Pesquisar este blog

sábado, 11 de janeiro de 2014

Evolução Religiosa


Evolução Religiosa

Lincóia Araucano / (Ismael Gomes Braga)

Reformador (FEB) Novembro 1961

            Em escavações procedidas em diversos pontos do globo terrestre têm sido descobertas cidades pré-históricas que revelam civilizações inteiramente extintas, de povos completamente desaparecidos.

            Em todas essas cidades desentulhadas das camadas geológicas encontram-se duas coisas que as ligam aos presentes costumes: templos, objetos de culto religioso e armas de guerra.

            Vê-se que o homem primitivo adorava seus deuses e matava em massa seus semelhantes do mesmo modo que lemos no Velho Testamento e fazemos hoje no mundo "civilizado". A incompreensão era a mesma de hoje.

            A Lei moisaica tem um mandamento incisivo em nome de Deus: "Não matarás", mas na prática os seguidores da Lei nunca pensaram em obedecer a essa ordem divina. Matavam em massa na guerra e mantiveram sempre a pena de morte em suas práticas civis e religiosas.

            O Cristo confirmou a Lei que proibia a pena de morte e exigiu amor para todos, mas os nominais seguidores de sua doutrina continuam a fazer a guerra e a condenar seus irmãos à morte.

            No mundo dito cristão tem havido as mais tremendas carnificinas e ainda agora (1) no Brasil a Igreja Católica, que se diz cristã, defende com a máxima veemência a pena de morte, sem nenhum escrúpulo ou respeito ao mandamento: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo."

               (1)   Do Blog: Isto em 1961. Hoje o assunto não está mais em discussão.

            Não há nenhuma lógica no procedimento dos religiosos que amam a Deus e matam Suas criaturas.

            O primeiro movimento religioso do Ocidente que não admite sob nenhum pretexto o homicídio, é o Espiritismo; não só porque o considera um crime monstruoso, uma rebeldia contra o Senhor da Vida, como também porque prova a crença de que a morte não existe, é apenas uma ilusão dos sentidos, e que o homem que nos parece monstro é uma criatura de Deus, destinada a progredir e santificar-se, e que, por isso mesmo, merece todo o nosso respeito.

            Na evolução religiosa, portanto, o Espiritismo é um ponto de partida, uma era nova que se inicia, abolindo qualquer forma de homicídio legal ou ilegal.

            A sociedade tem o dever de recuperar o criminoso pela educação e, no máximo, o direito de defender-se contra ele, isolando-o até poder entregá-lo à sua própria consciência esclarecida, mas nunca o direito de privá-lo do corpo que lhe foi confiado pela Providência com a superior finalidade de reeducá-lo e salvá-lo.

            A evolução religiosa foi tão lenta que vai sendo superada pelas leis civis de muitos povos materialistas e ateus que não admitem mais a pena de morte em seus códigos e detestam a guerra.

            Infelizmente, porém, quase todos os povos ainda admitem a guerra, as matanças em massa, muito covardes na guerra moderna, sem fronteiras, que massacram igualmente crianças e velhos, mulheres e homens indefesos.

            Contra a guerra nada tentou a religião das igrejas no passado; mas estamos certo de que pela evolução religiosa, nascida com o Espiritismo, a guerra será abolida, para sempre da face da Terra, como o serão igualmente a ignorância e a pobreza. Nossa convicção nesse sentido é inabalável, porque sabemos com segurança que o Espiritismo tem de triunfar no mundo todo, por isso que o vemos renascendo sempre até nos meios que lhe são mais hostis. Nada lhe poderá embargar a marcha, quer com o mesmo nome de hoje, quer com outros nomes que venham a surgir.

            O homem do porvir compreenderá que ele só poderá salvar-se pelo amor incondicional a todas as criaturas de Deus, porque, como disse o sublime Dante Alighieri, o amor é a força que move o universo: L'amor che muove il sole e l'altre stelle.



sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Aprender e refazer


Aprender e refazer
Emmanuel
por Chico Xavier


Reformador (FEB) Novembro 1961

            Todos os Espíritos desencarnados, que se atrasam em pesadelos da revolta, acordam, um dia.

            Surge-lhes o arrependimento, no âmago do ser, em lágrimas jubilosas, quais se fossem prisioneiros repentinamente libertos.

            Derruída a masmorra de trevas em que jaziam encadeados, respiram, enfim, a grande emancipação, junto dos amigos que lhes estendem os braços. Observam, porém, a sombra que ainda carregam, contrastando com a luz em que se banham, transfigurados, e suspiram por merecê-la; sentem-se, aí, na condição de pássaros mutilados, e reconhecerem o valor da experiência física, em que lhes cabe refazer as próprias asas, e volvem, ansiosos, à procura do antigo ninho de serviço e de amor, que os alente e restaure. Quase sempre, contudo, ensejos passaram, paisagens queridas alteraram-se totalmente, facilidades sumiram e afetos abandonados evoluíram noutros rumos...

            Ainda assim. é necessário lutar na conquista do recomeço.

            Personalidades do poder transitório, que abusaram do povo, assistem às privações das classes humildes, verificando o martírio silencioso dos que se levantam cada dia, para a contemplação da própria miséria; avarentos que rolaram no ouro regressam às paredes amoedadas dos descendentes, acompanhando os mendigos que lhes recorrem à caridade, anotando quanto dói suplicar migalha a corações petrificados no orgulho; escritores que se faziam especialistas da calúnia ou do escândalo tornam à presença dos seus próprios leitores, examinando os entorpecentes e corrosivos mentais que segregavam, impunes; pais e mães displicentes ou desumanos voltam ao reduto doméstico dos rebentos desorientados, considerando as raízes da viciação ou da crueldade, plantadas por eles mesmos; malfeitores, que caíram na delinquência, socorrem as vítimas de criminosos vulgares, avaliando os processos de sofrimento com que supliciavam a carne e a alma dos semelhantes...

            Mas isso não basta.

            Depois do aprendizado, é preciso retomar o campo de ação, renascer e ressarcir, progredir e aprimorar, solvendo débito por débito, perante a Lei.

*

            Companheiro do mundo, se o conhecimento da reencarnação já te felicita, sabes que a existência na Terra é preciosa bolsa de trabalho e de estudo, com amplos recursos de pagamento. Assim pois, seja qual for a provação que te assinala o caminho, sofre, amando, e agradece a Deus.


quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Reencarnação, tema absorvente


Reencarnação,
tema absorvente

Vinélius di Marco /Ismael Gomes Braga

Reformador (FEB) Novembro 1961

            É na milenária sabedoria oriental que temos de ir buscar muitos dos elementos elucidativos da reencarnação, embora os fatos reencarnacionistas se reproduzam em qualquer parte da Terra, como é óbvio. É que, em virtude de preconceitos nascidos da falsa compreensão da palingenesia, ou de conveniências sectárias incompatíveis com o reencarnacionismo foi ela banida do Cristianismo, com flagrante desatenção à palavra do Cristo. A lei natural da reencarnação, indicada por Jesus veladamente no colóquio com Nicodemos, não podia ser explicada senão pela nova revelação, na época do Espiritismo, quando os homens se houvessem tornado capazes de recebê-la" '("Os Quatro Evangelhos"). "Em verdade, em verdade te digo que ninguém pode entrar no remo de Deus se não nascer de novo. 4. - Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode renascer um homem que Já seja velho? Pode, porventura, entrar de novo no ventre de sua mãe e nascer outra vez? - 5. Respondeu-lhe Jesus: Em verdade, em verdade te digo que não pode entrar no reino de Deus aquele que não renascer pela água e pelo espírito. - 6. O que é nascido da carne é carne, o que é nascido do espírito é espírito.  7. Não te admires de haver eu dito: Necessário que torneis a nascer. 8. O espírito sopra onde quer, tu lhe ouves a voz, mas não sabes donde ele vem nem para onde vai. Assim é todo aquele que é nascido do espírito", etc.

            Chamamos a atenção dos espíritas estudiosos para o IV volume de "Os Quatro Evangelhos", onde se encontra, mais pormenorizadamente do que nos três volumes precedentes farta elucidação doutrinária a cerca da realidade da reencarnação. São brilhantes os comentários contidos no IV volume dessa portentosa obra de cultura espírito-cristã, a cerca da resposta de Jesus aos discípulos sobre a vinda de Elias, cujo Espírito, reencarnado na pessoa de João, fora o precursor do Mestre: "Mas, eu vos digo que Elias já veio; eles não o conheceram e contra ele fizeram tudo o que quiseram. Assim também farão sofrer o filho do homem. - Então, seus discípulos compreenderam que ele lhes havia falado de João Batista."

            O capítulo IV de "O Livro dos Espíritos" de Kardec, trata especialmente "Da pluralidade das existências", e, no capítulo imediato há considerações preciosas, que reforçam a ideia reencarnacionista, caminho do progresso, da evolução espiritual do homem.

            Em sua magnífica autobiografia, o famoso guru Paramhansa Yogananda relata o diálogo entre Sri Yukteswar e Babaji, de onde recolhemos este trecho expressivo: "Não quererás escrever um pequeno livro assinalando os fundamentais princípios de unidade entre as Escrituras cristãs e hindus? Mostrarias nele, por paralelas referências, que os inspirados filhos de Deus têm falado a mesma verdade, agora obscurecida pelas diferenças sectárias dos homens."

            E mais adiante, acrescenta: "Citando as palavra de Jesus, mostrei que seus ensinamentos eram, em essência, o mesmo que as revelações dos Vedas." O que se encontra na obra de Yogananda é verdadeiramente impressionante, inclusive pelos exemplos de fáceis materializações e pelas provas irretorquíveis da reencarnação.

            Em 1956, "La Revue Spirite" publicou, em seu número de Março-Abril, sob o título "Reminiscências e Reencarnação", estas palavras da Sra. Henriette Gay, a respeito de seu marido Maurice e de sua filha Teresa, aludindo ao comportamento desta desde os três meses de existência: “Termos hindus e ingleses, claramente pronunciados, assinalam insistente ternura pela efígie de Gandhi, a respeito de quem ela emprega o termo Bapu, que é o nome que lhe davam os seus familiares e discípulos. Porém, o mais surpreendente foi o que sucedeu no dia em que sua mamãe havia pendurado na parede de seu quarto um retrato do mestre hindu Yogananda. Teresa então com quatro anos mais ou menos, afirmou:

            - Yogananda! Eu o conheço! Ele veio com Bapu quando eu ali estava.

            Ele almoçou duas vezes e dormiu por duas noites. Era muito gentil.

            Isto corresponde à verdade. tal como está registado na obra de Yogananda” “A autobiografia de um Yogi".

            Teresa tem agora cinco anos e meio. “Depois desse último episódio, escreveu sua mãe, nada houve de notável a fixar. Tudo parecia atenuado. Ela adota agora, frequentemente, a posição de lótus e escreve com teimosia da esquerda para a direita, formando suas letras ao inverso para grande espanto das pessoas de nossas relações."

            Acrescentamos que essa encantadora pequena Teresa tem um irmãozinho também muito atraente, é decididamente vegetariana e suas críticas são muito severas aos açougues ou quando alguém come carne diante dela.

            Em compensação, Teresa adora o arroz integral (prato nacional hindu) e é louca por amêndoas (prato preferido de Gandhi). Acrescentamos também que Teresa foi muito difícil de alimentar e criar."

            Aí está um caso curioso de reencarnação citado por "La Revue Spirite", que também se refere a Walter Morelli, que, com cinco anos, era o mais moço "baterista" do mundo e, com o título de "virtuose" de uma orquestra de "jazz", fora contratado para um espetáculo de variedade na Rádio Televisão Italiana. E Luigi Solano, de quatro anos, filho dum médico romano, ainda não sabe escrever, mas "conhece as principais obras-primas da literatura mundial e sabe de cor várias centenas de poesias, quinhentas canções e vinte peças líricas".


            Poderíamos ficar aqui indefinidamente a citar fatos impressionantes, para os quais não têm palavras de contestação honesta os céticos impenitentes.

Parapsicologia e Farmacologia


Parapsicologia e Farmacologia - Parte 1/2
Hermínio de Miranda
Reformador (FEB) Dezembro 1961

            A Fundação de Parapsicologia de Nova Iorque, da qual a Sra. Eileen J. Garrett é Presidente, promoveu dois congressos de Parapsicologia e Farmacologia. Para que o leitor não estranhe a associação desses dois ramos do conhecimento humano, vamos logo explicar que se trata, na realidade, não da Farmacologia propriamente, mas dum novo ramo dessa ciência à que se chamou Psicofarmacologia. O objetivo é o estudo das sensações de natureza psíquica provocadas por meio de drogas. O leitor sabe que a ingestão de certos produtos químicos provoca fenômenos e sensações muito semelhantes aos do tipo mediúnico ou anímico.

            O primeiro Congresso teve lugar em Nova Iorque, em 15 e 16 de Novembro de 1958, e reuniu alguns pesquisadores que concordaram “na necessidade de continuar e ampliar as pesquisas nas áreas de interesse comum à Parapsicologia e à Psiquedelia.” E que vem a ser psiquedelia? É o termo proposto para designar o estudo de certas manifestações da mente humana, sob a influência de certas substâncias químicas, especialmente o LSD 25 (ácido lisérgico dietilamido) e a mescalina. Três deliberações foram tomadas no Congresso:

            a) Examinar a terminologia a fim de estabelecer definições que ajudarão a fixar critérios que conduzam a bases geralmente aceitas para a pesquisa futura;

            b) examinar e recomendar os métodos que utilizarão as experiências acumuladas em ambos os campos de investigação, com a finalidade de revelar uma estrutura unificada e integrada para a técnica de pesquisa;

            c) estabelecer um sistema que facilite o rápido intercâmbio de dados significativos, no futuro estudo desses campos.

            A linguagem de tais deliberações está um tanto empolada e redigida num certo jargão científico, mas parece claro que a finalidade a que se propõem os participantes do Congresso é estudar os fenômenos de um ponto de vista friamente científico.

            No livrinho que tenho diante de mim, foram reunidos os diversos trabalhos apresentados aos Congressos.

            Como simples manifestação pessoal de seus autores, é natural que apresentem os mais variados e até contraditórios pontos de vista. Mas vamos examinar alguns deles. O Sr. Duncan B. Blewett, por exemplo, entende que a descoberta das drogas psiquedélicas constitui o maior avanço até agora conseguido no campo da Psicologia, capaz de fornecer meios de alcançar e superar o adiantamento que as ciências físicas tiveram nestes últimos 150 anos. Estamos de acordo com o equacionamento do problema. Entendo que o grande mal da chamada civilização moderna está precisamente no fato de que o desenvolvimento rápido e inarmônico das ciências físicas arrastou o homem para o campo do materialismo. Faltou um crescimento paralelo e simultâneo das ciências psíquicas. Parece que, interessado primeiro em atender aos reclamos do corpo físico, o homem deixou para mais tarde o estudo das questões de ordem espiritual. Essa atitude constituiu um engano fatal para o gênero humano. O desequilíbrio entre essas Duas tendências do pensamento está acarretando inquietações tremendas e pondo em perigo a própria sobrevivência do planeta que habitamos. O ramo materialista da Ciência colocou na mão do homem uma quantidade de poder que ele somente poderia receber depois de mais desenvolvido e amadurecido espiritualmente, ou, pelo menos, com maior conhecimento da sua verdadeira natureza espiritual e das leis que regem essa natureza íntima. Em outras palavras: o homem moderno é, uma criança grande brincando com os mais mortíferos instrumentos de terror. O nosso receio está precisamente em que não haja mais tempo para recuperar essas divergências.

            Muitas vezes, no passado, tem sido reiniciado o estudo dos fenômenos psíquicos. E cada vez que se chega a alguma conclusão, recai tudo no esquecimento. Não sei se faltou a essas conclusões a dramaticidade de um impacto emocional mais vigoroso que chamasse a atenção de todos ou se é a própria Humanidade que não deseja fazer esforço no sentido de despertar de uma vez para as realidades do espírito. Era de presumir-se que depois das pesquisas de Sir William Crookes, por exemplo, não restassem mais dúvidas quanto àquela realidade. O mesmo se poderia dizer da argumentação de Lombroso, de Ernesto Bozanno e de tantos outros, para não citar a própria exposição doutrinária de Kardec e seus continuadores, à qual não se pode negar base científica racional. Mesmo abstraindo-se da parte religiosa da codificação kardequiana, que a Ciência tem por norma recusar sistemática e cegamente, ainda fica um bloco solidíssimo de conceituação nitidamente filosófica e com inegável apoio na lógica, que aponta para a realidade da existência e sobrevivência do Espírito. Fato curioso, no entanto, é que basta um cientista de renome reafirmar essas verdades para ficar imediatamente sob suspeita ou ser totalmente rejeitado pelos seus colegas de tipo mais acadêmico. E por isso muitos se calam... Vejam, por exemplo, o Dr. J. B. Rhine. Por enquanto vai muito bem e os resultados de suas pesquisas, apesar da habitual resistência sempre encontrada nos meios científicos, vai sendo, senão aceita, pelos menos examinada. No dia, porém, em que lançar o peso de sua autoridade para afirmar a existência e a sobrevivência do Espírito humano, então veremos a cortina de silêncio descer sobre seu nome.

            Mas, voltemos ao Dr. Blewett. Este pelo menos reconhece a necessidade de empregar melhores métodos e instrumentos de pesquisa no campo da Parapsicologia. “Usar os métodos científicos e experimentais da atual Psicologia nos domínios da investigação paranormal é o mesmo que tentar medir a distância até à Lua com uma varinha” (yardstick).            

            De fato já é tempo de compreenderem os cientistas que os métodos de pesquisas usualmente empregados nos outros ramos da Ciência nem sempre servem à pesquisa do Espírito. Não adianta querer aprisioná-lo e colocá-lo entre as lâminas do microscópio eletrônico. Isso é duma trágica ingenuidade. O problema mais sério, não obstante, são as conclusões apressadas. Quando Sir William James fez algumas experiências com óxido nitroso e obteve um “estado místico” não faltou quem dissesse que “a Religião era função de um composto químico”. O Sr. Fraser Nicol, citado pelo Dr. Blewett, teme que, diante das novas experiências com o LSD, a religião organizada venha logo bradar que “a Religião deve ser encontrada no Calvário e não nas usinas da Parke Davis ou da Eli Lilly”. E não deixaria de ter razão, porque, se alguém precisa tomar drogas para atingir um estado de religiosidade, é uma lástima. Acredito que seja ainda muito cedo para misturar religião e parapsicologia, ou religião e psiquedelia, ou que outros nomes tenham esses ramos de pesquisa. O que temos visto no passado pode resumir-se em duas alternativas: ou a pesquisa encontra mesmo o Espírito e o proclama, ou dá num beco sem saída porque os pesquisadores não têm suficiente lucidez para trilhar o caminho que escolheram. Tanto no primeiro caso, como no segundo, todo o trabalho tem resultado invalidado igualmente para as religiões organizadas e para os cientistas cépticos. Será que vai ser diferente com a
Parapsicologia? Temos o direito de alimentar algumas dúvidas a esse respeito, mas não vamos retirar-lhe o crédito de confiança que lhe cabe.

            Já a Sra. Eileen J. Garrett, que é também médium conhecida, acha que a experiência obtida com o uso das drogas psiquedélicas é mais aproximada do estado de clarividência e êxtase do que do transe mediúnico. Considera, porém. que ainda há muito pouca informação sobre o assunto para que se possa fazer um juízo seguro sobre ele.

            O Sr. Abram Hoffer, que vem estudando o assunto desde 1951, entende que a Parapsicologia está ainda na fase inicial de pesquisa, na qual o fenômeno é apenas descrito. A segunda fase seria a criação de uma hipótese para explicá-lo ; a terceira, de experimentação para testar a hipótese e, finalmente, na quarta fase seria apresentada a conclusão. Lembra que os fenômenos parapsicológicos ainda não são aceitos universalmente pela Ciência, apesar de que muitos estão firmemente convencidos de sua autenticidade. Oferece duas razões pelas quais os fenômenos ainda não estão sendo aceitos. Primeiro, porque os métodos estatísticos são incorretos e, segundo, porque uma demonstração clara desses fenômenos invalidará as teorias da relatividade. No seu entender, os métodos estatísticos até aqui empregados não se aplicam aos fenômenos biológicos. Acredita necessário criar novos métodos matemáticos para avaliação do fenômeno. Quanto à objeção dos relativistas, acha que não tem grande significação, pois que, uma vez estabelecIda a autenticidade científica do fenômeno, os físicos juntarão seus esforços aos pesquisadores da Para psicologia para encontrar as necessárias explicações.

            O Sr. Francis Huxley considera importante para a pesquisa com as drogas, a cooperação do médium já desenvolvido.

            O Sr. David Kahn, um psiquiatra profissional, acha que a Parapsicologia é uma espécie de corpo estranho no seio da ciência moderna. Não pôde ainda ser aceita porque, na fase atual, é “indigesta” (indigestible). E se pergunta onde estaria a falha que impede a aceitação da Parapsicologia. Talvez tenha havido algum erro inicial, por conta do entusiasmo do primeiro instante. Sua conclusão final é a de que é preciso começar tudo de novo, examinando todo o caminho percorrido até agora.

            Por isso é que costumo afirmar que não tenho grandes esperanças nesses métodos de pesquisa em torno do Espírito humano. Estão sempre recomeçando...

            O Sr. Robert w. Laidlaw informa que, na sua opinião, o emprego das referidas drogas abre uma nova picada para compreensão do fenômeno mediúnico. Citando o Dr. Ian Stevenson, declara que as drogas psiquedélicas removem o mecanismo inibidor da mente, trazendo a criatura para os domínios da psicopatologia ao mesmo tempo em que “nos dá uma grande compreensão do Universo e nossa posição nele”. A experiência parece assemelhar-se, de certa forma, não somente ao êxtase, como também à consciência cósmica da Ioga".

            J. Fraser Nicol e Betty H. Nicol apresentam um pequeno estudo sobre o uso experimental dos compostos químicos. Os autores depositam esperança em que tais compostos sirvam de instrumento para melhor compreensão da impressão psíquica. Acham que a procura consciente do fenômeno psíquico raramente é coroada de êxito. Estamos de acordo com os autores. É esse precisamente um dos grandes obstáculos à pesquisa, porque o fenômeno psíquico não ocorre à nossa vontade, quando queremos e nas condições que desejamos. Acrescentam os autores que há pouca afinidade entre os experimentos com as cartas de baralho e as manifestações da mediunidade. Naturalmente que tem que haver. Temos assinalado, com frequência, em comentários aqui publicados, que os parapsicólogos ainda não chegaram à distinção entre os fenômenos de natureza espírita e os de natureza anímica. É uma pena. Como dizia o nosso lúcido e querido Ismael Gomes Braga, há pouco tempo, se a coisa vai nesse passo, daqui mais um século os cientistas vão descobrir Allan Kardec...

            De forma que, em vista da dificuldade em obter resultados práticos com as experiências estatísticas que a parapsicologia vem utilizando, entendem os autores que é urgente o auxílio da farmacologia, para provocar os estados psíquicos necessários aos estudos. Acham mesmo que em contraste com os magros resultados da experiência com o baralho Zener, é muito mais espetacular a evidência que emerge dos quatro estados diferentes que os autores classificam de mediunidade, automatismos, sonhos ou estados de semi vigília e, finalmente, experiências espontâneas em estado de vigília. É evidente o desconhecimento, digamos técnico, que os autores revelam dos fenômenos psíquicos. O a que chamam automatismo e a que nós chamaríamos psicografia é, em si mesma, um fenômeno mediúnico, muito embora tanto possa ser espírita como anímico. Também os demais casos poderiam ser considerados meras manifestações mediúnicas. A conclusão dos autores é a de que todos esses fatos nos autorizam a concluir que “o consciente inibe e distorce a expressão dos impulsos psíquicos”. Aqui não concordamos. A nossa experiência espírita informa, ao contrário, que há mediunidade consciente e inconsciente. Na primeira, não é necessário anular o consciente para que o fenômeno se produza. O Dr. Karlis Osis, diretor de Pesquisa da Fundação de Parapsicologia de Nova Iorque, informa que tem conduzido muitas experiências com médiuns. Também ele redescobriu o fato de que tais médiuns falham constantemente quando submetidos a certos controles, sob a tensão da expectativa. Isto faz lembrar uma pequena história que li há pouco no livro “The Sky People”, de Brinsley Le Poer Trench . Certa vez, um homem passava carregando um peixe muito grande. Encontrou-se com outro homem que nunca tinha visto um peixe, nem grande, nem pequeno ou de qualquer tamanho e nunca tinha visto quantidade maior de água do que a que podia conter o balde onde sua esposa lavava os pratos.

            - Que é isso? - perguntou ele ao homem que levava o peixe.

            - Isto é um peixe.

            - Que é que ele faz?

            - Ele nada.

            Muito confuso, o homem perguntou ainda:

            - E daí? Que é nadar?

            - É feito n’água, assim...

            E o homem fez os gestos explicativos, com uma das mãos. O outro olhou para o peixe com uma grave expressão de cepticismo e disse muito seguro de si:

            - Isso é impossível. Não existe tanta água assim, num só lugar.

            - Existe do outro lado da montanha - foi a resposta.

            - Mostre-me como é que ele nada - exigiu o cético ..

            - Então vamos atravessar a montanha até ao lago, que eu lhe mostrarei - disse o homem do peixe, de maneira conciliatória, e se pôs a caminhar.

            - Espera aí, meu amigo – gritou o cético. - Quero que você me mostre aqui mesmo no meio da rua, onde nos encontramos, face a face. Se você não me mostrar aqui, nunca poderei acreditar.

            Mas o homem do peixe continuou à caminhar indiferente, na direção da montanha.

            Com a pesquisa do espírito humano a história é a mesma. Os céticos de todos os tempos e de todas as latitudes querem o fenômeno no meio da rua, sob condições impraticáveis; querem, enfim, ver o peixe nadar onde nem água existe.

            Voltemos, porém, ao Dr. Karlis Osis. Diz ele que a performance de bons médiuns também varia de uma sessão para outra ou conforme o grupo de assistentes ou consulentes. Também isso é fato conhecido. Basta ler Kardec.

            A sugestão do Dr. Osis é, a de que existe uma necessidade premente de “estabilizar e aumentar a eficiência de suas performances” para explorar as “possibilidades experimentais do problema da sobrevivência”. As esperanças do Dr. Osis também estão na farmacologia. Os pobres dos médiuns - alguns verdadeiros mártires dessa ciência vivisecadora - passarão agora a ingerir drogas para produzir fenômenos à vontade dos pesquisadores sempre céticos.

            O Dr. Humphry Osmond descreve algumas experiências pessoais com as drogas, chegando à conclusão de que seu emprego possibilita a transmissão do pensamento e outros fenômenos de natureza psíquica.

            Já o Dr. Thomas T. Paterson, da Universidade de Glascow, na Escócia, entende que é necessário definir que espécie de estudo deve ser conduzido e que métodos devem ser empregados. Na sua opinião, a aplicação da lógica matemática a observações empíricas não conduz a nenhuma solução prática: simplesmente estabelece que o fenômeno é válido - mas isto, diz ele., “não está mais em dúvida”. De fato, mesmo sem o conhecimento científico que o Dr. Paterson certamente possui, muito acima da minha humilde bagagem, tenho insistido bastante em que considero, na melhor das hipóteses, insuficiente, a aplicação de métodos estatísticos quantitativos à pesquisa psíquica. A seguir, o Dr. Paterson sugere o roteiro científico que, a seu ver, deverá ser observado para estudo do assunto.           

            O Dr. Ira Progoff, também da Fundação de Parapsicologia, está mais interessado na cura de doenças mentais. Confia nas possibilidades das drogas para investigar a causa dos distúrbios mentais e curá-los.

            O Dr. John R. Smythies discute o problema filosófico do dualismo cartesiano do corpo material e da mente imaterial e termina dizendo, sem concluir nada de novo, que as drogas psiquedélicas suprimem a inibição do cérebro e liberam ou revelam a atividade psíquica da criatura sob a forma de um estupendo panorama de imagens.

            Logo a seguir, o Dr. Cedric W. M. Wilson informa, de início, que duas premissas devem instruir a pesquisa do efeito de qualquer agente farmacológico na capacidade psíquica do homem. São elas: que a ESP (Percepção extra-sensorial) é uma função fisiológica do homem, e, segundo, que “tal como outras funções fisiológicas do cérebro, é capaz de ser modificada por agentes farmacológicos”. O grifo é meu, pois não posso aceitar, de forma alguma, a premissa de que a capacidade psíquica é uma função fisiológica do cérebro.

            Estão confundindo causa e efeito. O Dr. Wilson parece situar-se na ala materialista da Ciência, despreparado, portanto, para uma pesquisa essencialmente espiritualista. Logo adiante insiste em que a percepção extra-sensorial é uma função fisiológica do homem. É bem verdade que a mediunidade, que faz lembrar a capacidade de percepção extra-sensorial, pode ocorrer com maior facilidade sob certas condições orgânicas. Por exemplo, o médium de materialização tem maior capacidade de segregação do ectoplasma necessário à produção dos fenômenos. Muitos chegam a fornecer quantidades consideráveis de ectoplasma aos Espíritos manifestantes, mas daí a dizer que a percepção extra-sensorial é uma função fisiológica do cérebro, tal como outras, vai muito terreno. Isso é concepção superada da escola materialista, que acreditava ser o pensamento uma secreção do cérebro da mesma forma que o suco gástrico é produzido pelo estômago.

            Partindo dessas premissas, não sei como poderão os pesquisadores chegar à meta a que se propõem.

            Finalmente, a Sra. Olga Worrall procura descrever as sensações que experimenta durante o trabalho mediúnico. Na mediunidade clarividente, diz ela, é como se o alto da cabeça estivesse aberto e um facho de luz afunilado saísse do ponto conhecido por “moleira”. No estado de clarividência, parece que a testa está amplamente aberta. O papel dos olhos é secundário: “o centro de atração é o que é “visto” com a testa. Pessoas e cenas aparecem tal como num filme, mas sem a tela. Às vezes há cor e às vezes somente em preto e branco”. Esta descrição coincide com a concepção ocultista do “terceiro olho”, localizado, segundo os mestres, entre as sobrancelhas. Outros fenômenos são apreciados pela Sra. Worrall, como, por exemplo, o dom da psicometria, a cura espiritual, o conhecimento do conteúdo de uma carta fechada, a história dos objetos e seus possuidores, a faculdade de diagnosticar uma doença pela simples imposição da mão sobre o paciente, a faculdade de encontrar uma pessoa pela primeira vez e saber tudo sobre ela, predizendo até mesmo o seu futuro. Tudo isso - diz a Sra. Worrall, singelamente -. são “dons que, apesar de inexplicáveis, existem”.


            Deixemos para outra oportunidade o estudo das ideias agitadas durante o Segundo Congresso de Parapsicologia e Farmacologia, realizado de 6 a 10 de Julho de 1959, em St. Paul de Vence, na França.

Em paz e paciência


Em paz e paciência
Manuel Quintão
por W. Vieira
Reformador (FEB) Dezembro 1961

            Quando te rendes à revolta e à tristeza e caminhas algum tempo sem olhos para contemplar a Natureza, sem ouvidos para escutar o trilo dos pássaros e sem tato para sentir, num aperto de mão, as palmas calosas dos prisioneiros da adversidade, perdes a eficiência pessoal na ação cotidiana por te distanciares da realidade fundamental. É aí, não raro, que estrepita a insatisfação rouquejante e se desenfreia a violência explosiva em forma de cólera.

            E quando o nosso coração intumescido cabriola ao ritmo espasmódico da cólera, resvalamos invariavelmente na voragem da obsessão, seja obsessão para cinco minutos, cinco horas, cinco dias ou cinco anos.

            Existe a cólera convulsiva e gritante e a cólera íntima e surda. Ambas, definindo causas de efeitos diversos, por trás de outros acontecimentos, têm reconduzido, antes da hora demarcada, multidões de espíritos encarnados à Espiritualidade, através de mortes repentinas e inexplicadas, crises cardíacas e nervosas, paralisias, acidentes e delitos de toda ordem.

            Ninguém renasce na carne para revestir-se de sombras e a morte é a ressuscitadora das culpas mais disfarçadas pelas aparências do homem ou mais absconsas nas profundezas do espírito.

            Por isso, ante as catástrofes da consciência geradas nos desvarios coléricos, vemos fardões brasonados a se transfigurarem em armaduras ignescentes; coroas, cujas pedrarias espelharam frontes outrora respeitáveis, se tornarem espinhos de tortura; colares a parecerem baraços asfixiantes; medalhas que enfeitaram antigos peitos orgulhosos a se exibirem quais ferretes queimantes; luvas que fulgiram no comando de legiões transformarem-se, trágicas, em manoplas de fogo, e anéis que rebrilharam entre dedos aristocráticos se metamorfosearem, medonhos, em brasas vivas...

            Horresco rejerens! O próprio Dante não conseguiria dizer as repercussões do mal nos vales do horror.

            Cólera! Por essa ebriez de loucura, muitos de nós temos experimentado e milhares experimentam, no imo do próprio ser, as comichões endoidecedoras do remorso.

            Nela observamos, no sangue efervescente da tez, nas expressões contorcidas do rosto, nas trepidações nevróticas das mãos e nas descargas terríveis da palavra desgovernada, a volta da personalidade à zona inferior do espírito, aos porões da alma, ao fragor dos instintos tempestuados.

            Para ela, a nossa vigilância e a nossa prece.

            Semelhante expulsão do bom-senso carreia apenas prejuízos de estarrecer. Ela, em si, humilha e ridiculariza muito mais a criatura do que qualquer pretexto invocado para motivá-la.

            Transporta, meu amigo, as cruzes pequeninas das dificuldades de cada dia, em paz e paciência.

            Desenruga a face nos sorrisos da bondade constante.

            Reprime o gesto de precipitação e abençoa sempre.


            Mergulha o próprio pensamento no pensamento cintilante da atualidade espírita e, se contrariado, perdoa... se perseguido, perdoa... se humilhado, perdoa... para compores o clima cada vez mais puro da confraternidade entre os homens, com esforços e lutas, serviços desinteressados e iniciativas redentoras, junto aos vanguardeiros da Verdade e do Amor. 

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

XXVa et XXVb - 'Apreciando a Paulo'



XXV a
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec - 1958


 
“E digo isto: Que o que semeia pouco, pouco também ceifará;
e o que semeia em abundância, em abundância também ceifará.
Cada um contribua segundo propôs no seu coração;
não com tristeza  ou por necessidade;
porque Deus ama o que dá com alegria.
E Deus é poderoso para fazer abundar em vós toda a graça,
a fim de que tendo sempre, em tudo, toda a suficiência,
abundeis em toda a boa obra;
Conforme está escrito: Espalhou, deu aos pobres;
a sua justiça permanece para sempre.
(Paulo - Segunda Epístola aos Coríntios, 9:6 a 9)


            “Fora da caridade não há salvação”, eis uma das afirmativas fundamentais do Espiritismo, que deve ser entendida como norma de conduta do verdadeiro cristão.

            O esclarecimento pessoal é útil e indispensável, mas a prática da caridade é maior. Paulo o confirma no capítulo treze de sua Primeira Epístola aos gregos de Corinto, quando começa decantando o valor excepcional da caridade, para terminar proclamando, no versículo treze:

            “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas três, mas a maior destas é a caridade.”

            A caridade é o perfume do amor, a expressão de sua generosidade e da elevação do Espírito em busca de Deus, que também é caridade ou amor. (I João, 4:8).

            O amor vive e palpita dentro de nós mesmos, como requinte e superioridade do sentimento ou manifestação do reino de Deus, mas exterioriza-se pela caridade, que é carinho, brandura, tolerância, compreensão, abnegação e bondade.

            São Paulo assim define a virtude excelsa: “A caridade é sofredora, é benigna, não é invejosa, não trata com leviandade, não se ensoberbece; não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas alegra-se com a verdade; tudo sofre, tudo espera, tudo suporta. A caridade nunca falha!” (I Cor., capo 13.)

            Portanto, toda a vez que, no lar ou fora dele, com ou sem razão, nos irritamos, faltamos à caridade.

            Se procedermos no mundo com leviandade, com ironia (que às vezes fere profundamente), com interesse ou com segundas intenções, estaremos agindo sem caridade. A atitude do espírita-cristão deve ser simples e reta, sem nada ocultar com malícia; seu procedimento não deve ser dúbio, satírico ou provocante, mas bondoso e compreensivo. Se folgarmos com o sofrimento de alguém ou com uma injustiça a outrem cometida, mesmo que não tenhamos participado do fato; se suspeitarmos mal ou dermos curso a qualquer maledicência, mesmo com visos de verdade, faltaremos à caridade. Entretanto, tenhamos presente que o genuíno espírita-cristão é nobre e generoso, não dando curso às maldades e sabendo perdoar.

            Enfim, examinando-se qualquer pecado, qualquer ato impuro, inferior ou indigno, ver-se-á que ele é fruto do egoísmo e a negação da caridade - flor sublime do Espírito.

            Os atos positivos são amorosos; os negativos são egoísticos ou pecaminosos.

            Os Mensageiros do Senhor ensinam que a caridade é material ou moral.

            “O Evangelho segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec, dedica seu capítulo XV ao tema que ora desenvolvemos. Há ali comunicações proveitosas de Espíritos de luz, que focalizam e examinam o assunto com muita clareza e com verdadeiro sentimento cristão.

            É claro que a caridade material deve envolver sempre um propósito moral. Porém, se a criatura tem fome, Se está desnuda, não lhe bastam as boas palavras, ela precisa também de pão e de roupas. Daí o muito que temos a fazer nesse campo de atividades, através de abrigos para a velhice e para a criança desamparada, e ainda por meio de outras realizações filantrópicas.

            A esse propósito, o dever maior é do Estado, não resta dúvida; mas os espíritas devem agir, como vem fazendo, supletivamente, dentro dos ensinos generosos do Rabi da Galileia.

            Mas lembremos sempre, a respeito, os seus ensinamentos: “Quando pois deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão. Quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita.

            “Para que a tua esmola seja dada ocultamente; e teu Pai, que vê em segredo, te recompensará publicamente.” (Mateus, 6:2 a 4)

            Por consequência, ao darmos esmolas ou quando auxiliarmos alguém, guardemos reservas sobre o fato, porque a publicação de favores pode humilhar, e quem humilha seu semelhante, falta-lhe com a caridade. Esta não pode ser objeto de alarde, mas expressão singela e generosa do coração. Destarte, não é justo que façamos de um lado e desmanchemos por outro... trombeteando a magnanimidade feita ou deixando transparecer o gesto, para receber elogios dos homens. Nada de ostentação na prática do bem, nem mesmo em qualquer ato de nossa vida, pois o cristão deve praticar a modéstia, que também é virtude evangélica.

            Assim como Deus ama o regenerado, ama outrossim a quem dá com alegria, como disse Paulo.

            Portanto, se um pobre nos bater à porta em hora que nos pareça inconveniente (não a ele, que precisa), se for impossível atendê-lo, pelo menos não demonstremos irritação, pois que assim faltaremos, duplamente, com a caridade...

            Jamais sejamos arrogantes ao auxiliar alguém. Se dermos com soberba, feriremos mais do que beneficiaremos. Sejamos brandos e excelentes, como verdadeiros cristãos! Deve-se dar algo ao ébrio contumaz? - Sim, mas, de preferência, roupa ou comida. Não adianta muito sermão a quem é desgraçado e tem fome. Falar com aspereza aos alcoólatras é faltar com o amor cristão a esses infelizes, que também são dignos de nossa piedade.

            Escolher a quem dar, é ser juiz entre os pobres, o que nos parece errado; a menos que se trate, evidentemente, de um explorador. Mas ver exploradores em todos os pedintes, quando alguns são mesmo miseráveis, é ter dureza de coração, que merece corrigida.

            Busquemos, de preferência, as misérias ocultas, pois os que já têm coragem de implorar, às vezes sofrem menos.

            Todavia, maior do que a caridade material é, sem dúvida, a caridade moral.



            XXV b
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec – 1958

            Uma das epístolas mais edificantes do Novo Testamento é a de São Tiago. Achamos que, com ela, ele retifica a tradição de ter sido pouco liberal e muito apegado às exterioridades do culto semítico, que quis introduzir no Cristianismo, chocando-se mesmo, vez por outra, com a amplidão visual de Paulo, o apóstolo dos gentios, que desde sua conversão na estrada de Damasco passou a combater “os preceitos e proibições”, que enxameavam a palavra de Deus, na interpretação casuística dos rabinos. Tiago termina sua admirável mensagem, afirmando:
Saiba que aquele que fizer converter do erro de seu caminho um pecador, salvará da morte uma alma, e cobrirá uma multidão de pecados.” (Tiago, 5:20). Conseguintemente, a maior caridade que se pode fazer à criatura é conduzi-la ao Criador. Mas devemos respeitar os que já têm sua religião, aos quais não devemos atormentar com nossas ideias. Nossa conduta no lar e na sociedade será o maior exemplo e o mais forte argumento para os parentes e amigos. Devemos lembrar que nem todos estão em condições de aceitar o Espiritismo-cristão, e, força-los a isto, é também faltar à caridade.

            A crença tem de ser sincera e espontânea para ser proveitosa ao Espírito. Podemos encaminhar com amor, mas não obrigar os que Estão sob nossa tutela ou direção doméstica. A prece reiterada e sincera em prol de alguém, tem mais poder do que a insistência, que às vezes irrita.

            Assim, devemos lançar a semente, de preferência, no coração dos que não têm religião ou dos que se sentem abalados com a sua. Estes geralmente estão mais aptos a aceitar a nova revelação de Deus, que é o Espiritismo.

            A caridade moral demonstra-se ainda pelo bom conselho ou pela palavra tolerante ou consoladora, pelo estímulo à prática das virtudes cristãs, pela orientação salutar, pelo passe benéfico ou pela oração amiga, enfim, por todos os atos que manifestem amor ou bondade para com o nosso semelhante.

            “O que semeia pouco, diz Paulo, pouco também ceifará.” Mas o que for abundante na caridade, colhê-la-á com abundância em seu coração, onde se implantará o reino de amor do meigo Nazareno. “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada.” (João, 14 :23)

            Por fim, o apóstolo das gentes relembra, nessa sua Segunda Epístola aos Coríntios, o valor moral das Escrituras, recordando o Salmo 112:9, que diz: “O justo é liberal, dá aos necessitados; a sua justiça permanece para sempre, e a sua força se exaltará em glória.”

            E ele repete:

            “Espalhou, deu aos pobres; a sua justiça permanece para sempre.

            A realidade é que, através de várias passagens da Boa Nova do Cristo e de seus apóstolos, vê-se o entrosamento do Novo com o Velho Testamento, a que Allan Kardec deu também o merecido valor, um completando o outro, assim como o Espírito Santo os interpreta com absoluto acerto. São “as vozes do céu” que se comunicam com “os homens de boa vontade”, isto é, com os que tenham ouvidos para ouvir e coração para sentir. Destarte, sendo o Espiritismo o Consolador prometido por Jesus (João, 14:26), doutrina essencialmente cristã, não se deve menosprezar a Bíblia, pois neste livro fundamentam-se a Religião e a
Verdade, que ora se harmonizam nos ensinamentos sublimes dos Mensageiros do Senhor.

            Mas as Epístolas de Paulo permanecerão sempre como uma fonte pura de amor, de onde jorra também a água viva do Cristianismo, que dessedenta os Espíritos sequiosos de luz e de verdade, sejam encarnados ou desencarnados, pois todos necessitamos também da caridade suprema do Senhor Jesus e do amor infinito de nosso Pai Celestial, consubstanciados nos ensinos generosos daquele livro imortal!

            Que a Bíblia seja bendita pelos homens de boa vontade, pelos cristãos de todas as seitas, e pelos espíritas, que se devem colocar acima das ortodoxias e de qualquer intolerância religiosa, procurando amplexar todos os irmãos da Terra, num gesto de geral e de intensa fraternidade, mas dando o merecido valor ao “Livro dos livros”, como o farol que encerra em seu bojo as três revelações de Deus.


Como nascem, crescem, vivem e morrem as religiões


Como nascem,
crescem,
vivem
e morrem as religiões

Lincóia Araucano /(Ismael Gomes Braga)



Reformador (FEB) Dezembro 1961

            Com este artigo desejamos lembrar um assunto que merece tratado em um livro de autor mais competente e que disponha de melhor biblioteca do que nós. Parece-nos do máximo interesse para a Humanidade escrever-se tal livro, de modo a deixar demonstrado que a Religião tem unidade e é invencível, a despeito de todas as lutas do Materialismo ateu.

            A fonte é sempre a mesma em todos os tempos e lugares: - a manifestação de seres do mundo espiritual ao homem. O canal é sempre o mesmo: - a mediunidade. Só as palavras mudam através dos tempos: - os seres espirituais são chamados deuses e deusas, bons e maus, demônios, anjos, espíritos; os intermediários, conhecidos por videntes, profetas, médiuns. Para simplificar, vamos empregar somente as palavras mais novas, "Espíritos" e "médiuns".

            Um Espírito aparece ao médium Moisés e lhe dá a missão de retirar do Egito os escravos israelitas. Moisés cumpre essa missão, funda uma nação e recebe o Decálogo e outros ensinamentos provisórios, nem sempre muito elevados. De tempos a tempos vão surgindo naquela nação outros médiuns - os profetas de Israel - e o Judaísmo cresce e vive até os nossos dias.

            Passados séculos, um Espírito aparece a Zacarias e anuncia o nascimento de João Batista; aparece a Maria de Nazaré e anuncia o nascimento de Jesus. Ambas as predições se realizam. Jesus se mantém sempre em relações com os Espíritos das mais altas esferas. Em certo momento, produz a materialização de dois grandes vultos da raça, mortos séculos antes: Moisés e Elias. Depois de sua morte, reaparece muitas vezes materializado em forma de homem e dá instruções aos seus discípulos. Aparece em toda a sua glória ofuscante a Saulo, na estrada de Damasco, dá instruções e força a Saulo para uma grande missão mediúnica. Assim surgiu o Cristianismo dentro do Judaísmo, mas o Judaísmo já não é o primeiro movimento religioso da Humanidade, como vemos do livro de Louis Jacolliot - "A Bíblia na índia" -, porque pelo mesmo processo já haviam aparecido as velhas crenças da Índia. As diversas formas antigas de Politeísmo na Índia e no mundo nasceram e viveram pelas comunicações mediúnicas e morreram quando desprezaram essa fonte de vida e consagraram-se somente às coisas materiais.

            Saltando uns milênios, chegamos ao século 18 e vemos um médium sueco, Emmanuel Swedenborg, nascido em Estocolmo a 29 de Janeiro de 1688, fundar uma nova religião no século seguinte ao seu nascimento. Mais um século à frente e vemos aparecerem médiuns por toda a parte na América e na Europa, e surge o Espiritismo de nossos dias. A mediunidade renasce em todos os meios.

            Numa aldeia do Japão, uma camponesa analfabeta, a Sra. Nao Deguêi, muito contra sua vontade e em estado de pânico, é tomada por um Espírito, escreve vários livros notáveis e assim apareceu a nova religião Oomoto que está espalhando-se pelo mundo. 

            Na Dinamarca, um homem simples, nascido sem pai conhecido, chamado Martinus, tem uma grandiosa visão de Jesus-Cristo, escreve uma obra notável em vários volumes com o título "O Livro da Vida", funda o Instituto de Ciência Espiritual, em Copenhague, e aparece uma nova religião, cristã e reencarnacionista.

            Em Budapeste, Jesus aparece em toda a sua glória a um judeu chamado José, muito avesso ao Cristianismo, e lhe dá uma grandiosa missão mediúnica que ele cumpre com todo o respeito, tornando-se fervoroso cristão para o resto da vida.

            Num convento da França, um Espírito sofredor entra em contato com uma irmã de caridade e lhe aparece diariamente, ditando-lhe, muito contra seu desejo, um livro que finalmente é publicado, com aprovação das autoridades religiosas católicas, que julgam interessante divulgar os ensinos recebidos de uma freira morta aos 36 anos de idade, e que se acha em grandes sofrimentos, recebidos por uma médium igualmente freira. E assim surgiu o livro "Manuscrito do Purgatório", que já esgotou duas edições no Brasil, em excelente tradução de Monsenhor Ascânio Brandão.

            José Smith, nascido em 23 de Dezembro de 1805, nos Estados Unidos, é subjugado por uma força espiritual; depois, aparecem-lhe dois Espíritos gloriosos, no ar, junto dele, dão-lhe instruções, ele cria uma nova religião cristã, mas é perseguido pelo fanatismo religioso, preso e assassinado na prisão, em 27 de Junho de 1844; no entanto, sua seita viveu e tem missões por toda a parte. No Brasil tem ela uns vinte centros de divulgação espalhados pelo País. José Smith não é o primeiro médium martirizado pelo fanatismo religioso. A História está cheia desses crimes: - Sócrates conversava com um Espírito que o orientava e foi preso e condenado à morte; Isaías recebia belas instruções espirituais e foi preso e sacrificado com morte cruel; Jesus de Nazaré foi condenado ao suplício da cruz; Paulo de Tarso foi decapitado; Joana d'Arc recebia instruções de grandes Espírítos e foi queimada viva, muito solenemente, pela Inquisição. A História da Igreja Católica Romana está repleta desses crimes contra médiuns, mas não pode impedir o surto sempre crescente da mediunidade; o que ela tristemente conseguiu, em sua cegueira, foi espalhar a descrença, o ateísmo materialista.

            Em Buenos Aires, explode inesperadamente a mediunidade numa jovem senhora católica que funda o centro religioso com o nome de "Missão de Jesus" e já tem grande número de missionários. A iniciadora, Sra. Madu Jess, publicou um livro – “O que me foi revelado”.

            Um obscuro jovem, comerciário, numa pequena cidade mineira, torna-se médium de grandes faculdades e superior moralidade, já escreveu muitas dezenas de livros muito preciosos que têm agitado todo o Brasil e continua sua gloriosa tarefa de restauração do Cristianismo. É Francisco Cândido Xavier.

            Ao lado desse médium desabrocha a mediunidade em um jovem médico, rapaz de altas virtudes, chamado Waldo Vieira, que vem produzindo obras excelentes, em prosa e verso.

            E assim por toda a parte.

            Alguém com tempo e competência deverá um dia reunir dados históricos mundiais e escrever um livro demonstrando que todas as religiões, antigas e modernas, nasceram e viveram do mesmo modo, pelas comunicações de Espíritos através de médiuns. Portanto, quando uma igreja condena a mediunidade, decai para o materialismo ateu e perde toda a força espiritual renovadora. Perde a fé religiosa e morre. Só pode conservar uma aparência político-econômica de vida, dependente da força material do Estado, mas sem poder moral e espiritual.

            Quando tudo isso ficar bem exposto, bem compreendido, as igrejas passarão a cultivar a mediunidade e seus dogmas negativos irão tornando-se obsoletos e caindo com o tempo; seus ensinos passarão a abranger os vastos horizontes da reencarnação e seu vigor renascerá para novos serviços à Humanidade, com ou sem o mesmo nome anterior. Haverá mais uniformidade nos ensinos básicos da Religião.

            O mundo não deve continuar sempre dividido em seitas religiosas que se hostilizam e reciprocamente se enfraquecem, quando tudo ruma para a unidade, como se vê nas ciências naturais, nas indústrias, nos transportes, na política, na economia, na cultura e até na linguagem, que, através da interpenetração dos idiomas, já criou um vocabulário internacional de que se serve o Esperanto para estabelecer a língua mundial.

            Tudo caminha para a unidade, pelo menos em suas linhas gerais.


            Um livro nesse sentido prestaria relevantes serviços ao mundo.