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sexta-feira, 19 de junho de 2020

Preparemos nosso amanhã



Preparemos nosso amanhã
Tobias Mirco (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Dezembro 1975

            É indisfarçável a gravidade da crise moral que domina a Terra, neste derradeiro quartel do século XX. Tal crise começou desde que a igreja romana, atrelada a ambições profanas, se descurou da exemplificação evangélica, estabelecendo contradições flagrantes e crescentes, embora mantivesse sua autoridade sobre as massas não esclarecidas, preferindo a ação dura, radical e intolerante, à persuasão evangélica, ao apelo à compreensão do homem, através da elucidação paciente e constante do verdadeiro sentido do Cristianismo. Pelo contrário, à medida que ia perdendo a autoridade moral, buscava socorrer-se de meios incompatíveis com as normas evangélicas, igualando-se, e muitas vezes até ultrapassando, ao comportamento frio e radical do poder político, que dispunha da liberdade e da vida das criaturas humanas.
            Ao mesmo tempo, a Ciência, irracionalmente combatida pela igreja, orgulhosamente amparada em dogmas absurdos e ofensivos à inteligência do homem, conseguia, pelo menos, alertar a Humanidade para a intolerância daqueles que perseguiam os estudiosos e os sábios, impondo-lhes humilhações, ameaçando-os de prisão e de morte, levando muitos à masmorra e à pena capital. Galileu, Giordano Bruno, Campanella e tantos, tantos outros mártires do progresso, não escaparam da sanha dos pretensos seguidores do Cristo. A Ciência encontrava em seu caminho a oposição cega e asinina de teólogos fanáticos que não podiam raciocinar livremente, porquanto já haviam enveredado pelo caminho estreito e sombrio da intolerância e da cegueira. Religião sem amor não é religião. Nestas condições, o Cristianismo, deturpado e aviltado por quem deveria prezá-lo à custa de quaisquer sacrifícios, cedeu lugar a uma “doutrina” imediatista e ambiciosa, criada para a conquista do poder temporal. E foi assim, em síntese, que o Cristianismo ficou sendo uma capa a encobrir um corpo chagado de delitos, com a qual foi possível a escalada ao poder político, com todo o seu cortejo de violências, usurpações, etc.
            A doutrina do Cristo servia apenas para engodar (enganar) os menos precavidos enquanto os que dela se valiam com tão negregado propósito, negavam-na a cada instante, criando uma “doutrina” maleável, condizente com os planos estabelecidos. Semelhante procedimento, aliado ao autoritarismo papal, aos desmandos clericais, às exorbitâncias a que se haviam habituado seus corifeus (líderes), induziria ao descrédito, por falta de melhor observação e análise dos que combatiam a igreja romana, o Cristianismo já então inexistente no procedimento cotidiano dos sacerdotes mais audaciosos. Mas, na realidade, não era o Cristianismo que desmoronava. Não. Ele permanecia intacto, puro, porque a insensatez de seus monopolizadores não poderia jamais detê-lo. Entretanto, a confusão havia sido criada, e com ela cresceu a reação contra a igreja, ativada pelos Enciclopedistas que, em nome da Razão, desferiram golpes terríveis e certos, cujas consequências pedem ser avaliadas pelo recrudescimento do ceticismo e do ateísmo, que procuraram incentivar, no ódio que os impelia a excessos.
            Opôs-se a Ciência à religião, como se Religião fosse aquele simulacro de regras e normas ritualísticas, capaz de impressionar o povo simples e ingênuo, mas recusado pelos que já haviam alcançado a madureza intelectual e podiam ver, através da lente do raciocínio e da análise, os erros que se cometiam contra a Religião legítima e o progresso moral. Disseminou-se mais rapidamente a dúvida, em face das calamitosas contradições da igreja, já divorciada do Cristo. Era preciso, porém que conservasse as aparências, como trampolim para a realização de seus objetivos. Por via da natural reação a esses desmandos, surgiu a Reforma. Mas, com ela, ressurgiram velho vícios, antigos hábitos, dentre eles a intolerância, o sectarismo e a distorção dos elevados e profundos princípios, cuja semente Jesus depositou nos Evangelhos. Nesse comenos (instante), ia a Ciência, à custa de grandes lutas, ganhando terreno. Cada vitória significava uma brecha mais funda e irremediável na fortaleza dos dogmas e preconceitos, as massas continuavam ainda sugestionadas para apoiar a igreja contra as conquistas científicas, como se viu, por exemplo, entre milhares de outros, no caso de Darwin. Como o mal está no homem, também a Ciência se deixou contagiar pelo orgulho, porque, criada sob a influência do materialismo negativista, mostrou-se infensa ao espírito religioso, tornando-se, por vezes, tão dogmática quanto a igreja. Se o homem não tem como imunizar-se, contagia-se e espalha o mal.
            Tornou-se bonito ser materialista, e ainda mais bonito ser ateu. Muitos escritores e “soi-disant” (pretensos) sábios fizeram profissão de fé ateísta, criaram sua própria filosofia, passaram a combater veementemente o espírito religioso, em nome de uma estranha liberdade de pensamento. Por isso, esclarece Emmanuel, “nos tempos modernos, mentalidades existem que pugnam pelo desaparecimento das noções religiosas do coração dos homens, saturadas de cientificismo do século e trabalhadas por ideias excêntricas, sem perceberem as graves responsabilidades dos seus labores intelectuais, porquanto hão de colher o fruto amargo das sementes que plantaram nas almas jovens e indecisas. Pede-se uma educação sem Deus, o aniquilamento da fé, o afastamento das esperanças numa outra vida, a morte da crença nos poderes de uma providência estranha aos homens. Essa tarefa é inútil. Os que se abalançam a sugerir semelhantes empresas podem ser dignos de respeito e admiração quando se destacam por seus méritos científicos, mas assemelham-se a alguém que tivesse a fortuna de obter um oásis entre imensos desertos. Confortados e satisfeitos na felicidade ocasional, não veem a caravanas inumeráveis de infelizes, cheias de sede e fome, transitando sobre as areias ardentes.” (“Emmanuel – Dissertações Mediúnicas”).
            O espetáculo triste e doloroso do mundo atual reflete os frutos produzidos pelo materialismo ateu. O homem tem todo o conforto, vive embasbacado com as prodigiosas conquistas da Ciência. Já foi à Lua, pretende ampliar suas investigações cósmicas, consegue invenções estupendas e descobertas maravilhosas. Mas o amor está desertando dos corações. A imoralidade tomou conta da vida humana, mercê da psicose mundial que arrebanha homens e mulheres e leva-os a preferir os divertimentos e prazeres que menos podem contribuir para sua real felicidade. O erotismo desbragado domina o cinema, o teatro, a televisão e certos órgãos de publicidade, porque a preocupação de uns é “fazer dinheiro” mais facilmente, e para isso os meios justificam os fins, até para explorar a corrupção de caráteres.
            A Ciência está dando o máximo de conforto material ao homem, mas não lhe dá tranquilidade, não lhe acena com a paz que enriquece a alma, não lhe promete conhecimentos que lhe dignifiquem o espírito. Um mundo sem Deus é um mundo à deriva que se dirige ao encontro de catastróficas decepções, porque a moral cristã, que lhe era bússola preciosa, vem sendo desprezada. Homens casados abandonam o lar, deixando esposas e filhos, para se entregarem a aventuras perigosas ou a pretexto de reconquistarem a liberdade que seus instintos animalizados reclamam sem se aperceberem de que vão meter-se num círculo de ferro, mais prisioneiros do que nunca, por se tornarem prisioneiros de tais instintos, tendo como carcereiro a consciência vigilante, que, um dia, lhes pedirá contas dos erros e desvios praticados. Mulheres levianas, que procedem da mesma forma, terão o mesmo triste fim, porque, queiram ou não queiram, sofrerão, cedo ou tarde, as consequências de seus desatinos. Deus é e Suas leis serão inexoravelmente cumpridas. O mundo atual está caminhando para o mais doloroso e inevitável ajuste de contas. É questão de tempo, ninguém se iluda.
            Por sua vez, a Ciência, tão severa e injusta com a Religião, partilha de erros idênticos aos que a igreja praticou. O orgulho domina-a assim como a intolerância e o preconceito. Tomé parece ser o seu símbolo, não obstante os grandes avanços realizados notadamente no campo da tecnologia. Um dia ela deixará de lado o utilitarismo e o negativismo que hoje a caracterizam. Um dia, graças mesmo às suas conquistas, ela se renderá à evidência máxima, confessando a realidade de Deus, reconhecendo que DEUS é a superinteligência dominando com irrestrita sabedoria o Universo. Mas ainda levará tempo, porque a evolução é naturalmente demorada. A turbulência de hoje, os desvarios que sacodem quase todos os países da Terra e a corrida cada vez mais veloz para o amanhã, passarão pelo crivo da dor, até que o homem desperte do pesadelo e compreenda que, apesar de todas as loucuras, encontrará a paz, depois de satisfeito o tributo cármico, do qual ninguém se livra.
            Velho provérbio celta diz, com enorme sabedoria: “É a música dos fatos que acontecem.” E essa música a humanidade já está ouvindo. Por ora, é ruidosa, ensurdecedora, confusa e caótica. O tempo, porém, encarregar-se-á de ameigar-lhe os tons, de disciplinar lhe os ritmos, de transformar os ruídos incômodos em sublime harmonia. E virão dias de tranquilidade e amor. O homem passará a entende o homem, pondo fim ao reinado do conceito plautoniano, de que “o homem é o lobo do homem”. Para isso trabalham os espiritualistas de todos os matizes, aqueles que creem em Deus, acreditam na imortalidade da alma e sabem que a lei da reencarnação, determinada pela Justiça Divina, é acionada pela roda cármica, cuja tarefa é promover, pelo resgate e a recuperação, a redenção humana!
            O papel do Espiritismo Cristão vem sendo e será, cada vez mais, importantíssimo. Essa importância multiplicar-se-á sempre, porque sua Doutrina dá ao homem a oportunidade de conhecer-se a si mesmo, de valorizar e ajudar seus semelhantes, de compreender que Jesus é o caminho que leva a Deus, através do roteiro evangélico, pois ninguém poderá ser feliz enquanto não trabalhar também pela felicidade alheia. Hoje, cada um cuida apenas de si, num culto extremado à egolatria. Quando compenetrar-se de que o egoísmo é a causa de tantos males, procurará recurso defensivo, estender a mão ao próximo, para por termo ao exclusivismo que o entedia e desespera. Isso feito, encontrará mais prazer íntimo e, então, compreenderá que pouco representamos individualmente, se nos tornamos ególatras, mas que nos valorizamos muito, à proporção que nos interessamos por nossos semelhantes. Aprenderá que a morte é simplesmente uma mutação. Saímos do ambiente terreno, restrito, para a Espiritualidade, ampla e cheia de possibilidades recuperatórias.
            O Espiritismo Cristão desempenhará função de magnitude progressivamente maior no próximo milênio, pois a ação que hoje desenvolve, dia a dia mais se ampliará, para abranger toda a humanidade, para que esta conheça que a doutrina do Cristo não desmereceu senão aos olhos dos cegos voluntários, pois será por ela que o homem romperá os obstáculos que ainda o prendem às vicissitudes da vida. Claro, não haverá milagres, não haverá predicações aparatosas, mas vazias. Haverá, sim, a consciência da Verdade Cristã, a consciência de que o homem não foi criado para ser “réprobo”, condenado a penas eternas, mas para, pelo próprio esforço, alcançar o destino a que tem direito todo aquele que, pelo esforço próprio, se faz digno de merecer a redenção que o libertará de todas as dores e de todos os males. A dor é o látego que nos encaminha para a purificação moral e espiritual. Como disse Kardec, "a misericórdia de Deus é infinita, mas não é cega.”
            Portanto, façamos por merecê-la porque o principal dependerá exclusivamente de nós.  

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