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domingo, 23 de março de 2014

Incompreensão


Incompreensão
Martins Peralva


Reformador (FEB) Janeiro 1962

            Sim, amigo, a incompreensão dilacera-te a alma.

            Desejarias que o teu pensamento, as tuas ideias e os teus sentimentos fossem os sentimentos, as ideias e o pensamento dos que, junto de ti, palmilham o caminho evolutivo, as veredas da redenção.

            Mas tu, que lês e meditas, que estudas e raciocinas sobre o Evangelho e o Espiritismo - tu, que falas e escreves, não tens mais o direito de alimentar semelhante ilusão.

            Esperar entendimento não mais se justifica em ti, porque não desconheces a Doutrina, nem ignoras as lições da Boa Nova da Imortalidade.

            O Evangelho e o Espiritismo te cassaram o direito de exigir compreensão, porque ambos te ensinaram, te induziram a ser compreensivo.

            Desejarias - bem o sinto! - que o lar fosse o tranquilo refúgio onde pudesses, esgotado, descansar dos labores de cada dia, em noites em que o cansaço não é mais cansaço, porque se transformou em exaustão, convertendo-te num trapo humano.

            Gostarias - oh, como o percebo! - de te entreteres em palestras edificantes com aqueles que, contigo, mais de perto transitam nas redentoras estradas da vida.

            Sentir-te-ias feliz - imensa e profundamente feliz, suave e liricamente venturoso! - se a tua delicadeza e se o teu carinho tivessem ressonância junto a todos os caminheiros terrenos.

            Sim, amigo, seria agradável e reconfortante, mas, bem o reconheces, em tuas silenciosas reflexões: não tens direito, por enquanto, a essa ventura.

            O teu mundo, o nosso mundo não comporta, ainda, a felicidade sem mescla.
"O meu reino não é deste mundo" - asseverou o Mestre.

            Resgata, primeiro, os teus débitos.

            Acerta, antes, as tuas contas.

            Corrige, agora, os erros de ontem.

            Reconcilia-te com aqueles a quem feriste, suporta aqueles a quem fizeste chorar, abraça aqueles cujas esperanças esfacelaste.

            Foste livre na semeadura? Sê, agora, escravo na colheita...

            Não sonhes com a reciprocidade afetiva, uma vez que, no momento que passa, no relógio de tua vida, ela é uma flor que não pode medrar no jardim do teu idealismo, no canteiro de tuas aspirações. 

            Oferece tua ternura, dá algo de ti mesmo, mas não esperes retribuição, porque a Lei está funcionando junto a ti, contigo, em ti mesmo, nos escaninhos da tua consciência.

            Os teus companheiros de jornada, guardando, ainda, dolorosas e amargas reminiscências de ti, desconfiam do teu afeto, repelem o teu carinho. Tem, pois, paciência.

            Resigna-te.

            Ama e sofre, perdoa e procura servir.

            Não é isso que tens aprendido no Espiritismo?! Não te tem o Evangelho indicado essa conduta?!..

            Lembra-te do Cristo, quando te sentires fraco no exercício da compreensão.

            Ele espalhou alegria e paz, consagrando-as, jubilosamente , nas Bodas de Caná da Galileia.

            Distribuiu, por onde passou, saúde e bom ânimo, esperança e fé.

            Reabilitou mulheres infelizes, corrigiu homens equivocados.

            No entanto, no seu último dia entre nós, ofertamos-Lhe, por lembrança do Mundo, o vinagre e o fel, a coroa de espinhos e a cruz.

            Recorda isso, amigo, a fim de que a incompreensão te não doa n’alma; a desafeição dos teus não te incomode tanto; a rebeldia dos companheiros não te deprima a vida.

            Ora e trabalha, confia e espera.


Desligamento do Mal



Desligamento
do mal
  
Emmanuel
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Janeiro 1962

            Antes da reencarnação, no balanço das responsabilidades que lhe competem, a mente, acordada perante a Lei, não se vê apenas defrontada pelos resultados das próprias culpas. Reconhece, também, o imperativo de libertar-se dos compromissos assumidos com os sindicatos das trevas.

            Para isso, partilha estudos e planos referentes à estrutura do novo corpo físico que lhe servirá por degrau decisivo no reajuste, e coopera, quanto possível, para que seja ele talhado à feição de câmara corretiva, na qual se regenere, e, ao mesmo tempo, se isole das sugestões infelizes, capazes de lhe arruinarem os bons propósitos. 

            Patronos da guerra e da desordem, que esbulhavam a confiança do povo, escolhem o próprio encarceramento na idiotia, em que se façam despercebidos pelos antigos comparsas das orgias de sangue e loucura, por eles mesmos transformados em lobos inteligentes; tribunos ardilosos da opressão e caluniadores empeçonhados pela malícia pedem o martírio silencioso dos surdos-mudos, em que se desliguem, pouco a pouco, dos especuladores do crime, a cujo magnetismo degradante se rendiam, inconscientes; cantores e bailarinos de prol, imanizados a organizações corrompidas, suplicam empeços na garganta ou pernas cambaias, a fim de não mais caírem sob o fascínio dos empreiteiros da delinquência; espiões que teceram intrigas de morte e artistas que envileceram as energias do amor imploram olhos cegos e estreiteza de raciocínio, receosos de voltar ao convívio dos malfeitores que, um dia, elegeram por associados e irmãos de luta mais íntima; criaturas insensatas, que não vacilavam em fazer a infelicidade dos outros, solicitam nervos paralíticos ou troncos mutilados, que os afastem dos quadrilheiros da sombra, com os quais cultivavam rebeldia e ingratidão; e homens e mulheres, que se brutalizaram no vício, rogam a frustração genésica e, ainda, o suplício da epiderme deformada ou purulenta, que provoquem repugnância e consequente desinteresse dos vampiros, em cujos fluidos aviltados e vômitos repelentes se compraziam nos prazeres inferiores.

            Se alguma enfermidade irreversível te assinala a veste física, não percas a paciência e aguarda o futuro. E se trazes alguém contigo, portando essa ou aquela inibição, ajuda esse alguém a aceitar semelhante dificuldade como sendo a luz de uma bênção.

            Para todos nós, que temos errado infinitamente, no caminho longo dos séculos, chega sempre um minuto em que suspiramos, ansiosos, pela mudança de vida, fatigados de nossas próprias obsessões.



Ideias, Palavras, Missões


Ideias,
palavras, missões
Direção
Reformador (FEB) Janeiro 1962

            A ideia do Cristianismo é universal e eterna, porque é a doutrina da paz e do amor a todos os seres, sem a qual a Humanidade não poderá viver no futuro, quando ela possuir poderosa força para a prática do bem ou do mal em grande escala e for capaz de organizar a vida ou destruir a vida no Planeta. No entanto, a palavra “Cristianismo” está comprometida por uma infinidade de erros históricos, cometidos em seu nome, erros que a tornam temível e odiosa. A guerra de pilhagem das Cruzadas, a Santa Inquisição, a conquista, escravização ou extermínio de povos durante séculos, feitas pelos povos “cristãos””, criaram em Ásia e África uma invencível aversão contra o “Cristianismo” (das igrejas).       

            Igualmente o Espiritismo, baseado sobre fenômenos naturais que se repetem sempre em diversos meios, está destinado a conquistar o mundo, mas não sabemos se o seu nome não será comprometido pelos homens até tornar-se inaceitável e outros nomes terão que surgir.

            É certo que o Cristianismo e o Espiritismo, como ideias, terão que dominar o mundo, conquanto seus nomes mui provavelmente serão outros; porém as palavras são apenas vestes externas de pouco valor, às quais não nos devemos apegar.

            O cientista que se diz ateu e materialista, mas reconhece a existência de um plano inteligente na Natureza, verifica que existe uma força providencial executando um programa no Universo, procura descobrir e aplicar as leis que regem certos fenômenos naturais e consegue beneficiar a Humanidade com seus esforços e descobertas, pequenas ou grandes, apenas mudou o nome de Deus e O adora de modo diferente do teísta, mas é um sacerdote do verdadeiro Deus.

            Tais sacerdotes efetivamente existem e prestam seu culto nas mais variadas formas de serviço à Humanidade, por vezes com sacrifício de seu bem-estar, de sua saúde e até de sua própria vida. Eles aparecem nos mais diversos ramos de atividade, na Ciência, na Técnica, na Indústria, na Sociologia, na Filosofia, na Religião.

            Em Espiritismo damos-lhes o nome de Missionários, nome que os nossos Guias espirituais nos ensinaram a lhes aplicar.

            Muitos desses grandes Espíritos são condenados e executados pelos que se dizem religiosos e crentes no Deus de Amor, mas vencem contra todas as perseguições das forças retrógradas e conservadoras que só materialmente os esmagam. O próprio Jesus é exemplo de vítima da força conservadora-de seu tempo.

            Nesse sentido o Espiritismo representa grande evolução religiosa, porque não condena a ninguém, nem mesmo os seus mais obstinados perseguidores. Foi esse o ensinamento dado pela palavra e pelo exemplo de Jesus de Nazaré, o nosso Divino Mestre.

            Ele nunca se prendeu a palavras nem a dogmas.

            Não tenhamos, pois, medo de palavras nem apego a palavras.  Em nosso tempo, como em todos os tempos, há palavras que causam pavor aos homens e os levam a lamentáveis erros.

C. A. / (Ismael Gomes Braga)


A FEB



Some outros 52 anos e nada muda...

Meio século
de trabalhos e lutas!
Editorial
Reformador (FEB) Janeiro 1962


            Foi exatamente no dia 10 de Dezembro de 1911 que se deu a inauguração do edifício onde funciona, até hoje, a sede social da Federação Espírita Brasileira.

            De princípio, não podemos esquecer a figura da veneranda irmã em crença, D. Mary Henrieth Hoffmann. Doando à Federação o prédio à rua S. José nº 60, em Junho de 1905, facilitou o impulso inicial para a concretização do empreendimento cujo cinquentenário ora comemoramos, e foi ainda ela quem, entre outros rasgos de benemerência, forneceu os recursos para assegurar a conclusão da obra no prazo necessário.

            Todavia, a grande cabeça planejadora e orientadora de tudo, vontade enérgica e inabalável, síntese de fé e trabalho construtivo, foi o então presidente da Casa de Ismael, o inolvidável Leopoldo Cirne, que, recebendo amparo e apoio dos companheiros de Diretoria e dos sócios em geral, deu homérico impulso à grande realização.

            Adquiridos dois velhos prédios da rua do Sacramento, depois Avenida Passos nºs 28 e 30, foram logo demolidos, e a 14 de Julho de 1910 lançavam-se os alicerces do atual edifício da FEB.

            Vencendo barreiras e entraves, a obra foi crescendo, andar após andar, ficando inteiramente pronta em 17 meses.

            Às solenidades inaugurativas compareceu uma multidão calculada em mil pessoas, de todas as classes sociais, além de inúmeros convidados, entre os quais se destacava a figura patriarcal do grande homem público, Quintino Bocayuva, o amigo sincero dos espíritas. Horas antes dessa festa inaugural, aparecia nas bancas de jornais do Rio de Janeiro o famoso órgão democrático – “O Paiz” com um longo artigo sobre o fato, tendo sido estas as suas palavras primeiras:

            "Não é uma inauguração vulgar de um edifício que interessa apenas à associação a que pertence; ela resume, na pedra e na argamassa do amplo edifício erigido na Avenida Passos, urna obra generosa de fé e de assistência, que se tem estendido beneficente sobre uma grande parte da população desta terra.”

            Pouco depois das 14 horas de 10 de Dezembro de 1911, Leopoldo Cirne abria a reunião, e, em meio do silêncio geral, proclamava, nestes termos, a instalação da nova sede:

            “Na qualidade de presidente da Federação Espírita Brasileira declaro solenemente inaugurado este edifício, construído com os óbolos dos crentes e destinado à sua sede e ao funcionamento de todos os seus serviços.”

            Passada a emoção que percorreu o vasto salão, lacrimejando olhos aqui e ali, Leopoldo Cirne, com aquela sua voz vibrante e compassada, verbo fácil e escorreita linguagem, enlevou o auditório por mais de uma hora, entrando em considerações de ordem geral a respeito da Federação, dos seus fins humanitários, da sua ação regeneradora, dos resultados benéficos que ela, propagando a doutrina dos Espíritos, traria para toda a Humanidade.

            "Era tempo - dizia ele - de que o Espiritismo, tão malsinado, tão pouco compreendido por uns e tão mal julgado por outros, oferecesse este testemunho de sua força e capacidade organizadora. Era tempo de que esta obra, que avulta pela sua significação moral para a propaganda da verdade espírita, viesse dar lugar à aproximação, cada vez mais ampla, entre os que a ignoram e os que já desfrutam os seus salutares benefícios." 

            Referindo-se ao dístico que encima a fachada do edifício – Deus, Cristo, Caridade -, fez belíssima apologia dessa trindade, ampliando lhe os conceitos em largas, profundas e belíssimas tiradas oratórias. E após evidenciar a grandiosidade do Espiritismo e sua influência no progresso individual e coletivo, o admirável Cirne assim concluía:

            “Quando esta Doutrina, que se apoia em fatos e é sancionada pela razão e satisfaz às mais nobres aspirações ao coração humano, houver penetrado em todas as consciências, uma profunda transformação se há de operar em nosso mundo. Ruirão as fronteiras entre os povos, a paz se estabelecerá por toda a parte e a fraternidade se estenderá como um luminoso pálio sobre todas as nações."

            Vários outros associados usaram, a seguir, da palavra, uns com a recitação de poesias inspiradas naquela festa, outros com vibrantes discursos, em que extravasavam sentimentos de paz e alegria. Subiram, assim, à tribuna o Dr. Miguel R. Galvão, João de Loyola e Silva, José Luís de Magalhães, lnácio Bittencourt, o célebre médium Fernando de Lacerda, em nome dos espíritas portugueses, cumprindo destacar o vulto venerando de Manoel Fernandes Figueira, um dos fundadores da Federação, em 1884. Fazendo, em linhas bem gerais, o histórico do Espiritismo desde as suas origens nos Estados Unidos, o seu desenvolvimento na França, a sua irradiação na Inglaterra, na Rússia, na Alemanha, na Espanha, na Itália e, particularmente, no Brasil, - Fernandes Figueira finalizava o seu discurso com essa apóstrofe ungida de sincera fé: - “Avante, Federação Espírita Brasileira!"

            Não mais havendo oradores inscritos, Leopoldo Cirne, com uma prece comovedora, acompanhada mentalmente por toda a assistência, de pé, encerrou a memorável sessão, entregando aos espiritistas brasileiros a nova oficina de trabalho construtivo, a bem da Humanidade.

            Antônio Constâncio Alves, médico e membro da Academia Brasileira de Letras (cadeira 26), ilustre jornalista que se assinava C. A. na seção “A Semana - Dia a Dia" do "Jornal do Commercio" do Rio de Janeiro, dedicou a brilhante crônica de 14 de Dezembro daquele ano à auspiciosa inauguração, verdadeira chave de ouro das apreciações da imprensa em geral.

            "Esse fato - assinalava ele, ao começo afirma brilhantemente a tenacidade invencível, a fé heroica, a paciência admirável daquela associação benemérita.

            “A realidade de agora é o resultado de meia dúzia de anos de sacrifícios, sem arrependimentos, e de trabalhos sem desânimo.

            “É também a promessa de novos triunfos, de maiores empreendimentos em favor da Humanidade.

             "O mais difícil está feito. A Federação Espírita, olhando para o seu passado que excede de um quarto de século, e avaliando a prosperidade do seu presente, - pode, sem receio de que o futuro a desminta, esperar que seja cada vez menos difícil e mais glorioso o exercício de sua vasta caridade.

            “O novo edifício já lhe permite ampliar essa influência benfazeja, a que milhares de pessoas devem favores dos mais valiosos."

            Mais adiante, Constâncio Alves afirmava: “Qualquer que seja a opinião que se tenha no tocante à verdade do Espiritismo, como ciência e como religião, - o que parece fora de contestação é que uma grande sinceridade e uma fé respeitável dirigem a Federação Espírita, e que o seu desaparecimento seria o infortúnio de muita gente."

            Terminando o seu extenso artigo, o erudito escritor e jornalista, que se confessava não espírita, mas tão somente uma testemunha imparcial, declarava abertamente:

            "Se fosse espírita, o Conde de Paris não teria formulado nesta frase as apreensões da sua última hora: "J'ai peur de l'lnconnu."

            O desconhecido, graças ao Espiritismo, já é uma rua tão bem iluminada como a nossa Avenida Central.

            “É essa claridade que atrai tanta gente e que nos mostra o exemplo de uma religião vivendo e crescendo em força; sem favor oficial, e ganhando pela sua benemerência até o respeito dos que não são seus devotos.

            "Esses, se podem ser imparciais, se julgarem justiceiramente das instituições pelos seus benefícios, hão de fazer votos pelo engrandecimento da Federação Espírita e desejar que dentro em pouco o seu novo edifício não baste para as suas necessidades e que os seus recursos sobrem para a construção de outro muito maior."

            Com o correr do tempo, as necessidades da Federação foram aumentando. A sede central não mais comportava todos os serviços por ela desempenhados. Imprescindível se tornava um novo edifício, para dedicar-se exclusivamente ao livro, ao "Reformador" e à propaganda em geral. Criou-se, então, graças a um pugilo de abnegados, em 9 de Setembro de 1948, na rua Figueira de Melo, 410, a Departamento Editorial, cujos múltiplos benefícios rapidamente se fizeram sentir em todo o Brasil e mesma no estrangeiro, redundando indiretamente no crescimento do movimento assistencial, não apenas da FEB, como também de inúmeras outras Associações espiritistas.

            Atualmente (ver "Reformador" de Novembro de 1961, págs. 247), novas ampliações foram inauguradas, e é de notar que a marcha progressiva da Espiritismo pede da Federação Espírita Brasileira outras construções de cimento e ferro, onde ela possa dar plena expansão à complexidade da tarefa que a glorioso Ismael lhe incumbiu nas terras do Cruzeiro do Sul.


            - Avante, Federação Espírita Brasileira!

XXX - Apreciando a Paulo




XXX
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec – 1958

“Nao veio sobre vós tentação, senão humana;
mas fiel é Deus que vos não deixará tentar acima do que podeis,
 antes com a tentação dará também o escape,
 para que a possais suportar.”
Paulo - I Epístola aos Coríntios, 10:13.


            Deus é bom; e Jesus mesmo chegou a afirmar que só Ele é bom, o que foi registrado por todos os Evangelhos sinóticos (Mateus, 19:17; Marcos, 10:18 e Lucas, 18:19).

            Uma das manifestações da bondade divina é que o Senhor não dá qualquer cruz superior às forças de quem necessita carrega-la. Foi por isto que Paulo disse, no versículo supra, “que Deus não vos deixará tentar acima do que podeis”.

            Que ninguém desespere, portanto! O sofrimento ou a tentação é sempre proporcional a cada um, e só os que têm capacidade de resistência são capazes das grandes provações. Aliás, quanto mais forte for a prova, mais valor em suportá-la, assim como, quanto mais difícil o perdão, mais mérito haverá aos olhos de Deus em manifestá-lo, sinceramente. As tentações existem. Nosso Senhor, em várias passagens de seus Evangelhos, confirma-o. E já no Pai Nosso ensinara que pedíssemos:

            “E não nos induzas à tentação” ou “não nos deixes cair em tentação”, conforme a tradução mais conhecida, de Mateus, 6:13.

            Ele também acentuou, de outra feita:

            “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação: na verdade, o espírito está pronto, mas a carne é fraca.” (Mateus, 26:41)

            O Divino Mestre repetiu, em Lucas 22:40:

            “Orai, para que não entreis em tentação.”

            Mas, apesar de tantas recomendações do Divino Mestre, ainda há pretensos espíritas que, fazendo confusão doutrinária, dizem que não há necessidade de prece!

            A Esses que condenam as orações - desobedecendo às palavras do Messias - ou aos que negam valor à Bíblia, onde tais ensinamentos foram registrados, poderemos perguntar: se não convém dar crédito às lições de Jesus, então, a quem devemos ouvir? Qual nosso ponto de referência ou a base das comunicações? Só nosso livre arbítrio, variável de pessoa a pessoa, bastará para distingui-las?

            Não é crível que os Espíritos tenham querido legar uma filosofia à Humanidade, contrária às instruções do Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.

            Que categoria de Espíritos ou de homens são esses, que se chocam com os ensinamentos do Salvador? Deverão merecer crédito em suas inovações doutrinárias?

            Vê-se, portanto, e desde logo, que aqueles nossos irmãos, distanciando-se da palavra bíblica (a que Allan Kardec deu também muito valor), estão transviados da verdade, que liberta. E se Jesus mesmo disse que ele é a verdade (João, 14:6) e que passarão o Céu e a Terra, porém jamais as suas palavras hão de passar (Mateus, 24:35), desviarmo-nos delas ou da sublimidade de seus ensinamentos, é deixar a luz pelas trevas ou pela confusão, oriunda de um negativismo impenitente ou da falta de uma orientação segura, de um ponto de referência superior e exato, para cairmos voluntariamente no erro, sem justificativa lógica.

            Mas voltemos à análise ou à razão de ser das tentações.

            Elas são consequências de nossas próprias fraquezas ou de nossas imperfeições. E às vezes são necessárias para provarem nossa fé ou grau de nossa sinceridade para com o Senhor.

            Assim, não nos podemos livrar das tentações, mas sim de cairmos nelas; e é isto o mais importante; não cedermos às injunções do mal ou às ciladas do erro, pois que as tentações são como que exames a que somos submetidos, sob o ponto de vista moral.

            O Cristo de Deus explica o fenômeno, na parábola do semeador (Mateus, 13; Marcos, 4; Lucas, 8:4 a 15).

            Há sementes que, caindo em pedregais, onde não há terra bastante, logo nascem, mas o Sol as queima, secando-as. Outras, caem entre espinheiros e estes as sufocam. Mas algumas, em boa terra, e dão frutos cuja quantidade é variável. Assim é a palavra divina; alguns a recebem, mas, chegando a angústia ou a perseguição, dela se afastam; outros, preocupados com as coisas deste mundo, deixam para mais tarde o cumpri-la, perdendo a oportunidade e a encarnação. .. Alguns, porém, dão frutos do bem e da verdade, servindo à causa do Senhor, o que redundará em sua felicidade ou em sua elevação espiritual.

            Mas o Galileu ainda nos adverte que a senda da salvação é cheia de escolhos:

            “Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição e muitos são os que entram por ela;
            E porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida, poucos há que a encontrem.” (Mateus, 7:13 e 14)

            Qual é, pois, o remédio para as tentações?' O ensino ainda é de Jesus: - a prece e o respeito aos seus mandamentos:

            “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele.” (João, 14:21.)

            E como ninguém neste mundo é perfeito; e uma vez que todos estamos sujeitos a falir, “porque a carne é fraca”, devemos orar e vigiar, para não cairmos em tentação, conforme o Cristo de Deus nos recomenda.

            Vigiar, ensinam-nos os Mensageiros do Senhor, é ter cuidado com nossas palavras e com nossa conduta, com as companhias e os lugares que frequentamos, onde, por vezes, as tentações são maiores. E termos o Espírito prevenido contra as ciladas das trevas.

            Também, como está escrito em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, há muita superioridade em saber calar, deixando que fale o insensato, pois “não brigam dois quando um não quer”, conforme diz a sabedoria popular.

            O certo é que, sendo prudentes na conversação e criteriosos no procedimento, estaremos mais livres das tentações ou de seus efeitos nefastos.

            Os que têm temperamento explosivo - e há muitos assim - devem ter cuidado antes de dar certas respostas ou antes de tomarem alguma atitude, não se deixando guiar pelos primeiros impulsos. As aparências iludem e, por outro lado, às vezes não houve a intenção ou o sentido que a pessoa nervosa atribui a algum fato, resultando dai uma consequência grave, que poderia ser evitada.

            Outrossim, lembremo-nos de que as palavras, às vezes, cortam mais do que as navalhas e convém termos cautela para não sermos contundentes ou perversos na conversação. Um boato levianamente espalhado -, com ou sem fundamento, pode dar lugar a muitas desgraças. Sejamos sempre instrumentos do bem e não da desagregação ou das trevas.

            Em síntese, se tivermos o que os ingleses chamam self control, se vigiarmos os impulsos e os atos cotidianos, sobretudo se combatermos nossos erros, estaremos livres de muitos aborrecimentos e superaremos inúmeras tentações.

            O jogo é um vício pernicioso e dele devemos fugir. Quantas infelicidades têm advindo das cartas e das roletas! Jogo a dinheiro, nem por passatempo familiar, pois serve de mau exemplo aos filhos; é escola do erro e de outros males, que lhe são adjetos. É tão nocivo que até o de dama e o de xadrez, que têm toda a aparência de inocentes, quando transformados em vício, devem ser abolidos. Há pessoas que só vivem, por assim dizer, para jogar xadrez ou para resolver seus problemas. Ocupam o melhor de sua vida em tal atividade, perdendo mil ensejos de fazer o bem, abstraídas, empolgadas, iludidas por tal mania, que em outros está no futebol, erigido em verdadeiro fanatismo. Perdem estes ainda ao rádio, horas preciosas, que podiam ser dedicadas às boas leituras, que instruem e edificam. E quantas novelas atrasam o serviço doméstico e geram desarmonia no lar? Não temos o direito de ser rigorosos, é verdade, mas apenas estamos analisando fatos... pedindo perdão se com isto importunamos
alguém.

            O cristão deve evitar tudo o que possa gerar desarmonia, tudo o que entrave a evolução ou a ascensão de seu Espírito. Ser verdadeiramente espírita ou esforçar-se por sê-lo, é aprender a renunciar a muita coisa mundana, alegre ou divertida, toda vez que ela possa desviar-nos do cumprimento de nossos deveres ou que nos conduza ao erro ou ao pecado.

            Assim comentando, não queremos dizer que sejamos ermitões ou reclusos do mundo e que nos privemos de tudo aquilo que apreciamos. Mas, geralmente, o defeito não está no uso, porém no abuso, isto é, no vício ou no descontrole.

            O que queremos afirmar é que devemos ter continência em nossos atos, de tal maneira que possamos participar de todas as diversões honestas, mas sem exagerarmos, e, sobretudo, sem nos viciarmos na prática de qualquer delas, o que importará na subjugação de nossa vontade ou na escravidão do Espírito. Este foi criado, sem dúvida, para finalidades nobres ou altruísticas, e não somente para gozar as coisas do mundo, como pensam os levianos, esquecidos de que, mais cedo ou mais tarde, suportaremos as consequências de nossos próprios erros, os quais sempre acumulam desgraças sobre nossas cabeças, através de experiências dolorosas.

            Por consequência, perder o melhor de nosso tempo com coisas fúteis, é desperdiçar grandes oportunidades, que podiam ser empregadas no estudo, na prática do bem, ou, ainda, no melhor cumprimento de nossos trabalhos cotidianos. Amar as obrigações e cumpri-las com alegria é dever de todo aquele que se diz cristão.

            Quanto às tentações, elas são próprias do plano em que vivemos e até necessárias ao nosso progresso espiritual. Assim, estejamos certos de que temos dentro de nós a força justa e adequada para vencer qualquer delas, por pior que nos pareça, porque, como afirma o apóstolo Paulo, se as tentações existem, “o Senhor dá também o escape, para que as possais suportar”.


segunda-feira, 3 de março de 2014

XXIX - Apreciando a Paulo



XXIX
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec – 1958

“Traze-lhes estas coisas à memória, ordenando-lhes
 diante do Senhor que não tenham contendas de palavras,
que para nada aproveitam e são para perversão dos ouvintes.
Procura apresentar-te a Deus aprovado como obreiro que não tem
de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.
Mas evita os falatórios profanos porque produzirão maior impiedade.”
.....................................................................
“Todavia o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo:
O Senhor conhece os que são seus
e qualquer que profere o nome do Cristo aparte-se da iniquidades.”
(Paulo - Segunda Epístola a Timóteo, 2:14 a 16 e 19)


            Paulo de Tarso condena as contendas de palavras, as discussões, porque não edificam; geralmente, elas são repassadas de vaidade, pretendendo o homem demonstrar superioridade intelectual, quando não queira mesmo impor seus pontos de vista, descendo às vezes à franqueza rude ou à ofensa.

            A polêmica é, quase sempre, como diz Emmanuel, contundente e perturbadora.

            O esclarecimento deve ser dado a quem pede ou a quem demonstre dúvida, mas sempre em momento oportuno e com palavras brandas, isto é, sem exaltação. Porém, se o interlocutor insiste em um ponto, teimosamente, é melhor deixar que ele procure a verdade por si mesmo, sendo preferível isto a qualquer discussão ou contenda, que o apóstolo condena ainda em I Tim., 2:8 e 6:4; Tito, 3:9 e Fil., 2:14.

            Quando há vaidade intelectual em quem duvida, pouca vantagem haverá no esforço de esclarecer.

            Já disse um filósofo que uma das coisas mais difíceis é por uma ideia nova na cabeça de um homem. A percepção precisa também aliar-se ao sentimento. Se a pessoa não quer acreditar, nega até o que constata. Por isto, diz-se com muito acerto: “o pior cego é o que não quer ver”.

            Lemos alhures que certo médico foi assistir a uma sessão de materialização. Viu o Espírito, falou com ele, tocou-o. Outros saíram encantados. Mas alguém, depois dos trabalhos, lembrou-se de perguntar-lhe se havia gostado e se tinha acreditado no fenômeno. Ele prontamente respondeu: “Gostar, gostei; mas aquilo não era Espírito, porque Espírito não fala e não aperta a mão dos outros.”

            As ideias preconcebidas ou deliberadas dificilmente erradicam-se dos homens. Só o tempo poderá burilar os Espíritos endurecidos, que se aproveitam mais do sofrimento do que de certas provas.

            Se a mente não amadureceu, não dará valor ao que tem, preferindo antes duvidar ou negar, mesmo perante um fenômeno inconteste ou em face de um argumento irrespondível, porque tais pessoas estão escravizadas ao seu círculo de conhecimentos e não querem sair dele, irritando-se até com os que as contrariam por divergência de ideias.

            Também há indivíduos que veem Espíritos, falam com eles, mas não querem saber de Espiritismo; preferem continuar com suas convicções, algumas infantis ou sem a menor consistência lógica.

            Outros há que têm medo de estudar certos assuntos “para não caírem em pecado mortal”, como se Deus pudesse proibir a investigação sincera de quem procura a verdade. Estes não conhecem a lição de São Paulo: “Examinai tudo. Retende o bem.” (I Tess., 5:21)

            O apóstolo das gentes ainda recomenda na mesma epístola: “Não extingais o Espírito” (I Tessalonicenses, 5:19).

            Entretanto, há igrejas que se dizem cristãs, mas condenam as manifestações espíritas e querem assim sufocar ou extinguir o Espírito. Fingem desconhecer o capítulo doze da Primeira Epístola aos Coríntios, onde Paulo fala nos dons espirituais, que eram conhecidos e exercitados pelos primitivos cristãos.

            Entendemos que os dogmas têm feito grande mal à Humanidade, escravizando consciências, que se atemorizam de enfrenta-los, submetendo-se à sua influência errônea e coativa, sem livre exame, o que contraria os ensinos de Jesus e as palavras acima, do mais culto de seus apóstolos.

            Destarte, criaturas há que têm receio de negar a existência do inferno com as suas penas eternas, quando a própria Bíblia não fala em inferno, mas em sheol, que como tal foi traduzido. Admiti-lo, seria negar a própria misericórdia de Deus, que é amor e bondade, e não um julgador inclemente. É certo que o Espírito mau tem de sofrer, mas sua condenação não pode ser eterna. O dogma do inferno eterno, portanto, é uma verdadeira heresia, pois atribui a nosso Pai Celestial uma qualidade inferior - a dureza de coração no julgamento -, que Ele jamais poderia possuir, pois é perfeito. Assim são os demais dogmas, todos envoltos no mais impenetrável mistério! Todavia, Jesus mesmo afirmou: “Nada há de encoberto que não haja de revelar-se, nem oculto que não haja de saber-se.” (Mateus, 10:26, e Lucas, 12:2)

            Por consequência, em face das próprias palavras do Divino Mestre, vê-se que ele não criou mistérios, mas sua doutrina é muito clara, resumindo-se no amor (Mateus, 22:37 a 40) e não em tabus ou em limitações forçadas da inteligência, que o dogma estabelece, contra a liberdade do Evangelho, pela qual São Paulo tanto se bateu.

            Cada qual tem o direito de adorar a Deus a seu modo e convicção religiosa é grau de entendimento. Assim, todas as religiões são boas, em certos aspectos, desde que haja sinceridade na prática do bem, que é o fundamento de todas. Mas à medida que o Espírito evolui, amadurecendo a reflexão, sente a necessidade de guiar-se pelo seu próprio raciocínio, sem imposições de ideias ou de normas preestabelecidas. Aí então, pela evolução natural de seus conhecimentos, ele admitirá o Espiritismo cristão, que encerra a maior porção de verdade que é dado ao homem conhecer na Terra.

            Servindo-nos da imagem bíblica da escada de Jacó, podemos afirmar que, em matéria de conhecimento, cada religião representa um degrau; todas, portanto, são divinas e até necessárias à evolução do Espírito. Mas no cume está o Espiritismo, pela sua clareza, pela sua lógica e pela pureza de seus ensinamentos.

            Fácil é convir que não podemos ter intolerância para com os que ainda gravitam em círculo inferior de entendimento, porque todos somos irmãos e Espíritos de idades diferentes. Nossa ascensão processa-se mesmo assim, através de escaladas, quase sempre dolorosas, pois o sofrimento acicata o Espírito, orientando-o para a luz ou para a verdade, que o estudo, a reflexão e a experiência virão proporcionar.

            Mas voltemos à lição de Paulo, nos versículos ora em apreciação:

            “Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.”

            O principal é mesmo a pessoa não ter de que se envergonhar, pois que se conhece o espírita pela sua transformação moral, como Allan Kardec frisa, acertadamente. Manejemos bem a palavra da verdade, mas limpemos também o interior, isto é, o coração, a fim de que nossas intenções sejam puras e nossos propósitos elevados.

            “Evitemos os falatórios profanos, porque produzirão maior impiedade”, diz Paulo.

            Há a tendência humana, mas prejudicial, de criarem-se “igrejinhas”, dentro dos grupos religiosos, isto é, quatro ou cinco, vinculados pela afinidade, considerarem-se os donos do Centro ou detentores da verdade. Esquecem-se de que a casa não é deles, mas de Jesus, que a todos acolhe com o mesmo amor. Todavia, os da “igrejinha”, em vez de tratarem os irmãos com sentimento cordial, faltam constantemente à caridade: fazem censuras ou críticas rigorosas, chamam a atenção rispidamente e servem de pomo de discórdia, desunindo em vez de fraternizar. Tal atitude não é cristã, porém muito condenável. Se distribuem roupinhas ou fazem outra caridade material, mas tratam alguns dos irmãos sem caridade moral, sendo arbitrários e intolerantes, fazem por um lado, mas desfazem por outro.

            Sabemos que o homem é falível e todos estamos sujeitos ao erro. Mas devemos pugnar pela perfeita compreensão do Espiritismo, que não é “sociedade de elogios mútuos”, mas escola de amor ilimitado, não reduzido à meia dúzia de pessoas que, erroneamente, se supõem donas da obra, que é de todos nós.

            Nossas palavras não visam particularizar, mas apenas pedir a atenção de algumas agremiações espíritas para que tenham cuidado com as “igrejinhas”, porque elas danificam a obra e têm mesmo destruído ou limitado bastante o poder de realização de alguns Centros. A finalidade do grupo deve ser a harmonia, o estudo e o amor, buscando sempre ascender em direção a nosso Divino Mestre e a seus apóstolos, cujos ensinamentos devem ser lidos, mas também praticados. Foi São Paulo mesmo quem ensinou:

            “Então, enquanto temos tempo, façamos bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé.” (Gal., 6:10)

            Tratemos sempre os domésticos da fé com a devida caridade e sejamos tolerantes e unidos em nossos Centros, procurando fazer o bem, porém exercitando-nos na prática do amor, que nos deve unir.

            Também há espíritas que pensam em se isolar de seus irmãos e acham acertado agir assim. Estão errados, evidentemente. Sozinho, o homem pouco fará, ao passo que, trabalhando em conjunto, terá oportunidade de servir melhor à causa e de adquirir mais noção de fraternidade. Se alguém reconhece que, mesmo tolerando e insistindo, não tem afinidade com determinado grupo, deve procurar outro e não abandonar a obra, nem agir isoladamente, pois a frequência a certos grupos é também exercício de humildade. Se a lavoura fosse só repleta de flores, o mérito da colheita seria insignificante. É preciso mesmo que haja pedras no caminho, para que exista o valor de transpô-las. Nada, fato algum deve arrefecer ou limitar nosso trabalho, nem nosso entusiasmo em prol da causa. Vêm a propósito as palavras de Jesus:

            “Ninguém, que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus.” (Lucas, 9:62)

            Nada de desânimos, nem de excesso de suscetibilidades. Como ensinam os Mensageiros do Senhor, felizes dos que recalcam suas rivalidades, a fim de que a obra não sofra dano. O trabalho pela difusão da verdade e em torno do Espiritismo, é oportunidade de resgate de nossos débitos para com o Senhor, e ensejo de demonstrar nossa lealdade para com Ele.

            Recordemos ainda a lição do Rabi da Galileia:

            “Se amardes os que vos amam, que galardão havereis? não fazem os publicanos também assim?
            “E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? não fazem os publicanos também assim? (Mateus. 5:46 e 47)

            Coloquemos a obra acima de tudo, e tenhamos boa vontade em servir à causa do Espiritismo, que é de Deus.

            Por fim, repitamos as palavras de São Paulo, sempre sábio e sempre edificante:

            “Todavia, o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome do Cristo APARTE-SE DA INIQUIDADE.”

            O versículo é tão claro que dispensa quaisquer apreciações. Pode-se considerar cristão aquele que permanece na prática do erro ou na senda da iniquidade? Transformemo-nos, para nosso próprio bem. Tal a lição que há quase dois mil anos nos é dada. E já é tempo de ouvi-la e de entrarmos em sintonia com a Espiritualidade Superior.




Operações sem Dor



Operações sem dor
Direção
Reformador (FEB) Janeiro 1962

            Fala-se muito atualmente, como novidade ultracientífica, em operações sem dor, com o auxílio da hipnotização (hipnose) do paciente.

            Médicos e odontólogos criam cursos, fundam associações e descrevem os seus casos, apresentando-os como um grande progresso da cirurgia.

            Entretanto... a coisa não é assim tão nova. Os livros espíritas, publicados há mais de oitenta anos, já davam noticia dessas operações sem dor, realizadas com êxito completo e sem essa aparatosa propaganda.

            O livro "Bases Científicas do Espiritismo" publicado sob os auspícios da FEB, em tradução de "The Scientific Basis of Spiritualism", de Epes Sargent, editado em Boston em 1880, já então, há portanto 81 anos, nos dava notícia desses casos.

            Aqui relatamos dois:

            Em 8 de Abril de 1829, há, pois, 132 anos, segundo o Relatório da Academia Francesa de Medicina, publicado em 1831, Cloquet, notável cirurgião francês, operou um tumor ulcerado do seio da Sra. Plantin, achando-se ela em estado de catalepsia parcial produzida pelo hipnotismo.

            Assim nos conta Sargent a operação: "Acordada, no estado de vigília, havia ela manifestado o maior horror por essa operação. Sonambulizada, porém, falou disso com perfeita calma, e, enquanto se lhe fazia a operação, que durou mais de nove minutos, conversava tranquilamente com o operador, sem manifestar o mais leve sinal de sensibilidade. Nenhum movimento se lhe notou nos membros e nas feições, nenhuma alteração na transpiração nem na voz, nenhuma emoção, nenhuma alteração na pulso."

            Da Sra. Mowatt, hipnotizada, foi extraído um grosso molar firmemente fixado, na presença do Rev. Dr. Channing, que, ajoelhado, procurava observar-lhe a face, enquanto o dentista operava. Isto ocorreu há perto de 120 anos, em 1842.

            Como vemos, é de lamentar que a Ciência Oficial ande com atraso de um século, só porque se nega a tomar conhecimento das obras espiritistas.



             Do Blog: Da mesma edição de ‘Reformador’ extraímos a seguinte divulgação do livro ‘Bases Científicas do Espiritismo’ por Epes Sargent:

            “É esta uma das  obras clássicas do Espiritismo. Sua páginas entusiasmarão os leitores pelo grande interesse que os diversos assuntos despertam a cada instante, explanados com fluência, precisão e sabedoria de verdadeiro mestre.
            São de notar os profundos conhecimentos do Autor, aliados a uma análise penetrante e transcendente das coisas, o que eu a essa obra o caráter permanente de atualidade.”



Mediunidade






A Mediunidade
por Ismael Gomes Braga
Reformador Novembro 1947


Acontecerá depois que derramarei o meu espírito sobre toda a carne;
vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos anciãos sonharão,
terão visões os vossos mancebos; também sobre os servos e sobre as servas
naqueles dias derramarei o meu espírito.
- Joel, II 28 e 29.


            São chegados os tempos preditos pelo profeta. Por toda a parte surgem médiuns: homens e mulheres, jovens e anciães, gente iletrada e professores de Universidade. América Delgado, Zilda Gama, Francisco Cândido Xavier, Porto Carreiro Neto já representam uma longa escala!

            Dos três primeiros não precisamos falar, porque todos os leitores de Reformador os conhecem em livros que circulam há decênios. Vamos tratar somente do quarto, cujo primeiro livro apareceu neste momento.

            Por alguns poemetos em português e Esperanto, recebidos mediunicamente e publicados nestas colunas, já os leitores sabem que Porto Carreiro Neto é médium de sublime inspiração poética, mas ainda ninguém sabia que esse ilustre Professor da Universidade do Brasil receberia igualmente mensagens de impressionante expressão científica, como agora vemos no primoroso livro Ciência Divina, de Jayme Braga.

            É um livro desconcertante para os professores da ciência oficial, entre os quais se acha o médium, cujo lápis escreveu essas páginas que em muitos pontos lhe contestam as convicções científicas. Talvez seja audácia nossa escrever sobre essas lições, mas pareceu-nos necessário que um membro do povo simples, um estudioso da Doutrina, dissesse algo, suas impressões do livro que se destina a todo o público espírita, não somente aos sábios das Universidades.

            Num prefácio de 15 páginas, em excelente português, composição elegante, revisão perfeita, o médium nos esclarece sobre a sua mediunidade, faculdade pela qual revela muito respeito. Diz- -nos: “...as ideias me assaltam aos turbilhões, tendo eu, pois, necessidade de  acompanhá-las com o lápis o mais depressa possível. Não tenho a menor ideia nem do que vou escrever de início, quando sinto a aproximação de algum manifestante, nem, outrossim, do que escreverei ao fazer ponto nalgum período".

            Só trata nesse prefácio da mediunidade psicográfica, mas quem escreve estas linhas o conhece igualmente como médium, de incorporação. Já o temos visto por muitas vezes incorporado, ora com o Guia, dirigindo trabalhos durante mais de uma hora, ora com Espíritos perturbados a serem doutrinados. Convém ficar aqui registado, portanto, que Porto Carreiro não é somente médium psicógrafo, como se deduziria da leitura do livro: sua missão mediúnica é muito mais complexa. Ainda outra forma de mediunidade muito original de Porto Carreiro é a artística, tão diferente da que se nota em Francisco Cândido Xavier. Este último recebe um poema com a mesma desenvoltura com que recebe prosa, ao correr do lápis; Porto Carreira recebe um soneto lentamente, por inspiração, verso e verso, sem ação mecânica do braço. Por vezes o poeta invisível o visita em momento inesperado, durante uma viagem, ou o interrompe quando escrevendo ou lendo. Num ônibus, por exemplo, sente a presença de um Espírito e toma de um cartão e lápis e vai escrevendo, em letra muito miúda, os versos que lhe são inspirados. Ao fim da viagem tem o trabalho pronto ou quase pronto. Assim tem recebido lindos sonetos de Camões, de Bocage, de Abel Gomes e outros. Não raro recebe belos versos em Esperanto, alguns dos quais já se acham impressos em Reformador e outros e muitos em sua pasta, sem publicidade.

            Passa a declarar no mesmo longo preâmbulo que gostaria muito de poder apresentar o livro como seu, porque o acha interessante, mas não o faz, porque tem certeza de que a obra não é sua e sim de Jayme Braga. Refuta a teoria do subconsciente, porque muitas ideias do livro são inteiramente novas e desconhecidas no mundo.

            A seguir dá explicações de termos científicos, para que os leigos em ciência possam compreender o pensamento do Autor, tornando assim o prefácio uma breve iniciação em Física e Química.

            Apesar do esforço do prefaciador, o livro requer muita reflexão e certa instrução e não está ao alcance de todas as inteligências, como os romances mediúnicos ou as mensagens morais. A obra parece destinada às rodas intelectuais e não ao povo em geral. Nesse sentido, surpreende-nos a coragem da Editora, dando a primeira edição de cinco mil exemplares que é demasiado grande para livro de compreensão difícil. Bastariam dois mil exemplares para muitos anos.

            Nalguns lugares mais difíceis, interfere Bezerra de Menezes, dando esclarecimentos, ajudando o leitor a penetrar no pensamento do Autor.        

            Em outros artiguetes prosseguiremos dando nossas impressões do livro e desde já expressamos nossa imensa curiosidade por saber como será recebida no mundo espírita brasileiro uma obra dessa natureza, por enquanto quase única, pois que a única de natureza semelhante, “A Grande Síntese", de Pedro Ubaldi, em tradução de Guillon Ribeiro, só teve uma edição e ficou em pequenas rodas de eruditos.

            Não se suponha, no entanto, de nossas palavras acima, que se trate de um livro friamente científico, sem Deus nem fé, como costumam ser as obras de mera ciência. Nada disso! O livro é um hino de louvores ao Criador e ao Universo. Os seus esforços mais ingentes são para entendermos o poema de Deus na Criação, para aprendermos a ler o Livro Divino da Natureza. Neste sentido pode ele figurar como páginas de ouro da literatura religiosa.

            Findo o preâmbulo do médium, vem uma "Apresentação" do Autor, apenas de uma página, na qual define ele sua missão sobre a Terra. Essa missão resume-se a isto: " ...esclarecer todas essas questões que se debatem em livros, sem que se entendam". "Desejo que tudo se esclareça de modo elevado e consentâneo com a grandeza do Criador... , diz-nos o Autor invisível.

            Não deve ficar olvidado neste primeiro artiguete o aspecto literário do livro. Português de lei, excelente pontuação, boa revisão, dá-nos a impressão de obra clássica de nossa literatura vernácula.


Porto Carreiro Neto.jpg


http://www.feparana.com.br/biografia.php?cod_biog=196

Para saber mais sobre Porto Carreiro visite o site da F E do Paraná, acima.