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sábado, 4 de agosto de 2012

50. 'Doutrina e Prática do Espiritismo'




50   ***


            Diógenes Laercio, em sua VIDA DE PITÁGORAS, refere que esse grande mestre da sabedoria antiga, não somente foi o primeiro a ensinar na Grécia a doutrina do retorno das almas a este mundo, como referia aos seus discípulos as particularidades de algumas de suas existências, das quais se recordava.

            Diz assim ter sido o iniciado OETHALIDES, ao tempo dos argonautas: em seguida Euphorbio, morto no cerco de Troia nas mãos de Menelau: posteriormente Hermotimio de Clazomenes, que reconheceu, no templo de Juno, em Argos, o escudo que embraçava, quando, na existência de Euforbio, fora morto, e que Menelau oferecera à deusa: por último fora Piro, um pescador délio, antes de reencarnar como Pitágoras.

            Empédocles também, um de seus discípulos, afirmava ter revestido um corpo de mulher, na existência precedente. Juliano, o apóstata, recordava-se de ter sido Alexandre da Macedônia e Ovídio, o grande poeta latino, dizia ter assistido ao cerco de Troia.

            Mais frisante, porém, é o testemunho de modernas personalidades.

            Ponson du Terrail, um dos populares romancistas franceses da segunda metade do século passado, não partilhando embora a crença espírita, numa carta dirigida ao Sr. Barlatier, e publicada na PETTITE PRESSE de 20 de setembro de 1868, referiu que "em seu domínio das Charmettes, onde se achava, tinha por conviva o cura da aldeia; que este se mostrara muito surpreendido ao ouvi-lo assegurar que se lembrava de ter vivido no tempo de Henrique IV e ter conhecido pessoalmente esse rei. Acreditava que já tínhamos vivido e que viveríamos de novo. Afinal concordou ele que as crenças cristãs não excluem esta opinião; e deixou- me prosseguir."

            Teófilo Gautier e Alexandre Dumas, por sua vez, baseando-se em íntimas recordações pessoais, afirmavam com frequência aos seus amigos a crença, em que estavam, de ter tido outras existências anteriores à atual.

            O mesmo se dava com José Mêry, a cujo respeito foi publicado no JOURNAL LITTÉRAIRE, de 25 de setembro de 1864  (quando, portanto, inda vivia ele) um artigo biográfico, em que, entre outras curiosas particularidades, vinha a afirmação de que esse ilustre escritor acreditava positivamente já ter vivido noutros tempos. Lembrava-se assim de muitas circunstâncias de suas vidas precedentes e as detalhava comum poder de convicção que não deixava lugar à menor duvida. Referia, por exemplo, episódios da guerra das Gálias, em que tornara parte, combatendo na Germania às ordens de Germanicus. Reconheceu os lugares onde  acampara outrora em certos vales, bem como os campos de batalha em que havia pelejado. Minius era o seu nome, nesse tempo em que pertencera às legiões romanas.

            O seguinte episódio, reproduzido, da aludida publicação, por Gabriel Delarme em uma excelente MEMORIA sobre "As vidas sucessivas", apresentada ao Congresso Espírita e Espiritualista, reunido em Londres (1898), parece demonstrar, como bem diz o autor, que "tais recordações não eram simples miragens forjadas pela imaginação.":

            "Um dia, nesta existência, achava-se ele em Roma, de visita à biblioteca do Vaticano, aonde foi recebido por alguns moços, revestidos com os longos hábitos brancos de noviços, os quais começaram de lhe falar no mais puro latim.

            "Méry era bom latinista, em tudo o que se refere à teoria  e à linguagem escrita, mas nunca tinha experimentado conversar familiarmente na língua de Juvenal . Ouvindo esses romanos da atualidade, admirando aquele magnífico idioma, tão maravilhosamente harmonizado com os monumentos e os costumes da época, em que era usado, pareceu-lhe que uma venda lhe caía dos olhos, que ele próprio havia noutro tempo conversado com amigos que dessa linguagem divina se serviam. Frases completas e irrepreensíveis brotavam de seus lábios; achou imediatamente a elegância ,e a correção ; falou, em suma, latim como fala francês.

            "Tudo isso não podia ser feito sem um aprendizado; se Méry não tivesse outrora sido um súdito de Augusto, se não houvera pertencido a esse século de todos os esplendores, não teria certamente improvisado uma aptidão impossível de adquirir em algumas horas. "

            Não menos eloquente é o caso de Lamartine. Em sua  VOYAGE EN ORIENT refere o eminente historiógrafo e poeta:

            "Não possuía eu na Judeia nem Bíblia nem roteiro, ninguém que me indicasse o nome dos lugares e a antiga denominação dos vales e montanhas; entretanto, reconheci imediatamente o vale de Terebinto e o campo de batalha de Saul. Quando fomos ao convento, os frades confirmaram a exatidão de minhas previsões. Meus companheiros não o acreditavam.

            "Assim também, em Sefora, apontei e designei pelo próprio nome uma colina encimada por um castelo em ruínas, como o lugar provável do nascimento da Virgem. No dia seguinte, ao pé de uma árida montanha, reconheci o túmulo dos Macabeus e, sem saber, dizia uma verdade. Com exceção dos vales do Líbano, etc., quase nunca encontrei na Judeia um lugar ou uma coisa que não fosse para mim uma recordação. Teremos, pois, vivido duas ou mil vezes? Não é a nossa memória mais que uma imagem desfigurada que o sopro de Deus faz reviver?"

            Ao lado desses exemplos ilustres podem ser alinhados os seguintes, escolhidos dentre numerosos outros, em que a comprovação de reminiscências anteriores por fatos atuais não é menos eloquente.

            Começaremos pelo caso da menina Meta, inserto em resumo no REFORMADOR de 1 de fevereiro 1898 e calcado sobre a descrição feita pela revista italiana IL VESSILLO  SPIRITISTA, que a encontrou por sua vez no ZEITSCHRIFT FÜR SPIRITISMUS, da Alemanha:

            "Filha de uma abastada família dos arredores de Lubeck, a menina Meta, apesar das instruções com que procuravam modificar lhe a excentricidade das disposições do espírito, mostrava sempre um gênio concentrado e melancólico. Desde pequena manifestava a ideia de já ter vivida noutro lugar, com outro nome e no seio de outra família. Essa reminiscência, ao princípio confusa, foi depois se acentuando ao ponto de poder ela descrever todas as particularidades de sua existência precedente.

            Lembrava-se de que se chamara Ana Maria ; o nome de seu pai, que exercia o mister de seu pai, que exercia o mister de contra mestre, era Henrique Backet, e os de seus dois irmãos, João e Cristiano. De sua mãe não se recordava, sem dúvida por ter morrido quando ela era criança, mas lembrava-se perfeitamente de uma tia, que tratava dela e de seus irmãos. A fisionomia e os hábitos dessas pessoas se lhe conservavam nítidas na mente.

            "Descrevia minuciosamente, sem o poder determinar, o lugar em que vivera, bem como a casinha em que morara coberta de palha, com os vidros das janelas encaixilhados de chumbo, seus compartimentos, a cor das paredes, os assuntos dos quadros, que as ornavam, e o riacho que corria aos fundos da casinha, separando-a de um cerrado e extenso bosque.

            "Recordava-se de que uma vez adoecera e tivera que ficar de cama. Sua moléstia fora grave, pois via os seus a rodearem, tristes, e junto a ela estar frequentemente um médico; um dia ouviu seu pai dizer, entre soluços, que ela tinha morrido, quando, entretanto, sentia-se leve, livre do corpo rígido que ali via estendido.              

            "Viu ser vestido de branco esse corpo e metido num caixão, e finalmente recordava-se de ter ouvido um canto mavioso, que aos poucos se ia aproximando, quando dois seres luminosos se chegaram a ela e a conduziram para o espaço, onde se sentiu muito feliz.

            "Os pais da menina Meta fizeram demoradas pesquisas e vieram a encontrar a aldeia e a casinha, em tudo conforme à descrição feita. No cemitério estava a sepultura do guarda campestre Henrique Backet, falecido em 1837 e, junto, a de sua filha Anna Maria, nascida em 1815 e morta em 1827.

            "A menina Meta faleceu, depois dessa verificação, ainda muito nova, repentinamente e sem que a ciência pudesse descobrir a causa de seu passamento, parecendo isso destinado a chamar sobre ela a atenção e propagar o conhecimento dos fatos em que havia figurado.

            "A lembrança que do passado conservava - termina o narrador - em nada prejudicou suas provas nesta vida, as quais eram tão breves, e veio fornecer a muitos uma confirmação da lei natural das reencarnações."

            O seguinte fato, é referido por Valentin Tournier em sua obra LE SPIRITISME DEVANT LA RAISON:

            "Achava-me em Pau, - escreveu ele - em casa de uma parenta. Na mesma sala que eu estavam uma das filhas da minha parenta, de 10 anos de idade, e o filho de um vizinho, oficial
de encadernador, que ainda não contava três anos. Essas crianças brincavam e eu não lhes prestava atenção, quando fui atraído por uma singular altercação que entre elas surgira.

            "O menino sustentava, muito vermelho e zangado com a menina, por não lhe querer acreditar, que lembrava-se de ter sido soldado e fora morto. Indicava pormenores e mencionava lugares. Julguei dever intervir. Perguntei-lhe o que nesse tempo era seu pai; respondeu que então seu pai não era seu pai; que ele é que era pai. E como eu insistia em que explicasse porque, tendo sido morto, estava novamente vivo, e era pequeno depois de ter sido grande, respondeu: "Não sei. Já fui soldado e fui morto: eu era grande e sou pequeno: foi Deus quem quis." E batia o pezinho, encolerizado, porque nos recusávamos a crer.

            "Tentei, no dia seguinte, recomeçar com ele a mesma conversa. Olhou-me com um ar espantado e compreendeu tanto o que lhe disse, como se lhe houvesse eu falado grego."

            Donde se pode concluir que a visão instantânea do passado apenas fulgira como um relâmpago na mente dessa criança, para logo voltar aos obscuros domínios da subconsciência.

            Caso mais expressivo, todavia, é o que refere o Sr. Bouvéry em sua obra LE SPIRITISME ET L' ANARCHIE, referente a um Sr. Isaac Foster, pai de uma menina Maria, desencarnada no condado de Effingham (Illinois).

            "Teve ele - prossegue a narrativa - alguns anos mais tarde uma segunda filha, nascida em Dakota (1), cidade em que passara a residir- depois da morte de Maria.  A nova filha recebeu o nome de Nellie, mas persistia obstinadamente em querer ser chamada Maria, e dizendo que era esse o verdadeiro nome por que o chamavam outrora.

            (1) América do Norte, como Effingham também.

            "Por ocasião de uma viagem feita cm companhia de seu pai, reconheceu a antiga residência, assim como diversas pessoas, que nunca tinha visto, mas que Maria conhecera perfeitamente.

            "A uma milha de nossa antiga habitação - refere o Sr. Foster - encontra-se o edifício da escola que Maria frequentava. Nellie, que a não tinha visto, fez dela uma descrição exata e manifestou o desejo de a tornar a ver. Levei-a, e, uma vez lá, dirigiu-se diretamente à  escrivaninha que sua irmã ocupava, dizendo:  "Aqui está a minha."

            "Dir-se-ia um morto que voltasse do túmulo - acrescentou o pai." 

            Os três seguintes casos, que extraímos do excelente volume de Leon Denis, LE PROBLEME DE L'ETRE ET DE LA DESTINÉE, são do mesmo gênero, com ligeiras variantes.

            "Uma correspondência enviada de Simla (Índias Orientais) ao DAILY IMAIL refere que um menino, ali nascido, é considerado a reencarnação do falecido Sr. Tucker, superintendente do distrito, assassinado em 1894. O menino recorda-se dos mínimos incidentes de sua vida anterior. Quis ser conduzido a vários sítios do Sr. Tucker conhecidos, e no lugar em que se dera o assassinato pôs-se a tremer, dando mostras visíveis de terror.

            "Esses fatos - acrescenta o narrador - são assaz comuns em Burma, onde os reencarnados, que se lembram do passado, são chamados win-sas."

            Passemos ao segundo.

            "O Sr. C. de Lagrange,  cônsul da França em Vera Cruz (México), enviou à 'REVUE SPIRITE, em 14 de Julho de 1880, a seguinte narrativa, inserta a págs. 361 dessa revista (ano citado):

            "Tivemos há dois anos, aqui em Vera Cruz, um menino de 7 anos que possuía a faculdade de médium curador . Muitas pessoas recobraram a saúde, quer por aposição de suas mãozinhas, quer com o uso de remédios vegetais que ele receitava, afirmando conhece-los. Quando se lhe perguntava onde aprendera tais coisas, respondia que, "quando grande, era médico." Esse menino conservava a lembrança de uma vida anterior.

            "Chamava-se Júlio Afonso e falava com dificuldade. Desenvolvera-se lhe essa faculdade surpreendente aos 4 anos . Muitas pessoas, ao começo incrédulas, terminaram por se impressionar e ficaram convencidas. Quando estava a sós com os pais, lhes dizia ele muitas vezes: "Não penses, meu pai, que eu fique muito tempo contigo, não. Eu só estou aqui por uns anos, pois é preciso que vá lá abaixo." E se lhe perguntavam: Mas para onde queres ir? "- Longe d'aqui - respondia - para um lugar- onde se está melhor que aqui. "

            "Esse menino era muito sóbrio, grande em todos os seus atos, perspicaz e muito obediente. Ao fim de algum tempo, faleceu."

            O terceiro caso foi objeto de uma missiva à REVUE SPIRITE, endereçada da capital da Rússia, pelo Sr. Henrique Stecki, nestes termos:

            "Um de meus amigos, o Sr. L., conversando com uma filhinha de 3 a 4 anos, ficou surpreendido de a ouvir dizer que era polaca. Admirados dessa resposta, porque a menina jamais ouvira falar de Polônia e de polacos, os pais, que eram da Suíça Francesa, lhe observaram que ela era francesa, pois que eles também o eram. A logica desse raciocínio não logrou convencer a menina. "Não - disse ela - eu sou polaca e me lembro muito bem de quando a mamãe morreu."  

            "- Tu não, sabes o que estás dizendo, objetou a mãe. Bem vês que eu não morri, pois que te estou falando. "

            "- Não és tu, respondeu a criança; eu falo de minha outra mãe, a polaca (era assim que sempre a chamavam). Quando ela morreu, puseram lhe um vestido lindo, depois deitaram-na entre uma porção de velas acesas, no meio de um salão grande, bonito. Vinham os padres e cantavam o dia inteiro. Um dia a puseram num caixão grande, encarnado, e a carregaram. Minha outra mamãe era rica; nós tínhamos uma casa muito grande e muito linda; também tínhamos cavalos e carruagens.

            "- Quem te contou essa história?"

            "- Ora! Ninguém me contou: eu me lembro muito bem, eu era grande, então.

            "O Sr. e a Sra. C. interrogaram muitas vezes sua filha e obtiveram sempre as mesmas respostas. Agora tem ela uns dez ou doze anos e de nada mais se lembra."

            Para terminar esta exemplificação, vamos reproduzir do JORNAL 00 COMMERCIO, desta Capital, a parte de um artigo, por ele traduzido do MANCHESTER GUARDIAN, que se relaciona com a nossa tese e é assim concebida:

            "Há por todo o mundo milhares de indivíduos, cuja mentalidade é absolutamente normal e cujas declarações merecem inteiro crédito, os quais asseguram lembrar-se de fatos que lhes sucederam e de pessoas que encontraram em passadas vidas. Muitos desses indivíduos são europeus e americanos, que não foram educados sob a Influência da doutrina da reencarnação e vivem numa atmosfera de atividade material pouco apropriada aos sonhos e fantasias.

            "Trata-se, em muitos casos, de crianças que se referem a vidas passadas, em condições que por completo excluem toda possibilidade de fraude.

            "Conhecemos um menino, nascido no condado de Surrey, donde nunca saiu, e cujos pais são pessoas ignorantes que nem sabem o que significa a doutrina da reencarnação. Essa criança, que conta apenas seis anos e tem um temperamento reservado, descreve com grande abundância de pormenores uma vida passada na Índia.

            "Entre os episódios dessa vida conta a moléstia e morte da mãe, fornecendo particularidades que tornam absolutamente impossível ter sido a história forjada pela imaginação da criança.

            "As descrições dos lugares onde viveu, a narrativa de uma batalha em que diz ter tomado parte são vividas, precisas e caracterizadas por um cunho de verdade que impressiona quem a ouve.

            "Outro caso bem autenticado, e que foi trazido ao nosso conhecimento pelo chefe de uma das principais casas editoras de Londres, é o de uma criança pobre, que um dia surpreendeu os pais com a narrativa repentina de uma existência anterior, em que vivera cercada de luxo e de grandeza.

            "Esse caso foi investigado e as pessoas que interrogaram a criança verificaram que a descrição por ela feita do interior do palácio em que vivera, bem como certos pormenores de banquetes e festas a que assistira, não podia absolutamente ocorrer ao espírito de uma criança de seis anos, que vivia num dos mais miseráveis bairros de Londres.

            "Podemos ainda acrescentar um terceiro caso, que foi estudado pelo conhecido escritor inglês Sr. Fielding Hall. Uma menina de sete anos lhe contou que em sua vida anterior havia sido um homem e que dirigira um teatro de marionetes. Desde a idade de três anos lhe ocorrera essa reminiscência, de que falou a diversas pessoas. Deram-lhe numa ocasião, como experiência, um teatrinho de marionetes, que ela, sem auxílio de ninguém, principiou imediatamente a manejar, fazendo mover os fantoches com o maior desembaraço e facilidade, mostrando um maravilhoso conhecimento desse gênero de diversões. Essa criança descreveu lugares distantes, onde nunca estivera, e cerimônias religiosas a que nunca atualmente assistira.

            "Temos à vista uma declaração assinada por um notável engenheiro, que ocupa lugar proeminente na indústria de automóveis e é considera autoridade em questões de sua especialidade.

            "Por seus muitos afazeres e pela sisudez de seu caráter, é pouco dado a fantasias. Ficou. entretanto, impressionado com o fato de que amiudadas vezes lhe ocorriam lembranças de incidentes e lugares que não se relacionavam com os acontecimentos de sua vida.

            "Muito tempo não quis ligar importância a essas impressões, que se iam contudo tornando cada vez mais características e definidas. A mais nítida e frequente era a de ter vivido na Inglaterra há cerca de cem anos, e pertencido a um certo clube. 

            "A impressão se foi acentuando, até que um dia lhe ocorreu o nome que tivera nessa existência anterior. Para se ver livre do que considerava uma obsessão, obteve de um amigo uma apresentação para um dos diretores do clube, a quem contou o caso, pedindo-lhe que, a titulo de curiosidade, fossem folheados os lvros da época a que se referia o caso.

            "Com grande espanto de todos lá estava o nome, na data indicada. Entre as testemunhas desse caso figura o redator chefe de um dos principais jornais londrinos."




sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Às Portas Celestes

Venda de indulgências




    
            O grupo de desencarnados errava nas esferas inferiores... Integravam-no alguns cristãos de escolas diversas, estranhando a indiferença do Céu... Onde os Anjos e Tronos, os Arcanjos e Gênios do paraíso que não se aprestavam para recebê-los?

            Em torno, sempre a neblina espessa, a penumbra indefinível. Onde o refúgio da paz, o asilo de recompensa?

            Longos dias de aflição em jornadas angustiosas...

            Depois da surpresa, a revolta; após a revolta, a queixa. Finda a queixa, veio o sofrimento construtivo e com esse surgiu a prece.

            Em seguida à oração, eis que aparece a resposta. Iluminado mensageiro, em vestidura resplandecente, desafia a sombra da planície, fazendo-se visível em alto cume. Prosternam-se os peregrinos à pressa. Seria o próprio Jesus? Não seria? Ante a perturbação que os acometera, o emissário tomou a palavra e esclareceu, fraterno:

            - Paz em nome do Senhor, a quem endereçastes vosso apelo. Vossas súplicas foram ouvidas. Que desejais?

            - Anjo celeste - falou um deles - pois não vês?!.. Estamos rotos, exaustos, vencidos, nós, que fomos crentes fervorosos no mundo. Onde se encontra o Redentor que não nos salva, o Príncipe da luz, que nos deixa em plena treva? Que desejamos? nada mais que o prêmio da luta ...

            Não pode prosseguir. Ondas de lágrimas invadiram-lhe os olhos, sufocando-lhe a garganta e contagiando os companheiros que se desfizeram em pranto dorido.

            O preposto do Cristo, contudo, manteve-se imperturbável e considerou:

            - A Justiça Divina nunca falhou no Universo.

            - Ah! mas nós sofremos - replicou o interlocutor aliviado - e somos vítimas de algum esquecimento que esperamos seja reparado.

            O ministro de Jesus não se deixou impressionar e voltou a dizer:

            - Vejamos. Respondei-me em sã consciência. Quando em serviço carnal, amastes a Deus, sobre todas as coisas, com toda a alma e entendimento?

            Se estivessem à frente de autoridade comum, provavelmente os interpelados buscariam recuar, fugindo à verdade. A luz divina do emissário, porém, penetrava-lhes o âmago do ser. Decorrido um instante de pesada expectação, informaram todos a um só tempo:

            - Não.

            O anjo continuou:

            - Considerastes os interesses do próximo como se vos pertencessem?

            Novo momento de luta íntima e nova resposta sincera:

            - Não.

            - Negastes a personalidade egoística, suportastes vossa cruz e seguistes o Mestre?

            - Não.

            - Colocastes a Vontade Divina acima de vossos desejos?

            - Não.

            - Fizestes brilhar em vós, na Terra, a luz que o Céu vos conferiu?

            - Não.

            - Auxiliastes vossos inimigos, orastes pelos que vos perseguiram, ministrastes o bem aos que vos caluniaram e dilaceraram?

            - Não.

            - Perdoastes setenta vezes sete vezes?

            - Não.

            - Fostes fiéis ao Pai até ao fim:'

            - Não.

            - Vencestes os dragões da discórdia e da vaidade?

            - Não.

            - Carregastes as cargas uns dos outros?

            - Não.

            O mensageiro fixou benevolente gesto com as mãos e, mostrando olhar mais doce, observou, depois de comprida pausa:

            - Se em dez das lições do Divino Mestre não aprendestes nenhuma, com que direito invocais o seu nome? Acreditais, porventura; que Ele nos tenha ensinado algo em vão?

            Os infortunados puseram-se a chorar, com mais força, e um deles objetou:

            - Que será de nós? quem nos socorrerá, se tínhamos crença verdadeira?! ...

            - Sim - tornou o representante do Cristo - não contesto. Entretanto, como interpretar o possuidor do bom livro que nunca lhe examinou as páginas? Como definir o aluno que gastou possibilidades e tempo da escola, sem jamais aplicar as lições no terreno prático?

            - Oh! anjo bom, contudo, nós já morremos na Terra!... - acrescentou a voz triste do irmão desencantado, entre a aflição e a amargura.

            O mensageiro, porém, rematou com serenidade:

            - "Diariamente, milhões de almas humanas abandonam a carne e tornam a ela, no aprendizado da verdadeira vida. Quem morre no mundo grosseiro, perde apenas a forma efêmera. O que importa no plano espiritual não é o "interromper" ou o "recomeçar" da experiência e sim a iluminação duradoura para a vida imortal. Não percais tempo, buscando novos programas, quando nem mesmo iniciastes a execução dos velhos ensinamentos. Aprendiz algum tem o direito de invocar a presença do Mestre, de novo, antes de atender as lições anteriormente indicadas. Voltai e aprendei! Não existe outro caminho para a distração voluntária.

            Nesse mesmo instante, o enviado tornou ao plano de onde vinha, enquanto os peregrinos, ao invés de prosseguirem viagem para mais alto, obedeciam ao impulso irresistível que os conduzia para mais baixo.

Irmão X
por Chico Xavier
in Reformador (FEB) Março 1946

3. 'Amor à Verdade'

Fora da Caridade não há Salvação!



 3
“Amor à Verdade”
por Alpheu Gomes O. Campos
Marques Araújo & C. – R. S. Pedro, 216
1927

Amor à verdade

Como abraçamos o espiritismo


            Antes de entrarmos em matéria de doutrina propriamente dita, parece conveniente fazer ver ao leitor como abraçamos o Espiritismo.

            Com intuição vaga de que um Ser Supremo presidia aos nossos destinos, tornou-se nos constante e viva a preocupação de o pesquisar através de sua gloriosa obra.

            Nossa alma, então pobre de fé, vacilava entre a continuação da vida no Além e o seu ponto final com a matéria.

            Estudávamos medicina.

            Dissecando, no anfiteatro, os cadáveres da mísera gente que nos hospitais morria, meditávamos sobre a desigualdade do viver terreno e repugnava-nos então a ideia de Deus, que, a existir, não poderia deixar de ser bom, justo e misericordioso.

            Ao passo que entrávamos pela fisiologia, que esquadrinhávamos o sistema nervoso bem como as localizações cerebrais, só a matéria aos nossos olhos se impunha, exclusiva e dominadora.

            Tudo é matéria, entendíamos, que se transforma de corpo em corpo, de estado em estado, circulando perpetuamente.

            Sentíamo-nos, por momentos, satisfeito.

            Entregue aos estudos, olvidávamos a ideia da existência de Deus, para levar a vida comum, vulgar, isto é, cheia de prazer e futilidades.

            Era, porém, fatal para nós a indagação do problema do ser e do destino.
            Recapitulávamos transatas leituras, onde se deparava o celebre aforisma de Virchow: Omne cellula a cellula; e em linguagem repetíamos: toda célula provém de outra célula. Porém, donde veio a primeira? Sim; conhecemos os seus processos de reprodução, mas qual a sua origem? Donde veio?

            Líamos e relíamos a fisiologia do sistema nervoso, meditávamos sobre sua organização, localizações, forma complicada do cérebro, cheio de dobras ou circunvoluções; verificávamos que se conheciam localizações para tudo, porém que se desconhecia a localização da inteligência, do pensamento. Ao mesmo tempo, notávamos que certo número de circunvoluções não tinha funções conhecidas.

            De novo voltávamos às deixadas cogitações, víamos que faltava alguma coisa para completar a obra e que, se pudesse descobrir-se a alma, estaria resolvida em parte a questão da existência de Deus.

            Dobaram alguns anos; já nas proximidades de concluirmos o curso médico, lutando, como sempre lutamos, sem atinarmos com a razão de ser das nossas contrariedades, uma tarde, só, meditando sobre as dores amargadas, fomos dar conosco a fazer um apelo ao Criador. Partia de nosso peito, sem nos apercebermos, uma prece, quase fervorosa,
pedindo que nos fizesse entrever a existência de Deus e convencer-nos da sobrevivência da alma.

            Valeu-nos o expediente; e pouco tempo depois convidaram-nos alguns amigos a tentar uma experiência com as chamadas “mesas girantes”. Acedemos.




quinta-feira, 2 de agosto de 2012

A Situação Política


A Situação Política


            Abaixo a opinião emitida por Emmanuel, em seu livro O Consolador (pergunta nº 60), publicado em 1940:

            "O sincero discípulo de Jesus está investido de missão mais sublime, em face da tarefa política saturada de lutas materiais. Essa é a razão por que não deve provocar uma situação de evidência para si mesmo, nas administrações transitórias do mundo. E, quando convocado a tais situações pela força das circunstâncias, deve aceitá-las, não como galardão para a Doutrina que professa, mas como provação imperiosa e árdua, onde todo êxito é sempre difícil.

            O espiritista sincero deve compreender que a iluminação de uma consciência é como se fora a iluminação de um mundo, salientando-se que a tarefa do Evangelho, junto das almas encarnadas na Terra, é a mais importante de todas, visto constituir uma realização definitiva e real. A missão da Doutrina é consolar e instruir, em Jesus, para que todos mobilizem as suas possibilidades divinas no caminho da vida. Trocá-la por um lugar no banquete dos Estados é inverter o valor dos ensinos, porque todas as organizações do mundo são passageiras em face da necessidade de renovação de todas as fórmulas do homem na lei do progresso universal, depreendendo-se daí que a verdadeira construção da felicidade geral só será efetiva com bases legítimas no espírito das criaturas."



'Os Quatro Evangelhos'


O Dono do Esqueleto



O Dono do Esqueleto


            O Professor Ernesto Bozzano apreciou, com a sua habitual proficiência, na revista italiana Luce e Ombra, o caso de identificação espírita trazido a público pela revista inglesa Light, em seu número de 26 de julho de 1930.

            Eis o caso em seus pormenores de mais relevo: O Dr. Mackenzie, de Chicago, foi conduzido, por circunstâncias fortuitas, a tomar parte numa sessão espírita, na qual uma entidade que se manifestou disse-lhe que tinha em sua casa um esqueleto, o que o doutor confirmou.

            - Pois bem, disse a entidade, venho dizer-lhe que esse esqueleto é o meu...

            E pôs-se a lastimar as brincadeiras que fazia um amigo do Dr. Mackenzie com aquela carcaça, a que faltavam cinco ou seis dentes.

            O Dr. Mackenzie prometeu não fazer mais uso científico do esqueleto e o Espírito, satisfeito, retirou-se.

            No curso de uma outra sessão, o doutor procurou identificar o dono do esqueleto, tendo obtido os seguintes informes: Disse o defunto haver-se chamado Chauncey A. Sprague; nascera na Geórgia, fora soldado do Exército Confederado, Legião Cobb, no começo da guerra, e depois servira no exército regular dos Estados Unidos. Em seguida a um acidente de estrada de ferro, seu cadáver foi transportado para o necrotério e aí recebeu o número 63.

            Estas informações coincidiam com as recordações do Dr. Mackenzie, de que, em 1910, obtivera no necrotério de Chicago o cadáver número 63, por 80 dólares para o dissecar com três estudantes.

            Escreveu então para o Quartel General dos Veteranos, em Nashville (Tennessee), à comissão das inscrições dos soldados da Geórgia, em Atlanta; ao Ministério da Guerra, em Washington,  e conseguiu a prova de que todas as asserções da entidade eram inteiramente exatas, pelos testemunhos da administração militar, absolutamente incontestáveis.

          "Este caso, conclui o Sr. Feeman, na Light, e o Prof. Bozzano em Luce e Ombra, é tanto mais maravilhoso, quanto ninguém, antes das duas sessões, ouvira falar da Legião Cobb, em Chauncey A. Sprague, etc.; a falha de dentes era desconhecida dos experimentadores; o Dr. Mackenzie estava muito longe de pensar neste detalhe; o número 63, do cadáver, ele o esquecera, coisa natural, depois de passados 18 anos, o que mais tarde verificou pelo seu caderno de estudante; a autoridade militar atestou o tempo de serviço militar do Espírito (1861-1865), servindo-se especialmente de uma carta de 22 de junho de 1928, do General Major Lutz Wahl.

            Ernesto Bozzano pergunta em seu artigo se tal fato pode ser explicado pela "oniscência do subconsciente", de que se servem aqueles que continuam a crer que o pensamento é produzido pelo cérebro.

Reformador (FEB) Out 1945


quarta-feira, 1 de agosto de 2012

6. Bilhetes


6.   Bilhetes
           

                        Apesar da enorme diferença existente entre metempsicose e reencarnação, os nossos antagonistas não se cansam de repetir que admitimos a primeira, quando bem sabem que só aceitamos a segunda. Quase diríamos que agem de má fé, de caso pensado, esperançosos de que da confusão lhes resulte algum proveito.

            Não há mais, porém, meios e processos que evitem o desenvolvimento, a difusão do Espiritismo. O bicho papão - o demônio - já não faz tremer sequer as beatas das sacristias e as crianças de hoje já não acreditam naquele colaborador precioso de que tanto usaram e abusaram os teólogos. Também já não produz qualquer efeito a velha ameaça de que o Espiritismo ocasiona a loucura, visto que essa enfermidade deu ultimamente para preferir as criaturas que frequentam as igrejas e até mesmo freiras e padres vêm sendo vítimas dessa loucura, da qual, nós, os espíritas, conhecemos a causa.

            Não lhes restando mais qualquer arma, mesmo porque todas lhes têm voltado em ricochete, procuram, então, novos meios de lançar a confusão e nos apresentam como adeptos da metempsicose.        

            No entanto, se não fora o interesse material desses nossos antagonistas, receosos de verem sair-lhes das mãos a riqueza que acumularam e o domínio que ainda exercem sobre a massa ignorante, e sobre uma outra classe que sempre viveu ao lado dos materialmente mais fortes, certamente eles confessariam a verdade e diriam como Santo Agostinho (pág. 2B, tomo I de Confissões).

            "Não teria minha infância atual sucedido a uma outra idade antes dela extinta?... Antes mesmo desse tempo, teria eu estado em algum lugar? Seria alguém?"

            É possível que ainda exista a dúvida nos padres menos cultos, porque seus cérebros pequenos e inteligências curtas não lhes permitiriam ir além do que lhes ensinaram no seminário, porém, na classe intelectual do clero, e essa é a que domina, não há sequer a dúvida manifestada então pelo grande Padre da Igreja, há certeza absoluta da realidade das existências múltiplas e progressivas.

            Antes mesmo de existir o Espiritismo codificado, na época em que os gênios eram excomungados ou levados às torturas, Mazzini escreveu, no seu livro Dai Concilio a Dio, trechos como este:

            "Cremos numa série indefinida de reencarnações da alma, de vida em vida, de mundo em mundo, constituindo um progresso em relação à vida precedente. Podemos recomeçar o estádio percorrido quando merecemos passar a um grau superior; mas, não podemos retrogradar nem perecer espiritualmente."

            Inúmeras seriam as citações que poderíamos apresentar, desde Homero até os homens mais cultos da atualidade, pertencentes ou não ao clero, que afirmaram ou deixaram transparecer a sua crença na reencarnação.

            Inúteis, porém, seriam essas transcrições. Inúteis, porque eles as conhecem tão bem ou melhor do que nós, e inúteis, ainda, porque eles não desejam senão criar e alimentar a confusão de que se têm servido até aqui.

            Há um limite, porém. E esse limite parece-nos já estar muito próximo. Assim como os poderosíssimos sacerdotes do Sinédrio perderam aquele domínio que exerciam, também já se aproxima a época da queda dessa outra classe sacerdotal, que vive a atirar-nos as maiores afrontas e a criar-nos uma série de empecilhos para que nos seja cerceado o direito de seguir a Jesus Cristo, não pela letra que matou a fé inata dos povos, mas pelo espírito dos seus ensinos, pela humildade dos seus exemplos, pelas lições que nos deixou no Cal vário .

            Os tempos são chegados.



assina     G. Mirim
(Antônio Wantuil de Freitas)
in ‘Reformador’ (FEB) em  Dezembro  1945





2. 'Amor à Verdade'



2
“Amor à Verdade”
por Alpheu Gomes O. Campos
Marques Araújo & C. – R. S. Pedro, 216
1927


            Advertência

            Nunca pensamos escrever um livro, mormente sobre tão bela e vasta coisa como o Espiritismo.

            À concitação dos Maiores, cuja obra é, se deve, prezado leitor, o que vos oferecemos.

            O título, com que aparece, condensa uma profissão de fé. Não se nos antolha, por certo, mais alto empenho que o de consagrar a vida à Verdade.

            Servir é seu escopo, seu fito exclusivo - servir não só a espiritas, porém ainda ao povo em geral. Assim Deus o faz bem!

*
             
            Muitos adeptos limitam-se na observação dos fenômenos ou no campo da experiência; outros, no socorro aos que, tocados pela dor, carecem de alívio. Mas esquecem, geralmente, estes e aqueles, que não deve aí parar o Espiritismo, cujas lições de mais em mais se ampliam e completam. Contidos, formando uma cadeia infinita, os seus ensinos são outros tantos frutos onde se encontra a semente de mais subidos problemas. Progredir é a lei das leis. À medida que nos elevamos acima do solo, o horizonte alarga-se e melhor apreendemos o conjunto.

            Quer pelas nossas leituras, quer pelos ditados medianímicos, há muito nos foi despertada a atenção para o ponto das provas e expiações; também para o fato de se esclarecer no espaço, durante as sessões ou longe delas, bem maior número de Espíritos do que com o recurso dos chamados médiuns falantes.

            Assim devia realmente ser; porque as doutrinações já se faziam primeiro que raiasse na Terra o moderno espiritualismo, do mesmo modo que a dor se perde na bruma dos séculos, colhendo cada qual daquilo que semeou.

            Aqui, portanto, estudaremos os Espíritos inferiores e suas ocupações; o motivo e finalidade das humanas amarguras; o papel do médium de efeitos físicos e o aproveitamento da sua força psíquica para um dos mais nobres objetos, convém a saber: a elucidação das almas atrasadas, veículo de nossas mágoas e, pois, do nosso progresso, embora o não desejem.

            Não trazemos a lume nenhuma revelação: apenas apresentamos o resultado de longa pesquisa, metódica, perseverante, começada há mais de vinte anos, porém melhor interpretada nestes últimos dez, em que pudemos notar o valor do médium de efeitos físicos, quando convenientemente educado e cheio de virtudes, esforçado e humilde, cônscio de que, em vez de mal gastá-lo com fenômenos vulgares, pode fornecer muito fluido à plêiade luminosa dos Trabalhadores para a sua sublime tarefa de orientar na senda do Bem os infelizes e obscuros.

            Melhor do que ninguém, sabe o espírita que o estacionamento constitui falta grave, cuja reparação lhe será pedida; a ele principalmente cabe julgar quanto dissermos. Porém, só meticuloso exame e acurada observação, além da indispensável independência,poderão conduzi-lo a julgamento reto.


QAERITE ET INVENIETIS!
Buscai e achareis!
Com isto vos saudamos, ó Confrades!
ó Irmãos!

*

            Lugar agora para uma palavra de reconhecimento.

            Representa este livro não só inestimável soma de paciente labor como tremendas lutas com um rôr de obstáculos erguidos pela contumácia dos que na erraticidade perseveram refratários à luz, inimigos do saber e perseguidores de quem diligencia penetrar os arcanos do Invisível. Pois bem, queremos registrar aqui toda a nossa gratidão a dois companheiros que bastante nos ajudaram nele.

            Havíamos iniciado os primeiros passos na doutrina... Precisamente pela não compreender, acreditavamos sabê-Ia regularmente, quando nos foi dado encontrar o mais antigo dos referidos Cireneus. Que farte experimentado, moral impecável, apto a fazer discípulos, em mais rigor de frase lhe chamaríamos a ele mestre. Possuidor de excelentes mediunidades, valeu-nos a sua humildade magníficos ensinamentos.

            É o Dr. Epaminondas Alves de Souza.

            Em um dos nossos primeiros encontros, falou-nos o Guia: “Se os meus filhos unificarem as suas ideias, muito poderão fazer em favor da humanidade e muito alcançar do Além”.

            Trabalhamos a valer, enquanto o nosso Mentor, qual pai amoroso, nos levava mão por mão, ministrando-nos as mais robustas provas da verdade cristã.

            As contingências da vida afinal separaram-nos. Ainda assim, no Rio, onde passou nosso amigo a residir, de quando em quando nos reunimos a estudos e serviços da grande causa.

            Nos intervalos, aqui não descansávamos. Só, mas lembrado sempre das boas aulas, fomos por diante, desenvolvendo cada vez mais as nossas faculdades mediúnicas.

            Largo tempo deste jeito correu até que achássemos no Prof. Aldo Muylaert o outro dos colaboradores. Compreendendo para logo o poder do pensamento unificado, à maravilha nos completamos um ao outro: nós, iniciando-o na ciência do mundo oculto; ele, expondo-nos ignorados ou perdidos fatos de linguagem, revendo e polindo nossos trabalhos.

            A ambos tal referencia desagrada; mas é a verdade singela. Cumprimos um dever, simplesmente.

                                                 Campos, 28 de Agosto, 1927.

Alpheu Gomes O. Campos







49. 'Doutrina e Prática do Espiritismo'





49   ***


            Não abandonaremos este assunto, a pluralidade de existências, sem examinar uma objeção, aparentemente valiosa, com que tem sido impugnada. Porque, - costumam perguntar - se nós já vivemos neste mundo, não nos lembramos desse fato?

            Antes de tudo, cumpre acentuar, o esquecimento só se verifica em relação aos sucessos, por assim dizer, adjetivos, relacionados com a personalidade. Porque a memória substancial, aquilo que constitui a trama íntima de nossas aquisições morais e intelectuais, permanece vivaz, em forma de aptidões e tendências inatas.

            Que querem dizer certas predisposições para determinadas artes e ciências, a preferência por um ramo de atividade, em que o indivíduo se revela exímio, sem muitas vezes ter aprendido mais que os seus rudimentos, que vem a ser, numa palavra, a vocação e, melhor que isso, o gênio, esse lampejo dos predestinados, que não precisa de mestres, porque se revela maior que todos eles, senão o testemunho de uma lenta elaboração anterior, desabrochando agora na plenitude de uma deslumbradora maturidade? Por isso afirmou um grande espírito que "viver é recordar-se. "

            O homem conserva, pois, do seu passado, como uma sorte de instintiva reminiscência, tudo aquilo que lhe pode ser útil e facilitar a peregrinação terrestre, esquecendo em compensação o que lhe poderia ser nocivo ou embaraçoso, não somente a si, mas aos seus próprios semelhantes.

            Se cada um de nós se recordasse normalmente do que foi e do que fez, no transcurso das existências, para quase todos tenebrosas, a presença constante, na retentiva da memória, das maldades, torpezas, quantas vezes mesmo, crimes em que nos tivéssemos porventura chafurdado, não seria antes de molde a nos acabrunhar que a servir de estimulo para uma reabilitação, de que facilmente desanimaríamos? - ao passo que, na ignorância dos sucessos, vergonhosos senão trágicos, que acidentaram as jornadas precedentes, podemos, desembaraçados de humilhantes ou perturbadoras recordações, nos aplicar à meritória tarefa das reparações. E se a lembrança dessas vidas passadas permanecesse vivaz, com todas as suas circunstâncias, não é certo que reconheceríamos também aqueles que conosco as houvessem partilhado, e não estaria nisso uma fonte de perpétuos ressentimentos e incompatibilidades? Como se poderia efetuar a reconciliação dos inimigos, se cada um conservasse, nítida e fiel, a recordação das ofensas recebidas?

            É, pois, antes de tudo providencial em seus benéficos efeitos a lei que sobre o passado de cada um e de todos nós correu o misericordioso véu do esquecimento.

            Os que, ao demais, pretendem ver nesse esquecimento um motivo de impugnação ou invalidade, singularmente alheios se mostram a uma eloquente analogia que se pode a tal propósito invocar. E vem a ser que no curso desta mesma vida, uma multidão de fatos e impressões, apesar de registrados pelo nosso cérebro atual, desapareceram do campo da memória, pelo menos, ordinária. Todos nós - dissemos num trabalho publicado há alguns anos (1) - tivemos uma infância, todos fizemos o nosso aprendizado nessa idade, sofrendo a ação variada do mundo exterior, recebendo as suas impressões e registrando-as nos arquivos de nossa consciência, sobre elas reagindo pelo riso ou pelo choro, conforme eram agradáveis ou desagradáveis, delas em suma tomando conhecimento pessoal, por isso que em nosso foro interno tinham uma repercussão mais ou menos intensa. Todos, ou quase todos os fatos dessa primeira meninice, entretanto, apesar de se produzirem no curso de uma mesma vida, se nos varreram da memória.

            (1) Ver L. Cirne, REGENERAÇÃO E REENCARNAÇÃO, Demonstração da pluralidade de existências da alma (feita no REFORMADOR, órgão da Federação Espírita Brasileira, em resposta ao PURITANO, órgão da Igreja Evangélica Presbiteriana), folheto de 48 páginas. 1906.

            E não são os únicos: durante a existência, avançando através dos anos, uma multidão de sucessos, de incidentes, de coisas referidas, de ideias percebidas, que de perto nos afetaram e foram do mesmo modo registrados pela nossa consciência, tiveram idêntico destino, mergulharam no olvido mais completo.         

            Se, pois, observávamos então, entre as próprias impressões e percepções do nosso espírito, no curso desta vida, há um número considerável que, em virtude de certas circunstâncias, termina por inteiramente se nos apagar da memória ordinária, como nos admirarmos de que o mesmo se tenha dado com os fatos de uma vida anterior, entre os quais os da atual encarnação medeia todo o intervalo da erraticidade, que tanto pode ter sido de alguns anos como até mesmo de alguns séculos!

            Ao demais, se a memória, com ser um fato de consciência e de atenção, conforme no capitulo III o assinalamos, é por isso mesmo uma faculdade do espírito, não é menos certo que o seu funcionamento normal, durante a encarnação, está dependente do veículo a que se acha, nesse período, intimamente associada, a saber: o corpo  físico, ou mais propriamente, o cérebro. Para que uma percepção se dê, isto é, para que o espírito, no estado de encarnado, tome conhecimento de um fato ou de um fenômeno qualquer, assim de natureza moral  como de ordem material, é necessário que um movimento vibratório provocado por esse fato, afetando um ou alguns dos órgãos dos sentidos, ponha em atividade as células nervosas correspondentes e, transportado ao sensório, conseguintemente ao cérebro, se propague ao perispírito, para atingir finalmente a consciência, cuja sede está no espírito. Não há assim, para a consciência normal, ou de vigília, uma só impressão, percepção, ideia ou fato que não tenha transitado pelo cérebro e aí deixado um sulco mais ou menos profundo, donde se segue que o cérebro é para a memória um instrumento e auxiliar, mais ou menos fiel e obediente.

            No cérebro atual, porém, só foram, transitoriamente embora, registradas as impressões relativas a esta vida. Tudo o que se refere às passadas existências, conservado sem dúvida nos arquivos profundos da subconsciência, desapareceu temporariamente da memória, para só reaparecer no campo da consciência do espírito: ou de um modo definitivo, ao se desembaraçar este, com a morte, do grosseiro invólucro, ou com um cunho intermitente em certos estados supra normais, como os determinados pelo sono magnético, em que o panorama das anteriores vidas pode momentaneamente se exibir na tela do que se chama a consciência sonambúlica. Tal é o caso das experiências do coronel de Rochas que há pouco relatávamos.

            Não é contudo unicamente esse o caso em que, tal seja 00 grau de evolução do espirito, a reminiscência do passado, umas vezes indecisa, outras com um caráter positivo que não deixa lugar à Incerteza, pode apresentar-se ao indivíduo, como outros tantos testemunhos subjetivos da pluralidade de existências.

            Vamos, em apoio deste asserto, mencionar alguns exemplos, que, sem de modo algum invalidar a regra que acabamos de indicar e é a que prevalece para a generalidade, relativamente ao mecanismo da memoria associada ao funcionamento cerebral, servirão para demonstrar que as leis do espírito podem se afirmar e se afirmam soberanas, toda vez que, de alguma sorte ludibriando as constrições da carne, é dado a este confundir a ciência dois prudentes com alguns fragmentos, pelo menos, dos seus nativos esplendores.