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sábado, 24 de junho de 2017

Deus


Deus
Rodolfo Calligaris
Reformador (FEB) Novembro 1939

O orgulho e a presunção, a vaidade e a ignorância são, evidentemente, os maiores entraves ao progresso e à felicidade do homem.

O orgulho cega-o, fá-Io julgar-se um ser a parte na criação. Ninguém o suplanta; todos lhe são inferiores. As suas ideias são a expressão da verdade; tudo mais não passa de invencionices ridículas ou crendices tolas. O mundo é somente ele próprio; fora dele, nada mais existe, a não ser o vácuo e a sombra.

A presunção leva-o aos mais loucos desatinos. Torna-o irreverente e essa irreverencia lhe diz que não há nada digno de seu respeito. Dá-lhe a ilusão da onipotência e, assim iludido, investe quixotescamente contra tudo e todos, pois para ele não existe o invulnerável.

A vaidade, filha do orgulho, fá-lo supor-se um astro de primeira grandeza e a humanidade o conjunto de seus satélites. Torna-se pretensioso ao ponto de pensar que o mundo inteiro se preocupa com ele. Procura parecer diferente, original, para ser discutido, admirado e apontado como "um espírito forte".

A ignorância pode ser consciente ou inconsciente. A ignorância consciente é a dos simples e humildes que estão sempre prontos a confessá-la. A ignorância inconsciente é aquela que caracteriza os pseudo sábios e entendidos, os quais estão sempre dispostos a negar e a ridiculizar qualquer descoberta nova, seja lá em que campo for, mesmo quando não tenha dele o mínimo conhecimento. Essa casta de ignorantes é nociva e impertinente, porque nada admite que ultrapasse o seu ângulo mental, assim como não aceita como real senão aquilo que lhe cai debaixo dos sentidos.

Infelizes dos que se deixam colher pelas garras aduncas desses monstros terríveis!

Pois são precisamente esses infelizes, os orgulhosos e os presunçosos, os vaidosos e os ignorantes, os que - estultos! - pretendem arrebatar à humanidade a certeza da existência de Deus, blasonando que ninguém, absolutamente ninguém, será capaz de prová-la.

Pobres cegos, com pretensões a condutores de cegos! Lastimamo-vos, pois sois mais dignos de lástima que de exprobração!

*

A existência de Deus não pode, mesmo, ser demonstrada por provas sensíveis e diretas, porquanto o Ser que enche o tempo e o espaço não será, jamais, medido, pesado ou apalpado por quem só possui sentidos deficientes e limitadíssimos.

Existe em nós, porém, uma força instintiva e segura que para Ele nos conduz, afirmando-nos a sua existência com mais certeza e maior autoridade do que o fariam todas as demonstrações e todas as análises.

Os sentidos só nos dão a conhecer o mundo material, isto é, o efeito das causas. É, pois, inferior  razão que, descortinando o que está muito além, nos revela o mundo das causas.

A experiência apenas verifica os fatos; a razão agrupa-os e lhes deduz as leis.

As leis universais não foram descobertas pela experiência, mas pela razão; aquelas só coube verificá-las e confirmá-las, fornecendo as provas colhidas da observação.

O Deus antropomórfico de certas religiões este, sim, ninguém no mundo será capaz de localiza-lo, visto que não passa de uma concepção grosseira e fantástica, inadmissível no estado atual dos nossos conhecimentos. Mas, o Deus imanente, presente no seio de todas as coisas, o Ser que contém todos os seres, não há quem não o sinta, quem não encontre o Seu reflexo nas potências divinas que se aninham nos mais íntimos refolhos da alma.

Ora, o que não existe não poderia refletir-se.

Há, em Física, uma lei segundo a qual todo efeito promana de uma causa.

Lancemos, então, a vista pelos espaços infinitos, contemplemos, embevecidos, as maravilhas da Criação e, partindo do princípio enunciado por aquela lei, vejamos se é ou não possível provar-se a existência de Deus.

"Na hora em que se estendem pela Terra o silêncio e a noite, quando tudo repousa nas moradas humanas, se erguemos os olhos para o infinito dos céus, lá veremos inumeráveis luzes disseminadas. Astros radiosos, sois flamejantes, seguidos de seus cortejos de planetas, rodopiam aos milhões nas profundezas. Até às regiões mais afastadas, grupos estelares se desdobram como esteiras luminosas. Em vão o telescópio sonda os céus, em parte alguma do universo encontra limites; sempre mundos sucedendo a mundos, e sois a sois; sempre legiões de astros multiplicando-se a ponto de se confundirem numa poeira brilhante nos abismos infindáveis do espaço. Quais as expressões humanas que poderiam descrever os maravilhosos diamantes do escrínio celeste? Sirius, vinte vezes maior que o nosso Sol, e este, a seu turno, equivalendo a mais de um milhão de globos terrestres reunidos; Aldebaran, Vega, Procyon, sois rosados, azuis, escarlates, astros de opala e de safira, vós que derramais pela extensão os vossos raios multicores, raios que, apesar da velocidade de setenta mil léguas por segundo, só nos chegam depois de centenas e de milhares de anos! E vós, nebulosas longínquas, que produzia sois, universos em formação, cintilantes estrelas, apenas perceptíveis, que sois focos gigantescos de calor, luz, eletricidade e vida, mundos brilhantes, esferas imensas, e vós, povos inumeráveis, raças, humanidades siderais que os habitais! Nossa fraca voz tenta em vão proclamar a vossa majestade, o vosso esplendor; impotente, ela se cala, enquanto o nosso olhar fascinado contempla o desfilar dos astros!

"Se, depois desse rápido olhar lançado sobre os céus, compararmos a Terra que habitamos aos poderosos sois que se balançam no éter, ela, a par deles, apenas nos aparecerá como um grão de areia, como um átomo flutuando no infinito. A Terra é um dos mais pequenos astros do céu. Entretanto, que harmonia em sua forma, que variedades em seus ornatos! Vede-lhe os continentes recortados; as penínsulas esguias e engrinaldadas de ilhas; vede-lhe os mares imponentes, os lagos, as florestas e os vegetais, desde o cedro que coroa o cimo das montanhas até à humilde florzinha oculta na verdura; enumerai os seres vivos que a povoam: aves, plantas, insetos, e reconhecereis que cada uma destas coisas é uma obra admirável, uma maravilha de arte e de precisão.

"E o corpo humano não é um laboratório vivo, um instrumento cujo, mecanismo chega à perfeição? Estudemos nele a circulação do sangue, esse conjunto de válvulas semelhantes às de uma máquina a vapor; examinemos a estrutura dos olhos, esse aparelho tão complicado que excede a tudo o que a indústria do homem pode sonhar; a construção dos ouvidos, tão admiravelmente dispostos para recolher as ondas sonoras; o cérebro, cujas circunvoluções internas se assemelham ao desabrochamento de uma flor. Consideremos tudo isso; depois, deixando o mundo visível, desçamos mais abaixo na escala dos seres, penetremos nesses abismos da vida que o microscópio revela; observemos esse formigar de raças e de espécies que confundem o pensamento. Cada gota d’água, cada grão de poeira é um mundo no qual os infinitamente pequenos são governados por leis tão exatas quanto as dos gigantes do espaço. Milhões de infusórios agitam-se nas gotas do nosso sangue, nas células dos corpos organizados. A asa de uma mosca, o menor átomo de matéria são povoados por legiões de parasitas. E todos esses animálculos são providos de aparelhos de movimento de sistemas nervosos, de órgãos de sensibilidade que os fazem seres completos, armados para a luta e para as necessidades da existência. Até no seio do oceano, à profundidade de oito mil metros, vivem seres delicados, débeis, fosforescentes, que fabricam luz e têm olhos para vê-la. Assim, em todos os meios imagináveis, uma fecundidade ilimitada preside à formação dos seres. A natureza está em geração perpetua. Assim como a espiga se acha em gérmen no grão, o carvalho na bolota, a rosa em seu botão, assim também as gêneses dos mundos se elaboram na profundeza dos céus estrelados, Por toda parte a vida engendra a vida. De degraus em degraus, de espécies em espécies, num encadeamento contínuo, ela se eleva dos organismos mais simples, mais elementares, até ao ser pensante e consciente, numa palavra, até ao homem." (“Depois da Morte”, LEON DENIS).

Pois bem, se sabemos perfeitamente que não há efeito sem causa; se é indiscutível que a causa do universo não pode ser o Acaso, pois este" se existisse, seria cego, ininteligente e aquele que obedece a leis sábias e imutáveis: se é certo, certíssimo, que o infinito não é, nem poderia ser, obra do homem, visto como preexistia à sua criação, assim como sobrexcede, de muito, às suas possibilidades, é claro, lógico, insofismável que o Criador desse Infinito há de ser alguém cuja grandeza e sabedoria sejam também infinitas e esse alguém só pode ser - DEUS!


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