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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

XXVa et XXVb - 'Apreciando a Paulo'



XXV a
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec - 1958


 
“E digo isto: Que o que semeia pouco, pouco também ceifará;
e o que semeia em abundância, em abundância também ceifará.
Cada um contribua segundo propôs no seu coração;
não com tristeza  ou por necessidade;
porque Deus ama o que dá com alegria.
E Deus é poderoso para fazer abundar em vós toda a graça,
a fim de que tendo sempre, em tudo, toda a suficiência,
abundeis em toda a boa obra;
Conforme está escrito: Espalhou, deu aos pobres;
a sua justiça permanece para sempre.
(Paulo - Segunda Epístola aos Coríntios, 9:6 a 9)


            “Fora da caridade não há salvação”, eis uma das afirmativas fundamentais do Espiritismo, que deve ser entendida como norma de conduta do verdadeiro cristão.

            O esclarecimento pessoal é útil e indispensável, mas a prática da caridade é maior. Paulo o confirma no capítulo treze de sua Primeira Epístola aos gregos de Corinto, quando começa decantando o valor excepcional da caridade, para terminar proclamando, no versículo treze:

            “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas três, mas a maior destas é a caridade.”

            A caridade é o perfume do amor, a expressão de sua generosidade e da elevação do Espírito em busca de Deus, que também é caridade ou amor. (I João, 4:8).

            O amor vive e palpita dentro de nós mesmos, como requinte e superioridade do sentimento ou manifestação do reino de Deus, mas exterioriza-se pela caridade, que é carinho, brandura, tolerância, compreensão, abnegação e bondade.

            São Paulo assim define a virtude excelsa: “A caridade é sofredora, é benigna, não é invejosa, não trata com leviandade, não se ensoberbece; não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas alegra-se com a verdade; tudo sofre, tudo espera, tudo suporta. A caridade nunca falha!” (I Cor., capo 13.)

            Portanto, toda a vez que, no lar ou fora dele, com ou sem razão, nos irritamos, faltamos à caridade.

            Se procedermos no mundo com leviandade, com ironia (que às vezes fere profundamente), com interesse ou com segundas intenções, estaremos agindo sem caridade. A atitude do espírita-cristão deve ser simples e reta, sem nada ocultar com malícia; seu procedimento não deve ser dúbio, satírico ou provocante, mas bondoso e compreensivo. Se folgarmos com o sofrimento de alguém ou com uma injustiça a outrem cometida, mesmo que não tenhamos participado do fato; se suspeitarmos mal ou dermos curso a qualquer maledicência, mesmo com visos de verdade, faltaremos à caridade. Entretanto, tenhamos presente que o genuíno espírita-cristão é nobre e generoso, não dando curso às maldades e sabendo perdoar.

            Enfim, examinando-se qualquer pecado, qualquer ato impuro, inferior ou indigno, ver-se-á que ele é fruto do egoísmo e a negação da caridade - flor sublime do Espírito.

            Os atos positivos são amorosos; os negativos são egoísticos ou pecaminosos.

            Os Mensageiros do Senhor ensinam que a caridade é material ou moral.

            “O Evangelho segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec, dedica seu capítulo XV ao tema que ora desenvolvemos. Há ali comunicações proveitosas de Espíritos de luz, que focalizam e examinam o assunto com muita clareza e com verdadeiro sentimento cristão.

            É claro que a caridade material deve envolver sempre um propósito moral. Porém, se a criatura tem fome, Se está desnuda, não lhe bastam as boas palavras, ela precisa também de pão e de roupas. Daí o muito que temos a fazer nesse campo de atividades, através de abrigos para a velhice e para a criança desamparada, e ainda por meio de outras realizações filantrópicas.

            A esse propósito, o dever maior é do Estado, não resta dúvida; mas os espíritas devem agir, como vem fazendo, supletivamente, dentro dos ensinos generosos do Rabi da Galileia.

            Mas lembremos sempre, a respeito, os seus ensinamentos: “Quando pois deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão. Quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita.

            “Para que a tua esmola seja dada ocultamente; e teu Pai, que vê em segredo, te recompensará publicamente.” (Mateus, 6:2 a 4)

            Por consequência, ao darmos esmolas ou quando auxiliarmos alguém, guardemos reservas sobre o fato, porque a publicação de favores pode humilhar, e quem humilha seu semelhante, falta-lhe com a caridade. Esta não pode ser objeto de alarde, mas expressão singela e generosa do coração. Destarte, não é justo que façamos de um lado e desmanchemos por outro... trombeteando a magnanimidade feita ou deixando transparecer o gesto, para receber elogios dos homens. Nada de ostentação na prática do bem, nem mesmo em qualquer ato de nossa vida, pois o cristão deve praticar a modéstia, que também é virtude evangélica.

            Assim como Deus ama o regenerado, ama outrossim a quem dá com alegria, como disse Paulo.

            Portanto, se um pobre nos bater à porta em hora que nos pareça inconveniente (não a ele, que precisa), se for impossível atendê-lo, pelo menos não demonstremos irritação, pois que assim faltaremos, duplamente, com a caridade...

            Jamais sejamos arrogantes ao auxiliar alguém. Se dermos com soberba, feriremos mais do que beneficiaremos. Sejamos brandos e excelentes, como verdadeiros cristãos! Deve-se dar algo ao ébrio contumaz? - Sim, mas, de preferência, roupa ou comida. Não adianta muito sermão a quem é desgraçado e tem fome. Falar com aspereza aos alcoólatras é faltar com o amor cristão a esses infelizes, que também são dignos de nossa piedade.

            Escolher a quem dar, é ser juiz entre os pobres, o que nos parece errado; a menos que se trate, evidentemente, de um explorador. Mas ver exploradores em todos os pedintes, quando alguns são mesmo miseráveis, é ter dureza de coração, que merece corrigida.

            Busquemos, de preferência, as misérias ocultas, pois os que já têm coragem de implorar, às vezes sofrem menos.

            Todavia, maior do que a caridade material é, sem dúvida, a caridade moral.



            XXV b
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec – 1958

            Uma das epístolas mais edificantes do Novo Testamento é a de São Tiago. Achamos que, com ela, ele retifica a tradição de ter sido pouco liberal e muito apegado às exterioridades do culto semítico, que quis introduzir no Cristianismo, chocando-se mesmo, vez por outra, com a amplidão visual de Paulo, o apóstolo dos gentios, que desde sua conversão na estrada de Damasco passou a combater “os preceitos e proibições”, que enxameavam a palavra de Deus, na interpretação casuística dos rabinos. Tiago termina sua admirável mensagem, afirmando:
Saiba que aquele que fizer converter do erro de seu caminho um pecador, salvará da morte uma alma, e cobrirá uma multidão de pecados.” (Tiago, 5:20). Conseguintemente, a maior caridade que se pode fazer à criatura é conduzi-la ao Criador. Mas devemos respeitar os que já têm sua religião, aos quais não devemos atormentar com nossas ideias. Nossa conduta no lar e na sociedade será o maior exemplo e o mais forte argumento para os parentes e amigos. Devemos lembrar que nem todos estão em condições de aceitar o Espiritismo-cristão, e, força-los a isto, é também faltar à caridade.

            A crença tem de ser sincera e espontânea para ser proveitosa ao Espírito. Podemos encaminhar com amor, mas não obrigar os que Estão sob nossa tutela ou direção doméstica. A prece reiterada e sincera em prol de alguém, tem mais poder do que a insistência, que às vezes irrita.

            Assim, devemos lançar a semente, de preferência, no coração dos que não têm religião ou dos que se sentem abalados com a sua. Estes geralmente estão mais aptos a aceitar a nova revelação de Deus, que é o Espiritismo.

            A caridade moral demonstra-se ainda pelo bom conselho ou pela palavra tolerante ou consoladora, pelo estímulo à prática das virtudes cristãs, pela orientação salutar, pelo passe benéfico ou pela oração amiga, enfim, por todos os atos que manifestem amor ou bondade para com o nosso semelhante.

            “O que semeia pouco, diz Paulo, pouco também ceifará.” Mas o que for abundante na caridade, colhê-la-á com abundância em seu coração, onde se implantará o reino de amor do meigo Nazareno. “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada.” (João, 14 :23)

            Por fim, o apóstolo das gentes relembra, nessa sua Segunda Epístola aos Coríntios, o valor moral das Escrituras, recordando o Salmo 112:9, que diz: “O justo é liberal, dá aos necessitados; a sua justiça permanece para sempre, e a sua força se exaltará em glória.”

            E ele repete:

            “Espalhou, deu aos pobres; a sua justiça permanece para sempre.

            A realidade é que, através de várias passagens da Boa Nova do Cristo e de seus apóstolos, vê-se o entrosamento do Novo com o Velho Testamento, a que Allan Kardec deu também o merecido valor, um completando o outro, assim como o Espírito Santo os interpreta com absoluto acerto. São “as vozes do céu” que se comunicam com “os homens de boa vontade”, isto é, com os que tenham ouvidos para ouvir e coração para sentir. Destarte, sendo o Espiritismo o Consolador prometido por Jesus (João, 14:26), doutrina essencialmente cristã, não se deve menosprezar a Bíblia, pois neste livro fundamentam-se a Religião e a
Verdade, que ora se harmonizam nos ensinamentos sublimes dos Mensageiros do Senhor.

            Mas as Epístolas de Paulo permanecerão sempre como uma fonte pura de amor, de onde jorra também a água viva do Cristianismo, que dessedenta os Espíritos sequiosos de luz e de verdade, sejam encarnados ou desencarnados, pois todos necessitamos também da caridade suprema do Senhor Jesus e do amor infinito de nosso Pai Celestial, consubstanciados nos ensinos generosos daquele livro imortal!

            Que a Bíblia seja bendita pelos homens de boa vontade, pelos cristãos de todas as seitas, e pelos espíritas, que se devem colocar acima das ortodoxias e de qualquer intolerância religiosa, procurando amplexar todos os irmãos da Terra, num gesto de geral e de intensa fraternidade, mas dando o merecido valor ao “Livro dos livros”, como o farol que encerra em seu bojo as três revelações de Deus.


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