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sábado, 7 de janeiro de 2012

03 'Doutrina e Prática do Espiritismo'



03

             Qual é a primeira manifestação do homem, ao nascer?
           
            A lágrima. Dir-se-ia que a dor, que lhe vai ser desde então assídua companheira, representa um signo de predestinação de todo ser que desabrocha para a vida.

            Como esta, porém, se compõe de alternativas incessantes, não tardarão a alvorecer, para a criança, aqueles dias de inocência e de descuido, "que os anos não trazem mais", com tão expressiva singeleza decantados pelo melancólico  burilador das PRIMAVERAS.

            Quem há que se não recorde com saudade desses dias que tão breves passam e em que a própria ignorância de todas as coisas concorre para as aureolar de inusitado encanto?

            E logo vem a adolescência, com os primeiros devaneios, e logo a mocidade com os seus generosos entusiasmos confiantes. Então, o mundo se nos apresenta, não como o é em suas brutais realidades, mas segundo no-lo representa a imaginação enxameada de quimeras . E porque de preferência pairamos nas regiões prismáticas do sonho, não percebemos as ciladas, os embustes, que a cada passo nos espreitam e que, à força de se repetirem, terminarão por constituir esse infindável rosário de decepções que se chama experiência.  

            Chegando à idade madura, se teve a fortuna de substituir os os irrefletidos arroubos dos primeiros anos por um ideal mais alto em que se inspire, pode o homem, lançando um olhar sobre o passado, rever sem amargura os trabalhos e os sofrimentos suportados, neles haurindo novo estímulo para prosseguir na rota que se impôs.  E à medida que se aproximar do termo da jornada, vendo de um lado sucessivamente desaparecerem os entes que lhe são mais caros – elos partidos da cadeia de amor que o prende à vida - e, do outro, contemplando a epopeia dessa mesma vida incessantemente recomeçada pela caravana das novas
gerações que fazem, como ele fez, a romaria do futuro, longe de se inquietar ou maldizer as coisas, cujo cujo rumo aprendera a reconhecer guiado por invisível Providência as abençoa todas e aguarda com serenidade a sua hora.

            Feliz aquele que assim veja deslizarem os dias da velhice, com o espírito impregnado de indulgência, repousado na certeza desse amanhã, cuja aproximação não o intimida.  

            Quão raros são, porém, os que assim consigam sobrepor-se às vagas tumultuárias da existência, abroquelados nesse estado d’alma que só a convicção imortalista pode, como nenhuma outra, assegurar ao homem!

            A grande maioria, a quase totalidade das criaturas neste mundo entra na vida e a percorre e dela sai, como se poderia dizer, com os olhos fechados, ignorante das grandes leis ,da Providencia e do Destino, não vendo das coisas senão o seu aspecto exterior e, por isso, buscando na satisfação dos ilusórios prazeres dos sentidos a realização de uma felicidade que vaga c instintivamente aspira, mas cuja objetivação não sabe verdadeiramente em que consiste.

            Dessa ignorância é que procedem os grandes males que afligem as sociedades contemporâneas, trabalhadas por uma espécie de delírio ou de deslumbramento pela teatralidade das coisas transitórias, a cuja posse nem mesmo se hesita em sacrificar a austeridade dos princípios e as mais  nobres  injunções das leis da honra.

            A obra destruidora do materialismo, tentando  fazer do homem um mero autômato, à mercê das forças irresistíveis e cegas da natureza ou da fatalidade, não podia deixar de conduzir a tais funestos resultados.  

            Uma vez que tudo começa e acaba neste mundo, que a alma é um mito engendrado  pela superstição religiosa e que, portanto, a imanência de uma lei moral, indefectível e eterna, a que se não podem subtrair as consciências  os atos, é um outro devaneio metafísico, nada mais lógico -  em que pese aos contraditórios apologistas de uma moral independente, calcada sobre tais audaciosas negações - que buscar no gozo, o mais depressa e o mais possível, a suprema expressão da vida humana.

            E o que é mais grave, por imprimir ao fenômeno um caráter de generalidade, é que ao contagio dessas desmoralizadoras teorias não têm escapado sequer as pessoas que se dizem religiosas, embora a tal respeito singularmente se equivoquem, por confundirem com a simples observância de algumas práticas externas o sentimento religioso, que é coisa diferente e raras vezes lhes anda associado

            É assim, por exemplo, que num país como o nosso, cuja população se afirma ser, e é de fato, em sua grande maioria filiada à igreja romana, os sintomas de dissolução moral se evidenciam com a mesma intensidade que por toda parte, o que autoriza, portanto, a acreditar, ou que o titulo de crente é um mero rótulo conservado para não escandalizar a tradição, ou que efetivamente o ensino dessa igreja, por extremamente afastado do espírito em que primitivamente se inspirava, já não tem capacidade para encaminhar as almas às serenas altitudes em que se abriguem das tentações materiais.

            O certo é que a ânsia de prazer, o desejo de sobressair e de brilhar, o culto e a admiração à carne soberana parece constituírem a absorvente preocupação de todos os espíritos. O próprio recato, que era um dos mais sedutores apanágios da família brasileira, tem cedido o passo a uma desenvoltura de costumes, que não representa, com outros sinais de decadência, um dos menos inequívocos fatores de infortúnio, traduzido nos dramas passionais e nos escândalos domésticos de que com tanta frequência em nossos dias se tem opulentado os registros da criminalidade.

            Fenômeno geral, e não particular da sociedade brasileira, que lhe padece unicamente a repercussão inevitável, a subalternidade com que é encarada a vida, em seu objeto e significação conduziria a humanidade ao aniquilamento de suas nobres capacidades e energias, à falência dos destinos que lhe estão superiormente assinalados, se para o despertar da letargia em que se tem mergulhado a preocupação excessiva da matéria, e para lhe encaminham as aspirações noutro sentido, não colocasse a Providencia ao pé de cada criatura a dor, não só como advertência e ensinamento, mas como pórtico de sua definitiva integração divina.     '

            E porque é ela a grande amiga do homem, s sentinela avançada do seu evoluir, é que desde o mais altamente colocado na hierarquia social aos que militam nas fileiras obscuras da sociedade, nenhum deixa de ser por ela mai ou menos assiduamente visitado.

            Não ha na universalidade dessa lei - que é uma lei o sofrimento para todos os seres neste mundo - a intervenção de uma fatalidade cega e arbitraria, como erroneamente o poderiam supor e o tem dito os analistas superficiais senão a aplicação de um método educativo e providencial, simultaneamente inspirado nos ditames da sabedoria e nos preceitos da justiça, como teremos adiante ocasião de demonstrar.

            Infelizmente, porém, mercê de uma deficiente educação religiosa e de um imperfeito desenvolvimento espiritual que é a a raiz de todos os seus males, o homem considera o sofrimento uma sorte de maldição ou de repulsa. Daí a insubmissão com que o recebe e que, se não fosse além das queixas e lamentações, só atenuado inconveniente lhe acarretaria. O pior é que, na ânsia de suprimir tudo o que o embaraça ou contraria em seus desejos, na rebeldia contra tudo o que o humilha ou faz sofrer, não raro o homem força as próprias  barreiras da existência e busca na morte voluntária o que imagina ser a cessação de todo sofrimento.

            Desgraçados os que assim procuram, pelo mais funesto e ilusório dos recursos, desertar desta "peleja pela conquista do céu", que é a vida, como numa imaginosa e feliz expressão a definiu Léon Denis . Não foi certamente para esses que S. Thomas de Aquino, fazendo a apologia da imortalidade, proclamou que o dom de viver constitui uma felicidade tão inestimável que seria preferível frui-lo entre os tormentos eternos a ser aniquilado para sempre.

            Mas como a nossa época, de convulsionada transição para um novo estado de aperfeiçoamento humano, também o é das grandes dores e das generalizadas provações, coincidindo em o declínio do  sentimento religioso, que por toda parte se observa, o número dos desertores pelo suicídio se tem, nestes últimos tempos, multiplicado com alarmadora frequência. De tal modo a descrença parece haver afrouxado os laços que prendem à vida as criaturas que os mais fúteis pretextos servem, às vezes, para essas deserções.

            Mas como não ser assim, se, voltadas as vistas unicamente para as coisas deste mundo, só a sua posse constitui a felicidade, como a sua perda representa uma desgraça irreparável?

            Será esse, entretanto, o destino do homem e não terá porventura a vida 'mais elevado objetivo que a detenção dos bens exteriores, a posse da fortuna c do poder, a satisfação de estultas vaidades - miragens que, apenas alcançadas, tantas vezes se dissipam, não deixando mais que amargas recriminações da consciência?

            Se assim fosse, e para as nobres aspirações da inteligência e do sentimento não houvesse mais dilatados horizontes que este mundo, nem objeto mais digno em que se fixar senão as suas falaciosas promessas e as suas cruéis desilusões, a vida, com a monótona repetição quotidiana das mesmas trivialidades, seria indigna de apreço.

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