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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Imcompreensão e Lutas




Incompreensão
e Lutas

Ismael Gomes Braga
Reformador (FEB) Abril 1947

            Os pioneiros das ideias novas têm que ser incompreendidos e atacados pelo espírito de rotina do mundo, porque a inércia reage sempre furiosamente a todos os impulsos por lhe mudar a situação. Só por isso os espíritas estariam fadados a sofrer ataques e injustiças, como sofreram os profetas e os discípulos de Jesus, como precursores que foram de grandes ideias novas. Mais uma razão ainda existe para o espírita ser vítima do meio materialista em que vive: além de portador de uma ideia nova, traz ele uma moral incomodativa, exigente, escrupulosa, oposta às grandes vantagens do mundo oportunista e bem acomodado à vida. Reclama mais ação, mais desprendimento, mais amor ao próximo, mais pureza de princípios.

            Verdade que a ninguém obrigamos que aceite os princípios severos da Doutrina, mas a simples divulgação de tais princípios desperta nas consciências uma sensibilidade mais delicada, acorda o remorso, e tudo isso incomoda muito! 

            O homem queria viver feliz e descuidado, mirando-se narcisamente nas águas da sua suposta grandeza, ouvindo louvores aos seus méritos imaginários; mas vem uma voz clamar-lhe que ele é Espírito em prova, está numa penitenciária e não deve cultivar ilusões; que examine melhor sua própria consciência... Essa voz que lhe tira a paz, desfaz pretensões, revive realidades, desacredita os louvores é a Doutrina dos Espíritos. Impossível combater os Autores invisíveis de tais ensinos, mas muito fácil atacar seus portadores humanos e estes são os importunos espíritas.

            Mas os espíritas não são atacados somente pelos que se dizem inimigos do Espiritismo, são-no também pelos que desejariam acomodar a Doutrina às suas conveniências pessoais e enganar a si mesmos e ao mundo. Lutam esses pobres sofredores por uma adaptação impossível de realizar-se: continuar a mesma vida materialista, mas rotulá-la de espírita, crerem e fazerem crer que são espíritas e estão bem com o seu futuro sem prejuízo do presente e do passado.

            Na impossibilidade de realizar essa contradição, irritam-se e acusam as instituições espíritas de não se acomodarem às suas conveniências pessoais, de não lhes darem a paz de consciência que eles desejariam encontrar. Das instituições passam aos servidores da causa e procuram tristemente arrasar a tudo e a todos que não estejam de acordo com o seu ponto de vista falso.

            Tornam-se demolidores de tudo e nada constroem, pois que lhes falta a serenidade da alma para construir. Essa combatividade, porém, não impede o movimento espírita de caminhar com firmeza rumo ao porvir.

            Tais pessoas são o terreno espinhoso a que se refere Jesus, segundo Mateus 1:7 e 22, mas seria muito pior para elas se não houvessem recebido mesmo mal a semente. A luta lhes fica na alma e em futuras encarnações, mudada a situação social, a semente virá a dar frutos.

            Continuemos, pois, quanto esteja em nosso alcance, lançando a boa semente e o Senhor da Seara saberá encontrar os meios de fazê-la germinar e frutificar no tempo oportuno, Para isso, dispõe Ele dos meios adequados dentro da eternidade da vida.            

            Tenhamos paciência e amor e tudo venceremos em favor da Doutrina sublime que nos descortina horizontes infinitos e eternos.







Os Inimigos Internos do Espiritismo





Os Inimigos Internos
do Espiritismo
Reformador (FEB) Outubro 1947


            Temos repetido destas colunas que os inimigos externos do Espiritismo só nos fazem bem com sua crítica e perseguição ostensivas, porque nos corrigem e nos tornam mais coesos; mas os inimigos internos, os que se dizem espíritas e  escrevem em jornais espíritas contra obras respeitáveis e instituições simbólicas da Doutrina, estes reclamam toda a nossa atenção, porque são os únicos inimigos temíveis do Espiritismo.

            Em 3 de Outubro deste ano apareceu um desses artigos venenosos, de rótulo espírita, repleto de calúnias contra as associações espíritas, sem respeito algum à verdade, chegando em sua fúria demolidora a dizer que instituições espíritas neste País "se transformam em casas de comércio e só tratam daquilo que produza lucro certo", Não é verdade e se o fosse seria somente um caso de polícia; seriam criminosos empregando falsamente o nome do Espiritismo. Mas é asserção caluniosa, porque ninguém no Brasil faz profissão de Espiritismo; nossos escritores e médiuns não recebem um centíl de direitos autorais, como recebem os da Europa e dos Estados Unidos; os dirigentes de nossas Sociedades dão gratuitamente todo o seu trabalho, gastos de viagens e ainda contribuem sempre monetariamente para manutenção dos serviços de assistência.

            Quem escreve estas linhas tem feito longas viagens a serviço da Doutrina e nunca pensou em receber um centíl de ajuda de custas. Em nossos jornais todo o serviço de redação e revisão, é feito gratuitamente e quase sempre os editores ainda subvencionam a publicação para que ela se possa manter.

            No entanto, tais calúnias são lançadas pela imprensa ao grande público, de modo vago, podendo recair sobre a mesma editora que as publica, e sobre as mais venerandas instituições de caridade.

            Ao contrário do que diz o infeliz autor, o movimento espírita brasileiro é a grande esperança do mundo, pelo seu altruísmo superior, pelo espírito de sacrifício que se revela tanto nas mínimas como nas máximas coisas. Todos dão com entusiasmo seu trabalho, sua inteligência, suas economias, seu conforto para manutenção das instituições e estas se multiplicam por toda a parte num entusiasmo sempre crescente.

            Até os membros de outras escolas filosóficas e religiosas respeitam o movimento espírita brasileiro e lhe proclamam a superioridade moral, o alto idealismo. 0 autor destas linhas trabalha no movimento espírita há mais de trinta anos, conhece uma infinidade de instituições espíritas pelo País todo e nunca observou o mínimo deslize no procedimento dos espíritas e de suas organizações. Ao contrário, só tem encontrado honestidade, dedicação, espírito de sacrifício, benevolência, e a alta proteção espiritual que se revela em favor do movimento demonstra-nos que tais qualidades não são apenas aparências externas, são reais, senão não atrairiam tal proteção dos Espíritos superiores.

            O autor do artigo diz que o movimento espírita no Brasil é maior do que em todo o resto do mundo reunido e isso é verdade, se como Espiritismo só aceitarmos a codificação kardeciana, como é justo. Declara que se divulgam aqui em grande escala as obras de Kardec, mas a seguir diz que nossos centros espíritas não conhecem Kardec, ''a maioria deles nem saibam que o Espiritismo é uma doutrina filosófica-científica-religiosa".

            É verdade que o nosso movimento é o maior do mundo quanto à Escola Kardeciana e o seu crescimento se deve à sua pureza, à sua superioridade. Nos países em que essa pureza não foi conservada, em que se quis fazer profissão do Espiritismo, o movimento desapareceu, porque os Espíritos superiores o abandonaram. O mesmo se dará conosco, se um dia tivermos os defeitos graves que já nos atribui esse inimigo interno da Doutrina. O Espiritismo conserva a sua pureza ou morre; não se corrompe, porque ele depende exclusivamente dos Espíritos superiores e estes não colaboram com pessoas desonestas. Basta percorrer a história do Espiritismo nos países em que os homens quiseram transformá-lo em profissionalismo religioso, para verificarmos que o movimento lá desapareceu, as sociedades cerraram as portas, os jornais e livros não encontraram mais editores e esgotaram-se para sempre.

            Por mercê de Deus, o nosso movimento até agora tem trilhado o bom caminho e vem sendo fortemente protegido pelos Espíritos superiores. Não podemos ter orgulho, estamos sempre sujeitos a quedas, mas estejamos certos de que, se cairmos, não levaremos conosco o Espiritismo: ele pode desaparecer, ficar eclipsado longo tempo, mas não se corrompe. Mais tarde o Senhor da Seara enviará melhores trabalhadores e ele ressurgirá .

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Do Blog: E hoje, passados pouco mais de 65 anos da publicação deste artigo, podemos dizer o mesmo?


Corpo Fluídico?




Corpo Fluídico?

W. (Antonio Wantuil de Freitas)
Reformador (FEB) Outubro 1947

            Ouvi de esclarecido confrade que a designação de corpo fluídico é má, porquanto o calor reinante na Judeia o faria evaporar.

            Realmente, à primeira vista, a denominação nos parece imprópria; todavia, os espíritas sabemos que todas as várias modalidades com que se nos apresenta a matéria, do hidrogênio ao urânio, da densidade 0,0693 à densidade 18,4, nada mais são que transformações de um fluido ainda desconhecido dos meios científicos, mas de cuja unidade fluídica os próprios sábios materialistas já não duvidam.

            É até mesmo digno de meditação o fato de os Espíritos haverem preferido esta designação, numa época em que os nossos sábios não conheciam os prótons, os elétrons, os neutrons, e nem mesmo supunham que fosse possível a obtenção artificial de substâncias simples por bombardeio intra-atômico de elementos outros, e nem sequer sonhavam com a desintegração instantânea da matéria, como no caso da bomba atômica.  

            Quem, todavia, não quiser dar-se ao trabalho de acompanhar os estudos dos nossos sábios, vendo em suas descobertas a confirmação de ensinamentos ou de previsões feitas pelos Espíritos, mesmo em casos outros, como na descoberta do avião, poderá continuar onde está, e se lhe soa mal aos ouvidos o termo - fluídico, para os corpos em questão, poderá chamar-lhes - corpos creóides, como propôs Minimus em sua "Síntese de O Novo Testamento".

            Que esses corpos são reais, não há que discutir. Os anais do Espiritismo, de todas as religiões, inclusive os do Catolicismo, estão cheios de fatos semelhantes.

            Assim, perguntaremos nós: que denominação daria o ilustre confrade a tais corpos, qual o de que se serviu Antônio de Pádua para defender o próprio pai,? - Carnal? - não pode ser, não foi oriundo de uma gestação carnal. Duplo? - também não serve, porque apenas designa o fenômeno.

            Ora, se tal corpo apresentava todas as características de um homem normal, utilizando-se dos sentidos humanos, discutindo com os que acusavam o pai do seu corpo carnal que se achava em outra cidade, cremos que nos não importa o nome com que o designemos, mas, o que não podemos negar, diante da bibliografia espírita, é que tais corpos são formados, condensados, se assim nos permitem exprimir, com a existência simultânea de um sósia carnal, ou, mesmo, sem a existência deste último, qual acontece nas materializações, espontâneas, ou não, passageiras ou demoradas; e esses corpos passam a ter a aparência perfeita de corpos carnais, com todas as suas possibilidades quanto aos nossos cinco sentidos e ainda quanto aos sentidos que desconhecemos, como o da presciência, o da premonição, etc.

            Não discutamos mais um assunto tão trivial, após a confirmação que os fatos nos prodigalizaram.

            Repitamos, com Paulo: "Nem toda carne é a mesma carne". W.


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Manuel Quintão




Manuel Quintão
Reformador (FEB) Jan 1955


            Em 16 de Dezembro próximo findo, em sua residência à rua Martins Lage, no Méier, desencarnou o nosso confrade Manuel Justiniano de Freitas Quintão. Foi sócio da Federação durante 44 anos e ocupou-lhe a presidência em 1915, em 1918 e 1919 e em 1929. Publicou vários trabalhos entre os quais o “Cristo de Deus".

            Em 1939 escreveu a sua própria biografia e deixou-a em envelope fechado a fim de que fosse publicada em "Reformador", quando da sua desencarnação.

            Ei-la, ortograficamente atualizada:

            “Nasci na Estação de Quirino, da E. F. União Valenciana, aos 28 de Maio de 1874. Foram meus pais Antônio Gomes de Freitas Quintão (português) e Maria Amélia Justiniano Quintão. Logo após meu nascimento, meu pai transferiu-se para a Corte (Rio de Janeiro), onde, estabelecido no comércio de secos e molhados, em grosso, veio a perder a maior parte dos seus haveres, o que o levou a regressar ao interior da Província. Em Santa Isabel do Rio Preto, adquiriu o sítio de lavoura denominado “Sossego”, que lhe havia de ser, por confirmar a regra, fonte perene de tribulações e fracassos, culminantes na abolição do regime servil. Aí, nesse arraial primitivo, fiz os meus estudos primários na escola pública, a única que conheci nesta vida de relação.

            Meu sonho dourado era a Marinha... O espadim de aspirante era-me uma preocupação obsidente. Acompanhava nos jornais os exames da Escola Naval, sabia o nome dos seus alunos mais distintos e devorava toda a literatura peculiar, que me caía nas mãos. Batalha do Riachuelo, Passagem de Humaitá e feitos outros, da lamentável campanha do Paraguai, tinha-os de memória e sobre eles discorria, com minuciosidade e viveza, como se neles houvera tido parte. Aos 14 anos, desatadas com o golpe da Abolição, as últimas amarras do meu sonho de Nelson incipiente, tive de optar pelo comércio, única porta que se me abria em penumbras. Meu pai, que no comércio estreara aos nove anos e subira de menino de vassoura a guarda-livros conceituado, punha no projeto o melhor da sua confiança e do seu empenho, tanto que me consignou a um seu irmão, estabelecido em Belém do Pará, e cujo nome ainda hoje (1939) lá se ostenta na “Chapelaria Quintão”. Minha saúde, agravada pela nostalgia do lar, não se compadeceu com os rigores do clima amazônico.

            Dentro de 6 meses já eu revia, enamorado, as plagas sempre risonhas da Guanabara, e nelas refloriu o áureo sonho. Meu pai chegou a interessar-se por uma possibilidade de matrícula na Escola Naval, mediante um curso prévio de admissão. Estava escrito, porém, no livro grande dos Destinos, que os golpes políticos haveriam de ser a barreira sempre insuperável das minhas áureas aspirações. A queda do trono, subvertendo e revolvendo todos os valores político-sociais, inutilizou-me as últimas esperanças de almirantado. A aurora do 15 de Novembro de 89 foi o crepúsculo do meu ideal embrionário, e já em começos de 1890 estava eu definitivamente “frigorificado” num escritório comercial. Os livros comerciais nunca me foram amigos diletos e eu, ingrato e revel nos meus entusiasmos de moço, sempre os preteri por outros, que, em me não proporcionarem o pão do corpo, deleitavam-me o espírito curioso e ávido de saber. Fui, assim de tropel, um autodidata, levado na flutuação das correntes, ao sabor das circunstâncias, sem plano determinado. Mas lia tudo, devorava tudo. O comércio, nesses tempos, era uma vilta para as classes mais cultas. Nele predominava o elemento estrangeiro, sobretudo o português, em sua quase totalidade ignorante e hostil ao elemento nacional. Casas havia, que se ufanavam de nunca haver admitido empregados brasileiros... E as que o faziam, por conveniências econômicas ou familiares, era para - como se dizia - encher tempo e marcar passo. Qualquer mostra de intelectualidade, qualquer prurido de autonomia mental, eram havidos como estigma. A poesia, então, era sintoma de psicose e a música apanágio de mandrice. Sabe Deus os desgostos que me deu uma velha flauta, que ainda hoje conservo como recordação dos luares da minha adolescência. O que experimentei, a dentro dessa muralha chinesa de competições econômicas e materialíssimas, para abrir caminho e tomar pé na sociedade, daria um romance de largo fôlego e profundos ensinamentos, que eu desejei mas não pude escrever. Em 1895, perdi meu pai e, não obstante haver atingido o posto culminante da carreira - pois era guarda-livros e chefe de escritório aos 20 anos - em tempo em que os cabelos brancos ainda eram documento, tive de arcar com as maiores vicissitudes, assumindo os encargos da família - único e melhor legado que recebi dele, além do nome impoluto. Em matéria de religião, nada me sobrava do que escassamente recebera no lar e na sacristia lá da aldeia.

            Guardava, sim, nos refolhos da alma os cânticos suaves do mês mariano, e a tonalidade forte das ladainhas do gordanchudo vigário Cabral.  Haeckel e Buchner, Voltaire e Renan, Rousseau, Zola, Junqueiro, eram meus ídolos. Foi nessa altura que, maltratado da sorte, envenenado de corpo e de alma, comecei a derramar na imprensa a vasa de minhas ideias.

            Artur Azevedo, nunca o esqueceria, foi, sem o saber, o meu animador.

            Mantendo ele no  “O Paiz” uma seção equivalente a esses “programas de calouros” que aí vicejam na radiofonia atual, foi dele que me, vieram, lourejantes de alegria, os primeiros estímulos cuidadosamente envolvidos no anonimato.

            Passei, depois, a frequentar a Caixa de “O Malho”, a “Revista da Semana” e, até o “Rio Nu”. Nessa altura, gravemente enfermo e desenganado pela medicina oficial, depois de esgotar todos os recursos e a pique de cair na indigência é que fui levado a tentar a 'terapêutica' mediúnico-espiritista. Este episódio, contei-o na conferência que, em 1921, pronunciei a propósito das Materializações assistidas pouco antes, no Pará, publicada sob o título de “Fenômenos de Materialização”.

            A minha cura foi tão rápida quanto eficaz e maravilhosa, e o monista irredutível, já candidatado ao suicídio, tornou-se espiritista confesso e professo. Em Vassouras, aonde levara a família, por imperativos econômicos e de saúde, foi que, ao alvorar do século XX, comecei a assinar as minhas produções literárias. Ali casei--me, pobre e até desempregado, com uma moça também pobre e digna, - Alzira Capute - hoje companheira fiel e dedicada de 38 anos e mãe de 11 filhos, pois que foi isso, precisamente, em 1901. Nessa época, colaborei efetivamente no “O Município”, órgão de grande projeção no cenáculo do jornalismo fluminense e tive encômios de Quintino Bocaiuva e Nilo Peçanha, que poderiam facilitar-me o trânsito para a burocracia administrativa. A política, porém, sempre me repugnou e uma das coisas poucas de que me ufano é de nunca ter sido eleitor, nesta minha longa e acidentada vida de relação. Transferindo-me novamente para o Rio, filiei-me então à Federação Espírita Brasileira. Contudo, a idiossincrasia da política não me esmorecia o gosto dos problemas sociais e muitos dos que hoje aí se proclamam inadiáveis, quais o do artesanato, da policultura, da colonização, do ruralismo, da viação, da marinha de guerra, podem ler-se, por mim versados no “O Município”, antes que o fizera Alberto Torres. Não o digo senão para reiterar que o fazia sem plano preconcebido e sem estudos especializados, mas de jato e por ser médium, já então, inconsciente. Nem a outra circunstância posso atribuir a minha lavra literária, na Doutrina e fora dela. Também por isso, imaginei muitos livros, sem jamais poder escrevê-los. Toda a minha obra doutrinária, ou profana, é ocasional, intermitente, fragmentária, havendo mesmo quem a tenha julgado, com justiça, incôngrua no estilo. Na
Federação, onde milito desde 1903, sem embargo do premente labor comercial, sempre mantive, com integridade de consciência evangélica, o exercício da mediunidade curadora.

            Combatendo; em princípio, o personalismo humano e o partidarismo dissolvente no campo doutrinário, não me pude forrar de grandes mágoas e maiores decepções. Não sobrariam elas, contudo, para arrefecer-me o ânimo cristão, convicto de que aí, na Casa de Ismael, em que pesem falhas humanas, está definitivamente traçado o roteiro da Humanidade futura. Assim, aos 65 anos de minha idade, se amanhã deixar a carcaça que já me vai pesando, deixo aos meus companheiros de ideal estas notas de escantilhão, para que possam, jamais, atribuir-me merecimentos que não tive, não tenho nem poderia reivindicar. O que me diz a consciência, é que mais poderia ter feito e que no pouco que fiz, se algo fiz, cumpri apenas estrito dever, tudo recebendo por misericórdia e de acréscimo.

            Aliás, da minha passagem ao Além, nascido na obscuridade e na obscuridade transitando, não desejo mais do que um eco suficiente para atrair uma prece, um pensamento de paz, uma rajada de luz dos meus irmãos que ficam.”
 
                                        Rio de Janeiro, 16 de Maio de 1939.

                                                         Manuel Quintão



Nas Luzes da Redenção






Nas luzes
da redenção

Manuel Quintão
por Mª Cecília Paiva
Reformador (FEB) Junho 1974


            Sobre o rubro clarão das chamas que se alteiam na praça de Barcelona, testificando os golpes de Caim na face inatingível da Verdade, ergue-se o coração da fé viva, em preces fervorosas. Kardec, levantando o lábaro da ciência e da filosofia cristãs, torna-se o líder incontestável da humanidade esmagada e ansiosa de luzes.

            Desde então esplendem os céus, revelando a Verdade imutável: o coração misericordioso do Cristo de Deus.

            Avante, espíritas! As mensagens crísticas descem, em alvíssaras de luz, dos altos píncaros da eterna Jerusalém.

            Brilhos estelares envolvem o plano terra em carinhosas manifestações de amor.

            Grandiosa a presença da promessa divina: "Eis que estarei convosco até a consumação dos séculos."

            Milhares de vezes multiplicados, os livros falam, nas bibliotecas e espalhados pelo mundo, das radiosas belezas de outros planos irmanados ao pequenino orbe, na comunhão sagrada do céu com os filhos em trânsito para as altiplanuras.

            Somos os convivas do banquete divino. Lado a lado com o Mestre, desfrutando-lhe a majestosa companhia, ouvimos sua voz musicada que reclama, suave, nossa fé e confiança.

            Avante, espíritas! Trabalhai vibrando no amor divino! Acalentai-vos no coração excelso que tudo diviniza com o toque de seu amor; Ergamos bibliotecas que revelem a Verdade aos que prosseguem em busca da Luz Maior. Iniciemos nossos passos no caminho da instrução espiritual que cura, liberta e redime, esparzindo flores da sabedoria divina. Sem o estudo porfiado da grande Revelação, sem dedicação ao bem, sem o amor que enobrece, estacionaremos no tempo e no espaço, sob o guante da dor, em noites intérminas de ignorância.

            A Casa de Ismael, sob as arrojadas claridades dos ensinos revelados, testemunha a alma sagrada da Verdade, ressurgindo vibrante das chamas entronizadas numa praça de Barcelona...

            Compartilhemos, pois, do banquete divino que nos ofertam, dedicando-nos ao sublime mandato da fraternidade, através da instrução, do ensino, da disseminação da luz. Voltemo-nos para o firmamento constelado de esplêndidos mundos e transformemos o pequenino orbe em estrela portentosa, alcandorada aos cimos imortais pelo rompimento das cadeias que escravizam o homem.

            Libertemos a mente insulada no egoísmo e na vaidade. A marcha dos acontecimentos busca-nos a posição de servir.

            Caminhemos para diante, congratulando-nos com os planos da redenção. Avancemos para o Alto, onde o Grande Criador escreveu no infinito livro da Natureza o seu poema de amor e fé.

            Companheiros! Que as bênçãos de Jesus sejam nos corações de todos e que o dia de hoje, marco nas páginas do livro imortal de Ismael, seja gravado em nossos corações como bênção de estímulo e coragem para a luta que prossegue.

            Manuel Quintão

(Página psicografada pela médium Maria Cecília Paiva, na sessão pública da Federação Espírita Brasileira, Seção-Rio, no dia 9-10-73, no Rio de Janeiro, GB. Nesse mesmo dia, era reaberta a Biblioteca da Casa de Ismael, totalmente remodelada.)



'Atenção com o Fim'


Atenção com o fim
Abel Gomes
por F. V. Lorenz
Reformador (FEB) Jan 1946


            De tudo que faças, atende ao fim! O bom começo é primeiro passo para o êxito da obra; mas a prematura esperança nunca te leve à tentação para a negligência!

            A dificuldade não te atormente o espírito; a coragem exerce sempre grande influência e tanto mais no trabalho construtivo; cultiva, pois, sempre, o bom ânimo.

            Concentra teus pensamentos no trabalho, do começo ao meio e do meio ao fim, como sendo ele sempre teu maior tesouro.

            A operosidade raciocinada é mina de ouro. Atividade atenta, dedicação bastante, formam o caminho seguro ao êxito feliz.




terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Mozart, Impressionável




Mozart,
 impressionável
José Monteiro Lima
Reformador (FEB) Jan 1946


            Collin de Plancy conta que certa vez estava Mozart mergulhado em profunda melancolia (melancolia que se lhe tornara habitual pela ideia do seu fim próximo); quando ouviu um carro parar à sua porta e alguém da sua casa lhe anunciar que um desconhecido desejava falar-lhe.

            "- Fui encarregado, disse-lhe o desconhecido, por importante personagem, de vos vir falar."  "- De quem se trata?"  interrompeu Mozart. - "- Não posso dizer-lhe - continuou o desconhecido - não deseja que se saiba."  " -Mas, que deseja ele?"  "- Acaba de perder uma pessoa que lhe é muito cara, cuja memória lhe será eterna, por isso deseja celebrar, todos os anos, sua morte com um serviço fúnebre, e vos manda pedir para compor um Réquiem para esse serviço."

            Mozart se sentiu tocado pelo tom grave das palavras do desconhecido e o aspecto misterioso do pedido ainda mais o impressionou. Mozart prometeu compor o Réquiem.

             " -Dispensai a esse trabalho todo o vosso talento. Trabalhais para alguém que conhece música."  " -Tanto melhor", respondeu Mozart.  "- Em quanto tempo estará pronto?"  " -Quatro semanas".  " - Muito bem! Voltarei no fim de quatro semanas. E o preço?"  "- Cem ducados".

            O desconhecido, depois de contar o dinheiro, colocou-o sobre a mesa, e desapareceu. Mozart ficou mergulhado por alguns momentos em profundas reflexões. Depois pediu uma pena, tinta e papel e, apesar dos conselhos da esposa, se pôs a escrever. Este ímpeto de trabalho durou vários dias. Trabalhava dia e noite, mas o seu corpo enfraquecido não podia resistir a tão grande esforço. Certo dia caiu desacordado.

            Como sua mulher procurasse distraí-lo dos pensamentos sombrios que o atormentavam, disse-lhe Mozart bruscamente:  "- Estou certo de que este Réquiem servirá para os meus funerais!" E não houve argumentos que pudessem afastá-lo desta triste ideia. Continuou, porém, a trabalhar, como Rafael no seu quadro da transfiguração, com a ideia fixa na sua morte próxima. Mozart sentia que as suas forças diminuíam cada dia mas o seu trabalho avançava. No fim das quatro semanas o desconhecido voltou a casa de Mozart, conforme tinha combinado.  "- Não me foi possível cumprir a minha palavra..."  "- Não se preocupe - disse-lhe o desconhecido. De quanto tempo necessitais ainda?"  "- Mais quatro semanas. O trabalho inspirou-me um interesse que eu não imaginava, aumentando-o muito mais do que eu queria."  "- Neste caso, disse-lhe o desconhecido, é justo que os seus honorários sejam aumentados. Eis aqui mais 50 ducados." "- Mas,disse-lhe Mozart cada vez mais admirado, quem sois vós?" " -Não vem ao caso. Voltarei no fim das quatro semanas."

            Saindo o desconhecido, Mozart mandou que um dos seus domésticos o seguisse a fim de saber onde ia ele, mas o criado voltou pouco depois sem encontrar o menor vestígio do desconhecido.

            Daí em diante se meteu na cabeça de Mozart de que o desconhecido não era um homem comum. Tinha a certeza, dizia, de que aquele homem estava em relações com o outro mundo, e vinha como aviso do seu fim próximo.

            Não trabalhou mais com ardor no seu Réquiem, mas, apesar de ter desfalecido várias vezes, o trabalho ficou finalmente pronto antes das quatro semanas.
           
            O desconhecido voltou no tempo marcado, mas Mozart já não existia... 






'Trabalho Jesuítico'


Trabalho
 Jesuítico
Alvaro B. da Costa
Reformador (FEB) Outubro 1947

           
            Quem quer que conheça um pouquinho de Espiritismo, ainda que somente as primeiras lições oferecidas pelos Espíritos através de ‘O Livro dos Espíritos’ e de ‘O Livro dos Médiuns’, obras com que iniciaram o trabalho de nos enviarem os ensinamentos que deverão fazer parte dos conhecimentos humanos, certamente não ignorará que o médium é um simples instrumento, que pode atrair e consequentemente receber comunicações de bons ou maus Espíritos, nossos irmãos atualmente no Além, conforme a predisposição que o aparelho ofereça para que se verifique a aproximação desta ou daquela categoria de Espíritos.

            Quando de mim se aproxima um médium, satisfeito, jubiloso, refletindo sob a capa da modéstia o orgulho que ela esconde, lendo-me, entusiasmado e com ênfase, uma comunicação que atribui ou mesmo afirma ser de um Espírito respeitável, não me dou sequer ao trabalho de examiná-la, porque já sei, por antecipação e experiência, que não encontrarei senão belas frases de astucioso jesuíta, que se aproveitou da sua invisibilidade e da fraqueza do aparelho para pregar a discórdia ou a confusão, meio que o clero do espaço julga seguro e eficiente no combate ao que os seus colegas, cá da Terra, chamam - praga do Espiritismo.

            Na Inglaterra e nos demais países anglo-saxões, o truque preferido por esses invisíveis, desde há muito, consiste em soprar a discórdia e a .perturbação nos meios espíritas, pregando, ao lado de frases impressionantemente evangélicas, ideias contrárias à teoria da reencarnação.

            Aqui, em nosso Brasil, o processo de que se utilizam é semelhante; mudando, porém, a tecla para o combate contra a teoria do corpo fluídico, já que nada conseguiriam com a tática usada além-mar.     

            Ainda agora, apresentaram-me à leitura uma mensagem anônima, publicada em um dos nossos jornais espíritas, com grande destaque, quase espalhafatoso, visando exatamente o fim a que acima me referi, ou, pior ainda, porque não respeita sequer o direito de uma sociedade pregar, sem imposição, o programa que lhe vem desde a sua fundação.

            Examinemo-la sucintamente:

            O Espírito comunicante coloca-se no anonimato para contradizer um Espírito reconhecido por Humberto de Campos como um dos grandes missionários, e trata da questão com sofismas e processos terrenos: troca o nome de Roustaing, por Rolando, coisa pouco recomendável para um Espírito que pretende ser um missionário encarregado desde o século passado em combater o "erro de Roustaing", seu velho "amigo".

            A linguagem não reflete inteligência lúcida e ponderada, e a própria gramática não é respeitada, notando-se tropeções deste jaez: "- que a tanto tempo"; que a muito; etc., etc. No começo da mensagem disse o comunicante ter encontrado Roustaing "atarefado para completar o edifício cujos alicerces fizera quando encarnado", no entanto, no fim da mesma, diz que Roustaing o encarregou de vir à Terra destruir o referido edifício: "não avalias os meus sofrimentos - disse-lhe, então Roustaing - peço que cooperes comigo no trabalho de destruição desses erros por mim semeados, a fim de que o meu pobre Espírito possa se redimir ...”  

            Finalmente, após defender o aparelho de que se serviu, o comunicante prega o combate à única Casa que há sessenta anos vem espalhando as obras de Kardec pelo mundo, obras que os companheiros do comunicante fizeram desaparecer de todos os países da Europa, por processos que tais.

            Muito poderíamos extrair da "mensagem” que nos enviaram a estudo. Cremos, porém, ter apresentado o suficiente para que o leitor possa julgar, por si mesmo, do "valor" da formidável comunicação.

            Outra "mensagem" me enviou o mesmo amigo: Esta, porém, não merece comentada.(!) Guillon Ribeiro, o homem que viveu vinte anos na Federação, que ensinou seus filhos a amar a Casa a que serviu; Guillon Ribeiro, que durante anos recebeu cartas afrontosas, em baixo calão, de um certo diretor espiritual-humano, agora, logo após o seu passamento, abandonou a Federação e procurou o centro do "tal" para comunicar-se em termos condenatórios da sua própria obra. (!)

            Esta é por demais ridícula. Não merece sequer citada.



13. 'Fenômenos de Materialização'


13

Fenômenos de Materialização
por     Manoel Quintão
 Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira
 1942

Espiritismo e Magnetismo

"Puisque le fantôme fonctionne librement
en dehors du corps, l'ame qui la dirige
peut et doit subsister aprés ta mort . S’il
en est ainsi, l’immortalité est un fait qui
peut étre démontré scientifiquement".
(Durville - Le Fantôme des Vivants).


            Que motivo nos trás a este ambiente carinhoso, nesta tarde invernosa, deixando ócios e lazeres outros, porventura mais trepidantes, acolhedores e sugestivos, físicos, também? 

            Que objetivo nos leva a trocar por esta tertúlia fugitiva no tempo, o aconchego da família, no lar, a carícia da Natureza, fora dele, ou, simplesmente, o movimento bolicioso da vida social e mundana de nossas ruas, para acorrer a este cenáculo?

            Convenção? Dever? Desfastio? Desejo apenas de iludir o tempo?

            Não o creio... Não o creio e digo-o em homenagem a todos vós, religionários, portadores como eu, de uma ideia!

            Sim uma Ideia (e que ideia!) nos reúne aqui, felizmente, nesta hora beatifica de serenidade, enquanto outros e quantos, irmãos nossos se reúnem ou se desunem por ai além, no só intuito, e até sem intuito algum, de viver "humanamente". sibariticamente, o seu planetário minuto de eternidade.

            O matiz desse minuto é multicor e multiforme: há os que se esfalfam num campo aberto em pontapés às bolas, sob aplausos delirantes ou contundentes; há os que se esmurram por esporte na glorificação do "muque"; há os que se comprimem numa sala de teatro ou de cinema por ouvirem pilhérias tóxicas, carnalidades cruas verem ou verem fantoches mudos em lances irreais; há os que desabalam em carreiras vertiginosas de auto,
pela só sensação de correr, e há os que perambulam sem plano nem roteiro, ao léu.

            Há também, por maior desgraça, os que norteiam aos lupanares, às tavernas, às tavolagens...

            É a cidade! o "maelstrom" (situação violenta ou turbulenta) das provas maiores, onde o acúmulo das misérias e onde o grito da vitória de um representa, vale, muitas vezes, pelo grito de maldição de muitos. É, a cidade, onde a boa, a santa vida patriarcal da Família se vai diluindo em ondas de lodo ou de sangue, em tragédias ou em comédias, e onde tudo se pode imolar e de fato se imola ao "Moloch" insaciável do "Modernismo".

            Sim, irmãos meus, reparai que agora é tudo "etiquetado" com essa marca...

            O Galicismo é também de boa marca, é do Eça...

            Até a Ciência, essa matrona macrocéfala é cortesã de todos os tempos e fastos, até Dona Ciência atrela os óculos de tartaruga, corta os cabelos “à Ia garçone", polvilha a rugosa face e vem à tona do periodismo com ares de modernismo!

            E como Dona Ciência, pela boca de seus arautos, tem foros de infalibilidade e prestígios equivalentes à ignorância e superficialidade das turbas, que são multidão, demoveu-nos a ocupar o vosso tempo com o acerto de um de seus festejados corifeus, afirmando de público não haver magnetismo animal e que tudo não passa de sugestão.
        

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Um fato vale mais que todas as teorias.




Um fato vale mais
que todas as teorias
Reformador (FEB) Janeiro 1946


            Havendo lido em Reformador o artigo do Dr. Carlos Imbassahy sobre "As Ressurreições na Guerra", no qual se comenta um artigo do Sr. Raul de Polillo que teria dito não se lembrarem nunca os ressuscitados de coisa alguma da vida espiritual, o Prof. Francisco Valdomiro Lorenz nos escreve apresentando um fato contra aquela teoria. Assistiu Ele ao seguinte caso:

            Uma senhora de sua amizade teve um parto infeliz e faleceu apesar dos esforços de dois ilustres médicos assistentes. Um destes propôs aplicar-lhe certa injeção no coração, para faze-la voltar à vida. Os resultados foram excelentes. A morta ressuscitou, mas protestou energicamente contra a intromissão da Ciência que a fizera voltar involuntariamente para este mundo de dores, quando se achava ela muito feliz no "céu", para onde queria voltar. Repreendeu aos médicos, deu muitos conselhos de grande sabedoria ao marido e aos filhos, palestrou ativamente durante catorze horas, mas sempre insistindo que queria e voltaria para o "céu". Ao cabo de catorze horas, morreu de fato.

            Aí fica um fato que vale mais do que todas as teorias e todos os fazedores de teorias. E mais um vamos juntar de nosso conhecimento.

            Quando Cairbar Schutel se achava agonizante, em certo momento pareceu morto. As senhoras que se achavam com o moribundo, suas filhas adotivas, perderam toda a calma e agarraram-se aos pés e ao corpo do cadáver em verdadeiro desalento, clamando pela sua volta.

            Realmente ele voltou para repreende-las severamente: "- Eu já estava livre, fora da raia das dores, e vocês me forçaram a voltar inutilmente a este corpo arruinado!"

            Passado algum tempo, faleceu de novo e para sempre.

            Quem nos relatou este fato foi uma das filhas adotivas de Cairbar Schutel, D. Antônia Perche da Silveira Campelo, pessoa digna da máxima confiança e conhecidíssima do mundo espírita brasileiro pela sua atuação em ‘O Clarim’.

            Há fatos e muitos fatos para demolir as teorias apressadas dos negadores. 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A Mediunidade


A Mediunidade
por Ismael Gomes Braga
Reformador (FEB)  Novembro 1947


            Acontecerá depois que derramarei o meu espírito sobre toda a carne;
vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos anciãos sonharão,
terão visões os vossos mancebos;
também sobre os servos e sobre as servas naqueles dias derramarei o meu espírito.
- Joel, II 28 e 29.


            São chegados os tempos preditos pelo profeta. Por toda a parte surgem médiuns: homens e mulheres, jovens e anciães, gente iletrada e professores de Universidade. América Delgado, Zilda Gama, Francisco Cândido Xavier, Porto Carreiro Neto já representam uma longa escala!

            Dos três primeiros não precisamos falar, porque todos os leitores de Reformador os conhecem em livros que circulam há decênios. Vamos tratar somente do quarto, cujo primeiro livro apareceu neste momento.

            Por alguns poemetos em português e Esperanto, recebidos mediunicamente e publicados nestas colunas, já os leitores sabem que Porto Carreiro Neto é médium de sublime inspiração poética, mas ainda ninguém sabia que esse ilustre Professor da Universidade do Brasil receberia igualmente mensagens de impressionante expressão científica, como agora vemos no primoroso livro Ciência Divina, de Jayme Braga.

            É um livro desconcertante para os professores da ciência oficial, entre os quais se acha o médium, cujo lápis escreveu essas páginas que em muitos pontos lhe contestam as convicções científicas. Talvez seja audácia nossa escrever sobre essas lições, mas pareceu-nos necessário que um membro do povo simples, um estudioso da Doutrina, dissesse algo, suas impressões do livro que se destina a todo o público espírita, não somente aos sábios das Universidades.

            Num prefácio de 15 páginas, em excelente português, composição elegante, revisão perfeita, o médium nos esclarece sobre a sua mediunidade, faculdade pela qual revela muito respeito. Diz- -nos: “...as ideias me assaltam aos turbilhões, tendo eu, pois, necessidade de  acompanhá-las com o lápis o mais depressa possível. Não tenho a menor ideia nem do que vou escrever de início, quando sinto a aproximação de algum manifestante, nem, outrossim, do que escreverei ao fazer ponto nalgum período".

            Só trata nesse prefácio da mediunidade psicográfica, mas quem escreve estas linhas o conhece igualmente como médium, de incorporação. Já o temos visto por muitas vezes incorporado, ora com o Guia, dirigindo trabalhos durante mais de uma hora, ora com Espíritos perturbados a serem doutrinados. Convém ficar aqui registado, portanto, que Porto Carreiro não é somente médium psicógrafo, como se deduziria da leitura do livro: sua missão mediúnica é muito mais complexa. Ainda outra forma de mediunidade muito original de Porto Carreiro é a artística, tão diferente da que se nota em Francisco Cândido Xavier. Este último recebe um poema com a mesma desenvoltura com que recebe prosa, ao correr do lápis; Porto Carreiro recebe um soneto lentamente, por inspiração, verso e verso, sem ação mecânica do braço. Por vezes o poeta invisível o visita em momento inesperado, durante uma viagem, ou o interrompe quando escrevendo ou lendo. Num ônibus, por exemplo, sente a presença de um Espírito e toma de um cartão e lápis e vai escrevendo, em letra muito miúda, os versos que lhe são inspirados. Ao fim da viagem tem o trabalho pronto ou quase pronto. Assim tem recebido lindos sonetos de Camões, de Bocage, de Abel Gomes e outros. Não raro recebe belos versos em Esperanto, alguns dos quais já se acham impressos em Reformador e outros e muitos em sua pasta, sem publicidade.

            Passa a declarar no mesmo longo preâmbulo que gostaria muito de poder apresentar o livro como seu, porque o acha interessante, mas não o faz, porque tem certeza de que a obra não é sua e sim de Jayme Braga. Refuta a teoria do subconsciente, porque muitas ideias do livro são inteiramente novas e desconhecidas no mundo.

            A seguir dá explicações de termos científicos, para que os leigos em ciência possam compreender o pensamento do Autor, tornando assim o prefácio uma breve iniciação em Física e Química.

            Apesar do esforço do prefaciador, o livro requer muita reflexão e certa instrução e não está ao alcance de todas as inteligências, como os romances mediúnicos ou as mensagens morais. A obra parece destinada às rodas intelectuais e não ao povo em geral. Nesse sentido, surpreende-nos a coragem da Editora, dando a primeira edição de cinco mil exemplares que é demasiado grande para livro de compreensão difícil. Bastariam dois mil exemplares para muitos anos.

            Nalguns lugares mais difíceis, interfere Bezerra de Menezes, dando esclarecimentos, ajudando o leitor a penetrar no pensamento do Autor.

            Em outros artiguetes prosseguiremos dando nossas impressões do livro e desde já expressamos nossa imensa curiosidade por saber como será recebida no mundo espírita brasileiro uma obra dessa natureza, por enquanto quase única, pois que a única de natureza semelhante, “A Grande Síntese", de Pedro Ubaldi, em tradução de Guillon Ribeiro, só teve uma edição e ficou em pequenas rodas de eruditos.

            Não se suponha, no entanto, de nossas palavras acima, que se trate de um livro friamente científico, sem Deus nem fé, como costumam ser as obras de mera ciência. Nada disso! O livro é um hino de louvores ao Criador e ao Universo. Os seus esforços mais ingentes são para entendermos o poema de Deus na Criação, para aprendermos a ler o Livro Divino da Natureza. Neste sentido pode ele figurar como páginas de ouro da literatura religiosa.

            Findo o preâmbulo do médium, vem uma "Apresentação" do Autor, apenas de uma página, na qual define ele sua missão sobre a Terra. Essa missão resume-se a isto: " ...esclarecer todas essas questões que se debatem em livros, sem que se entendam". "Desejo que tudo se esclareça de modo elevado e consentâneo com a grandeza do Criador... , diz-nos o Autor invisível.

            Não deve ficar olvidado neste primeiro artiguete o aspecto literário do livro. Português de lei, excelente pontuação, boa revisão, dá-nos a impressão de obra clássica de nossa literatura vernácula.

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