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terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Males do corpo, medicina da alma


Males do corpo,
medicina da alma
Rodolfo Calligaris
Reformador (FEB) Janeiro 1963

            Relata João, o evangelista, cap. 5, V. 2-9,14:

            "Em Jerusalém está o tanque das ovelhas, que em hebreu se chama Betesda, o qual tem cinco alpendres. Nestes jazia uma grande multidão de enfermos, de cegos, de coxos, dos que tinham os membros ressecados, todos os quais esperavam que se movesse a água, porque um anjo do Senhor descia em certo tempo ao tanque, e movia-se a água. E o primeiro que entrava no tanque, depois de se mover a água, ficava curado de qualquer doença que tivesse.
            Esteve também ali um homem que havia trinta e oito anos se achava enfermo. Jesus, que o viu deitado, e soube estar ele doente há tanto tempo, disse-lhe: Queres ficar são?
            O enfermo lhe respondeu: Senhor, não tenho homem que me ponha no tanque quando a água for movida, porque, enquanto eu vou, outro entra primeiro do que eu.
            Disse-lhe Jesus: Levanta-te, toma a tua cama e anda.
            E no mesmo instante ficou são aquele homem; tomou a sua cama e começou a andar.
            Depois, achou-o Jesus no templo e disse-lhe: Olha que já estás são; não peques mais, para que te não suceda alguma coisa pior."

            Como se depreende claramente dessa afirmativa do Mestre, as moléstias e os desarranjos físicos que infelicitam a Humanidade - exceto aqueles derivados do meio ambiente e os estados mórbidos resultantes da idade - são efeitos de enfermidades da alma. Até mesmo as doenças atribuídas aos excessos de toda espécie ou aos maus hábitos, como o de fumar, o de ingerir bebidas alcoólicas, etc.

            Sim, porque os abusos, da mesma forma que as tendências para os vícios, são consequências de desejos. Ora, quem deseja é a alma: e não o corpo; este é apenas o veículo através do qual aquela se manifesta.

            Escusar-se alguém de seus erros, sob a alegação de que "a carne é fraca", não passa de sofisma.

            A carne, destituída de pensamento e vontade, não pode prevalecer jamais sobre o espírito, que é o ser moral a quem cabe a responsabilidade de todos os atos.

            A alma, quando sã, governa o corpo, disciplina-o e só lhe concede o que convenha à sua saúde. Já aquela que transige com os apetites carnais, permitindo sejam criados usos e costumes nocivos ao seu indumento físico, é uma alma em estado de enfermidade.

            Nos mundos elevados, onde não há almas enfermas, também não há corpos enfermiços; aqui na Terra, porém, onde elas constituem imensa maioria, os aleijões, os cânceres, as chagas, os tumores, enfim, toda a sorte de flagelos conhecidos e catalogados pela ciência médica subsistirão por longo tempo ainda, até que os homens se convençam dessa verdade e busquem o único remédio capaz de curá-los: a higiene da alma!

            Nada do que existe é inútil; portanto, se as enfermidades existem em nosso mundo é porque Deus assim há determinado, para que, pelas dores, aflições e angústias da destruição orgânica, a Humanidade se cure de suas fraquezas e acelere a sua evolução.

            Se os que se deixam dominar pelas más tendências anímicas não conhecessem, como consequência de seus desregramentos, as moléstias e a infelicidade, não se empenhariam em corrigir-se, continuariam sempre na mesma situação de ignorância ou de maldade, retardando indefinidamente seu progresso espiritual.

            Sofrendo, existência pós existência, os acúleos das enfermidades, para as quais não encontram remédio (e quando conseguem a cura de uma, logo surge outra desconhecida), os homens são levados a investigar a causa de sua desventura, e, descobrindo-a finalmente, cuidam de extirpá-Ia e não mais reincidir nos antigos erros.

*

            As enfermidades, além de corrigirem os desacertos e os vícios de que os terrícolas, em geral, ainda se ressentem, constituem, também, a única terapêutica eficaz para sanar lhes defeitos e imperfeições outras, mais graves, de que resultam danos e sofrimentos a outrem.

            O intelectual, por exemplo, que coloca sua inteligência a serviço da corrupção, da mentira e de outras formas do mal, será presa da demência ou da idiotia para que, de futuro, aprenda a fazer bom uso de tão nobre faculdade.

            O orgulhoso e o déspota, não há como abatê-los e domá-los, senão por meio de enfermidades asquerosas que os segreguem do convívio social. Conhecendo-as, suas altanarias cederão lugar à humildade, virtude esta indispensável ao aprendizado da ciência do bem.

            O egoísta, o insensível, aqueles que nunca estão dispostos a auxiliar o próximo, para que evoluam até o polo oposto - o altruísmo, terão que ser provados pela desgraça ou pela falta de saúde em uma série de existências, nas quais, privados de recursos, verão quanto é penoso depender de que outros os atendam e sirvam em suas necessidades.

            O avarento e o usurário, que, para amealharem mais uma moeda, impõem, aos que deles dependem, sacrifícios e privações inomináveis, que chegam, às vezes, às raias do depauperamento, como aprenderão a movimentar os bens em proveito da coletividade sem que sofram, a seu turno, os horrores de semelhante trato?

            O voluntarioso, o pouco resignado, como hão de adquirir paciência, conformidade e submissão à vontade divina sem que sejam trabalhados pelas doenças, principalmente aquelas que lhes tolhem a capacidade de locomoção?

            Não se creia que estejamos a forjar tal filosofia. É o Evangelho que assim no-lo ensina. Além daquela afirmação do Cristo, a que já nos referimos, vejamos o que Paulo, apóstolo, nos diz a respeito.

            Em sua II epístola aos Coríntios, 12:9, declara ele textualmente: "a virtude se aperfeiçoa pela enfermidade", e em Hebreus, 12:5-11, assim se expressa:       

            "Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, nem te desanimes quando por ele és repreendido (provado no sofrimento), porque o Senhor castiga ao que ama e açoita a todo o que recebe por filho. Perseverai firmes na correção. Deus se vos oferece como a filhos; porque, qual é o filho a quem não corrige seu pai? Além disso, se, na verdade, tivemos a nossos pais carnais, que nos corrigiam e os olhávamos com respeito, como não obedeceremos muito mais ao Pai dos espíritos, e viveremos? E aqueles, na verdade, em tempo de poucos dias nos corrigiam segundo a sua vontade, mas este castiga-nos, atendendo ao que nos é proveitoso para receber a sua santificação. Ora, toda a correção ao presente, na verdade, não parece ser de gozo senão de tristeza, mas ao depois dará um fruto mui saboroso de justiça aos que por ela têm sido exercitado."

            Não maldigamos, pois, as enfermidades; elas desempenham missão purificadora e redentora para as nossas almas. Tratemos, antes, de suportá-las cristãmente, sem protestos e sem revoltas contra Deus, porque, a não ser assim, longe estaremos de alcançar a saúde completa a que todos aspiramos.

            Finalizando este estudo, cumpre ressalvar que nem sempre uma existência prenhe de amarguras e padecimentos significa expiação de faltas anteriores. Às vezes, são provas buscadas pelo espírito, a fim de concluir sua depuração e ativar o seu progresso. Pode ocorrer também que algum ser, de grande elevação, se haja determinado vir à Terra em missão, e não em cumprimento de penas, suportando com exemplar resignação os maiores reveses da vida, qual Jó, para ensinar a nós outros, míseros calcetas, de que maneira se deve sofrer, para tirar do sofrimento o abençoado fruto da evolução espiritual.




O Pensamento de Hermínio Miranda



                   Não podemos, assim, apoiar a tese do Sr. ..., segundo a qual até mesmo a palavra cristão e suas derivadas são de origem duvidosa, de vez que, no seu entender, as fontes do Cristianismo se perdem na densa floresta dos mitos e dos dogmas das antigas e esquecidas religiões. Para o Sr. ..., bastam ao Espiritismo seus dois princípios fundamentais: o da sobrevivência e o da comunicação entre o mundo espiritual e o material. De nossa parte, achamos, ao contrário, que isso é importante, mas não é tudo. O fato de uma criatura saber que sobreviverá à morte física e que pode comunicar-se com aqueles que a precederam na chamada grande viagem, não a torna mais moralizada, nem a coloca necessariamente em relação de amor e gratidão com Deus. E qual o objetivo da vida senão a busca incessante de Deus? Cada passo que damos, nós nos aproximamos d'Ele. Embora não O possamos compreender, sabemos que Ele está à nossa espera, quando alcançarmos o patamar da perfeição moral. Esse esvaziamento do Espiritismo anglo-saxônico tem sido um dos grandes empecilhos ao seu progresso. Tal caminho arenoso e sombrio só poderá levar à aridez do deserto. Para lá também caminha a Parapsicologia dos modernos pesquisadores. Não tardará muito o dia em que os cientistas também aceitarão as provas irrefutáveis da sobrevivência e da comunicabilidade entre os dois mundos - o espiritual e o material. Estará assim emparelhada com a seção do movimento espírita de que o Sr. ... é um dos expoentes. E daí? perguntamos nós, um tanto aflitos. É só isso? Achamos que não. Há uma cadeia infinita de consequências de ordem moral, religiosa e filosófica, que parte daquelas afirmativas iniciais. Se o Espírito sobrevive, como está demonstrado, então precisamos de saber quais as condições de sua vida no Além, o que deverá fazer nesta vida para merecer uma situação mais tranquila na próxima. E, como sobrevive, é eterno. E, como é eterno, não pode ficar contido por uma única existência material que possa decidir, num instante da eternidade, todo o seu destino post-mortem. Qual, assim, a melhor moral? Qual a melhor filosofia religiosa a seguir, para ordenar toda a nossa trajetória espiritual no sentido da evolução contínua e segura para o Alto? A resposta está no Evangelho de Jesus. A experiência nos ensina que é assim, e a lógica o confirma, porque a revelação das verdades espíritas, filtrada pela inteligência superior dos Espíritos de luz, não poderia enganar-se, nem enganar-nos, ao cabo de quase dois mil anos de espera ansiosa e angustiada. Ao contrário do Sr. ..., sustentamos veementemente que ciência e religião são a mesma coisa, as duas faces da mesma realidade final. Não é preciso aproximá-las nem será possível separá-las como o desejaria o autor- Já nasceram juntas; apenas à nossa incurável cegueira elas parecem distintas. Ao contrário do que defende o Sr. Shaw, entendemos que somente nossa imaturidade espiritual tem impedido de perceber essa verdade transcendental: a de que estamos caminhando fatalmente, inevitavelmente, graças a Deus, na direção de uma religião científica que é também uma ciência religiosa. Depois que conseguirmos despojar a pregação de Jesus de todas as suas deformações e interpolações interesseiras, veremos que nela se contêm os princípios fundamentais de uma ciência profundamente religiosa e autêntica. Não desejamos cair no extremo oposto de julgar que somente dentro do Cristianismo espírita, ou do Espiritismo cristão, é possível encontrar Deus. Mas estamos convencidos de que a orientação doutrinária de Allan Kardec é a que melhor atende aos profundos anseios do espírito sinceramente interessado na sua própria evolução. Aqueles que se sentem preparados para acompanhar esse curso superior de prática religiosa, não se contentariam com as formas elementares das demais.

                                                                                  Reformador (FEB) Novembro 1961

O Pensamento de Hermínio Miranda



                  Desligado da moral sublime do Cristo, o Espiritismo não passaria de um conjunto de fenômenos mais ou menos interessantes e curiosos, sem grande alcance filosófico. A prova está em que um século de pesquisa, endossada pelos mais abalizados mestres da deusa Ciência, não conseguiu ainda implantar nas orgulhosas academias internacionais a aceitação da existência do espírito humano, quanto mais sua sobrevivência e comunicabilidade entre "vivos" e "mortos". Isso porque a observação fria do fenômeno, sem o sopro da moral superior, é absolutamente estéril. E não se diga que não foi oferecida evidência suficiente. Foi. E em quantidade e qualidade indiscutíveis. 

                                                                                                                              Reformador (FEB) Novembro 1961

O Pensamento de Hermínio Miranda


                
               ... a compreensão das leis espirituais que nos governam, e ao mundo que nos cerca, nos leva a "respeitar o espírito que há em cada pessoa - gostemos ou não delas. Com isso, conseguimos viver melhor com o nosso semelhante, de maneira muito mais satisfatória que numa fraternidade insincera". 


Reformador (FEB) Novembro 1961

Parnaso de Além-Túmulo


'Parnaso de Além Túmulo'
(Espíritos Diversos)
por Chico Xavier
Sobrecapa da 4ª edição (1944)

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

1. Capas de Livros.


Algumas capas de livros editados pela FEB 
e que vem moldando nosso 
entendimento doutrinário através dos anos.













domingo, 2 de fevereiro de 2014

Crença Viva


Religião Viva

Vinélius Di Marco (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Janeiro 1962

            Qualquer religião só tem importância social se consegue fazer que a criatura humana evolua moralmente, aperfeiçoando seus sentimentos, a ponto de se tornar útil à família, à comunidade em que vive e à Humanidade em geral. Fora disso, com a doutrina asfixiada pelos dogmas, não será mais do que uma religião morta, estratificada pelas seitas dela derivadas e sem função social, sem função moral, sem função evolutiva.

            Uma religião que prive o homem do convívio com a razão, está condenada. O Espiritismo é uma religião que respeita e estimula todas as faculdades mentais do homem. Disse Kardec que "fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade". Não se trata de uma frase destinada a ornamentar uma ideia, mas de uma frase básica, que estabelece a verdadeira natureza do Espiritismo, religião intrinsecamente votada ao progresso moral da Humanidade, sem peias dogmáticas nem restrições ao intelecto. "A verdade não pode entrar na alma humana senão pela razão; portanto, os que creem reconhecer a verdade graças à fé, e não à razão, atribuem a esta um papel contrário à sua natureza, o de julgar com toda a independência para saber em que doutrina, que faz passar por certa, se deve crer. A razão não pode julgar o que é preciso crer ou não crer, mas pode, e este é seu verdadeiro papel, comprovar a exatidão do que se afirma." São palavras de Leão Tolstoi.

            Foi José Ingenieros que afirmou: "Enquanto o homem pensa, é livre." Entre os bens inalienáveis que a Humanidade precisa defender heroicamente, a liberdade constitui dos maiores. E nenhum homem pode ser livre se não tem o direito de usar a razão.

            No mundo de hoje, em que o materialismo domina até mesmo os governos que, por interesse político, mencionam frequentemente o nome de Deus e do Cristo, sente-se que a falência moral dos homens vai muito adiantada. Porquê? Porque a educação por eles recebida é deficiente. Baseada em moldes antiquados, em que Deus aparece como um bicho papão que se deve temer; baseada em princípios religiosos corrompidos ou desmoralizados; assente em práticas religiosas incompatíveis com o adiantamento intelectual do século ou por elas ainda influenciada, a educação não prepara convenientemente os homens para a vida.

            Então, o homem ficou neste dilema: ou se agarra à religião dominante, renunciando à razão, ou se lança ao materialismo, sacrificando a razão a conceitos ilusórios, por falsos.

            No século passado e no começo do século atual, o homem compreendeu que a religião que lhe ofereciam não tinha base lógica. Assentava-se na ficção ou na realidade comprometida pela fantasia. Desde que pôde examinar cuidadosamente os esteios dessa religião, capacitou-se de que ela não possuía, evidentemente, base racional para lhe dar a garantia moral de um futuro melhor. Tudo ou quase tudo se revestia de um aspecto miraculoso. Partia-se do sobrenatural exagerado para o misticismo irracional e incongruente. Os crentes, em sua maioria, não eram verdadeiramente crentes. Tanto assim que, logo aos primeiros embates com o materialismo, perderam a confiança naquilo que aprenderam desde a infância, e se transferiram para o materialismo, levando consigo a semente da incredulidade, desde então semeada no mundo, através da literatura e da poesia realista (?).

            Desde quando uma dessas religiões abandonou o ambiente santificante em que se originara, para consorciar-se com a política, sua influência benéfica foi decrescendo até desaparecer. Passou a ser uma religião de tradição. De família em família, de geração em geração, ela surgia como uma espécie de hábito tradicional. E chegamos, assim, ao que hoje se vê: figura como a predominante no país, continua amparada por interesses que não são propriamente religiosos, mas cada vez perde mais substância, cada vez se vê mais preterida na intimidade dos corações. É a religião dos lábios, mas não a do coração.

            "Por isto, não só não se deve temer o exame da fé que nos foi inculcada na infância, mas, pelo contrário, deve-Se submetê-la a uma revisão minuciosa, comparando-a com outras religiões, para só admitir o que se acha de acordo com a razão, por mais antiga e solene que seja a tradição transmitida. Depois destes exames, quem quiser livrar-se da falsa religião inculcada em si, desde sua infância, deve repudiar tudo o que for contrário ao seu juízo razoável, sem duvidar um só instante de que o contrário, à razão não pode ser certo. Uma vez livre desta mentira, aquele que quiser viver, segundo a doutrina do Cristo, não deve, nem pela palavra, nem pelo exemplo, nem pelo silêncio, permitir o suborno das crianças, mas denunciar, como lhe seja possível, essa adulteração, conforme ensinava o Cristo, que se apiedava dos pequenos, dos quais se ganha a confiança." (Leão Tolstoi.)

            O Espiritismo não teme confrontos nem evita que sua doutrina e a aplicação desta pelos verdadeiros espíritas sejam examinadas. Antes, aconselha a quantos o procuram que, antes de adotá-lo, façam um exame de consciência. É preciso compreender que o Espiritismo não é nem deve ser nunca um "estado de espírito"; é imprescindível que seja um "estado de consciência". O esforço que o Espiritismo realiza, para restabelecer no mundo a verdadeira fé cristã, não tem sido inútil. O desenvolvimento que elevem alcançando no Brasil, principalmente, e em muitos outros países, apesar de todos os obstáculos que lhe são criados, é testemunho da ressurreição do vero Cristianismo . " ...a fé cristã começou a perder seu verdadeiro sentido na época da conversão de Constantino, quando as divindades e os templos pagãos foram cristianizados e apareceu o mafomismo como reação contra a pretensa pluralidade dos deuses cristãos." Daí para cá...      

            Compreende-se quando uma religião está viva, não pelo número de adeptos que afirme possuir, não pelo poder-político que representa, não pela coação que possa exercer sobre as chamadas "religiões da minoria", mas pela realidade prática que ela apresenta. Uma religião que divida suas atenções com a política e os negócios, tem muito pouco tempo para devotar a seus seguidores. Torna-se, por isto mesmo, uma religião sem alma, uma falsa religião, sustentada pela ignorância dos que não sabem ou não querem usar a razão, com medo de irem para o imaginário inferno.

            O Espiritismo não se arreceia do progresso da Ciência, do desenvolvimento intelectual do homem nem das descobertas que destroem velhos e errôneos ídolos. É ainda Tolstoi quem afirma: "o homem deve lembrar-se de que o único meio de conhecer que possui a razão, e que, portanto, qualquer conhecimento que se afaste da razão será mistificação e uma tentativa para afastá-lo do meio do conhecimento dado por Deus."

            Se o Pai deu a todas as criaturas o divino uso da razão, coartá-la constitui, consequentemente, um ato sacrílego. Por isto, o Espiritismo é uma religião viva, pois defende e respeita o uso da razão, como prerrogativa primacial do homem. Quem se diz espírita, seguindo a trilha de religiões falidas, não é espírita. Pensa que o é, apenas. E ao Espiritismo não interessa apenas quantidade, mas, especialmente, qualidade, isto é, adeptos que se familiarizem com a Doutrina e a pratiquem convictamente, pois seu futuro moral não dependerá jamais de milagres, mas do modo pelo qual a exemplifiquem

Contra Senso


Contra senso
Valérium
por W. Vieira
Reformador (FEB) Jan 1962

            Alguém bate à porta principesca.
            Ela, a dona da casa, atende.
            Abre a porta e encontra pobre velhinho à frente.
            Andrajoso. Cansado. Feridento.
            É um pedinte que roga auxílio,
            Fria e insensivelmente, ela despede o visitante, dizendo nada ter que possa dar.
            E volta resmungando à intimidade doméstica, maldizendo o infeliz.
            - É malandro: - declara.
            E acrescenta:
            - Para vadios, só a cadeia.

            Nisso, pequeno rato desliza-lhe pelos pés.
            Assustadíssima, clama por socorro. Chora.
            Fecha-se, superexcitada, em quarto próximo, a lastimar-se.
            Bate-lhe o coração fortemente, as mãos tremem, a face está lívida e, por fim, depois de um copo d’água, procura o festejado gato de estimação para exterminar o camundongo.

                                                                       *

            Assim são muitas de nossas comoções.
            Não vibramos ante os quadros dolorosos que pedem ajuda e agitamo-nos, agoniados, diante de incidentes banais.         

                                                                       *

            Amigo, controle a sensibilidade, vigiando reações e policiando as ideias, para que o rendimento maior dos seus dias, à luz do Evangelho Vivo, seja realidade em seu caminho.

            Recorde que muita gente na Terra enfeita gatinhos prediletos e se enoja diante de irmãos em luta.

            E há milhares de almas outras que exibem clamorosa frieza ante os apelos do bem e mostram imensa emoção à frente de um rato.




Maravilhas do Evangelho


Maravilhas do Evangelho

Sylvio Brito Soares
Reformador (FEB) Janeiro 1962

            O homem, ou melhor, nós que nos encontramos na Terra, para lutar contra nossos próprios pendores e sentimentos, impeditivos, por sua natureza, do nosso progresso espiritual, quase sempre nos deixamos embair pelas exterioridades, e, através dessa simples e superficial observação, firmamos conceitos relativamente às coisas e às pessoas que nos cercam.

            Essa maneira de proceder leva-nos muitas vezes, a quedas dolorosas, decepções amargurantes e a situações delicadíssimas.

            Paulo, o grande apóstolo dos gentios, já advertia sobre esse erro de observação, ao escrever, em sua II Epístola aos Coríntios (10-7): Olhais as coisas segundo a aparência.

            E no entanto estas palavras do extraordinário apóstolo eram, "mutatis mutandis", as registradas por Samuel, em seu 1º Livro, (16-7), em que diz: "Olhas para o que está diante dos olhos, mas Jeová olha para o coração.”

            Desde que procuremos, neste mundo em que prolifera tanta miséria moral e tantas indignidades, ler nos corações humanos, verificaremos, jubilosos, que nem tudo está perdido, pois que existem muitas criaturas, embora humildes e de vida simples, que são verdadeiras fontes de amor, desse amor que perfuma espíritos, encantando-os pelas suas maravilhosas fragrâncias!

            Manuel Bernardes, exaltando a necessidade de não nos deixarmos seduzir pelas falsas aparências, contou-nos um episódio, cuja citação vem muito a propósito. Em síntese, é o seguinte:

            Certo Rei, em passeio com o faustoso acompanhamento de sua Corte, encontrou dois homens, vestidos mui desprezivelmente.

            Saltando da viatura, abraçou os com visíveis demonstrações de afeição muito sincera. Escandalizaram-se os cortesãos, fazendo sentir ao Rei que, com esse proceder, envilecia sua real pessoa, mas o Rei permaneceu em silêncio e prosseguiu a jornada. Mais adiante, porém, mandou ele confeccionar quatro cofres de madeira; dois deles mui ricamente forrados com pregaria, fechaduras, e chapeados de ouro e prata; e dois, tão toscos, que foram breados com pez e betume. Dentro de uns e outros meteu o que julgou aconselhável. De regresso a palácio, determinou que fossem à sua presença aqueles cortesãos que se haviam escandalizado com a sua maneira de proceder. Mostrou-lhes os cofres, ordenando ao mesmo tempo que dissessem quais deles estimavam mais.

            Responderam; todos, que os dois dourados deviam ter, em seu bojo, joias e tesouros reais, que os outros breados nem para ver eram dignos quanto mais para serem colocados na sala real.

            Bem sabia qual seria o vosso julgamento, obtemperou o Rei, porque facilmente vos deixais impressionar pelas aparências exteriores.

            Abertos os cofres dourados, deles exalou-se um fétido intolerável, pois estavam cheios de ossos de defuntos. Esses, disse-lhes o Rei, são os que se portem ao estilo do mundo: por fora, pompa e fausto; por dentro, vícios e misérias. E, a seguir, ordenou que abrissem os dois outros cofres indignos, como alegaram, da sala palacial.

            Abertos, e com surpresa geral, deles saiu uma fragrância suavíssima, e isto porque, além de muito ouro, prata e pedras preciosas, continham espécies aromáticas de alto preço.

            Estes são os que vivem desprezados pelo mundo, porque, renunciando às suas grandezas falíveis procuram encher-se de virtudes, que são os tesouros imperecíveis.

            Magnífica lição, e que ela nos seja proveitosa, porque o homem simples, humilde e virtuoso passa, geralmente, despercebido pelos caminhos do mundo, em razão de sentirmos, infelizmente, certo atrativo e sedução por tudo aquilo que não tem curso nem valor na pátria espiritual, olhamos as coisas segundo as aparências, sempre enganadoras e falíveis!



domingo, 26 de janeiro de 2014

Século agonizante



Mais atual?
Impossível!
Do Blog.
Século Agonizante

Indalício Mendes
Reformador (FEB) Outubro 1961

            Cada ano que se completa assinala mais um ciclo da vitoriosa evolução do Espiritismo no Brasil e, naturalmente, o pensamento de todos os espíritas se volta para o Codificador Allan Kardec, missionário do Cristo que veio ao mundo com a tarefa sobre-humana de lançar as sementes da ressurreição do Cristianismo, desaparecido entre as pompas e as preocupações políticas de igrejas espiritualmente declinantes.

            Outubro é, para os espíritas, não apenas um mês de recordação da figura extraordinária de Kardec, mas, principalmente, um mês em que todos devemos realizar um exame íntimo de consciência, a fim de nos certificarmos dos erros cometidos, das omissões perpetradas, cotejando-os com os acertos do nosso trabalho de todos os dias.

            Mais do que nunca, a Doutrina se torna a tábua de salvação dos náufragos da vida terrena, a luz salvadora daqueles que, desiludidos e descrentes de outras religiões, correm para o Espiritismo como sua derradeira esperança. Felizmente, este cresce, desenvolve-se, fortalece-se, consolida-se, ampliando o seu raio de ação, pois realiza objetivamente o Cristianismo do Cristo, nada mais sendo do que uma alta expressão da obra legitimamente cristã.

            Nas condições anômalas em que se acha o mundo, enfraquecido, sobressaltado, iludido e desesperado pelo materialismo, que recorre a todos os processos para não se deixar substituir pelo reinado do Espírito, não é inoportuno repetir as palavras do Mestre: "Orai e vigiai!" A Terra está convulsionada, a Humanidade se contorce em ânsias indomináveis, presa do medo, vítima do ateísmo que subverte a razão e o sentimento. Enquanto se procurar combater o mal com o mal, nenhum progresso real será alcançado. E a prova, temo-la nas guerras que se sucederam e na guerra terrível que a todos ameaça.

            As comunicações que aludem ao Terceiro Milênio e à hora de debulhar, de limpar o grão da casca suja e imprestável que, em vez de o proteger, lhe rouba o benefício da luz, estão sendo inexoravelmente cumpridas. O homem mau, o homem tíbio, aparentemente bom, que não luta contra o mal, e o homem indiferente, que cuida de si, pouco se importando do que sucede com os seus semelhantes, esses, todos eles, estão marcados para a dolorosa transição do século. E, então, o que está apenas começando adquirirá cores mais vivas na desgraça, tons muito mais negros nas horas incertas da divisão esperada.

            Não temos vocação para Cassandra, mas é fato que a realidade da vida atual exige dos crentes, sinceramente bons, claramente tolerantes, positivamente decididos a enfrentar com coragem os ônus do bem, na luta contra os disseminadores da inveja, da intriga, do egoísmo, da calúnia, do orgulho, do ódio e da mentira, uma soma de sacrifícios bem maiores de quantos já suportaram. Foram feitas duas tremendas guerras mundiais em nome do "mundo livre", da "liberdade", "dos direitos humanos", do respeito à Humanidade. De ambas a Humanidade saiu mais ferida e mais aflita, mais pobre e mais infeliz, mais sacrificada e menos liberta.

            E assim sucederá enquanto os homens que dirigem as nações e aqueles que os acompanham não se convencerem de que o único programa de trabalho, ordem, paz e felicidade é aquele que se subordinar ao espírito do Evangelho do Cristo, sem preconceitos religiosos, sem prevenções dogmáticas nem restrições inumanas. Novos países têm surgido, na luta entre o nativismo e o colonialismo. Infelizmente, porém, todos trazem a marca original da inquietude, porque se apoiam em ideologias desfraternas e as defendem com ódio, sangue e dores.

            A Humanidade não será salva enquanto o Direito das gentes se escorar nas armas que matam, sem levar na devida conta o Amor Universal pregado e exemplificado por grandiosos missionários do Bem, dos quais sobressai a figura ímpar de Jesus. A inteligência pouco ajudará a Humanidade, sem o sentimento. Religiões seculares são religiões sem vida, porque perderam a alma quando se distanciaram das coisas do espírito. Falam em Cristo, em Buda, em Moisés, em Maomé, mas não os sentem no coração.

            A indisciplina, o desregramento, o despudor, o desrespeito, a desordem e a desorientação que lavra no mundo, desde a juventude abandonada, sem guia nem rumo certo, são frutos do materialismo consorciado a religiões falidas em sua nobre e elevada missão educativa. O Espiritismo, lutando com todos os obstáculos imagináveis, está, porém, cumprindo a sua missão cristã, coerente consigo mesmo, identificado com o Mestre dos mestres, levando aos lares a orientação retificadora, espalhando por toda a parte os benefícios do Evangelho, que, à luz da Doutrina Espírita, é a palavra de ordem e salvação, nesta hora angustiosa para a Humanidade entregue à mais dura provação.


            Ao relembrarmos o mês de Kardec, reafirmamos a confiança que todos temos no futuro do Espiritismo, como norma de recuperação do homem, perdido na confusão do século que agoniza.

O Pensamento de Hermínio de Miranda



              " ....Jesus não foi, assim, um mero profeta de um novo credo religioso: é, antes de tudo e acima de tudo, o Guia Máximo da Humanidade, que, antes de vir, enviou seus mensageiros escolhidos para preparar-lhe as veredas. Que adiantaria pregar a lei suprema do amor e da caridade na época da pedra lascada, quando predominava o sentimento bárbaro da mais grosseira materialidade? Era preciso um trabalho longo e meditado de desbravamento. Mesmo assim, vemos frequentes vezes, no Evangelho, a advertência amiga e carinhosa de que muito mais tinha ele a revelar, mas que a Humanidade de então não estava preparada para aceitar e compreender as grandes revelações. (Estaremos hoje?) Não nos deixou porém mergulhados na dúvida ou na inquietação, pois anunciou que um dia viria o Espírito de Verdade, que, então sim, descerraria o véu do mistério. E cumpriu o prometido."

Reformador (FEB) Novembro 1961 

O Pensamento de Hermínio Miranda



              Em suma, o Sr. .... é de opinião que o Espiritismo não precisa e não deve procurar apoio no Cristianismo, com o que estamos totalmente em desacordo. Entendemos que o Espiritismo, sem a moral religiosa do Cristianismo, é apenas fenômeno psíquico mais ou menos estéril. Allan Kardec, Espírito de milenar experiência, amadurecido ao calor de muitas e muitas encarnações e que certamente passou, no decorrer de suas vidas, por várias formas de manifestação religiosa, acabou por fixar sua preferência indiscutível no Evangelho de Jesus. Isso não foi mera coincidência. Se até mesmo na insignificância de nossa vida diária, poucas coisas acontecem por simples acaso, como é que um dos maiores movimentos do espírito humano ficaria deixado ao acaso? Ao contrário, pelo que sabemos da evolução espiritual da criatura na Terra, existe atrás de tudo isso um plano maravilhoso que se desdobra lentamente diante dos nossos olhos. Sem desejar reduzir a importância e o conteúdo espiritual das grandes religiões do mundo, sabemos hoje, de fontes reveladoras dignas de maior fé, que os maiores profetas do passado, fundadores de novas crenças, não foram senão precursores abençoados d'Aquele que depois viria e do qual o Batista dizia não ser digno de desatar as sandálias.

Reformador (FEB) Novembro 1961


O Pensamento de Hermínio Miranda




                       Na realidade, os fenômenos psíquicos, isto é, espíritas, provam as crenças e teorias cristãs, explicando outras que, sem eles, eram obscuros, incompreensíveis, e tidos por supernaturais e milagrosos. Mas é preciso atentar bem para um ponto: não basta o fenômeno. Este é apenas uma parte da verdade e a verdade é um todo indivisível; a sua compreensão integral exige o conhecimento doutrinário, ao lado do fenômeno. De que serviria a manifestação espírita sem a consequência filosófica que se lhe segue? Serviria, quando muito, de objeto de curiosidade, chamariz a exigir a atenção passageira dos incrédulos. Não que desejemos reduzir a importância do fenômeno à sua expressão mais simples; ele é importante, necessário e útil, mas queremos deixar bem claro que, sendo mero suporte de uma realidade superior, é preciso que alcemos nossa inteligência na busca dessa realidade que é o espírito, centelha imortal emanada do poder criador de Deus.

Reformador (FEB) Novembro 1961

O pensamento de Hermínio Miranda


        

           "Saber que a morte não existe não é um mero consolo; é, de fato, uma diretriz para a vida, e atingir o conhecimento das leis espirituais - mesmo neste jardim da infância da vida terrena - é receber um tesouro permanente, se compreendermos sempre que o uso que fazemos desse conhecimento é que o torna valioso." 

Reformador (FEB) Novembro 1961

O pensamento de Hermínio Miranda



            -, a compreensão das leis espirituais que nos governam, e ao mundo que nos cerca, nos leva a "respeitar o espírito que há em cada pessoa - gostemos ou não delas. Com isso, conseguimos viver melhor com o nosso semelhante, de maneira muito mais satisfatória que numa fraternidade insincera". "Estamos aqui, ... para levar uma vida plena e útil, não para deixar o tempo passar, suspirando por viver numa outra dimensão." 


                                                                                                                                          Reformador (FEB) Novembro 1961

Frederico apareceu a Goethe em espírito

Goethe

Frederico apareceu a Goethe em Espírito


Boanerges da Rocha / (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Novembro 1961

            Muitos, muitíssimos fatos curiosos ocorrem no ambiente espírita, demonstrando a inutilidade dos esforços daqueles que, por motivos religiosos ou pseudocientíficos, se entregam ao mister de anunciar a improcedência de tais fenômenos.

            Quando lemos que qualquer indivíduo quer ter a "boa ventura" de provar a impossibilidade dos fatos espíritas ou tentar a "explicação" que mais convenha aos discutíveis interesses de sua grei, sorrimos piedosamente de tanto tempo perdido, de tanta insinceridade, de tanta hipocrisia e, porque não dizê-lo, de tanto caradurismo.

            Se semelhante procedimento é incompatível com a ética da Ciência, não o é menos quanto à da Religião, porquanto esta impõe sempre o respeito à verdade e, para contestarem os fenômenos espíritas, os que a isso se dedicam começam por recusar a verdade e, consequentemente, por fugirem ao princípio primário e fundamental de qualquer religião que se preze de o ser: a honestidade de opinião em qualquer circunstância.

            Acontece, porém, que o Espiritismo é eterno e não tem pressa. Paciente, espera que os seus detratores de hoje se tornem, um dia, seus devotados propagadores. A lei reencarnacionista lhe assegura plena confiança no futuro. Entrementes, passemos a relatar mais um episódio curiosíssimo, ocorrido com pessoa de cuja idoneidade não é lícito duvidar - Goethe, o grande e famoso poeta alemão.

            Wolfgang von Goethe passeava, numa noite chuvosa de verão, com o seu amigo K ... , voltando com ele do Belvedere para Weimar. De repente, o poeta estacou, como se enfrentasse um fantasma que lhe fosse falar.

            K ... não desconfiava de coisa alguma. Subitamente, Goethe exclamou: "Meu Deus! Se eu não tivesse certeza de que o meu amigo Frederico está nessa momento em Frankfurt, juraria que era ele! "Em seguida, deu uma gargalhada: "Mas sois efetivamente vós... meu amigo Frederico! Como é que vos achais aqui em Weimar? Mas, por Deus, meu caro, de que maneira estais vestido, com o meu robe-de-chambre, com o meu barrete de dormir, calçado de chinelos em plena rua?"

            K ... , como acabei de dizer, não via absolutamente nada de tudo isso e amedrontou-se, acreditando que o poeta enlouquecera subitamente. Mas Goethe, inteiramente preocupado com a sua visão, exclamou, abrindo os braços: "Frederico! Por onde passastes?"

             "- Por Deus! dizei-me amigo K.... não vistes por onde passou a pessoa que acabámos de encontrar?"

            K... , estupefato, nada respondia. O poeta, voltando, então, o rosto para todos os lados, proferiu, com ar de quem sai de um sonho, estas palavras: "Sim, compreendo... é uma visão...  entretanto, que significação pode ter tudo isso? Teria o meu amigo morrido repentinamente?

            Seria o seu Espírito que aqui esteve? Dado o fato, Goethe foi para casa e lá encontrou Frederico. Seus cabelos eriçaram-se:

            "- Para trás, fantasma!" - exclamou ele, recuando, pálido como um cadáver.

            "- Mas, meu caro, acolhes, então, desse modo o teu mais leal amigo?" - tornou Frederico.

            Rindo e chorando ao mesmo tempo, o poeta considerou:

            "- Ah! Desta vez não é um Espírito, mas um vivente de carne e osso."

            E os dois amigos abraçaram-se com efusão.

            Frederico chegara ao aposento de Goethe, inteiramente molhado pela chuva, e tinha trocado as suas roupas pelas do poeta, que estavam secas.

            Em seguida, adormecendo em sua poltrona, sonhou que tinha saído ao encontro do amigo, que o tinha interpelado com estas palavras: "Como é que vos achais aqui em Weimar? de que modo... com o meu robe-de-chambre, meu barrete de dormir e meus chinelos, em plena rua?.."

            Desde esse dia, o poeta acreditou numa outra vida depois da morte.

            O episódio foi narrado pelo "Psichische Studien", de Leipzig, de Março de 1897, e publicado em "A Alma é Imortal", de Gabriel Delanne, que faz, por sua vez, o seguinte comentário:

            "Este caso é interessante por mais de uma razão, pois estabelece que uma aparição, mesmo invisível para um terceiro, pode, entretanto, não ser uma alucinação telepática, pelo menos no sentido que se tem aplicado a esta palavra.

            "Assistimos efetivamente, nesse fenômeno, a uma espécie de alucinação telepática, por isso que só Goethe vê o fantasma, mas essa imagem é exterior, não se acha alojada em seu cérebro, como sê-lo-ia uma verdadeira alucinação, pois resulta do testemunho de Frederico, que ele fora, em sonho, ao encontro do seu amigo; e o que estabelece a objetividade da sua exteriorização é que as palavras que ouviu são exatamente as pronunciadas pelo ilustre poeta, Vemos que aquilo que Frederico toma por sonho é a recordação de um ato real passado durante o seu sono. Foi o seu Espírito que se desprendeu, enquanto seu corpo repousava, e ouviu, retendo-as, as palavras de Goethe.

            "Façamos, aproveitando-nos da oportunidade, uma observação muito importante. Se Frederico não se tivesse lembrado dos acontecimentos que se deram quando ele dormia, os membros da sociedade de investigações psíquicas teriam concluído por uma ação da consciência subliminal de Frederico, isto é, pela representação de uma "personalidade segunda" deste indivíduo;' Ora, parece evidente, neste caso, que é sempre a mesma personalidade que age, pois tem consciência do que se passou. Somente pode acontecer que nem sempre se lembre do que praticou durante o repouso do corpo. Essa perda de lembrança não é bastante para autorizar os psicólogos ingleses e franceses a dizerem que há em nós personalidades que coexistem e se ignoram mutuamente (ver W. H. Myers, Proceedings, La Conscience subliminal. Consultar também: P. Janet, L'Automatisme psychologique; Binet: Les Altérations de la personnalité.

            A única indução que logicamente parece-nos ser permitida é a que admite que a nossa personalidade comum - a do estado de vigília - está separada da personalidade durante o sono, por uma categoria de lembranças que não são mais conscientes ao despertar, Não há duas individualidades no mesmo ser, mas tão somente dois estados diferentes dessa individualidade.
 
            Gabriel Delanne, que se dedicou ao estudo científico dos fenômenos espíritas, é um dos nomes de maior prestígio, por sua cultura sólida e por sua integridade moral e científica. Suas se incluem entre as que a Federação Espírita Brasileira tem editado. Constituem preciosa contribuição para o conhecimento do Espiritismo científico. Devem ser lidas. Lidas e meditadas.