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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

77. "Doutrina e Prática do Espiritismo"



77

            XI  Existência e imanência de Deus no universo. Possibilidade cognitiva de seus atributos. Porque vivemos. Como se há de no homem desenvolver a natureza divina. Lei universal do sofrimento. A criação é um ato de amor e também de sacrifício.


            Poderíamos, seguindo o método expositivo, no LIVRO DOS ESPIRITOS adotado por Allan Kardec, ter feito deste assunto - a existência de Deus e sua ação no universo  o objeto constitutivo do capitulo primeiro da presente obra. Na ordem das cogitações que desafiam  e superiormente atraem as mais nobres operações do entendimento humano, ocupa esta sem dúvida o primeiro lugar, é o tema por excelência, mais que isso, é o alvo supremo a que se encaminham todas as nossas aspirações e em que as mais altas necessidades da nossa natureza encontram a sua exuberante, final satisfação. Essa mesma circunstância, porém, de constituir o Ser Supremo a culminância de todas as indagações filosóficas e religiosas é que, na conformidade do plano gradual que preferimos adotar nestes estudos, nos aconselhou a abordar esse assunto, não no começo, mas somente ao fim da conveniente exposição teórica destinada a fornecer multiplicados subsídios para a sua melhor compreensão.

            E dizemos propositadamente compreensão, e não demonstração. Porque a ideia de Deus de tal modo se impõe, com irrefragável evidência, ao nosso espírito que, a menos de concedermos legitimidade, sequer a título discutível, à desvairada aberração em que consiste o ateísmo - funesta e blasfematória insurgência do mísero ser a sua Causa - injúria seria ao senso mais rudimentar entender necessário demonstrar o que não requer demonstração, por isso que se acha visceralmente associado às mais intimas, às mais profundas certezas do nosso próprio Eu. Necessitasse porventura de algum raciocínio, para enfeixar-se numa fórmula, esta certeza máxima, nenhum outro melhor encontraríamos que este, cuja autoria nos escapa: "Existo, porque existis; e se eu existo, existis Vós."

            Ainda uma observação. Propondo-nos remontar à cogitação da Divindade, em seus atributos e em sua ação no universo, estamos certamente longe de o pretender de um modo eficiente ou positivo, isto é, relativamente ao que em si mesma seja, mas unicamente na medida do que é possível concebermos, com o minguado concurso de nossas relativas faculdades. Por outros termos: não pretendemos e insensato seria todo arrojo em tal sentido - definir o que seja nem como essencialmente seja a ação de Deus na criação; por feliz nos reputaremos em exprimir como ao nosso mesquinho entendimento se apresenta Ele em relação com a sua Obra.

            Dissemos numa das primeiras páginas deste livro, e mais não fizemos, de resto, que repetir uma noção corrente, que o homem é um microcosmo, isto é, uma representação infinitamente reduzida do macrocosmo, que é o universo.

            De que elementos se compõe o homem? A partir do mais grosseiro, temos: o corpo físico, o corpo astral, que é o seu modelo oculto e invisível, o fluido vital, elemento intermediário, o corpo espiritual, ainda mais etéreo, ou perispírito, que, no estado de encarnação, não forma com o corpo astral mais que um mesmo envoltório fluídico, e, finalmente, o espirito. Se ponderarmos esses elementos em seus respectivos componentes e em suas mútuas relações, reconheceremos que o corpo, munido de órgãos ajustados às suas funções peculiares e instrumento de ação no meio físico exterior, é um aglomerado de inumeráveis células obedientes a fenômenos vitais: nascimento, nutrição, reprodução e morte, isto é, eliminação ou transferência do meio individual para o meio cósmico, onde se vão regenerar, para novas e incessantes recomposições. Porque o fenômeno chamado morte jamais se deve entender no sentido de extinção, aniquilamento, redução a nada, finalidade inexistente, imaginada apenas pelo homem, na incapacidade em que está de apreender as sucessivas evoluções da matéria e da energia no infinito do espaço e na eternidade do tempo - mas no sentido de transformação, ou de passagem de um a outro modo de ser, assim no que se refere à personalidade como ao menor dos elementos que a compõem.

            O corpo astral, em que reside o desenho ideal de todo ser que nasce, é formado-de substância muito menos densa que a do corpo físico, mesmo suficientemente etérea para se caracterizar pela invisibilidade, mas composta de átomos, reunidos em moléculas, dotadas de um movimento vibratório normalmente muito mais rápido que o da matéria constitutiva do corpo físico, no estado de encarnação porém adaptado até certo ponto a sua mesma tonalidade. Modelo permanente que é da forma física, serve o corpo astral para mantê-la em meio do incessante fluxo e refluxo das substancias que o organismo assimila e desassimila em suas operações durante a vida. O elemento intermediário, ou fluido vital, que satura todas as partes do organismo e é, como as moléculas, parcialmente renovado à medida que vai sendo consumido, constitui o seu principio vitalizador por excelência, ao mesmo tempo que é o veículo por que se transmitem ao sistema nervoso os movimentos e vibrações de outro fator mais importante, que é o perispírito.

            O corpo espiritual - assim também chamado, como vimos - é por sua vez o veículo das volições e manifestações do espírito no homem. Formado, já não diremos de matéria, pela ideia de ponderabilidade que a esta se acha associada, mas de substância tão extremamente rarefeita que se nos afigura inconcebível, o perispírito - se é possível definir o que, mesmo pelo pensamento, escapa a todos os meios de apreciação - pode ser ainda assim conjeturado como um composto de átomos, íamos dizer, suficientemente espiritualizados para constituir o envoltório permanente do espírito, parte de alguma sorte integrante da sua natureza, mas em todo caso guardando com a tonalidade vibratória do corpo astral a conveniente proximidade que lhe permite associar-se-lhe no período e para os fins da encarnação terrestre.

            Chegamos finalmente ao espírito, não já composto, mas unidade fundamental, simples e indecomponível, sem limitação nem forma, ser abstrato em suma, que não pode ser definido pelo homem, porque, sujeito e objeto de si mesmo, transcende as suas mais eminentes percepções e faculdades. Sim, espírito embora, mas amortalhado nas obscuridades da matéria, não podemos conceber o espírito em si mesmo, em sua essência e natureza, por exíguo consolo nos restando aprecia-lo nas manifestações de seus a atributos: pensamento e razão, sentimento e vontade.

            Remontemos agora do microcosmo ao macrocosmo e iremos aí encontrar, analogicamente pelo menos, os mesmos elementos: um aspecto físico, que é o universo visível, composto de mundos e sistemas de mundos, que são como as células vivas desse imenso organismo da criação universal; um modelo etéreo e ideal sobre que devemos supor necessariamente plasmada essa criação objetiva, semelhantemente ao que sucede com o desdobramento do corpo astral no corpo físico, sendo assim - já o assinalamos - a formação de um mundo ou de um sistema planetário, como todas as criações materiais, precedida de um desenho ou representação mental, de que vem a ser, obediente às suas linhas estruturais, a objetivação; ao fluido vital corresponderá o fluido cósmico universal, oceano de vida e de renovação de vida, ao mesmo tempo que veículo de comunicação entre o todo e cada uma de suas partes entre si; para o perispírito, elemento intermediário sutilíssimo, composto de átomos suficientemente espiritualizados para corresponder, de um lado, com o elemento fluídico e do outro com a inteligência diretora, não nos repugna encontrar analogia no conjunto dos espíritos em grau de pureza compatível com a transmissão das volições divinas ao seu objeto realizado - a criação; o princípio, finalmente, que paira sobre todos esses elementos, sem com eles se confundir, mas que os vivifica, organiza e dirige, esse princípio, transcendente e abstrato, que é o espirito no homem, não será também o Espírito de Deus na criação?

            É assim pelo menos que ao nosso entendimento se apresenta, em sua esotérica significação, aquela palavra de remontada, e perturbadora profundeza que no GÊNESE se encontra: "Criou Deus o homem à Sua semelhança." Isto é: composto de elementos, não porventura idênticos, mas análogos ou semelhantes.

            E para que fosse completa a analogia, não será ocioso recordar, quanto às relações entre o Principio e os seus efeitos, que também no homem o espírito não comunica nem atua diretamente sobre o corpo, senão por intermédio dos seus veículos sucessivos: as operações mentais em toda a sua variadíssima trama de pensamentos, sentimentos e atos, da concepção à execução, se transmitem pelo perispírito ao corpo astral e deste, por intermédio do fluido vital, aos centros nervosos que, por sua vez, acionando toda a rede do sistema orgânico e muscular, executam as determinações do alto recebidas. Como derradeiro sinal de analogia recordemos ainda que, não sendo cada um desses veículos um Iodo sem descontinuidade, mas ao contrário composto de átomos, que vão dos mais aos menos rápidos em suas vibrações, até às células do organismo físico, todos subordinados à direção do princípio superior que os centraliza, a mesma representação se nos afigura no universo, em que é sempre por intermédio dos espíritos, dos mais aos menos puros e numa infinita escala, que o Criador opera sobre a Criação. Ainda mais: do mesmo modo que o espírito atua mais diretamente sobre o que se pode considerar a parte nobre do homem, do cérebro ao tórax (admitido, mesmo convencional ou simbolicamente, o coração como a sede das emoções, pelo menos como a região em que mais vivamente repercutem), não somente utilizando o cérebro, como órgão próprio, e a palavra para a expressão e a exteriorização de suas operações mentais, mas achando-se, consoante o testemunho dos videntes, mais particularmente ligado pelo perispírito àquela parte nobre (1), ao passo que os membros inferiores, não recebendo mais que uma ação reflexa, apenas são utilizados em subalternas funções, assim também o Ser Supremo opera mais direta e intimamente sobre a parte mais nobre, mais elevada e pura da criação isto é, sobre os espíritos que se lhe aproximam em pureza, ou ainda sobre as esferas fluídicas, aqueles mundos etéreos de que falamos precedentemente, moradas felizes de seres consideravelmente evoluídos, não estando os mundos materiais decerto privados de sua ação, mas recebendo-a atenuada, em virtude da própria inferioridade e destinação transitoriamente subalterna.

            (1) Nos casos de desdobramento, ou mesmo no fenômeno comum da exteriorização, o espírito é visto afastado do corpo, mas ligado por um cordão, mais propriamente, por um feixe fluídico à região que os oculistas denominam plexus solar, entre o tórax e o epigastro. Em alguns indivíduos a ligação perispirital parece inserir-se, ao menos aparentemente, no encéfalo.

            Estabelecido, entre a ação, por assim dizer, mecânica dos elementos do homem e do universo, este paralelo, que - será necessário porventura advertir? - nenhuma irreverência envolve e menos ainda o intuito de amesquinhar o Criador, mas unicamente o de induzir o homem à consideração da grandeza divina de que procede, que nele se reflete e com a qual é chamado a se identificar um dia, pela completa espiritualização de suas faculdades e do seu próprio ser, detenhamos agora o pensamento na contemplação da Obra que a inteligência nos fita da inescrutável sabedoria e do poder do seu Autor.



domingo, 3 de fevereiro de 2013

Em verdade vos digo...




... Em verdade vos digo, convém que me vá, porquanto, se não me for daqui, o Consolador não virá a vós, e eu indo o enviarei. Tenho, ainda, muitas coisas para vos dizer, mas não agora. Quando o Espírito da Verdade vier, ensinar-vos-á todas as coisas, pois não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido. Será ele quem me glorificará, porque tomará do que é meu e vo-lo anunciará.
           
O Espírito Consolador, portanto, não deverá contradizer o Cristo, pois que “tomará o que é dele”; deverá, ao contrário, completar seus ensinos, revelando-nos, pelos séculos afora, verdades que nossos pais ainda não estavam em condição de entender. Jesus, conforme a sua expressão, não quis lançar “pérolas aos porcos”. Receou que Verdades muito altas deslumbrassem a multidão dos simples que o cercava. Deixou ao Espírito de Verdade, ao Consolador íntimo das almas, o encargo de completar a boa nova, à proporção que a humanidade avançasse no caminho da luz, guiada pela ciência, e o de promulgar, enfim, o Evangelho Eterno...

                                              
por  P.V. Marchal
in ‘O Espírito Consolador’ (2ª Edição)
1914
Typ. da Emprêsa Litteraria e Typographica  
Porto Portugal

76. 'Doutrina e Prática do Espiritismo'




76

            Agora que já podemos, aproximadamente, fazer ideia das prováveis condições de vida, pelo menos, nas vizinhas terras do céu que nos rodeiam. mais facilmente compreenderemos a migração que dos espíritos entre elas se efetua, uns subindo, por exemplo, da Terra a Marte, para ai prosseguir em mais favoráveis condições a sua evolução, baixando outros de um mundo relativamente superior ao imediatamente inferior na hierarquia planetária, já seja a titulo de expiação, em consequência de se haverem, por seu endurecimento e obstinação retardatária, tornado incompatíveis com o meio de que são excluídos e cujos benefícios perderam o direito de gozar, já seja, como no caso de missões pessoais com o fim de transmitirem a humanidades menos adiantadas o fruto de seus labores e conhecimentos, adormecida apenas sob o véu da carne a reminiscência de sua afortunada estância.

            Para os decaídos não deixará também de haver progresso, por isso que, em contato com as agressivas condições do meio, humano e físico, a que são transferidos, ao mesmo tempo que as suas rebeldias se quebrantam  e atrozes e prolongados sofrimentos terminarão por lhes incutir a submissão e a humildade, irão repartindo com os seus novos companheiros de exílio o patrimônio adquirido e que com a transmigração não se perdera.

            Assim se afirma entre as esferas planetárias, por intermédio das humanidades ou sucessivos grupos das humanidades que as povoam, essa lei admirável de solidariedade que as vincula e faz que os progressos numa realizados não fiquem circunscritos, mas de umas a outras se vão lenta e gradualmente propagando, até que na face de cada um e de todos esses mundos se tenha realizado o que Jesus chamava "o reino de Deus," isto é, que todas as humanidades, convertidas à sua lei, pratiquem entre si a justiça, a paz e a fraternidade.

            Para que esse ideal divino, que tão longínquo se afigura, ao menos, para os habitantes da nossa pobre Terra, se converta em realidade, sucessivas épocas terão que decorrer sem dúvida; mas, como dizíamos páginas atrás, se ele tarda a se implantar no seio de toda a humanidade, como uma conquista coletiva, gerações de espíritos o tem através dos tempos alcançado. Para esses, que culminaram no apogeu do progresso que lhes poderiam facultar as possibilidades da nossa esfera inferior, os mundos adiantados continuam a ser um campo de pacífico labor, em que, isentos das repulsas e padecimentos aqui peculiares, as suas virtudes e saber serão postos ao serviço de outros irmãos mais dóceis e diligentes do que nós.

            Não quer isso dizer que de todo se desinteressem pela sorte dos rebeldes que aqui deixaram e que com as suas mesmas rebeldias os ajudaram a se exercitar na paciência, dando ocasião de lhes retribuir o mal com o bem e assim firmar-se em sólidas virtudes. Como o altruísmo é a lei dos espíritos superiores e não ,buscam eles jamais a sua comodidade, senão o bem do próximo, não hesitam esses fieis discípulos do Cristo, obedientes aos mandatos do Mestre, que os tem por auxiliares e executores de seus desígnios, em regressar uma e outra vez à Terra, no desempenho de missões atinentes ao progresso humano.

            Peregrinando de esfera em esfera, sempre na difusão da verdade e na prática da caridade em suas mais genuínas expressões, vão esses espíritos se aprimorando cada vez mais nos dons divinos e, ao mesmo tempo que nos indicam a trajetória que todos os decaídos havemos de irrevogavelmente percorrer, - pois que é essa a inflexível lei de evolução - chegam a alcançar as fronteiras do que costumamos chamar o estado angélico, isto é, o grau de espírito puro, pelas religiões denominado "anjo."

            Passará então o espírito por uma transformação que, apagando na sua consciência todos os vestígios da personalidade humana com que permanecera mais ou menos identificado, guardando assim a reminiscência das remotas quedas, com todo o seu cortejo de misérias, torpezas e debilidades, o incorpore definitivamente e para sempre naquele estado angélico? - Temerária seria toda indagação conjectural em tal sentido.

            O que, de todo modo, é certo é que, prosseguindo indefinidamente a sua evolução, um momento chega para o espírito em que, encerrados os ciclos sucessivos de suas planetárias peregrinações e abandonados mesmo aqueles mundos etéreos ou fluídicos, a que já nos referimos, integra-se ele na plenitude da natureza divina e, como o Cristo, não sendo mais que um com o Pai eterno, confundido na luz da mesma eterna gloria, participará na execução de suas obras, assim na formação e governo dos mundos, como na direção tutelar das humanidades que os povoam.

            Instrumentos que desse modo são das volições divinas, tem por supremo destino os espíritos, tanto os que, desde o começo de sua evolução, se, conservaram dóceis, obedientes e infalidos, como os que depois da "queda," e por mais baixo que tenham sucessivamente decaído, se reabilitaram por existências e obras meritórias, em si mesmos realizando a parábola do Filho Pródigo, têm por destino - dizíamos - ser colaboradores de Deus na execução do plano evolutivo, nela tomando uma parte cada vez mais ativa, consciente e amplificada, à medida que se vão aperfeiçoando, esclarecendo e elevando na escala hierárquica dos seres. 

             Essa colaboração tanto se pode efetuar no plano físico dos mundos, sob a libré da carne - e é o caso dos grandes missionários, ou ainda, de um modo mais geral, o de todos os homens de boa vontade, votados ao progresso de seus semelhantes - como no plano espiritual. Mas é sobretudo nesse plano, isentos das limitações mais ou menos constritoras das existências planetárias, que podem os espíritos exercer mais consciente e eficaz intervenção na marcha dos sucessos e em todas as manifestações da atividade humana, operando por sugestão mental, assistindo, inspirando, mesmo diríamos dirigindo os estadistas, os pensadores, os filósofos, os artistas, os religionários sinceros e desinteressados de todos os matizes, numa palavra, todos os que na vida alimentam nobres aspirações e colimam um ideal superior, constituindo as avançadas falanges da civilização.

            Não são, contudo - cumpre assinalar - essas figuras de relevo no seio da humanidade, as únicas beneficiadas pela assistência dos elevados seres invisíveis, pois que, sobre toda a criação se estendendo a solicitude providencial do seu Autor e sendo os espíritos os agentes de seus desígnios misericordiosos, nem uma criatura há neste mundo privada de uma vigilância e proteção oculta como aquela. Tal é, com efeito, a missão dos anjos da guarda, ou espíritos-guias e protetores, incumbidos de, por suas amorosas inspirações, encaminhar os homens na senda do aperfeiçoamento, sobre eles exercendo uma influência que se torna mais eficaz à medida que, por suas tendências para o bem, se vão eles tornando cada vez mais dóceis a tais inspirações.

            Múltiplas são assim as tarefas distribuídas aos espíritos que se integraram na consciência do seu papel na criação universal.              

            Hierarquizados  por ordem de aperfeiçoamento adquirido, tais invisíveis servidores do progresso, posto que atuem, respectivamente, nas esferas de suas aptidões peculiares, obedecem à suprema direção de um chefe, que é para cada mundo, ou sistema de mundos, o Messias, o Verbo, ou Logos planetário, expressão, como anteriormente o assinalamos, não somente do Poder criador manifestado, mas do seu pensamento e atributos, de que é o veículo, ou intermediário.

            Missão de uma complexidade e magnitude que escapa a nossa apreensão, esse governo e direção dos mundos é, segundo a palavra da Revelação, privativamente confiado a espíritos que, permanecendo sempre infalidos desde o início de sua evolução espiritual até ao estado angélico, e não cessando daí em diante de progredir em ciência universal, se tornaram dignos de assumir tamanha investidura. São os Cristos de Deus, e Jesus, que já havia, consoante o seu próprio e fidedigno testemunho, sido integrado na indissolúvel comunhão e na glória do eterno Pai, "antes que houvesse mundo," é assim o guia, o diretor e protetor, mais que do nosso planeta e de sua humanidade, do sistema cósmico de que fazemos parte.

            Vamos, com esta afirmação, talvez mais longe do que o autorizam os ensinamentos da Revelação. Mas, se de um lado considerar-se que, minúscula fração embora do universo infinito, o nosso sistema planetário constitui um todo subordinado a um mesmo centro de gravitação, donde se pode logicamente inferir a unidade de uma mesma direção espiritual, tendo sido os mundos que o compõem, senão criados simultaneamente, como o pretende a teoria de Emilio Belot, que já ficou exposta, pelo menos a intervalos que em nada modificam aquela unidade de plano e, por conseguinte, de inteligência diretora, e se, por outro lado, se atender a certas alusões veladas de Jesus, como esta, por exemplo: "tenho também outras ovelhas que não são deste aprisco, e importa que eu as traga, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um pastor," palavras que devem certamente abranger extensão muito maior que uma simples referência, fora do povo hebreu, às demais raças humanas, talvez já não pareça exagerado o nosso pensamento.

            Como quer que seja, guia tutelar do sistema, como se nos afigura, ou simplesmente do nosso planeta e de sua humanidade, incumbido de a encaminhar aos sumos graus de perfeição, a que é chamada, Jesus nos aparece, nos testemunhos de sua vida incomparável, como o dileto Filho de Deus, em quem - como o disse um inspirado autor - "todas as perfeições se encontram reunidas." Nele também se objetiva - e cabe aqui recordar ainda a parábola do Filho Prodigo, a que no capitulo anterior nos referimos - aquela figura do filho obediente que, sempre fiel aos mandamentos recebidos, jamais se ausentara da casa paterna, isto é, nunca fora por deslize algum constrangido a abandonar as regiões celestes e padecer o encarceramento expiatório na matéria.

            Daí, dessa ininterrupta continuidade de progresso e do conjunto de perfeições de que, como nenhum homem antes nem depois dele, deu incessantes testemunhos, a autoridade da sua palavra. Essa palavra que é "espírito e vida, e os seus exemplos constituem - não o disse ele? - "a luz do Mundo." os que a seguem “não andam em trevas;" os que ambicionam, mais que tudo, os ensinamentos da verdade; não tem, pois, senão que abrir as páginas do seu Evangelho, para serem verdadeiramente iluminados e livres de toda cegueira do coração."

            Pois bem, como se ao homem não bastassem o testemunho de sua consciência, os ditames da razão e o espetáculo, sob seus olhos incessantemente posto, das magnificências do universo, Jesus porfia, em todo o curso de sua missão messiânica e como o supremo objetivo que intencionalmente lhe assinava, em fazer conhecer aos homens Aquele de quem, filho submisso e obediente, afirmava ser o enviado, sem cuja assistência e intervenção, ele tão puro, tão poderoso e tão bom, era incapaz de realizar a menor coisa, pois abertamente o declarou: "Eu não posso de mim mesmo fazer coisa alguma," ,e noutro lugar completa o pensamento: "mas o Pai, que está em mim, esse é o que faz as obras." (João, V, 30 e XIV, 10) .

            Quem é esse Pai, seu e nosso, de cujos misericordiosos atributos com tão irresistível e persuasiva eloquência nos falou Jesus?

            Depois da extensa romaria que temos feito nos domínios da indagação da vida, de nossa verdadeira natureza, de nosso destino e papel na criação, importa agora conhece-lo.
           




sábado, 2 de fevereiro de 2013

27. 'O Cristianismo do Cristo e o dos seus vigários'


27

 “O Cristianismo do Cristo
e o dos seus Vigários...
           
Autor: Padre Alta (Doutor pela Sorbonne)
Tradução de Guillon Ribeiro
1921
Ed. Federação Espírita Brasileira
Direitos cedidos pela Editores Vigot Frères, Paris


            Evidentemente, isso não podia durar, era muitíssimo pouco para o orgulho humano. Quando os sucessores dos apóstolos conseguiram, no Império dos Césares, tão grande número de adeptos que a um imperador acudiu a ideia de aliar-se-lhes para dispor de um exército mais numeroso do que o do seu competidor, o processo apostólico foi bem depressa substituído pelo sistema autoritário, que dos instrutores fez mestres. "Preservai-vos de fazer que vos chamem mestres. Vosso único Mestre é o Cristo", dissera Jesus aos seus apóstolos (2). Os funcionários do culto cristão, progressivamente organizados, segundo o modelo do sacerdócio judeu e, em seguida, de acordo com o do funcionalismo imperial, chegaram de pronto a querer ser, no domínio espiritual, o que eram os funcionários imperiais, no domínio político. Pouco a pouco foi crescendo, até tornar-se completo, o esquecimento da diferença absoluta que separa, da livre adesão espiritual, a lei de possessão imperial.

            (2) Mateus, XXIII, 10.

            Como eram súditos do Império e sujeitos aos funcionários e leis do Império os que nasciam no território do Império, o Clero, administrativamente organizado, decretou que os que nascessem no Império seriam súditos da Igreja oficialmente constituída e que os pais eram obrigados, sob penas severas, a submeter, pelo batismo imediato, o espirito inconsciente de seus filhos não só à fraternidade cristã, mas também à autoridade eclesiástica e à teologia oficialmente decretada por aquele oficialismo intelectual, ideia absolutamente genial, como autoritarismo, e que nunca viera aos déspotas, ainda os mais tirânicos. É que os apóstolos póstumos de Jesus se haviam tornado mestres, sem embargo da proibição formal do Mestre único, e se haviam atribuído, sem embargo da ignorância que os caracterizava, a função dos antigos mestres de filosofia, Com a infalibilidade a mais, para resolverem em nome
da sua autoridade, todas as questões metafisicas, políticas ou sociais. Assim sendo, entendiam que a obediência cega era a única lei capaz de unir todos os espíritos na divina luz. 

            Após dezoito séculos desse pseudo Cristianismo, os pseudo cristãos se hão tornado cada vez mais escravos dessa forma tirânica de unidade e de universalismo, mas com o deplorável resultado de se acharem cada vez mais divididos entre si e de cada vez mais se separarem deles e do seu falso cristianismo todos os espíritos animados de outro espírito que não o de escravidão e de outra maneira de ver, que não pondo uma venda sobre os olhos.

            É que, mais do que nunca, quebrando todas as resistências, o corpo eclesiástico logrou ser, ele só, a alma da Igreja. E a docilidade absoluta, imposta, sob ameaça de condenação eterna, a todos os católicos romanos, suprimiu tão completamente toda liberdade e toda possibilidade de protesto, da parte dos fiéis servos da ortodoxia papal, ainda que patriarcas e arcebispos, que o Soberano Pontífice Pio X pode, pela sua Encíclica de 1908 e pelo Moto proprio que a completou, proibir a todos os batizados, seus súditos espirituais, "a leitura de qualquer livro, sobre Filosofia ou História, que não fosse previamente revisto e aprovado pela Inquisição romana". E ainda mais apertada é a proibição, para os jovens aspirantes ao sacerdócio, de seguirem outros cursos, a não ser os das Universidades que Roma tenha instituído ou aprovado. “Com efeito, escreve aos bispos o cardeal secretário, não pode escapar a Vossa Grandeza que a integridade da fé dos jovens estudantes, ainda que sejam clérigos ou padres, está exposta, nas Faculdades civis, a perigos bastante graves... particularmente no que concerne aos cursos de História, de Filosofia e de matérias similares."

            "A integridade da fé", efetivamente, tal como a exige o ensino hoje imposto pelo Soberano Pontífice, consiste em que a Igreja é o Papa e que a única regra, em, todas as coisas, é a autoridade do papa; em que isso é de instituição divina, que sempre foi assim, desde Jesus Cristo, e que a infalibilidade papal é a garantia Infalível de todo ensino eclesiástico. Grave, de certo, seria o perigo, para todo estudante e para todo crente que procurassem informar-se com instrutores desinteressados, para saberem se essa afirmação interesseira é conforme à verdade. Proibição, pois, a todo súdito do papa romano, de conhecer, a respeito do papado romano, o que quer que não esteja controlado pelo papado romano!



26. 'O Cristianismo do Cristo e o dos seus vigários'.




26

 “O Cristianismo do Cristo
e o dos seus Vigários...
           
Autor: Padre Alta (Doutor pela Sorbonne)
Tradução de Guillon Ribeiro
1921
Ed. Federação Espírita Brasileira
Direitos cedidos pela Editores Vigot Frères, Paris


A questão decisiva

            Torna-se tirania todo direito que oprime os outros direitos, torna-se erro toda verdade que pretenda suprimir outras verdades. Sem dúvida, nem essa pretensão, nem esse fato são de temer, quer da parte da verdade, quer da parte do direito considerados em si mesmos, na abstração teórica. Não é, porém, com as abstrações que nos chocamos neste mundo; com as realizações é que nos temos de avir e as realizações dependem dos realizadores que, em geral, são muito menos perfeitos do que as abstrações. É o que se dá com esta abstração: o Cristianismo e com os seus realizadores, que são os cristãos.

            Em teoria, que a Religião? Que é o Cristianismo? Que é o Catolicismo?

            Religião significa: o que religa os homens a Deus; Catolicismo é uma palavra grega que significa Universalismo e, portanto, indica a religião universal capaz de ligar todos os homens ao mesmo Deus único e universal. Tal, precisamente, o Cristianismo original ou Cristianismo de Jesus Cristo, porquanto Jesus Cristo não pregou senão um único dogma, a unidade de Deus, Pai de todos os homens e em quem, por conseguinte, todos os homens são irmãos. Tudo o que vá além desta fórmula única não pode deixar de ser matéria de discussões e, portanto, objeto de ciência, não de religião.

            Se, para nos unirmos pela mesma fraternidade religiosa, houvéramos de esperar que todos tivessem a mesma compreensão do que é Deus e de todas as questões que se prendem a essa questão primária, fora mister aguardássemos que na Terra apenas um só homem restasse, porque, sendo único, talvez ele se achasse de acordo consigo mesmo. Mas, enquanto tal coisa não se dá, tarefa difícil já é persuadir aos homens que eles são todos irmãos, visto terem todos por pai o mesmo Deus único. Essa a razão por que Jesus limitou a esse único dogma a pregação universalista ou católica.

            "Ide pelo mundo e pregai isto a todos os homens!" disse Jesus Cristo a seus apóstolos. - "E se não nos escutarem? - Então, deixai de lado os que não vos escutem e ide a outros." A isto se cifrava a opressão ou a pressão que os apóstolos exerciam, ao tempo do Cristianismo primitivo (1).

            (1) Mateus, X, 14; Marcos, VI, 11; Lucas, IX, 5; Atos dos Apóstolos, XIII, 51.


25. 'O Cristianismo do Cristo e o dos seus vigários.'



25

 “O Cristianismo do Cristo
e o dos seus Vigários...
           
Autor: Padre Alta (Doutor pela Sorbonne)
Tradução de Guillon Ribeiro
1921
Ed. Federação Espírita Brasileira
Direitos cedidos pela Editores Vigot Frères, Paris


            Nenhum homem imparcial ousará dizer que pensar no povo seja um mal e, em verdade, o clero hoje com ele se ocupa, tomado de admirável zelo, por meio de obras sociais inteiramente novas, que não apenas por meio de novas devoções. O mal, contra que protesto, lamentando achar-me quase de todo só nesse protesto, por demais fundamentado, é o de esquecerem que também há intelectuais no mundo, mesmo no mundo eclesiástico, e que pretender impor aos homens inteligentes as infantilidades doutrinárias e devocionais, que podem bastar aos ignorantes e fazer honra aos simplórios, é exigir que a inteligência dos ininteligentes seja a medida da inteligência cristã e que a ciência dos primários seja a única ciência ortodoxa.

            S. Paulo, em sua primeira Epístola aos Coríntios, afasta, com todas as delicadezas necessárias, os pseudo inspirados de Deus que falavam línguas incompreensíveis e que chamavam a isso "falar em espírito". Escreveu ele: "Na Igreja, prefiro dizer cinco palavras com a minha inteligência, a fim de também instruir os outros, a dizer dez mil nessa espécie de língua" (33).

            (33) XIX,19.

            Tomemos para nós, cristãos do vigésimo século, o conselho que ele dá em seguida: "Irmãos, não sejais crianças, no que concerne ao juízo; sede crianças para a malícia, sim, mas, pelo que respeita ao juízo, sede homens feitos." E o juízo consiste em examinar antes de crer, como ele o disse aos Tessalonicenses. No mundo da inteligência, a inteligência é juiz e a autoridade nada tem que ver com as questões de Ciência. "Somente Deus é Deus, Jesus Cristo é o messias de Deus", ensina o Cristianismo e nisso está toda a Religião Cristã. Tudo o mais é questão de Teologia, logo, pois que a Teologia é uma ciência, questão de ciência e não de obediência.

            "O Espírito sopra onde quer", disse Jesus a Nicodemos e o próprio Nicodemos não teria admitido que o Espírito sopre onde queira a cúria romana. Os Nicodemos de hoje, esses têm a liberdade de crê-lo por conta própria; mas, não nos imponham, por favor, a sua credulidade. A base, o critério da fé verdadeira é a razão: "Não creríamos, diz S. Tomás de Aquino, se não víssemos que é racional crermos". E S. Bernardo, com toda a rudeza, diz que substituir a razão pelo bel prazer, no governo dos homens, é bestialidade" (34). Eu, por mim, direi, mais respeitosamente: "É cesarismo!" Então, concluirá a Igreja Cristã, quando for verdadeiramente crístã : pois que a razão é o instrumento de Deus e a força o instrumento de César, demos a César o que vem de César e a Deus o que vem de Deus: Reddite ergo quae sunt Coesar Coesari et quae sunt Dei Deo. Voltemos à crença pela luz e deixemos aos cegos a obediência cega.


Lincoln e o Espiritismo



Lincoln
e o Espiritismo
por Clémens
Reformador (FEB) Abril 1947

            Miss Nettie Colburn morava em Albany, onde fazia sessões, falando os Espíritos por seu intermédio. 

            Era considerada pessoa muito simples, tímida e perfeitamente honesta.

            Durante a guerra de secessão, seu irmão, havendo adoecido, obteve licença, mas perdeu o respectivo documento. Nettie, que tinha vindo a Washington, em companhia da mãe, para cuidar do enfermo, ficou muito aflita, porque a perda da licença o obrigava a voltar ao serviço para justificar a falta.

            Achava-se ela em casa de correligionários,  e estes conheciam alguém que, na Casa Branca, muito se interessava pelos fenômenos espíritas.

            Era a própria esposa do presidente, a qual entretinha relações com alguns médiuns. Falaram-lhe na jovem Nettie que, em estado de inconsciência, fazia curiosas revelações.

            A mulher do presidente manifestou desejo de vê-la, e como Nettie se lhe apresentasse com os olhos avermelhados pelas lágrimas, que a ocorrência relativa ao irmão fazia-a verter, foram logo tomadas as necessárias providências para ser sanada a falta.

            Miss Nettie, a quem essa boa notícia restituiu a tranquilidade, achava-se em ótimas condições para realizar a sessão, e, depois de ouvi-la, a senhora Lincoln pediu-lhe que ficasse em, Washington, a fim de apresentá-la ao marido.

            Refere a nossa médium, na história de sua vida, a grande comoção que sentira, quando, toda trêmula, se apresentou nessa recepção, em palácio, na qual devia encontrar o primeiro magistrado da República.

            Entretanto, quem a recebia com muita amabilidade era a senhora Lincoln e a apresentava em seguida a duas outras pessoas.

            Esperavam o presidente, que já tardava.

            A amiga de Nettie, a senhora Milles, que também era médium de fenômenos físicos, sentiu-se impelida para o piano, que se achava aberto.

            Sentou-se ao mesmo e, durante algum tempo, ficou com os dedos imóveis sobre as teclas à espera da ação dos Espíritos... De repente, fez ouvir uma marcha triunfal, tocada como se fosse por mão de mestre. Às últimas notas, Miss Nettie olha fixamente para a porta: entrava o presidente.

            Ele fez algumas perguntas à médium, que, perturbada e confusa, como uma acanhada menina de escola, respondeu-lhe com os monossílabos "sim" e "não".

            Afinal, inquire o presidente, de que modo procedeis para falar "aos Espíritos"?

             Intervém então a amiga de Nettie, sugerindo a ideia de formar-se um círculo, não havendo, porém, necessidade da cadeia de mãos, como se costumava praticar. Foram estas as últimas palavras ouvidas pela jovem Nettie, que caiu logo em estado de inconsciência.

            Eis o que se passou em seguida:

            Essa franzina mocinha, que, ainda há pouco, comovida e tímida, não ousava articular outras palavras mais que "sim" e "não", quando a interrogava o presidente, dirigiu-se ao mesmo e falou-lhe com voz firme.

            A princípio ocupou-se de certos assuntos, que somente Lincoln parecia compreender. Depois a voz, adquirindo um acento forte e másculo, abordou o problema do dia - a Proclamação da Emancipação, declarando ao presidente que não modificasse de modo nenhum as suas intenções, e, servindo-se de uma linguagem enérgica e solene, intimou o chefe da nação para que a data da proclamação não ultrapassasse o fim do ano (1), devendo ser esse ato o coroamento de sua legislatura e de sua vida.

            (1) Era em Setembro de 1862. A proclamação foi publicada em 1º de Janeiro de 1863.
            O presidente Lincoln foi assassinado no teatro, em Washington, pelo ator Booth, no dia 14 de Abril de 1865.

            Cumpre não dar ouvidos, dizia a inspirada, àqueles que aconselham o adiamento; cumpre permanecer firme em suas convicções, executar a tarefa, realizar enfim a missão que a Providência lhe há confiado."

            Declararam testemunhas presenciais que "com tanta majestade foram pronunciadas as últimas palavras, com tanta eloquência e em termos tão nobres e alevantados que pareciam ordens emanadas de algum arcanjo."

            Voltando ao estado normal, Miss Nettie deparou com o presidente, que se - assentara e, de braços cruzados, fixava-lhe o olhar admirado.

            Cheia de perturbação, a médium, procurando recordar-se do lugar em que se achava, afasta-se, no meio do profundo silêncio que todos guardavam.

            Afinal, um dos assistentes, amigo íntimo de Lincoln, perguntou-lhe à meia voz se não havia notado alguma coisa de especial no modo de discorrer do orador, a quem acabavam de ouvir.  O presidente teve um estremecimento, como se saísse de um sonho, e, erguendo a mão - foi esta a sua silenciosa resposta - apontou para um retrato que pendia da parede. O retrato era do ardente chefe de partido, o grande Daniel Webster, cuja eloquência irresistível vibrara outrora no Senado e sempre sobre o interminável problema da escravidão.

            - Se não me julgais indiscreto, murmurou o Sr. Somes, poderei perguntar se efetivamente, Sr. presidente, houve pressão, como a voz revelou, para ser adiada a proclamação?

            Com um sorriso benévolo, respondeu Lincoln:

            - Nas atuais circunstâncias a pergunta vem muito a propósito. Posso dizer que me é preciso empregar toda a minha vontade e todos os meus esforços para resistir a essa pressão  que exige o adiamento...

            E, voltando-se para a jovem médium, disse:

            - Minha filha, possuís um dom verdadeiramente extraordinário. Que ele venha de Deus, não o duvido. Agradeço a vossa vinda até aqui, esta noite. É mais importante do que podem supor todas as outras pessoas presentes. Espero ainda ver-vos. 

            E retirou-se.

                        (De L'Intervention des Invisibles dans l'Histoire Moderne.)



sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Em defesa da Reencarnação




Em Defesa
 da Reencarnação
Reformador (FEB) Outubro 1947

Si par malheur elle n’avait pas été instituée par Dieu,
 si elle était exclue de Ia réalité des choses, l'homme,
pour seulement l'avoir rêvée,
se serait montré pIus grand et meilleur que Dieu! -
Charles Lancelin ("La Réincarnation").


            Durante os anos de 1915 a 1918, nos horrores da primeira guerra mundial, em Paris, um sábio de primeira grandeza, o Dr. Gustavo Geley, trabalhava assiduamente na preparação de um livro monumental que deveria dar mais altos ideais ao homem, e, em 1919; a editora "Librairie Félix Alcan" lançava essa obra excelente à luz da publicidade com o título “De l'Inconscient au Conscient".

            Partindo da filosofia pessimista de Schopenhauer, mas juntando-lhe os conhecimentos mais recentes da fisiologia e da psicologia, o pensador francês elaborou um curso de filosofia científica, baseada nos conhecimentos novos, e extremamente otimista. Refutou todos os erros da filosofia materialista e demonstrou que ela é anticientífica, porque não abrange todos os fatos observados em nossos dias. Esse livro é, portanto, uma revolução no mundo científico que tem tentado esquecê-lo, fazendo-lhe a guerra do silêncio; mas ele não morrerá e recentemente foi pela primeira vez impresso em nosso Novo Mundo pela Editorial "Constância", de Buenos Aires, o que lhe vai dar novo impulso entre os estudiosos progressistas.

            No livro todo não existe a palavra Espiritismo, no entanto é uma obra que confirma todos os ensinos do Espiritismo e dá nova força à Doutrina revelada pelos Espíritos. Baseando-se na observação dos fatos na psicologia normal e na psicologia anormal, o Autor vai concluir inexoravelmente pela existência de um dínamo-psiquismo preexistente e sobrevivente ao corpo, dínamo-psiquismo que é o "eu", o ser essencial e imortal. Assim chega à palingenesia ou doutrina reencarnacionista como perfeitamente demonstrada à luz dos fatos e não pela revelação nem pelo raciocínio. Defende brilhantemente a velha verdade conhecida em todos os tempos pelos mais profundos pensadores e, depois de demonstrar a necessidade da reencarnação para explicar os fenômenos da vida, cita o parágrafo lapidar de Charles Lancelin que disse: “Se por desgraça ela (a reencarnação) não houvesse sido instituída por Deus, se houvera sido excluída da realidade das coisas, só por havê-la idealizado, o homem ter-se-ia mostrado maior e melhor do que Deus!"

            Realmente assim é. Um Deus que não dispusesse das encarnações sucessivas para praticar integralmente a Sua justiça, seria imperfeitíssimo e só podemos conceber Deus absolutamente perfeito em todos os Seus atributos.

            A chocante desigualdade de índole dos indivíduos, manifestando-se desde o berço até o túmulo: uns, sensíveis, amorosos, piedosos, inteligentes, intuitivos, com virtudes inatas, verdadeiros predestinados à vida superior do espírito, à sabedoria e à santidade e isso contrariamente ao meio e à ascendência, como um Francisco de Assis; outros, com as mais terríveis tendências, igualmente inatas: cruéis, insensíveis, brutais, desprovidos de inteligência, sem raciocínio, ferozes e rudes, predestinados ao crime, ao cárcere, à morte violenta. As diferenças de meios: uns nascem em cidades cultas, filhos de pais piedosos, dispõem de mestres e escolas, dentro do Cristianismo, recebendo exemplos santificantes no lar, na escola, na sociedade, com tudo predisposto para cultivarem virtudes e saber e tornarem-se melhores durante a vida; outros, ao contrário, nascem nas tribos bárbaras dos desertos, entre seres violentos e maus, entregues aos instintos animais, aprendendo desde a infância a praticar a violência, sem meios de instruírem-se, sem religião nem filosofia que os oriente na vida. Mesmo dentro da civilização cristã, há convicções inteiramente opostas: pode nascer-se num lar materialista, onde não existe a crença em Deus e onde a virtude basta ser de aparência; onde a propriedade só tem limites na legalidade material, mas é sempre considerada legítima desde que preenchida a formalidade legal externa para que a polícia a garanta, ou, em outras palavras, onde o furto é somente aquilo que a polícia veja e possa impedir; mas pode nascer-se na casa ao lado, onde a religião é uma realidade e a mais delicada consciência regula todos os atos da vida, onde mais belos exemplos são recebidos desde o berço.            

            Quantos bilhões de homens nasceram, viveram, morreram, nas civilizações pagãs da antiguidade, quando matar era reputado virtude, heroísmo, valor, mas a brandura era desprezada como fraqueza! Vestígio dessa mentalidade temos ainda na palavra virtude que vem de virtus, formada de vir, varão, e significa força, coragem, masculinidade, em oposição às qualidades da mulher, então consideradas desprezíveis. E aquelas civilizações idólatras e impiedosas que duraram milênios antes do Cristo, foram substituídas, um pouco mais tarde, pelo fanatismo religioso da Idade Média que julgava ato de profunda piedade cristã queimar vivos os hereges. E agora, nos anos de 1933 a 1943, toda a juventude alemã era educada para matar, para destruir as raças inferiores, como a dos judeus, a dos polacos, a dos russos. Todas as virtudes do Cristianismo lhes eram apresentadas como crimes contra a nacionalidade.

            Toda essa balbúrdia imensa das nossas ideias morais através dos séculos e dos milênios, do ponto de vista da existência única, faria de Deus um ser monstruoso, injusto, que a uns deu todos os meios de salvarem-se e a outros negou todos esses meios, que condenou previamente à danação eterna milhões de gerações, todas as grandes civilizações da antiguidade, de antes do Cristo, e todas as civilizações que até hoje não conheceram o Cristianismo, religião conhecida somente de uma quarta parte da humanidade contemporânea. Essa concepção monstruosa de Deus equivalia à negação completa de Deus e conduziu a humanidade ao materialismo sempre crescente que culminou nas ideias modernas de nazismo e correlatas, na concepção da vida em sua forma primitiva e animal, rompendo com todas as civilizações religiosas, abolindo toda a revelação e voltando ao materialismo simples e puro da animalidade inconsciente e moralmente irresponsável.

            Negando a antiga crença nas reencarnações, as Igrejas judaica, católica romana, grega ortodoxa e as protestantes assumiram a mais tremenda de todas as responsabilidades históricas: fizeram a humanidade abandonar o Cristianismo e voltar ao paganismo materialista; porque a inteligência desenvolvida, nestes séculos mais recentes, não podendo admitir a existência de um Deus injusto e monstruoso, preferiu negar totalmente a existência da Deus, da Providência e entregar-se ao materialismo absoluto. Foram, efetivamente, as classes mais instruídas, os enciclopedistas do século 18, os filósofos, os cientistas, que não podendo 'aceitar o ensino' das Igrejas, quanto à existência de Deus e do mundo espiritual, proclamaram o materialismo. A mais completa negação de Deus se acha, como súmula da evolução rumo à descrença, na Filosofia Positiva, de Augusto Comte, no primeiro meado do século 19, pouco antes do nascimento do Espiritismo que a veio contestar em sua própria essência.

            Basta demonstrar-se a realidade da palingenesia e tudo se esclarece; vemos a mais perfeita Justiça reinando no Universo e realizando o soberano bem através das longas séries de encarnações dos mesmos Espíritos. Nenhuma daquelas almas que viveu nos tempos bárbaros se perdeu, nenhuma que hoje- vive longe da civilização cristã, ou fora da religião, se perde; todas colhem experiências preciosas e as acumulam para seu próprio crescimento. Nascem homens com ideias criminosas inatas, porque são velhos criminosos perseverantes no mal, mas colhem as dores consequentes do mal e vão-se corrigindo, melhorando, rumando a pouco e pouco para a harmonia divina. Nascem outros com a sabedoria e a santidade inatas, porque já as conquistaram através de experiências milenárias na prática das virtudes superiores. Não receberam mais do que os seus irmãos infelizes, mas construíram, eles próprios, sua felicidade, que aqueles outros ainda terão de construir.

            Defendendo bravamente a palingenesia à luz da ciência, como médico ilustre, o Dr. Gustavo Geley prestou relevante serviço à humanidade. Repetiu em outros termos e para outra classe social os mesmos ensinos de Allan Kardec que o mundo havia desprezado, principalmente na Europa. Reafirmou as doutrinas antigas e modernas que o homem lógico do futuro terá que aceitar.

            Os nossos irmãos argentinos que reimprimiram no Novo Mundo o livro de Geley fizeram obra de grande futuro e merecem todos os nossos aplausos. Neste momento da evolução do mundo coube ao Brasil e à Argentina levantarem bem alto o pendão do progresso reencarnacionista. Está nascendo nestes dois países a civilização espiritualista do futuro. Estamos como depositários de uma grande Revelação que terá de transformar o mundo e não podemos meter a luz debaixo do alqueire. Temos que colocá-la muito alto. O Velho Mundo desprezou a nova Revelação e descaiu para o materialismo. Temos neste momento a grande responsabilidade de cultivar e divulgar pelo mundo a Doutrina reencarnacionista moderna que é a verdade eterna e inalterável. Só ela permitirá aos homens compreenderem o plano divino da evolução, só ela salvará o mundo dos horrores das trevas que este vem atravessando.

            Os Espíritos superiores estão cumprindo seu dever desde o meado do século passado. Há um século que estão baixando à Terra e ensinando a doutrina reencarnacionista. Ainda agora, na Inglaterra, diversos médiuns estão recebendo ensinos reencarnacionistas e está surgindo lá uma nova literatura espírita reencarnacionista. O mundo conhecerá a verdade e a verdade libertará o mundo de seus próprios erros.