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quarta-feira, 24 de junho de 2020

O poder temporal do Papa


O poder temporal do Papa
por Fernando Coelho
Reformador (FEB) Outubro 1918
  
            Como não deve doer na consciência dos que estudam, serenamente, desapaixonadamente, como nós, o dogmatismo católico, apenas impulsionados pelo amor da verdade e guiados pela norma do bom senso, o contraste amargo e triste entre a vida humilde do Cristo e o luxo nababesco com que se rodeia, aparatosamente, aquele que se inculca o príncipe da sua igreja na Terra!
            Não se compreende, com efeito, que uma religião paramente espiritual, de origem divina, subscreva com o aplauso do silêncio criminoso dos seus crentes o que se nos afigura, como a qualquer pessoa, tão deprimente quanto ilógico e injustificável: o poder temporal do Papa.
            Será que sua Eminência Reverendíssima não possa, do alto do seu régio trono pontifício, vestido de ouro e púrpura, cercado de baionetas pagas pelos óbolos dos incautos, apostolar as sublimes práticas de Jesus senão com a sólida garantia de um governo e a consequente renda fabulosa do tesouro de um Estado?
            O Vaticano é um monumento que a soberba e orgulho católico ergueram num delírio megalomaníaco de grandeza, à pomposa exterioridade material dos seus ritos.
            A perniciosa influencia desse poder temporal, através das idades, é fruto que os historiadores registram e os sociólogos comentam.
            A intervenção direta do papa em todas as questões meramente políticas que tem convulsionado o mundo, máxime na era negra dos tempos medievais, bem demonstra que Sua Eminência mais se preocupa com as pendengas das chancelarias do que com a salvação das almas do seu descuidado aprisco.
            As lutas entre Roma e os Imperadores da Alemanha, o modo que o papa se imiscuía nas sucessões de tronos e negócios outros dos Estados europeus, a maneira por que fazia valer o seu prestígio na escolha dos governadores e na decisão dos intrincados casos da incipiente diplomacia de outrora, tudo isso vem provar que, aos falsos apóstolos do Cristo, jamais sorriem os enredos dos gabinetes e dos paços reais que o exercício, modesto embora, porém mais glorioso e digno, da missão que se lhe impunha o dever.
            Jesus pregou a bondade, a tolerância, o ensino pela palavra convincente e sincera.
            Mas o arquivo da história católica apenas datas rubras sobressaem.  
            Contemplem o passado.  
            Na França, na matança de S. Bartolomeu, a peregrinação bárbara e impiedosa àqueles que não rezavam pela cartilha de Roma, a luta contra os Huguenotes, o sague, a opressão, a tirania.
            Na Suíça, João Huss queimado vivo sob o apupo da turba, que o apedrejava, com a inconsciência das multidões desvairadas.
            Na Itália, os Gibelinos perseguidos, acossados, expatriados.
            Dante, vítima das suas convicções políticas, sofrendo as agruras e o infortúnio de um exílio forçado.
            Na Áustria e na Alemanha, o mesmo horror.
            Na Espanha, a atmosfera é mais sombria, o quadro mais tr[agico, a impressão mais dolorosa e inquietante.
            É a Inquisição com seu cortejo de crimes abomináveis.  
            Vítimas inocentes, mulheres e crianças indefesas morrendo entre suplícios que a imaginação infernal dos improvisados juízes de batina porfiava em tornar cada vez mais terríveis, num furor bestial de carnificina e sangue.
            O luto nos lares, o pranto, a orfandade, a viuvez, a tristeza.

Do blog: Comentou-me um amigo: Isso é coisa velha... Então, perguntei: O que mudou? Ele calou-se e mudamos de assunto...  

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