Pesquisar este blog

domingo, 6 de outubro de 2013

XIXa et XIXb. 'Apreciando a Paulo'

XIX a
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec - 1958


“Não sabeis vós, irmãos (pois que falo aos que sabem a lei), que
a lei tem domínio sobre o homem por todo o tempo que vive?”
Epístola aos Romanos, 7:1.

            Vivemos no mundo material sob o império das leis humanas, que coordenam e tutelam nossas atividades; mas, como também temos espírito, sabemos que a lei divina “tem domínio sobre o homem por todo o tempo que vive”, conforme a palavra verdadeira de Paulo de Tarso.

            As leis humanas são de vigência temporária e, portanto, sujeitas a alterações, de acordo com as necessidades do meio ambiente, em consequência das novas relações jurídicas que surgem entre os indivíduos, e até entre os Estados, em face da complexidade sempre crescente dos fenômenos jurídico-sociais. Mas a lei divina é eterna e completa, perfeita em seu conjunto, tendo força coercitiva estável sobre todas as criaturas do Universo, e ninguém dela se poderá esquivar! Todavia, apresenta-se com aspectos diferentes, conforme o carma, ou seja, consoante o grau de merecimento, de entendimento e de conduta de cada um.

            “A quem muito se deu, muito se pedirá.” Quanto mais elucidado for o indivíduo, mais responsável pelos seus atos perante a justiça divina.

            É por isto que nós, espíritas, não podemos invocar certas atenuantes para nossos erros porque fomos mais esclarecidos. Destarte, nossa responsabilidade é maior perante Deus, e nosso exemplo deve ser o mais puro possível.

            Por consequência, não podemos demonstrar intolerância para com nossos irmãos de outras crenças, pois sabemos que cada um gravita no círculo mental ou religioso que lhe é característico, e que terá da ser superado, quando for exaurido.

            Até o materialista, que esgota uma fase pessoal de entendimento, é aluno de certa classe na grande universidade da vida.

            Assim, os espíritas não devemos externar incompreensão e nem rudeza para com nosso irmão, pelo simples fato de ele ainda não poder ou querer subir para a planura iluminada onde pontifica o Consolador.

            Com efeito, o Espiritismo restaura na Terra o Cristianismo puro; interpreta as palavras do Divino Mestre “em espírito e verdade” e nos ensina a sermos retos no proceder, pacientes e tolerantes, cheios de bondade e de misericórdia, perdoando sempre, para sermos felizes.

            Mas como é difícil a ascese ou o caminho evolutivo, a luta contra nossas próprias imperfeições! É o egoísmo que sempre devemos combater, através de suas inúmeras expressões inferiores: o orgulho, a vaidade, a impureza nas palavras ou nos julgamentos, o ódio, a vingança, a intolerância - e que se manifesta pelo desrespeito à liberdade de sentir ou de não querer sentir de nosso semelhante -, a ambição, o sensualismo, enfim, as diversas manifestações das trevas, que escurecem nossa trajetória de luz.

            A lei se concretiza em poucas palavras, que por sua vez sintetizam a justiça divina, conforme foi enunciado em Mateus, 16 :27, repetindo as lições do Velho Testamento (I Sam., 2:3): “a cada um será dado segundo as suas obras”, mesmo porque, até a própria fé, sem obras, é morta (Tiago, 2:17 e 20)

            Representamos hoje a consequência lógica de nosso passado e faremos a colheita do que agora plantamos. Nosso “hoje” é o produto natural do “ontem” e o adubo do “amanhã”.

            Se uma pessoa anda fora da lei de Deus, fazendo o mal, sendo ingrata ou perversa para com sua família, por exemplo, mais cedo ou mais tarde colherá o resultado daquilo que faz ou de como procede, porque, como- diz a sabedoria popular, “quando a justiça divina tarda, vem em caminho”...

            Devemos procurar viver honestamente. Nós, homens, sobretudo, somos atacados pelo mal da sensualidade, que materializa e rebaixa os sentimentos. É mister nos esforçarmos para ver na mulher, não a fêmea, mas a criatura do Senhor, que merece ocupar um lugar honesto na Criação, dentro de seu processo evolutivo, sempre entremeado de dores. Aprendamos a olhá-la como se fosse nossa irmã ou nossa mãe. Respeitemos e dignifiquemos a mulher, pois Jesus teve piedade até da prostituta, tirando Maria Madalena do charco para colocá-la, pela reabilitação moral, na convivência de seus apóstolos. E ela demonstrou ao mundo quanto pode o poder renovador da fé, pois foi seguidora do Nazareno até o fim, purificando-se pela regeneração, pela conduta cristã e pelo amor divino!

            Nós, homens, geralmente temos o senso moral intoxicado pelos anseios de gozos inferiores. O sexo é função nobre e sagrada, quando posta a serviço da produção da espécie, dentro do matrimônio. Fora daí é círculo escuro de materialidade, que entrava a evolução do Espírito. Precisamos aprender a domar tais instintos, não os colocando jamais a serviço de conquistas inferiores, nem de ligações injustificáveis. Há muito mais nobreza em quem resiste às tentações, do que naquele que cede a um sentimento pecaminoso que nem merece o nome de amor.

            Amor é pureza, é abnegação e sacrifício. Manifesta-se às vezes, primitivamente, pela atração sexual. Mas é preciso que se revista de mais nobreza com o correr dos anos. Tem escalas de elevação, é verdade, mas não se aprofunda no charco da animalidade... Deve procurar elevar-se, espiritualizando-se.

            E que cada um seja fiel à sua mulher, carne de sua carne, como disse Jesus (Mateus, 19:5), o que nos faz repetir as palavras do profeta Malaquias “... e ninguém seja desleal com a mulher da sua mocidade”. (Malaquias, 2:15, in fine.)

            Jesus somente admitiu o divórcio em caso de adultério (Mateus, 5:32), e fora daí “o que Deus ajuntou não o separe o homem.” (Mateus, 19:6), pois não temos direito de demonstrar dureza de coração, sejam quais forem as circunstâncias da vida. Portanto, que cada cristão ou cristã suporte a cruz que Deus lhe deu para provação ou expiação de seu passado delituoso.

            Sim, meus irmãos, nos vínculos matrimoniais há sempre uma razão, um motivo determinante, que se prende à lei ou à justiça divina. Não é sem razão que duas pessoas se unem na Terra, pouco importando os motivos aparentes que determinaram o casamento. Se outrora escravizamos, se fomos tiranos domésticos em outra encarnação, se não nesta mesma, é preciso que a lei se cumpra e que nosso carma seja exaurido, pois temos de pagar “até o último ceitil” (Mateus, 5:26). Se nos revoltarmos, se atirarmos a carga ao longo da estrada, pior para nós. Deixaremos de evoluir espiritualmente e teremos de repetir a lição, em encarnações vindouras, tantas vezes quantas se tornarem necessárias, até aprendermos a ser humildes e misericordiosos. Não adianta criticarmos a lei divina, nem nos rebelarmos contra seus desígnios, porque ela é justa e também não dá a cruz superior às nossas forças. Sejamos mais sinceros para com Jesus, perdoemos sempre, pois quem perdoa será algum dia perdoado, como ele disse no Pai Nosso, a prece sábia que nos ensinou.

            A lei de Deus só se manifesta com justiça, embora seu rigor, às vezes necessário, seja abrandado pela sua misericórdia. Somos devedores insolváveis, consoante afirma o Velho Testamento. Se o Senhor nos cobrasse todos os débitos, jamais nos libertaríamos do jugo do pecado. Mas os principais, pelo menos, Ele exige, até adquirirmos as virtudes cristãs, indispensáveis à nossa evolução, à nossa felicidade futura, que será eterna.


XIX b
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec - 1958

            Então, quando atingirmos o estado de pureza no mundo espiritual - daqui a séculos talvez -, veremos e compreenderemos melhor quanto Deus foi e é bom, permitindo certos sofrimentos para nosso Espírito, indispensáveis à trajetória de luz para o Infinito, que havemos de trilhar.

            Este mundo é sempre perfeito, mesmo através de suas imperfeições aparentes, pois os desígnios de Deus são insondáveis e não nos devemos esquecer que vivemos, como ensina Allan Kardec, em um “planeta de provas e de expiações”. Muita gente, erroneamente, quer exigir que a Terra se transforme, desde já, em um Céu, e, como isto não é possível, cai no desespero e vive a queixar-se, quando se trata apenas de sua própria incompreensão quanto à verdade, por falta também de resignação.

            Cada Espírito encarna no ambiente a que faz jus ou se liga à família que lhe é apropriada, e as leis de sua hereditariedade, que são materiais, correspondem exatamente ao seu mérito ou às suas necessidades evolutivas, porque a lei divina é perfeita, e a ela estaremos sujeitos, como diz Paulo, por todo o tempo de nossa existência, que é eterna. Não é escravidão, pois o jugo do Senhor é leve e suave, visando nossa felicidade. Se nascemos dentro da lei e a ela estamos circunscritos, dela não devemos querer fugir pela rebeldia ou pela incompreensão deliberada, porque será pior. Deus é bom e quer nossa salvação. Vibremos em sintonia com sua lei, que é de amor, certos de que “só o amor constrói para a eternidade”.

            Se alguém nasce na pobreza, por exemplo, tem o direito de se esforçar para melhorar suas condições pecuniárias, mas não se deve revoltar com essa pobreza, pois tudo corresponde ao planejamento divino, que é perfeito. Não há arbitrariedade nem injustiça com os homens, pois tudo tem sua razão de ser, tudo é articulado e previsto pela lei de Deus. Mesmo quanto aos governos, certo filósofo sentiu a verdade, quando afirmou: “cada povo tem o governo que merece”. Mas isso não quer dizer que o homem ou a Humanidade se quede indiferente a tudo, porque o progresso individual e coletivo tem de ser alcançado pelo esforço ou pelo trabalho próprio. Mas, se temos liberdade de ação, essa liberdade se circunscreve ao plano do determinismo divino, à vontade de Deus. O esforço deve ser nosso, porém, o coroamento da obra a Ele pertence, porque conhece melhor o coração de seus filhos.

             Até a percepção ou o entendimento tem um limite, e varia de criatura a criatura, conforme seu grau de evolução. Todos temos nossa “zona lúcida”, a expressão máxima da consciência individual, além de cujo ponto não podemos avançar, nem perceber. Somente as encarnações sucessivas vão ampliando nosso campo de experiências e aumentando nossa inteligência, sendo certo que em uma encarnação, por exemplo, poderemos evoluir mais do que em duas outras anteriores, se nos esforçarmos no sentido de compreender a ciência e a moral, sendo úteis a nossos irmãos. Evolveremos à medida que vamos perdendo o egoísmo e tornando-nos iluminados pela ciência e pelo amor, que é individual, mas também universal: “Ama a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a ti mesmo; nisto se resumem as leis e os profetas.” Mateus, 22:37 a 40; Marcos, 12:30 a 32)

            Há na Terra Espíritos de diversas idades, porque o Pai cria incessantemente, e sua obra é eterna e infinita. E, por isto mesmo, não devemos ser intolerantes para com nossos irmãos que gravitam ainda em círculos mentais atrasados, de religiões singelas e primitivas, nas quais ainda se adora a Deus através de dogmas ou de rituais, assim como os que têm um verdadeiro tabu ou um apego exagerado à letra das Escrituras, olvidando ainda as palavras de Paulo de que “a letra mata e o espírito vivifica”. É mister “tirar da letra que mata o espírito que vivifica”, compreendendo que as palavras de Jesus são “espírito e vida”, e que devem ser traduzidas sempre num sentido de tolerância, de perdão e de caridade.

            E, fácil concluir do que afirmamos, de acordo com os ensinos dos Espíritos superiores, que a verdade absoluta não está na Terra. A parte que dela possuímos, vive fragmentada em todas as religiões, com maior ou menor intensidade, perceptível consoante o entendimento ou conforme o grau de amor do crente para com seu semelhante, porque Deus é a verdade e Deus é amor. Logo, a verdade suprema é o amor.

            Mas a religião que contém em si uma fração maior da verdade, porque ensina a perfeita maneira de amar a Deus e o próximo, é o Espiritismo, a Terceira Revelação, o Consolador prometido aos homens por Jesus (João, 16:12 a 14 e 14:26).

            O Espiritismo é a religião que nos ensina a compreender mais exatamente o mecanismo da lei divina: lei que é justa e misericordiosa, cheia de bondade, malgrado as asperezas da vida, a jornada de nosso calvário; lei que tem domínio sobre o homem, como diz o apóstolo Paulo, mas cujo jugo, quando o Espírito a ela se torna submisso, é leve e suave; lei plena de piedade para com todas as criaturas, pois o que erra pode repetir a lição, de vez que não será condenado, irremediavelmente, ao inferno; lei que deseja com muito amor “que ninguém se perca, mas que todos se salvem e tenham a vida eterna”.

            Sim, meus irmãos, é esta a lei de Deus, que o Espiritismo veio demonstrar à Humanidade. E algum dia, através de vidas sucessivas, todos se convencerão de que “só o amor constrói para a eternidade”. Então, haverá “um só rebanho e um só pastor”, conforme disse o Senhor Jesus, em João, 10:6.

            “Os tempos estão chegados”, como anunciam os Espíritos que se comunicam com os homens de boa vontade. Cumprem-se as profecias de Joel prenunciadoras de melhores dias:
E há de ser que, depois, derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, e vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos velhos terão sonhos, os vossos mancebos terão visões.” (Joel, 2:28)

            É o fim deste ciclo evolutivo da Terra, que ora se manifesta, às portas do terceiro milênio.

            Mas a lei de Deus continuará a ter domínio sobre os homens, conforme a palavra autorizada de Paulo, nesta imortal Epístola aos Romanos.


            A lei divina é da evolução eterna no amor, dando a cada um segundo as suas obras. Deus é amor (I João, 4:8). E nós estaremos sempre jungidos a essa lei de amor evoluindo sempre, dentro desse amor! 

Nenhum comentário:

Postar um comentário