ser livre para sofrer depois outras desilusões, talvez piores?

            O certo é que, mesmo um pequeno nada, uma resposta brusca ou irritada, quando deveríamos calar, caridosamente, pode gerar uma tempestade, sobretudo quando há a predisposição, o desejo de ser o maior, o mais inteligente, o mais forte, esquecendo os ensinamentos do Senhor Jesus, que recomenda sempre a humildade.

            Sejamos fortes. Parodiando Euclides da Cunha, poderemos dizer que o espírita ou o cristão, antes de tudo, é um forte. Deve dar o testemunho de sua fortaleza moral, pregando pelo exemplo, resistindo às tentações e às dificuldades da vida, vencendo-as, superando-as, evoluindo sempre, porque assim é a lei, que devemos respeitar e cumprir.

            Nada de desânimos, nem de dúvidas; nada de inquietações, nem de desesperos.

            O amor, quando sincero, a tudo vence.

            A certas situações delicadas ou difíceis, quase sempre falta o amor. Mas se buscarmos, dentro de nós mesmos, as forças necessárias, encontrá-las-emos em Jesus, que é o Amor supremo e a Tolerância eterna.

            A prece é consolo, reforço de garantia, escudo contra as tentações, onde encontraremos ânimo para transpor as montanhas, que são as dificuldades da vida.

            Quem não pecou, quem não errou ou jamais caiu, na subida de seu Calvário? O Cristo Jesus deu o exemplo, jamais falindo, é verdade, porém retomando sua cruz, logo depois que tombava, e prosseguindo no cumprimento da lei ou da vontade de nosso Pai Celestial.

            O certo é que Deus a ninguém abandona. E como se não bastasse, temos ainda os Mensageiros dos Céus, sobretudo nós, espíritas, que acreditamos em sua proteção e em sua bondade e sabemos que eles estão sempre prontos a ajudar-nos, quais novos cireneus, a fim de que possamos prosseguir na jornada de nossa redenção e para nossa felicidade.

            Portanto, rarissimamente é justificável que alguém abandone sua família, seus deveres, sua verdadeira missão na Terra.

            E livre-se o homem de negar suas obrigações ou sua fé, para que não seja tido, como diz o apóstolo, “pior que o infiel”. Este, pelo menos, pensa que nada existe ou duvida sempre. Mas nós, que acreditamos em Deus e em seus Mensageiros, devemos ter a convicção e a confiança de que Sua misericórdia é infinita e jamais nos abandonará.

            Entretanto, se padecemos injustiças, é porque, evidentemente já as praticamos, nesta ou em vidas anteriores. Porém, no momento de saldarmos o débito, em vez de nos conformarmos com a situação angustiosa, revoltamo-nos, discutimos, exacerbamo-nos e perdemos a oportunidade que a prova nos oferece.

            Cumpre-nos recordar também o problema do perdão, que deve ser dado não somente sete, mas setenta vezes sete (Mateus, 18:21 e 22). E quanto mais difícil for, ao nosso orgulho, vaidade ou amor próprio, maior mérito terá aos olhos de Deus.

            Os incidentes domésticos - e jamais haverá quem não os tenha - são sempre lições para treinar nossa paciência, bondade, compreensão ou tolerância. Daí porque o lar é escola de virtudes, onde não podemos fracassar. E se nós somos fortes, como disse ainda São Paulo, em Romanos, 15 :1, “devemos suportar as fraquezas dos fracos”, tendo piedade e amor para com aqueles que o Senhor nos confiou.

            E por que somos fortes? - Porque conhecemos as lições do Cordeiro de Deus, “que tira o pecado do mundo”, e nos propusemos cumpri-las e respeita-las. Pouco nos deve importar que outros as conheçam e não as cumpram. Nós é que somos responsáveis por nossos próprios atos, que devem ser sempre ungidos de amor e de perdão!

            É verdade que a doutrina do Rabi da Galileia é muito simples, mas difícil de ser praticada por nós outros, espíritos ainda atrasados e imperfeitos. Contudo, feliz do que transpõe o obstáculo e vence o óbice ou as tentações do caminho. Este terá méritos e poderá ser considerado, realmente, como espírita, ou seja, como um verdadeiro cristão.

            Deus não dá a cruz superior às nossas forças. Melhor será resistirmos ao mal e procurar vencê-lo, do que nos deixarmos arrastar pelo descontrole das paixões ou por ímpetos de que nos poderemos depois arrepender.

            Além disto, tudo tem sua razão de ser, cada um cumpre seu destino e dele não pode fugir. São Paulo mesmo teve um espinho na carne (II Coríntios, 12:7), ao qual resistiu com denodo e cujas dificuldades superou. É claro que “o mensageiro de Satanás que o esbofeteava” deve ser tomado ali, não ao pé da letra, mas em sentido figurado. Ninguém sabe ao certo o que era, mas foi, sem dúvida, uma forte tentação ou um sofrimento que constantemente o martirizava, sendo-lhe mesmo atribuídas as mais variadas moléstias, a começar pela vista. Mas o apóstolo enfrentou essa situação angustiosa, fosse qual fosse, com ânimo viril, vencendo-a, transpondo o obstáculo e deixando-nos o exemplo de seu sofrimento e de seu triunfo.

            Assim, lembremo-nos de que David, séculos antes de São Paulo, já afirmava com a mesma simplicidade e certeza, no Salmo 23, tão encantador e singelo, mas sempre oportuno e edificante:

            “O Senhor é o meu pastor; nada me faltará.
            Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranquilas.
            Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome.
            Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam.
            Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda.
            Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida, e habitarei na casa do Senhor por longos dias.”


domingo, 23 de março de 2014

Espiritismo e Espíritas


Espiritismo
e Espíritas

Martins Peralva

Reformador (FEB) Fev 1962

            Qualquer movimento que possa constituir ameaça à integridade doutrinária e moral do Espiritismo encontra sempre os espíritas unidos, coesos, pensando em termos de homogeneidade, firmes, afinal, na defesa e na preservação dos seus augustos princípios.

            Toda vez que irmãos nossos, operosos e cultos e de cuja boa intenção e bons propósitos não temos o direito de duvidar, tentam introduzir na seara espírita certas inovações que estão em desacordo com os seus fundamentos, que, para todos nós, devem ter um sentido sagrado, porque divino, inclusive procurando misturar dois ingredientes que reputamos inconciliáveis, incompatíveis - Espiritismo e Política - a reação se faz, pronta, inevitável, imediata.

            Allan Kardec e quantos lhe seguem a orientação superior, sábia e ponderada, bem assim os legítimos Instrutores da Vida Mais Alta, são incansáveis em reiteradas afirmativas de que o Espiritismo é movimento espiritual.

            Doutrina essencialmente espiritualizante.

            O insigne mestre lionês define-o por filosofia que estuda as leis que regem o intercâmbio entre o mundo físico e o extra físico.

            Amigos espirituais categorizados conceituam-no como revelação divina para a renovação fundamental dos homens.

            Obreiros do campo terrestre, encarnados, apontam-no como doutrina iluminativa, destinada a encaminhar as criaturas para o Bem, para a Moral, para a Cultura superior, para os misteres da Fraternidade.

            Léon Denis declara que o Espiritismo abre perspectivas novas à Humanidade, iniciando-a nos mistérios da vida futura e do mundo invisível.

            Apesar disso, de vez em quando despontam iniciativas, que pessoalmente consideramos menos inspiradas, insinuando movimentos não só desnecessários, mas, sobretudo, inconvenientes, por sua manifesta e inequívoca incompatibilidade com o espírito da Doutrina.

            Tais iniciativas, esposadas, via de regra, por minoria aritmeticamente inexpressiva, são fatalmente rechaçadas, pelo menos assim o têm sido até hoje, nada restando aos seus propugnadores senão o retraimento, não sabemos nós se em recuo estratégico ou definitivo.

            Toda a família espírita levanta-se, altaneira e esclarecida, consciente e firme, para a decidida reação que repercute, vigorosa, por todos os rincões da Pátria do Evangelho.

            E a iniciativa, muita vez convertida em teses, é unanimemente rejeitada em congressos, concentrações, etc.

*

            Nessas horas de extrema gravidade para o Espiritismo e de indisfarçável responsabilidade para os espíritas, todos se unem.

            Todos se entendem, se harmonizam, se articulam para a negação in limine da ideia. A família espírita brasileira se manifesta como se fora uma orquestra muito bem ensaiada, onde cada músico, sob a batuta do maestro, desempenha o seu papel com engenho e arte, com aprumo e beleza.

            A orquestra é a Codificação, austera e respeitável.

            O maestro é Allan Kardec, o inconfundível discípulo de Nosso Senhor Jesus-Cristo. Os músicos somos nós, os espíritas, herdeiros do magnífico patrimônio.

            Numerosos companheiros comparecem às tribunas ou escrevem crônicas e artigos, moderados mas incisivos, nos quais proclamam, alto e bom som, que o Espiritismo e as instituições espíritas devem ficar à margem das organizações políticas, fora das atribuições  que competem a César, afastados de atividades que se não integram no corpo da Doutrina.

            A função do Espiritismo e dos Centros Espíritas é encaminhar as criaturas para Deus. Educá-las para a vida superior.

            Amparar-lhes o coração nas provas rudes, nos sofrimentos morais e físicos.

            Esclarecê-las, afinal, convenientemente, com base no Evangelho do Mestre, a fim de que possam elas dirigir seus próprios passos; proceder corretamente; disciplinar os sentimentos; conduzir-se dignamente na sociedade inclusive na esfera das atividades políticas.

*

            Em hipótese alguma devemos colaborar para a aproximação do Espiritismo com a Política, o que, a nosso ver, poderia representar um começo, sutil é bem verdade, de constantinização da Doutrina.

            Qualquer tentativa nesse sentido, agora ou mais tarde, deverá encontrar a coletividade espírita em posição de alerta, em fraterna observação.

            Movimentos dessa natureza, objetivando o matrimônio de elementos tão opostos, caracteristicamente antagônicos, deverão encontrar a família espírita sempre unida, solidamente congregada, não para condenar ou ferir o irmão que os aceita, mas, sim, para, estreitando-o ao peito, reconduzi-lo amorosamente ao pensamento justo, ao raciocínio adequado.

            Nessas horas, sabem os espíritas entender-se.

            Calam-se, de improviso, os pruridos pessoais.

            Cessam as divergências.

            Dissipam-se possíveis mal-entendidos, olvidam-se diversidades de interpretação doutrinária.

            Formam um só bloco, expressam um só pensamento, tomam a mesma atitude, o espírita religioso, o filosófico, o científico.

            Allan Kardec é o denominador comum.

            Jesus-Cristo é o Supremo Guia.

            Erguem a voz, todos, do Norte e do Sul, do Leste e do Oeste, para o não definitivo, embora fraterno.

            E completam: No Espiritismo não deve haver, jamais, lugar para movimentos que se assemelhem a ligas eleitorais.

            A Doutrina, que o missionário de Lyon codificou, sob o comando e supervisão dos Espíritos Superiores, prepostos do Cristo, é, substancialmente, de libertação individual.

            Sua finalidade, precípua, inconfundível, é quebrar os grilhões da ignorância e do atraso moral da Humanidade terrestre.

            Seu objetivo, indisfarçável, é destruir o formalismo, em qualquer de suas expressões e significados.

            O papel da Doutrina Espírita é operar, junto à inteligência e ao coração das criaturas humanas, no sentido de reconduzi-las ao Pai, pela superação de suas fraquezas.

*

            Aquele que deseje participar de atividades políticas, que o faça como cidadão comum, com a sua inteira e exclusiva responsabilidade pessoal.

            Todo brasileiro, inclusive o espírita, tem o dever de votar e o direito de ser votado. Dever e direito absolutamente pacíficos, porque constitucionais.

            Que exerça, no entanto, esse dever, e desfrute, igualmente, desse direito, por sua conta e risco.

            Filie-se ao partido que mais lhe convier, porém exclua o Espiritismo e suas instituições de qualquer participação no assunto.

            Inegavelmente, temos admiráveis companheiros em atividades parlamentares, nos âmbitos federal, estadual e municipal, nas quais ressalte-se, a bem da verdade - se comportam com dignidade, com bravura moral e com decência.

            Coerentes e sinceros no testemunho da fé espírita-cristã, proclamam-na, corajosamente, sempre que necessário.

            Engrandecem, por seu trabalho, por sua conduta, por seu idealismo em prol das causas nobres, o ideal que cultivam; todavia, nem por isso representam as instituições, nem traduzem o pensamento do Espiritismo, que é impessoal, divino, transcendente, sobrepondo-se, destarte, a pessoas, partidos e acontecimentos.

            Convém não confundir Espiritismo com espíritas.

            Assim sendo, não devem vicejar entre nós movimentos que visem, sutilmente, a comprometer a Doutrina Espírita.

*

            A autoridade moral de uma religião - é interessante nunca esquecer esta verdade histórica! - está na razão direta do seu distanciamento das vantagens humanas.

            Sua respeitabilidade é tanto maior quanto maior for a sua desvinculação dos interesses meramente terrestres, transitórios e perecíveis, em sua feição política ou financeira.

            Seu acatamento é tanto maior quanto mais ausente venha ela a encontrar-se dos banquetes de César.

            Essa autoridade, essa respeitabilidade e esse acatamento começariam a decrescer, a declinar, a empobrecer-se, a cadaverizar-se, a decompor-se, à medida que se fossem tornando comuns os interesses, que se tentasse amplexar César e Deus, num conúbio absurdo e detestável, num consórcio tão impossível, no atual estágio evolutivo da Humanidade, quanto a mistura da água ao óleo.

            Semelhante matrimônio - estranho, impossível mesmo de produzir bons frutos - assinalaria na história do Espiritismo uma página realmente lastimável, sob todos os aspectos. Um capítulo não só de angústia e tristeza, de mácula e retrocesso moral, mas, sobretudo, de desvirtuamento, de dissensões, de inevitáveis desavenças geradas pela paixão política, que os prélios eleitorais exacerbam, ampliam, cavando abismos entre os homens.

            Seria o melancólico começo do fim de um movimento espiritualista glorioso e respeitável, austero e acatado, como tem sido o Espiritismo, que há esparzido sobre a Humanidade, num mundo de incertezas e descrenças, de temores e lágrimas, as mais fecundas sementes de consolação e amor, de solidariedade e cultura.

            Seria, finalmente, a conspurcação da água cristalina que a Doutrina Espírita, nestes cento e quatro anos de Codificação, tem ofertado a todos os sedentos do caminho, encaminhando-lhes o pensamento, com segurança e lógica, para elevadas concepções de felicidade e progresso.


Incompreendidos

Shakespeare


Incompreendidos
Ismael Gomes Braga
Reformador (FEB) Janeiro 1962

            Sobre a vida e a obra de William Shakespeare têm-se escrito bibliotecas em diversas línguas de cultura. Elevam-no hoje à culminância dos maiores filósofos e moralistas de todos os tempos. Ninguém soube pintar em cores tão vivas os vícios, as virtudes, as paixões e emoções humanas. Suas personagens tem vida vigorosa e arrebatadora. 

            Dentre os famosos escritores que escreveram biografias de Shakespeare destaca-se Victor Hugo, que lhe consagrou alentado volume de 350 páginas de formato grande, escrito em 1864, há quase cem anos, portanto. Desse livro de Victor Hugo colhemos preciosas informações sobre a campanha da ignorância e do ódio que foi movida durante mais de um século contra o poeta inglês que morreu em 23 de Abril de 1616, deixando sua obra em manuscritos, somente representada no teatro de seu tempo. O único livro que fora impresso nos últimos dias de vida do poeta, numa edição de trezentos exemplares, não teve aceitação. Dele só se venderam em 50 anos 48 exemplares e um incêndio em 1666 devorou os excedentes 252. Só mais de um século depois de sua morte, Shakespeare começou a ser compreendido e desde então vem crescendo sempre no conceito de todos os povos, e suas personagens, semelhantes aos deuses da mitologia, entraram para todas as literaturas como símbolos das paixões humanas, boas e más, como ideais a se alcançarem ou defeitos a serem corrigidos. Recentemente corria os grandes cinemas do Brasil uma de suas tragédias – “Otelo” - em grandiosa montagem feita na União Soviética. Porque três gerações de intelectuais combateram Shakespeare, conseguindo deixá-lo no olvido universal por mais de cem anos? E porque a Inglaterra foi o último país a compreendê-lo? Pois que ele só ressurgiu na Inglaterra quando já era cultivado em outros países. Seu êxito no palco desencadeou contra ele a inveja dos intelectuais de sua terra, e a geração seguinte, que não o conhecia, porque seus livros não haviam sido publicados, continuou o combate, por ouvir dizer, porque era moda combater sem conhecer. Foram apenas aqueles 48 exemplares salvos do incêndio que o revelaram ao mundo, porque chegaram a gerações mais adiantadas e sem preconceitos e despertaram o interesse pelos velhos manuscritos esquecidos, mas providencialmente conservados. 

            Fato semelhante está acontecendo com Allan Kardec. Combatido pelos intelectuais das igrejas e pela arrogância do materialismo universitário, Kardec é desconhecido em quase todas as grandes línguas do mundo, e nas três línguas em que são impressos seus livros - francês, português e espanhol- é mais lido pela gente simples; não teve ainda o apoio das igrejas e das universidades.

            O Espiritismo é tratado sem conhecimento algum, senão o do ouvir dizer - como simples superstição; mas isso não importa, porque as mesas girantes, que impressionaram a Kardec, já no ano de 371 (1433 anos antes do nascimento de Allan Kardec!) levaram à barra do Tribunal um médium chamado Hilário, que foi solenemente decapitado como feiticeiro. Devemos esta informação ao livro de Victor Hugo – “William Shakespeare” - página 94 da edição brasileira de 1944, da EPASA.

            Os fenômenos espíritas em que se baseia Kardec são de todos os tempos e é inevitável que terão de impor-se a toda a Humanidade e virá o dia em que a obra de Allan Kardec será estudada por toda a gente com o amor e o respeito com que se estuda a Bíblia.

            Por mercê de Deus, existem mais de 48 exemplares aguardando esse amadurecimento das inteligências para a universalização de Allan Kardec.

            Por enquanto o materialismo está dominando, mas virá afinal o desencantamento pelas conquistas puramente materiais, porque “nem só de pão vive o homem”. Ele tem anseios puramente espirituais, intuição de uma vida fora da matéria, e ressurgirão sempre as inquietantes interrogações sobre “o problema do ser, do destino e da dor”.

            Kardec pode esperar pacientemente, como está esperando o Evangelho, igualmente ainda incompreendido pelos “grandes” da Terra. Igrejas e universidades passarão, mas a Verdade eterna não passará.




Victor Hugo



Ismael Gomes Braga

Por nós mesmos


Por nós mesmos

Emmanuel
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Janeiro 1962

            Quando a morte do corpo terrestre nos conduz à sociedade dos Espíritos, muitas vezes somos envolvidos pelo amor puro, a mergulhar-nos em divino clarão.

            Antigos afetos, que o tempo não nos riscou da memória, ressurgem, de improviso, envolvendo-nos na melodia da ventura ideal; amigos, a quem supúnhamos haver servido com algum pequenino gesto beneficente, repontam do dia novo, descerrando-nos os braços; sorrisos espontâneos, por flores de carinho, desabrocham em semblantes nimbados de esplendor...

            Quase sempre, contudo, ai de nós!.. reconhecemo-nos, no festival da alegria perfeita, à feição de lodo movente, injuriando o carro solar. Quanto mais a bondade fulgura em torno, mais nos oprime o peso da frustração.

            Temos o peito, qual violino de barro, que não consegue responder ao arco de estrelas que nos tange as cordas desafinadas, e, do coração, semelhante a címbalo morto, apenas  arrancamos lágrimas de profundo arrependimento para chorar.

            Lamentamos então as lutas recusadas e as oportunidades perdidas! Deploramos a passada rebeldia, ante os apelos do bem que nos teriam conquistado merecimento, e a fuga deliberada aos testemunhos de humildade que nos haveriam propiciado renovação.        

            Sentimo-nos amparados por indizíveis exaltações de claridade e, ternura: no entanto, por dentro, carregamos ainda remorso e necessidade.

            É assim que nos excluímos, por nós mesmos, da assembleia gloriosa, suplicando o retorno às arenas do mundo, até que a reencarnação nos purifique, nas aquisições de experiência e valor.

*

            Alma que choras na teia física, louva o tronco de sofrimento a que te encontras temporariamente agrilhoada na Terra!

            Abençoa os espinhos que te laceram;

            Abençoa o pranto que te lava os escaninhos do ser.            

            Executa com paciência o trabalho que a vida te pede, porque, um dia, os companheiros amados que te precederam na vanguarda de luz estarão contigo, em preces de triunfo, a desatarem-te as últimas algemas, de modo a que lhes partilhes os cânticos de vitória, na grande libertação.



Incompreensão


Incompreensão
Martins Peralva


Reformador (FEB) Janeiro 1962

            Sim, amigo, a incompreensão dilacera-te a alma.

            Desejarias que o teu pensamento, as tuas ideias e os teus sentimentos fossem os sentimentos, as ideias e o pensamento dos que, junto de ti, palmilham o caminho evolutivo, as veredas da redenção.

            Mas tu, que lês e meditas, que estudas e raciocinas sobre o Evangelho e o Espiritismo - tu, que falas e escreves, não tens mais o direito de alimentar semelhante ilusão.

            Esperar entendimento não mais se justifica em ti, porque não desconheces a Doutrina, nem ignoras as lições da Boa Nova da Imortalidade.

            O Evangelho e o Espiritismo te cassaram o direito de exigir compreensão, porque ambos te ensinaram, te induziram a ser compreensivo.

            Desejarias - bem o sinto! - que o lar fosse o tranquilo refúgio onde pudesses, esgotado, descansar dos labores de cada dia, em noites em que o cansaço não é mais cansaço, porque se transformou em exaustão, convertendo-te num trapo humano.

            Gostarias - oh, como o percebo! - de te entreteres em palestras edificantes com aqueles que, contigo, mais de perto transitam nas redentoras estradas da vida.

            Sentir-te-ias feliz - imensa e profundamente feliz, suave e liricamente venturoso! - se a tua delicadeza e se o teu carinho tivessem ressonância junto a todos os caminheiros terrenos.

            Sim, amigo, seria agradável e reconfortante, mas, bem o reconheces, em tuas silenciosas reflexões: não tens direito, por enquanto, a essa ventura.

            O teu mundo, o nosso mundo não comporta, ainda, a felicidade sem mescla.
"O meu reino não é deste mundo" - asseverou o Mestre.

            Resgata, primeiro, os teus débitos.

            Acerta, antes, as tuas contas.

            Corrige, agora, os erros de ontem.

            Reconcilia-te com aqueles a quem feriste, suporta aqueles a quem fizeste chorar, abraça aqueles cujas esperanças esfacelaste.

            Foste livre na semeadura? Sê, agora, escravo na colheita...

            Não sonhes com a reciprocidade afetiva, uma vez que, no momento que passa, no relógio de tua vida, ela é uma flor que não pode medrar no jardim do teu idealismo, no canteiro de tuas aspirações. 

            Oferece tua ternura, dá algo de ti mesmo, mas não esperes retribuição, porque a Lei está funcionando junto a ti, contigo, em ti mesmo, nos escaninhos da tua consciência.

            Os teus companheiros de jornada, guardando, ainda, dolorosas e amargas reminiscências de ti, desconfiam do teu afeto, repelem o teu carinho. Tem, pois, paciência.

            Resigna-te.

            Ama e sofre, perdoa e procura servir.

            Não é isso que tens aprendido no Espiritismo?! Não te tem o Evangelho indicado essa conduta?!..

            Lembra-te do Cristo, quando te sentires fraco no exercício da compreensão.

            Ele espalhou alegria e paz, consagrando-as, jubilosamente , nas Bodas de Caná da Galileia.

            Distribuiu, por onde passou, saúde e bom ânimo, esperança e fé.

            Reabilitou mulheres infelizes, corrigiu homens equivocados.

            No entanto, no seu último dia entre nós, ofertamos-Lhe, por lembrança do Mundo, o vinagre e o fel, a coroa de espinhos e a cruz.

            Recorda isso, amigo, a fim de que a incompreensão te não doa n’alma; a desafeição dos teus não te incomode tanto; a rebeldia dos companheiros não te deprima a vida.

            Ora e trabalha, confia e espera.


Desligamento do Mal



Desligamento
do mal
  
Emmanuel
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Janeiro 1962

            Antes da reencarnação, no balanço das responsabilidades que lhe competem, a mente, acordada perante a Lei, não se vê apenas defrontada pelos resultados das próprias culpas. Reconhece, também, o imperativo de libertar-se dos compromissos assumidos com os sindicatos das trevas.

            Para isso, partilha estudos e planos referentes à estrutura do novo corpo físico que lhe servirá por degrau decisivo no reajuste, e coopera, quanto possível, para que seja ele talhado à feição de câmara corretiva, na qual se regenere, e, ao mesmo tempo, se isole das sugestões infelizes, capazes de lhe arruinarem os bons propósitos. 

            Patronos da guerra e da desordem, que esbulhavam a confiança do povo, escolhem o próprio encarceramento na idiotia, em que se façam despercebidos pelos antigos comparsas das orgias de sangue e loucura, por eles mesmos transformados em lobos inteligentes; tribunos ardilosos da opressão e caluniadores empeçonhados pela malícia pedem o martírio silencioso dos surdos-mudos, em que se desliguem, pouco a pouco, dos especuladores do crime, a cujo magnetismo degradante se rendiam, inconscientes; cantores e bailarinos de prol, imanizados a organizações corrompidas, suplicam empeços na garganta ou pernas cambaias, a fim de não mais caírem sob o fascínio dos empreiteiros da delinquência; espiões que teceram intrigas de morte e artistas que envileceram as energias do amor imploram olhos cegos e estreiteza de raciocínio, receosos de voltar ao convívio dos malfeitores que, um dia, elegeram por associados e irmãos de luta mais íntima; criaturas insensatas, que não vacilavam em fazer a infelicidade dos outros, solicitam nervos paralíticos ou troncos mutilados, que os afastem dos quadrilheiros da sombra, com os quais cultivavam rebeldia e ingratidão; e homens e mulheres, que se brutalizaram no vício, rogam a frustração genésica e, ainda, o suplício da epiderme deformada ou purulenta, que provoquem repugnância e consequente desinteresse dos vampiros, em cujos fluidos aviltados e vômitos repelentes se compraziam nos prazeres inferiores.

            Se alguma enfermidade irreversível te assinala a veste física, não percas a paciência e aguarda o futuro. E se trazes alguém contigo, portando essa ou aquela inibição, ajuda esse alguém a aceitar semelhante dificuldade como sendo a luz de uma bênção.

            Para todos nós, que temos errado infinitamente, no caminho longo dos séculos, chega sempre um minuto em que suspiramos, ansiosos, pela mudança de vida, fatigados de nossas próprias obsessões.