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sábado, 30 de abril de 2011

08 Escravidão e Espiritimo


Bill of sale for the auction of the "Negro Boy Jacob" for "Eighty Dollars and a half" to satisfy a money judgment against the "property" of his owner, Prettyman Boyce. October 10, 1807. Fonte: Wikipedia.us


-VIII-
 ‘Somos todos Irmãos’

por Alberto de Souza Rocha
Reformador (FEB)   Julho  1988

            Como não poderia deixar de acontecer, a presença decisiva do negro na vida brasileira estabeleceu laços de profunda consanguinidade com a miscigenação racial, a fraternidade e a assimilação da cultura em nossa sociedade. Nas artes plásticas, na literatura, na linguagem coloquial, na toponímia, na culinária, em todos os domínios. No samba, no Carnaval, nos hábitos de vida diária da população. No folclore, enfim. Adaptados ritos fetichistas às práticas religiosas que lhes foram impostas pelos seus senhores e pelos sacerdotes, no esforço de cristianização, com a adaptação de dogmas e de rituais, realçando-se, espontânea, a presença de fenômenos anímico-mediúnicos, formou-se o conhecido sincretismo como uma força de religião nacional. Explica-nos muito bem esse processo o Prof. Deolindo Amorim em ‘Africanismo e Espiritismo’ e em ‘O Espiritismo e as Doutrinas Espiritualistas’. Devemos respeitar o fato histórico, a cultura própria e a liberdade de crença e de manifestação desses nossos irmãos. Desconhecimento de causa tem feito muita gente englobar todas as práticas, porque mediúnicas, esquecendo-se de refletir nas bases filosóficas e na universalidade da fenomenologia. E não só isso acontece, como certas práticas até mesmo desavisadamente se confundem. Pois, nossos irmãos desencarnados que foram escravos no passado mais ou menos próximo não são proibidos de se manifestar em ambientes religiosos espíritas propriamente ditos. E é exatamente aqui que se estabelece a confusão. Quem foi índio ou negro em dada existência pode trazer-nos a sua experiência. Devemos mesmo aproveitar-lhes a humildade, não a nosso interesse pessoal ou egoístico, mas para que nos elevamos espiritualmente um e outro. É esse o pensamento que vimos em ‘Lázaro Redivivo’. Mas também em ‘Vozes do Grande Além’, sob o título ‘Eles, nossos irmãos’. Falamos o Espírito José Inácio Silveira da Mota, que foi Senador do Segundo Império. Recordando que os escravos tinham por salário o pelourinho, o flagelo e o chicote, esse pensador observa:

            “Entretanto, a redentora Lei de 13 de Maio de 1888, que lhes devolveu a liberdade, não lhes atingiu de todo a vida espiritual, porque, ainda hoje, abertas as portas do intercâmbio entre os dois mundos, ei-los, de novo, atraídos e engodados nas múltiplas linhas do fenômeno psíquico, para continuarem na posição de elemento servil.”

E então o Estadista do passado formula indeclinável apelo:

Espíritas do Brasil, pregoeiros da fé renovadora, quando em contato com os desencarnados, que ainda se ligam ao mundo africano, por força de estágio evolutivo, olvidai a paixão escravagista, deles aprendendo a abnegação e a humildade e ajudando-os, em troca, a subir para mais altas formas de educação.
Manter o cativeiro do corpo ou da alma é falta grave, pela qual responderemos, um dia, nos tribunais celestes.”

Em ‘Falando à Terra’ – este e os dois livros anteriormente citados recebidos pelo médium F.C. Xavier – é a vez de ouvirmos ‘Do Além’, na fala de Luís Gama (Espírito):

Antigamente, combatíamos o cativeiro e brandíamos o tacape da nossa indignação contra a megalomania escravagista. Usávamos a lâmina da palavra e fomentávamos o espírito revolucionário contra a displicência dos senhores rurais que mantenham na América o feudalismo da crueldade, pretendendo encontrar neles, com o nosso requinte de sarcasmo, os monstros infernais do chicote e da senzala, que a aristocracia do dinheiro e do poder metamofoseava em sorridentes barões.
(,,,) entretanto, se o nosso concurso valeu, indiscutivelmente, para libertar milhares de companheiros asfixiados no tronco da humilhação ou enclausurados no quilombo da angústia, livrando-os da perseguição sistemática de capatazes impiedosos, em despertamento além da morte reconhecendo-os na situação de misérrimos escravos de nossas próprias paixões.”

Mais adiante, não é possível deixar de transcrever um raciocínio do grande lidador:

Jesus, naturalmente, não encabeçou qualquer  movimento de extinção da escravocracia de seu tempo, não porque abonasse a indébita apropriação do trabalho de muitos por alguns, mas pela extrema compaixão, que muito mais a merecem dominadores do que servos.
(...) Os mais infelizes não se encontravam nos serviços pesados (...) mas na glória vazia dos titulares e dos libertos, impando de autoridade e de ouro, sem recursos, no entanto, para o desenvolvimento espiritual, encastelados na fortaleza da ilusão e da ignorância que a situação lhes impunha ou que os privilégios lhes outorgavam,”

Sim, diremos, mas a escola terrena inclui também a disciplina das experiências múltiplas e o soberbo passará por aquela da servidão... Afinal, somos todos irmãos. E, exatamente por isso, a seu tempo e ainda hoje, para muitos, a Doutrina do Cristo – falamos da sua verdadeira doutrina – seria considerada subversiva, como observa Emmanuel, por igualar os servos e os seus senhores.


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