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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O Tempo Urge



             
            Quando o Senhor determinou que algumas das Virtudes Celestes viessem ao mundo, trazendo a Felicidade para as criaturas, a acercou-se do Homem, antes das demais, e disse-lhe compassiva:

            - O Poder Superior governa-nos o destino. Confia na Providência do Pai Misericordioso e aprende a contemplar mais longe...

            O Homem sorriu e replicou:
           
            - O tempo urge. Viverei seguro na máquina de ganhar e guardar facilmente. Não aceito outras deliberações que não sejam minhas.
           
            Veio a Humildade e pediu:       

            - Meu filho, não te vanglories do que possuis, porque Deus concede os recursos no momento preciso e retoma-os, quando julga oportuno. Sê simples para contentar a ti mesmo.

            - O tempo urge - exclamou o Homem, sarcástico -, e se o minuto é meu, que me importa a eternidade? Gozarei o dia, segundo meus desejos. Não tenho necessidade de submeter-me para ser feliz.

            Chegou a Bondade e suplicou:

            - Ajuda no caminho para que outros te beneficiem. Nem todos os instantes pertencem à primavera. Sê compreensivo e generoso! O rico pede cooperação fraternal, a fim de que a fortuna o não encegueça; e o pobre reclama concurso, para que a escassez não o conduza ao desespero.

            - O tempo urge - gritou o Homem - e não posso deter-me em ninharias. Quem dá, espalha; quem nega...  concentra. Minha defesa aparece em primeiro lugar.

            Surgiu a Paz e implorou:

            - Amigo, esquece o mal e glorifica o bem. Não entronizes a discórdia. Cede em favor dos necessitados. Não te detenhas no egoísmo voraz.

            - O tempo urge - respondeu o Homem, e se eu renunciar ao alheio interesse, que será de mim? Cedendo, perderei. Não guardo vocação para a derrota.

            Em seguida, compareceu a Paciência e aconselhou:

            - Age com calma. Não exijas serviçais em toda parte, porque a tarefa de outros é igualmente respeitável. Socorre os semelhantes, consciente das próprias necessidades espirituais. Não esmagues as esperanças dos pequeninos e atende à justiça onde estiveres.

            - O tempo urge - repetiu o Homem irônico - e as horas correm excessivamente apressadas para que me entregue a problemas de tolerância. Fixando direitos alheios, não perceberei os que me dizem respeito.

            Logo após, abeirou-se dele a Compaixão, implorando:

            - Irmão, apieda-te dos fracos!..

            O interpelado não lhe permitiu continuar.

            - O tempo urge - bradou - e a questão dos pusilânimes não me atinge. Sou forte e nada possuo de comum com os inúteis e inábeis.

            A Caridade apareceu e apelou:

            - Meu amigo, perdoa e ajuda para que a tranquilidade more contigo. Tudo passa na carne. A eternidade reside em teu coração. Porque não te amoldares à lei do amor, a benefício da própria iluminação?

            - O Homem, porém, redarguiu, entediado:

            - O tempo urge! deixem-me! conheço o caminho e vencerei por mim. Quem perdoa, opera contra a dignidade pessoal e quem muito ampara desampara-se.

            Reconhecendo, todavia, o Senhor, que o Homem estragava o tempo e consumia a vida, inutilmente, sem qualquer consideração para com as Virtudes salvadoras, enviou-lhe alguns dos seus Poderes, de modo a chamá-lo a Juízo.

            Aproximou-se inicialmente a Dor.

            Não lhe deu conselho algum.

            Privou-o do equilíbrio orgânico e acamou-o.

            O Homem modificou gesto e linguagem, suplicando:

            - Quem me acode? Compadeçam-se de mim...

            Mas a Dor respondeu apenas:

            - O tempo urge.

            Logo após, veio a Verdade e apodreceu-lhe o corpo.
           
            O Homem rogou:  

            - Piedade! piedade! Salvem-me! ..

            A Verdade, contudo, limitou-se a dizer:

            - O tempo urge.

            Em seguida, veio a Morte.

            O Homem reconheceu-a, apavorado, e pôs-se a gritar:

            - Livrem-me do fim! não posso partir!.. não estou preparado!... Socorro!... socorro! ...

            A Morte, no entanto, repetiu:

            - O tempo urge.

            E arrebatou-lhe a alma.

Irmão X  

por Chico Xavier

in Reformador (FEB) Agosto  1948



17. "Amor à Verdade"


17
“Amor à Verdade”
por Alpheu Gomes O. Campos
Marques Araújo & C. – R. S. Pedro, 216
1927



 Alvorada


            Açulando a nossa ingênita curiosidade, o evolucionar dos povos leva-nos a pesquisar a razão de ser das coisas, as quais, todavia, nem sempre sabemos bem interpretar.

            Entre outras, nota-se a desigualdade das condições, dos sentimentos e das raças, do que tudo resulta, aliás, um equilíbrio para a vida terrena.

            Não raro vemos, por exemplo, a gente negra, já de seu natural humilde, feita alvo do menosprezo de seus semelhantes; e mais: do ódio que lhe votam, de séculos, insanamente, certos povos. Quem não ouviu aí a frase insensata: “Negro não é gente!” Não, não devemos assim amesquinhar a obra do Criador, que só poderia tê-la organizado sabiamente.

            A razão de ser de quantas aparências nos concitam à critica - irrisória crítica, não há dúvida - está na evolução, na vida pretérita de indivíduos e nações. Almas que faliram quando ricas - hoje lutam, expiando, com a pobreza; almas orgulhosas, que humilharam - hoje são humilhadas, conduzidas a escamar-se em baixa classe e servir a quem já lhes serviu, digerindo assim as consequências de suas anteriores faltas.

            Principalmente de certa data para cá, acentuadas e sucessivas modificações tem-se operado nas ideias e costumes dos homens, apesar do orgulho e da ambição, causas ainda de reiteradas pelejas, tremendas guerras, por sua vez seguidas da dor, da fome e da miséria.

            Assim é porque os homens são maus; porém Deus consola os aflitos e substitui pouco a pouco a população de irrefletidos, que só às duras se regeneram, por almas que também foram viciosas, mas que tangidas pela divina mão, toparam a felicidade, aprendendo a bem dizer a dor. Cheias de gratidão ao Pai, que lhes concedeu, como infalível medicina, para seu mais rápido voo, a visita do sofrimento; amando já os infelizes que atuaram como instrumento dele, correm agora a ajudá-los para que de sua parte também se elevem.

            A obra do Criador é incessante; e os progressos morais que devemos alcançar tem como fatores máximos a dor e o amor.

            Sublimemo-nos portanto em nossos conceitos, e busquemos ver no pobre, no maltrapilho, no preto, uma alma que expia e, por conseguinte, se aproxima da luz - ou um espírito já de certo mérito, que toma a vida rasteira para mais se exalçar.

            Melhor, muito melhor,  acerca de tudo isto nos instrui, conforme segue, o nosso desvelado Guia.

            “Paz de Maria seja contigo.

            “A luz sublime, que irradiando do Mestre vem iluminar a Terra com o esplendor que lhe é peculiar, torna-se irresistível ao mais endurecido espírito que de longo viva na maior ignorância da lei e do amor.

            “À seara tem-se de dia em dia enriquecido com  a conversão metódica e segura que vimos fazendo em diversos pontos onde se nos oferecem elementos.

            “No espaço, mais do que nunca, agita-se a alma em busca da luz, do amor e da verdade.

            “Os trabalhos multiplicam-se cada vez mais; e se Deus permitir, entre os homens baixarão enviados que, pelo saber e pela moral, despertem para as coisas superiores os habitantes da terra.

            “Disse Jesus que a seu tempo mandaria o Espírito da Verdade; pois aproxima-se o momento:  entre alegrias dos grandes do espaço e júbilo dos pequenos da terra, brilhará o farol que deve orientar a humanidade.

            “Enorme tem sido a cegueira dos homens, assim o egoísmo entre irmãos, que, amparando-se mutuamente, o que deviam é convergirem para a luz e a verdade.

            “Outrora, quando Jesus falava ao povo, lutava por vencer as dificuldades naturais devidas ao atraso da população; hoje, a maior parte fez relativo progresso, o bastante para compreender que Deus existe e ama a todos os seus filhos, esperando-os de braços abertos.

            “Abençoado seja pelo Altíssimo o que sofre por amor do bem; porque a esse lhe será dada muita felicidade, paz e sabedoria: infeliz, porém, do que persegue; porque, assim fazendo, retarda o abrir do dia que tem de aclarar a estrada do futuro.

            “Breve teremos novos lumes pairando, sobre os médiuns de boa vontade, visto como as suas preces são ouvidas, o seu amor sentido, o seu trabalho favoneado (favorecido).

            “Reprimir uma pessoa a voz da razão, quando lhe diz que não conhece a verdade, que está fora e longe dela, é procurar não só a ruína do seu próximo, senão ainda a infelicidade própria, de que só muito tarde se poderá desimpedir.

            De todos os tempos, Deus, em sua infinita misericórdia, tem enviado mensageiros para ativarem o progresso, sendo eles sempre perseguidos e odiados, vítimas, na Terra, das ingratidões daqueles mesmos por quem veem pugnar.

            Agora, porém, fulgirá o mundo com a multidão de enviados que vão baixar; sujeitos às leis dos homens e da matéria, devem receber a luz e coá-la  nas trevas, até que sejam estas inteiramente dissipadas.

            “Milhares de espíritos convertidos principiam, pela reencarnação, a tomar parte no renovamento dos povos. Almas que pela primeira vez revestem corpo em provas escolhidas e estudadas para o seu adiantamento, são pequenas e fracas, e tudo quase tem ainda que fazer mas tem fé; confiam; e Deus, que conhece todos os pensamentos, até os mais ocultos, mandará também seus filhos diletos, a fim de que, ao lado daquelas, possam confortá-las nas diferentes provas, ensinando-lhes a abençoar a dor e perdoar as ofensas. Dias terão, certo é, de angustias; estas, porém, ser-lhes-ão quais meros acidentes, sem força  já de as conturbarem, por fortes agora em Deus.

            “Dos iluminados um será maior e só virá quando tenham preparado a regeneração dos infelizes do espaço, para que sua obra seja proveitosa à coletividade.

            “Sim, tudo isso dar-se-á; e a substituição dos habitantes da terra já foi iniciada, não podendo, entretanto, deixar de ser gradativa, pois muitas lutas ainda surgirão entre os homens, que precisam de expiar, e só com a dor se emendam.

            “Deus, meu carinhoso filho, permitiu para breve a luta entre povos que se hostilizam por ódio e orgulho, tendo como pretexto a disparidade das raças. Eterna cegueira da espécie humana, que só busca as exterioridades, o que faz até no culto a Deus. A guerra que se prepara e rebentará ainda em teus dias de vida, obedece a um ensino que deve ser dado à humanidade, convém saber: os orgulhosos serão humilhados.

            “Nascer, crescer, evoluir sempre - eis o dever do homem; odiar, perseguir, humilhar - eis a desobediência aos ensinos. Infelizes obcecados pelas grandezas terrenas, sem compreenderem que assim a pobreza como a fortuna são provas para o progresso e  que a raça tanto como a inteligência são meios de contrabalançar os povos, para que, com a lei da equidade, possa a harmonia permanecer entre eles, vem, tais infelizes, em seu irmão um inferior, porque é preto, ou porque é pobre, não se lembrando de que o preto de hoje foi o branco de ontem, do mesmo modo que o será novamente amanhã.

            “Os de pele tisnada merecem ser tratados com carinho, atento que, entre eles, não só se encontram espíritos que sofrem as duas provas, como entes queridos que, para alcançarem maior avanço, procuram humildar-se, resgatando, ao mesmo tempo, certas dívidas com o servir a outros a quem no passado prejudicaram.

            “Raça inferior, dizem muitos, sem desconfiarem sequer que no seio deles se contam iluminados espíritos, aos quais os graúdos da Terra terão que se curvar envergonhados de serem tão menores; almas simples, que sofrem pesadas humilhações e com elas ensinam a orgulhosos e maus, que tem por expiar crimes bem mais tenebrosos do que as cores que tão vãmente desprezam, insensatos e pueris desconhecedores da solicitude do Criador e da luta para o engrandecimento.

            “Espíritas! agora mais do que nunca, abri o coração à dor e, sem temê-la, cumpri vosso dever. Deus vos fez depositários de um tesouro tal, que quanto mais dele derdes, tanto mais tereis.

            “Mãos à obra, pois; e ajudai, como trabalhadores da seara, que sois, a rasgar o aceiro por onde virão os portadores da luz que deverá resplandecer sobre as vossas cabeças, guiando-vos na interpresa.?

            Deus espera o concurso de cada um na grande obra da regeneração. Mas ai dos de vós que vos tornardes maus depositários dos ensinos, desvirtuando-os pelo interesse e vãs paixões: caro vos custará!”



55c. "Doutrina e Prática do Espiritismo"




55c



            Na exaltação de meu espirito, saltava de alegria e logo a minha forma e o meu vestuário me chamavam a atenção.

            De repente notei que podia ver uma tênue costura nas costas do vestuário.

            - E como posso ver as minhas costas? refleti eu...

            De novo o verifiquei, olhando para as costas do vestuário e parte posterior das pernas até aos calcanhares.

            Levei a mão à cara para tocar nos olhos, encontrando-os no seu lugar; mas seria como o mocho, que pode dar meia volta completa à cabeça'? Tentei faze-lo, sem resultado.          .

            Ocorreu-me então que, saindo do corpo por um Instante, teria talvez a faculdade de ver pelos olhos materiais dele, c voltei, olhando para trás pela porta entreaberta, a verificar se a cabeça do meu corpo, podia ver-se em linha reta donde estava. 

            Nesse instante descortinei um fio tênue como uma teia d'aranha saindo-me de trás dos ombros e ligando-me com o meu corpo, por inserção na base do pescoço. Fiquei nesta conclusão: que em virtude de tal laço, podia servir-me dos olhos do corpo e tornei a descer para a rua.

            Dados apenas alguns passos, perdi de novo a consciência. Quando voltei a mim, estava no ar, sustentado por mãos que levemente me apertavam.

            O dono dessas mãos, se acaso o tinham, estava por trás de mim e impelia-me para cima de modo rápido mas agradável. Com o tempo compreendi melhor a minha situação; fui elevado e deposto à vontade na entrada de um caminho estreito, bem construído e que subia com uma inclinação de 45 graus.

            Levantando os olhos, o céu e as nuvens pareciam à altura habitual; abaixando-os, vi os cimos verdejantes dos bosques e pensava que as árvores em baixo ficavam à mesma distância  que as nuvens em cima. Examinei os materiais do caminho, sendo quartzo cor de leite e de bonita areia.         

            Tomei um grão e examinei-o atentamente; recordo-me muito bem de que tinha no  centro uma pequena mancha preta, e aproximando-o dos olhos, vi que era uma pequena cavidade, aparentemente causada pela ação química de qualquer metal.

            Tinha chovido, fazendo-se sentir o fresco.

            Notei que, apesar da inclinação, nenhuma fadiga sentia na marcha, sendo os meus pés leves e os passos incertos como os de uma criança.

            Ao subir, acudia-me a lembrança da minha doença recente e alegrava-me da atual saúde e força nova. Depois invadiu-me um grande sentimento de desolação, e, desejando a sociedade, raciocinei que, morrendo gente a cada instante; era muito provável que em meia hora alguém viesse aquelas montanhas, e assim teria companhia.

            Aguardando-o, examinava a paisagem em volta de mim. Ao nascente havia uma longa cadeia de montanhas, e em baixo estendia-se a floresta até aos flancos e para além dos seus cumes. A meus pés desdobrava-se um vale guarnecido de árvores no qual corria um soberbo rio, cujas águas se quebravam em flocos de espuma de encontro a pequenos cachopos. Comparava-os ao rio Emeraude e às montanhas se assemelhavam muito ao pico de Waldron.

            A escarpa das rochas negras à esquerda do caminho fazia-me lembrar Lookont Mountain, no sítio em que a via férrea passa entre o rio Tennessee e a montanha.

             Assim as três grandes faculdades do espírito, memória, juízo e imaginação, funcionavam ainda na sua integridade.

            Esperei um companheiro durante quase meia hora, mas não veio.

             Lembrou-me então que talvez cada um, ao morrer, fizesse sua jornada individualmente, obrigado a viajar só; pois que, não havendo duas pessoas absolutamente iguais, podia suceder que no outro mundo, não se encontrassem dois viajantes na mesma estrada.

Conquanto não pensasse em pessoa determinada que de preferência desejasse ver, tinha para mim como certo que alguém viria ao meu encontro.

            - Anjo ou demônio, refletia eu, um virá, e tenho curiosidade de ver qual. 

            Recordava-me de que não nutrira fé nos dogmas ortodoxos, tendo verbalmente professado urna crença livre, que julgava melhor. Todavia ponderei comigo: - nada sei; há aqui lugar para a dúvida, lugar para o erro? Quem sabe se sigo o caminho dum destino terrível? - Aqui ocorre uma coisa difícil de descrever; em volta de mim e de diferentes pontos, sentia a invasão de pensamentos expressos:

            - Não tenhas receio! Tu estás salvo!"

            Nenhuma voz ouvia nem via pessoa alguma; tinha, porém, perfeita consciência de que, a diversas distâncias, de pontos diversos alguém pensava estas coisas a meu respeito.

            Como tinha eu disso consciência? - O fato era tão misterioso que duvidava quase da sua realidade. Um sentimento de dúvida e de receio me invadiu e já me julgava um ente bem infeliz, quando um rosto cheio de inefável amor e ternura me apareceu um instante, fortificando a minha fé.

            Na minha frente, a alguma distância, aparecem de súbito três prodigiosos rochedos, cortando-me o caminho; à sua vista me detive, admirado de que estrada tão bela pudesse estar assim bloqueada.

            Enquanto perguntava a mim mesmo o que devia fazer, uma nuvem sombria, cuja extensão avaliei em mais de 2000 pés, apareceu por cima da minha cabeça. Em breve essa nuvem era sulcada de traços duma chama viva e movediça, que não se apagavam ao contato da nuvem, porque eu os via atravessando-a, como se veem os peixes na água profunda.  

            A superfície da nuvem abriu-se como uma tenda imensa e volveu lentamente em volta do seu eixo vertical. Logo que voltou três vezes, tornei-me consciente da presença de um ser, que eu não podia ver, mas que eu sabia vir da parte meridional. Sua presença não era como uma forma, era como uma vasta inteligência que enchia a nuvem. Não era como eu pensava: minha forma enche um pequeno espaço, que fica vazio quando me desloco, enquanto que ela pode encher a imensidade quando quiser e mesmo sem deixar a nuvem.

            Então dos flancos dessa nuvem foram projetados dois jatos, semelhantes a línguas de vapor, suspendendo-se docemente de cada lado da minha cabeça.

            Logo que me tocaram, pensamentos que não eram os meus entraram-me no cérebro.

            - São, disse eu, os seus pensamentos e não os meus; poderiam ser em grego ou hebraico e do mesmo modo os compreenderia. Mas quanto devo agradecer na minha língua materna por poder compreender assim toda a sua vontade!    
           
            Contudo, ainda que a minha percepção fosse em inglês, essa linguagem estava tanto acima do que posso exprimir, que difere da realidade como a tradução duma língua morta difere do original. Assim, para exprimir: - É este o caminho que conduz ao mundo eterno,  a frase só tinha quatro palavras. Nem uma única frase, se houvesse de escrever-se, podia se conter num só período, tal era a complexidade do sentido.

            Eis a súmula como a posso dar:

            "É este o caminho que conduz ao mundo eterno. Os rochedos marcam  a fronteira entre os dois mundos e entre as duas vidas. Uma vez passada a meta, não poderás mais voltar ao corpo. Se o teu fim é escrever as coisas que viste e dar ao acaso a sua publicação, relatando-as particularmente, no segredo da intimidade, se é isso apenas, tens concluído e podes passar além daqueles rochedos. Se, porém, concluis, depois de teres visto e refletido, que é preciso publicar e escrever o que presenciaste e que isso deve atrair e instruir, tua missão não está cumprida e podes voltar ao teu corpo ... "

            Encontrei-me em frente e junto dos rochedos onde havia quatro passagens: uma muito escura, à esquerda, entre a escarpa e o último rochedo desse lado; outra, em arco abatido, entre a rocha da esquerda e a do meio; uma semelhante entre esta e a da direita ; e enfim um atalho muito estreito, contornando o rochedo da minha direita, sobre a borda do caminho...

            Pensava eu ver em breve anjos ou demônios, ou uns e outros talvez, quando vi essas duas formas, tais quais muitas vezes a minha imaginação as criou. 

            Examinando-as de perto, reconheci que não eram reais, mas uma simples imagem de meus pensamentos e que qualquer forma podia ser produzida desta maneira.

            - Que mundo maravilhoso, refleti eu comigo, em que o pensamento se torna tão intenso que reveste formas visíveis! Quanto vou ser feliz neste reino do pensamento!"



terça-feira, 4 de setembro de 2012

16. "Amor à Verdade"


16
“Amor à Verdade”
por Alpheu Gomes O. Campos
Marques Araújo & C. – R. S. Pedro, 216
1927



Os que buscam alívio


            “Desde que o espiritismo se fez conhecido, a ele recorrem milhares de pessoas sedentas de alívio; mas muito raramente correspondem ao favor concedido pelo Pai.

            “Os que sofrem, estão passando por provas: e estas são meios de fazê-los evolucionar. Se assim é, preciso se torna o real aproveitamento delas.

            “Quando alguém que padece, encontra na doutrina remédio a seus males, contrai com ela uma dívida de gratidão, cumprindo-lhe, por isso mesmo, diligenciar conhecê-la, para que maiores proventos aquiste (ganhe).

            “Precisamos fazer compreender aos nossos irmãos - notadamente aos espíritas - que deles é obrigação não só doutrinar os que perseguem, mas também o perseguido, para que possa, por sua vez, livrar-se de novas dores que sucederão as primeiras, e assim, com esforço próprio, progredir.

            É claro que nada se passa sem a permissão divina; porém, é mais claro ainda que tudo quanto é sua vontade tão somente visa à felicidade dos homens.

            “Não devemos, sob pretexto algum, estacionar; e os mais esclarecidos não devem perder o ensejo de passar a seus irmãos o mais que puderem, a fim de que em dobro recebam.

            “Muitas vezes, os que buscam alívio no espiritismo, veem, ao cabo de algum tempo, a repetição dos padecimentos; e então, ou descreem da doutrina, ou de novo a eIa volvem, sem mais outro sentimento que o egoísmo.

            “Sempre que uma dor nos acorda, havemos, para andar com acerto, de interpretá-la como um chamado ao cumprimento do dever, seja para com Deus, ou para com o próximo.

            “As faltas perpetradas, diariamente pela maioria dos encarnados vão ser motivo de futuras dores, porque a lei sublime do amor não admite ficar sem reparo qualquer dano causado.

            “Ora, os espíritas são também espíritos em provas e expiações; os sinceros e que desejam, portanto, caminhar, devem educar os que se socorrem dos seus bons ofícios, para que sua obra seja completa.  Além de que, assim evitarão uma falta, cuja reparação lhes será pedida: praticar uma falta não é só fazer o mal; é também negligenciar o bem a seu alcance.

            “Espíritas! prossegui no firme propósito de aprenderdes ensinando, crescendo sempre para fazerdes aos outros crescer. Quando vossas almas possuírem certa luz e santo amor, vereis com tristeza que muita lacuna deixastes em vosso labor e, arrependidos, pedireis a Deus nova oportunidade em que sanar tais faltas, graves, bem certo é, mas a que, na Terra como encarnados, nenhuma importância dáveis, por julgardes  consistir a caridade apenas em atenuar misérias.

            “A alma que faliu e arde em ânsias de emendar seus erros, avança sempre, sobretudo se é humilde. Porém, para que sua ascensão seja cada vez maior, releva não deixar em seu caminho nenhuma obra incompleta, como frequentemente fazem os próprios espíritas, que ainda não alcançaram a significação real da caridade.

            “A lei é certamente complexa, não pode ser conhecida senão gradativa e metodicamente; porém o conhecimento de um só artigo importa o conhecimento de outro; outro, mais outro, todos enfim, e os retardatários terão, além de lamentar o tempo perdido, que expiar os males resultantes de sua má vontade.

            “Pelo exposto pode-se palidamente avaliar a multidão de infelizes que devem expiar, bem como o sem-número de espíritos de alguma evolução que tem de resgatar omissões de semelhante natureza;  para o que, muitas vezes, topam sérios embaraços, visto como os que, na Terra, conheceis a doutrina não lhes forneceis nem sempre os elementos de que necessitam para fazer-vos adiantar, pagando deste modo, com proteção, o que não fizeram, em ensinos, quando encarnados.

            “É preciso avivar bem os estudos da doutrina codificada por Kardec, a qual tem, em seu conjunto harmônico, tais belezas e segredos, que só o seu conhecimento pode por feliz um povo.

            “A qualquer das suas obras poder-se-á imprimir impulsos de força a produzir inigualáveis riquezas de ensinos.

            “Assim como o mineiro, rasgando o solo, nele encontra as mais puras pedras preciosas, também o espírita, conhecendo os livros daquela grande inteligência, e sabendo palmilhar a derrota neles traçada, descobrirá raridades de inestimável valor, que, manejadas por hábeis mãos, se multiplicarão ao infinito.

            “É tempo de romper por completo o véu que vem ocultando tamanhos tesouros, para que se substitua a felicidade às desgraças da terra. Se a doutrina de Jesus trouxe ensinamentos que a razão cada vez mais alumiada assimila e propaga; se a de Kardec é nem mais nem menos que a interpretação dela, não sendo, portanto, as duas senão uma; se foram, de conseguinte, feitas para todos os povos e para todos os tempos, é lógico, é evidente e intuitivo que o pesquisador imparcial e, o que muito importa, cheio de ações que lhe deem jus a libertação de inimigos diretos, há de desentranhar ainda do âmago de ambas ensinos copiosíssimos, que virão em larga parte contribuir para o progresso do
mundo.

            “Aqui venho, porque me restam ainda a saldar descuidos como os que referi; e se emprego todo o meu amor e desvelo em auxiliar os que se dedicam à doutrina, é para que não cessem de marchar e sobretudo, conhecendo estas minúcias, não mais regressem por expiação, mas venham, por amor, ativar o progredir geral.          

            “Agradeço aos que recebem os meus conselhos, porque, evoluindo, ajudam-me a pagar dívidas, que só nestas condições ficarão realmente liquidadas.

            “Paz de Maria fique contigo.









segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Onde está a Felicidade?



Não adianta procurares a felicidade. 

Ela somente poderá aproximar-se de ti através do trabalho, 
do amor, da caridade, do perdão e da renúncia. 

Todos somos viajores demandando um ponto único. 

De nós dependerá o destino que nos espera, 
porque somos nós que o construímos, 
com os nossos pensamentos e os nossos atos. 

Cada um de nós forja, segundo a segundo, 
minuto a minuto, hora a hora, dia a dia, o seu destino. 

A Humanidade é uma caravana que segue para o Desconhecido: 
uns vão mais depressa, outros mais devagar, 
outros se atrasam no caminho... 

Mas todos chegarão um dia ao fim da jornada. 
Por conseguinte, companheiro, 
atenta bem para o que fizeres hoje, 
a fim de que o amanhã te seja benéfico.

Indalício Mendes 
Reformador (FEB) Nov 1946 



Bens Externos




Bens externos
"A vida de um homem não consiste na abundância das coisas que possui."
- Jesus (Lucas, 12:15.)



            "A vida de um homem não consiste na abundância das coisas que possui."

            A palavra do Mestre está cheia de oportunidade para todos os círculos de atividade 'humana em todos os tempos.

            Um homem reterá vasta porção de dinheiro.

            Todavia, que fará dele?

            Exercerá extensa autoridade. Entretanto, como se comportará dentro dela?

            Disporá de muitas propriedades... contudo, de que modo utiliza os patrimônios provisórios?

            Terá muitos projetos elevados. Quantos edificou?

            Guardará inúmeros ideais de perfeição ...

            Mas estará atendendo aos nobres princípios de que é portador?

            Terá escrito milhares de páginas... Qual a substância de sua obra?

            Contará muitos anos de existência no corpo.

            No entanto, o que fez do tempo?

            Disporá de numerosos amigos. Como se conduz perante às afeições que o cercam?

            Nossa vida não consiste em riqueza numérica de coisas e graças, aquisições nominais e títulos exteriores. Nossa paz e felicidade dependem do uso que fizermos, onde nos encontramos hoje, aqui e agora, das oportunidades e dons, situações e favores recebidos do Altíssimo.

            Não procures amontoar levianamente o que deterás por empréstimo. 

            Mobiliza, com critério, os talentos depositados em tuas mãos.

            O Senhor não te identificará pelos tesouros que ajuntaste, pelas bênçãos que retiveste, pelos anos que viveste no corpo físico. Reconhecer-te-á pelo emprego dos teus dons, pelo valor de tuas realizações e pelas obras que deixaste, em torno dos próprios pés.

 Emmanuel
por Chico Xavier
Reformador (FEB)
Março 1947





domingo, 2 de setembro de 2012

Tic Tac



Excertos do livro...

‘Contribuições para o Espiritismo’

Eu não Creio...

            O analfabeto, ouvindo dizer que a terra é redonda e que os nossos antípodas andam de cabeça para baixo, sorri desconfiado e declara: Eu não Creio!'

            O cego de nascença, se lhe falam das maravilhas da televisão, retrai-se indiferente e murmura: Eu não creio!

            O surdo-mudo, que nunca pode aprender a distinguir um som de um ruído, ao afirmar se lhe que o aparelho de rádio ouve um cochicho à distância de centenas de léguas, dá uma gargalhada e sentencia: Eu não creio!

            "Eu não creio" é expressão ingênua e defensável na boca do ignorante, do surdo e do cego para os fenômenos que só podem estar ao alcance da inteligência e dos órgãos dos sentidos perfeitos.

            Ilustres sabichões - o Espiritismo possui uma ciência que está desafiando a vossa curiosidade. Estudai lhe os fenômenos, pois, enquanto não o fizerdes, se continuais a dizer simplesmente "- eu não creio!",  a vossa negação tem para nós outros o mesmo valor do sorriso do analfabeto, da indiferença do cego, da gargalhada do surdo-mudo.

Meditações...

            Enquanto não tive conhecimento da alma despreocupava-me do destino a que os impulsos de minha índole me conduzissem. Agora, porém, que o Espiritismo me revelou a sua existência e, o que é mais, a sua sobrevivência, apavora-me a visão do futuro, quando me sinto ainda incapaz de refrear inteiramente esses mesmos impulsos.

*

            Mais de uma vez me tem falado algum amigo ateísta:

            - Como deve você se sentir feliz no Espiritismo. Crente de que os seus mortos continuam a viver, e contando também você com a sua própria ressurreição em outro mundo, isso lhe há de assegurar um conforto e uma tranquilidade invejáveis.

            Não deixo nunca, porém, de contraditar essas razões, replicando:

            - Ao contrário, agora, com a certeza da sobrevivência e da reencarnação, inquieto-me muito mais do que ao tempo em que era eu também ateísta. Então, estava eu convicto de que, num dia não muito remoto, ainda que esse dia marcasse a idade do octogenário, tudo estaria acabado. E esse "tudo" é bem a vida de desenganos e desilusões que conhecemos. Mas, sabendo, como sei, sem a menor sombra de dúvida, que um milênio nada mais é do que um segundo na trajetória eterna do espírito, quanto me preocupa o andamento dos ponteiros desse relógio!

            Morrer-viver, viver-morrer, morrer-viver". Eis o ’tic tac’ que não me sai dos ouvidos.

  
por
Alexandre Dias
in  ‘O Mistério das Sombras’ ( Ed. FEB - 1942)






sábado, 1 de setembro de 2012

A Surpresa do Crente





A Surpresa do Crente

Reformador (FEB)
Out 1946

Irmão X
por Chico Xavier

            O devoto, feliz, experimentava a doce comoção do espetáculo celeste. Mais que a perspectiva do plano divino, porém, via, extasiado, o Senhor à frente dele.

            Chorava,  ébrio de júbilo. Sim, era o Mestre que se erguia, ali, inundando lhe o espírito de alegria e de luz.

            Sentia-se compensado de todos os tormentos da vida humana. Esquecera espinhos e pedras, dificuldades e dores.

            Não vivia, agora, o instante supremo da realização? não esperara, impacientemente, aquele minuto divino? suspirara, muitos anos, por repousar na bem-aventurança. Recolhera-se em si próprio, no mundo, aguardando aquela hora de imortalidade e beleza. Fugira aos homens, renunciara aos mais singelos prazeres, distanciara-se das contradições da existência terrestre, afastara-se de todos os companheiros de humanidade, que se mantinham possuídos pela ilusão ou pelo mal. Assombrado com as perturbações sociais de seu tempo e receoso de complicar-se, no domínio das responsabilidades, asilara-se no místico santuário da adoração e aguardara o Senhor que resplandecia glorificado, ali, diante dos seus olhos.

            Jesus aproximou-se e saudou-o.

            Oh! semelhante manifestação de carinho embriagava-o de ventura. Sentia-se mais poderoso e mais feliz que todos os príncipes do mundo, reunidos! ...

            O Divino Mestre sorriu e perguntou-lhe:

            - Dize-me, discípulo querido, onde puseste os ensinamentos que te dei?

            O crente levou a destra ao tórax opresso de alegria e respondeu:

            - No coração.

            - Onde guardaste - tornou o Amigo Sublime - minhas continuadas bênçãos de paz e misericórdia?

            - No coração - retrucou o interpelado.

            - E as luzes que acendi, em torno de teus passos?

            - Tenho-as no coração - repetiu o devoto, possuído de intenso júbilo.

            O Mestre silenciou por instantes e indagou, novamente:

            - E os dons que te ministrei?

            - Permanecem comigo - informou o aprendiz - no recôndito da alma.

            Interrompeu-se o Cristo e, depois de longo intervalo, inquiriu, ainda:

            - Escuta! onde arquivaste a fé, as dádivas, as oportunidades de santificação, as esperanças e os bens infinitos que te foram entregues, em meu nome?

            Reafirmou o discípulo reverente e humilde:

            - Depositei-os no coração, Senhor! ...

            A essa altura, interrompeu-se o diálogo comovente, Jesus calou-se num véu de melancolia sublime, que lhe transparecia do rosto.

            O devoto perdeu a expressão de beatitude inicial e, reparando que o Mestre se mantinha em silêncio, indagou:

            - Benfeitor Divino, poderei doravante abrigar-me na paz inalterável de tua graça? já que fiz o depósito sagrado de tuas bênçãos em meu coração, gozarei o descanso eterno em teu jardim de infinito amor?

            O Mestre moveu tristemente a fronte e redarguiu:

            - Ainda não! o trabalho é a única ferramenta que pode construir o palácio do repouso legítimo. Por enquanto, serias aqui um poço admirável e valioso pelo conteúdo mas incomunicável e Inútil. .. Volta, pois, à Terra! Convive com os bons e os maus... justos e injustos, ignorantes e sábios, ricos e pobres, distribuindo os bens que represaste! Regressa, meu amigo, regressa ao mundo de onde vieste e passa todos os tesouros que guardaste no santuário do coração para a oficina de tuas mãos! ...

            Nesse momento, o devoto em lágrimas notou que o Senhor se lhe subtraía ao olhar angustiado. Antes, porém, observou que o Cristo, embora estivesse totalmente nimbado de intensa luz, trazia nas mãos formosas e compassivas os profundos sinais dos cravos da cruz.