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sexta-feira, 21 de novembro de 2014

4d. AntiCristo senhor domundo



 4d

            Em meio ao tumulto das armas, ao aviltamento dos costumes e ao crepitar das fogueiras, com que a "santa" Inquisição insultou as pacíficas tradições do Cristianismo, naquele tormentoso período, em que muitos se detêm a admirar a construção, indubitavelmente maravilhosa, das catedrais, como expressão do pensamento religioso insculpido em arabescos de pedra, o que, a nosso ver, sobressai e permanecerá como incomparáveis contribuições para a obra da civilização verdadeiramente cristã, são: a Imitação de Cristo e o apostolado de Francisco de Assis.

            Escrita no silencio do claustro por um frade, cujo nome se conservou ignorado, pois que ele mesmo se absteve, humilde e cuidadosamente, de o lançar no manuscrito, encontrado só depois de sua morte, a Imitação de Cristo, pela singeleza do estilo em que está vasada e que tanto, ainda nisso, a aproxima do Evangelho, tornando-a a muitos respeitos o seu complemento natural, mas sobretudo pelos lampejos de inspiração divina que nela perpassam não obstante refletir frequentes vezes o ambiente sombrio da época e do meio claustral, constitui um brado exortativo a todas as consciências, um convite misericordioso do Senhor a todas as almas famintas de libertação e de socorro.

            Nesse verdadeiro manual da perfeição cristã, o seu iluminado autor, se algumas vezes flagela, com amargura espiritual, que não com virulência, os desregramentos do seu tempo, em frases como esta: "Ah! Se tanto zelo empregassem em extirpar os vícios e plantar virtudes, como em ventilar questões, tantos escândalos não haveria entre o povo, nem tanta relaxação nos claustros!" - aplica-se de preferência a atrair os homens para as  excelsitudes da vida interior, levantando-lhes as aspirações para as realidades eternas com desprezo das coisas transitórias. Identificado com o pensamento do Mestre, a tal ponto que chega a dele fazer-se, iterativamente, a expressão pessoal, autorizada e viva, quando exorta: "Filho, do céu baixei por tua salvação; assumi tuas misérias, não obrigado, só por amor: para ensinar-te a paciência e a sofreres sem revolta as presentes misérias", ora entremostra os arcanos da Sabedoria pela iluminação interior, mediante uma vida imaculada: "Bem aventurado aquele a quem a Verdade ensina, não por figuras e vozes que passam, mas por si mesma e como em si é," ora, penetrado do sentimento de renúncia, em que culmina a iniciação do crente, e advertido de que o padecer dores no corpo ou no espírito - inseparável contingência de toda criatura humana - representa lei inevitável numa esfera de aperfeiçoamento como a Terra, traça aquele magistral capítulo, "Do real caminho da Santa Cruz", em que faz eloquente apologia do sofrimento e acena a todos, que sob ele vergam, com as radiosas compensações que o futuro lhes reserva.

            "Diante foi o Senhor com a cruz às costas - diz ele - e por teu amor na cruz morreu, para que tu também leves a tua cruz e aspires a morrer na cruz; porquanto, se com Ele morreres, com Ele também viverás, e se fores seu companheiro na pena, também o serás na glória".

            Pois bem, esse livro, que tem atravessado os séculos e conta maior número de edições e de traduções em todas as línguas que outro qualquer até hoje publicado, esse livro, que tem derramado no mundo tantas consolações e dissipado tantas perplexidades, pois que em qualquer página que, ao acaso, seja aberto por uma criatura aflita, lhe oferecerá sempre uma advertência, um oportuno esclarecimento e um conforto, esse livro - repetimos - dir-se-ia que escrito pelo Senhor, servindo-se da mão e do cérebro de um de seus mais humildes, estudiosos e fieis discípulos, parece não ter exercido a mínima influência nos ministros da igreja, aos quais, em grande parte, era evidentemente dirigido, prosseguindo eles nos seus desvarios, sempre obcecados pelas ideias de grandeza e ambições materiais, escravizados que se conservaram sempre às tenebrosas sugestões do AntiCristo.

            Quando muito, o apreço que teriam ligado àquele admirável conjunto de ensinamentos da mais pura moral cristã, parece ter consistido em introduzir lhe, com profanadora mão, alguns enxertos e acréscimos, sobretudo no derradeiro, dos quatro "livros", que remata o volume, com a visível intenção de o acomodar às práticas devocionais, em que o clero interesseiro fez timbre em conservar de preferência obediente o rebanho católico.

            Um exame atento daquela obra divinamente inspirada, em cujo "Livro primeiro" são dados "Avisos para a vida espiritual", no segundo, "Exortações à vida interior", cujo "Livro terceiro" trata "Da interna consolação" e o quarto e último "Do S.S. Sacramento", revela, com efeito, nalguns lugares, em que a pureza do estilo se patenteia adulterada, e sobretudo no derradeiro "livro" uma preocupação exclusivista de atrair os crentes menos para a identificação com o pensamento evangélico, do que para a observância de práticas exteriores, cuja inutilidade, entretanto, o verdadeiro autor da Imitação de Cristo põe de relevo em mais de uma passagem dos anteriores capítulos de sua indubitável redação. Compreende-se que, se um instintivo respeito coagiu os representantes da igreja a manter intactos os grandes ensinamentos espirituais do iluminado autor, embora considerando-os porventura unicamente aproveitáveis para "pessoas crédulas", nenhum inconveniente, a seu ver, resultaria de adaptarem por último a divina oferenda aos interesses particularistas da igreja.

            Damos nisto uma impressão pessoal, que a nossa consciência e sinceridade nos impunham exprimir, submetendo-a contudo ao critério dos estudiosos imparciais que, como nós, busquem a verdade sem preocupações e exclusivismos apriorísticos, impressão que a histeria da igreja e sua contumaz infidelidade ao pensamento do Mestre e aos seus ensinos autoriza, sem temor de gratuitas suspeitas.

            De todo modo, o que os fatos demonstram é que, a não ser a criminosa deturpação de que as apontadas circunstâncias denunciam ter sido objeto a Imitação de Cristo, nenhum outro apreço mereceu da igreja o divino convite à reconciliação com o espírito do Cristianismo, que suas páginas imortais, de fato, encerram.



4c. AntiCristo senhor do mundo


4c

            Comecemos por essa monstruosa instituição. Vasto sistema de espionagem e delação, duplicado de uma inconcebível aparelhagem de instrumentos de tortura, que jamais a mente criminosa do homem pudera inventar, sob as inspirações de um espírito verdadeiramente satânico, a Inquisição, sob o pretexto de combater a heresia, realizando a obra infernal do ódio e da vingança e, por três séculos consecutivos, espalhando o terror por quase toda a Europa, com a ceifa de milhares de vidas, não raro por meras e gratuitas suspeitas, convertendo os ministros do altar em algozes de seus semelhantes, ora destruindo os laços da família pela cruel obrigação, imposta aos seus membros, de mutuamente se denunciarem, às vezes caluniosamente, ora sufocando a liberdade de pensamento pela condenação à fogueira dos portadores de ideias novas ou contrárias ao feroz dogmatismo da igreja - Giordano Bruno, João Huss e o próprio Galileu, que teria sido vitimado, se não abjurasse a verdade do movimento da Terra, são casos documentais ilustrativos - a Inquisição, repetimos, invocando sacrilegamente o nome de Deus, isto é, perpetrando as inomináveis atrocidades, que cobriram de treva e sangue as nefandas páginas de sua história, e apregoando, por inaudito sarcasmo, que o fazia "para maior glória de Deus" - ad majorem Dei gloriam - constituiu a mais hedionda aberração do espírito do Cristianismo e, portanto, um triunfo assinalado daquele que tem sido até hoje o seu obstinado algoz.

            Sim, foi sob a pressão do Espírito das trevas, substituindo-se ao sentimento e à consciência dos que se intitulavam representantes de Jesus - príncipe de paz e da misericórdia, evangelho vivo do amor, por cujo sacrossanto ministério viera salvar e não perder os homens, oferecendo em holocausto a sua própria vida - que a igreja, renegando por semelhantes atos o título de cristã, que de resto já vinha progressivamente conspurcando, como o temos visto, se tornou cúmplice na projeção daquela tremenda noite moral sobre a família humana, que veio a ser a Idade Media.

            Não foi, ao demais, nos morticínios somente e nas perseguições desencadeadas nesse tenebroso período, senão também nos escândalos, depravação de costumes e lutas encarniçadas de ambições que se desenvolveram no seio da igreja - verdadeira nau desarvorada em meio de furiosas tempestades - que o Espírito do mal ostentou o seu predomínio sobre os incautos depositários da doutrina do Senhor, banindo-lhes do coração a fé e convertendo-os em filhos do século, escravos das paixões, a cujo influxo disputavam desvairadamente as coisas deste mundo.

            Os dezoito anos de pontificado exercido por Inocêncio III são expressivo testemunho dessa influência dominadora do AntiCristo sobre uma consciência que se descuidara de conservar, com vigilante zelo, a pureza do sentimento cristão, revelado nos primeiros tempos de sua conversão.

            Descendente, com efeito, de uma ilustre família e tendo recebido aprimorada educação, duplicada de sólido preparo intelectual, poeta, escritor, jurisconsulto erudito e estadista, que se revelou mais tarde, compôs, ainda moço, um tratado Do Desprezo do Mundo e Das Misérias da Humana Condição, que foi considerado por críticos competentes "como expressão sincera de elevados sentimentos cristãos". Tanto que, porém, recebeu a investidura pontifícia - aos 37 anos de idade - por forma tal se absorveu no torvelinho dos negócios políticos, que a sua passagem pela suprema direção da igreja patenteou tudo - habilidade, energia de caráter, visão percuciente e oportunista dos sucessos, argúcia, crueldade, espírito autoritário - menos o sugestivo encanto das virtudes evangélicas.

            Preocupado, ao começo, de restabelecer - e com sucesso o fez - a ordem na administração dos negócios eclesiásticos e a disciplina do clero, conseguiu no curso do seu pontificado granjear para a igreja o máximo de autoridade e de poderio mundano, submetendo reis, coroando-os e depondo-os, lançando interdito sobre reinos, se os imperantes ousavam porventura desobedecer-lhe, organizando cruzadas - ao oriente e contra os albigenses - para tudo isso não recuando da prática ele traições e violências, em que o sangue humano, por sua ordem ou com o seu assentimento, foi profusamente derramado.

            E, todavia, se o seu pontificado marca o apogeu da influência e do prestígio secular da igreja na Idade Media, foi também durante ele que a verdadeira Igreja elo Cristo - diferente e antitética da igreja romana - por aqueles mesmos fatos e pela extrema dissolução dos costumes, que faltava uma legitima autoridade moral para refrear, conheceu uma de suas mais profundas crises, de que só logrou salvar-se pela intervenção de um excelso Enviado do Senhor, a que aludimos incidentemente páginas atrás e de quem voltaremos a ocupar-nos em seguida.

            Morto lnocêncio III em 1216, quando se dispunha, e o prometera, a pôr-se à frente dos guerreiros, em a nova cruzada que organizara para ir à Terra Santa, e que veio a ser, como as outras, mais um desastre, recomeçou a desordem no seio da igreja romana, trabalhada por dissenções internas e agressões externas, que a política ambiciosa e autoritária do extinto papa havia de necessariamente provocar, enredando-a na rivalidade das ambições e nas competições dos imperantes, em que interviera. De sorte que, no começo do século seguinte, sentindo-se ameaçado por seus súditos em Roma, o papa Clemente V deliberou refugiar-se em Avignon, para onde foi transferida a corte pontifícia, ali permanecendo ela 68 anos - de 1309 a 1377 - em meio de relativa tranquilidade e opulência, sob a proteção dos reis de França, indiferente à sorte do rebanho católico, agitado por perturbações e lutando com a miséria.

            Para ter-se uma ideia aproximada da amoralidade dos costumes e da carência de escrúpulos de alguns dos intitulados "vigários do Cristo" que ali reinaram, basta atentar-se nos seguintes episódios, que a história registrou:

            "A Clemente V sucedeu (1316), depois de uma vigorosa oposição Jacques d 'Euse, de Cahors, que tomou o nome de João XXII e teve porfiadas contendas com Luís da Baviera. Também se empenhou num grave pleito com os franciscanos, que sustentavam, em disputa com os dominicanos, que o Cristo e seus discípulos nada tinham possuído nem como indivíduos nem como Igreja. "Coisa singular - comenta o historiador - os papas, cumulados de riquezas, condenavam as pessoas que reclamavam para si o direito de serem pobres!"
            "Como era natural, a causa dos frades menores tornou-se popular e a luta desprestigiou o papa, contra o qual, por outra parte, o imperador publicava escritos violentos, encontrando apoio não só nos franciscanos, mas também da parte de muitos doutores, que se tinham aplicado a investigar os títulos e a examinar as bases da supremacia papal".
            "João foi acusado de simonia e avidez; não se sabe, porém, até que ponto as acusações foram inspiradas pelo ódio. Conta-se que costumava prover as dignidades em prelados da ordem imediatamente inferior, para desse modo abrir uma série de vagaturas e fazer uma série de nomeações rendosas para a câmara apostólica. Estabeleceu os preços das dispensas e outras concessões; quando morreu tinha em cofre dezoito milhões de florins de ouro.
            "Sucedeu-lhe Jacques Fournier de Saverdun, com o nome de Bento XII (1334), homem tão humilde quanto piedoso e erudito, que disse aos cardeais: "Elegestes o mais burro de todos". Esmerou -se em corrigir quanto possível os abusos do reinado precedente. Limpou a corte pontifícia dos parasitas dotados com pingues benefícios, para nada fazerem, e emendou muitos desacertos.
            "Pedro Roger, natural do Limousin, eleito depois dele com o nome de Clemente VI (1342), prometeu mercês a todos os clérigos pobres que se lhe apresentassem no prazo de dois meses. Apareceram-lhe perto de cem mil, e ele teve que dar a todos, graças às economias feitas pelos seus predecessores e aos muitos benefícios que haviam deixado vagos. Matheus Villani fala nestes termos de Clemente VI: "Tem a sua casa montada regiamente, conservando sempre uma mesa coberta de iguarias delicadas, além de outras mesas para cavalheiros e escudeiros, e muitos cavalos na estrebaria. Andava muitas vezes a cavallo por seu gosto e sustentava numerosa comitiva de cavalheiros e escudeiros. Gostava muito de fazer dos parentes altos personagens e lhes comprou vastos baronatos em França. Encheu a igreja de cardeais de sua família e nomeou alguns tão novos e de costumes desregrados que daí resultaram grandes abominações; a pedido do rei de França nomeou outros, alguns dos quais nem tinham a idade requerida. Nessa época não se tinha em atenção a ciência nem a virtude: tratava-se apenas de satisfazer a ambição de possuir o chapéu vermelho. Foi um homem medianamente ilustrado, muito cavalheiroso, pouco religioso. Emquanto arcebispo não somente se não guardou das mulheres, senão que foi além dos costumes dos barões seculares. Quando papa, não soube conter-se nem ocultar-se mais que dantes, pois que as altas senhoras entravam nos seus aposentos como os prelados e, especialmente, uma condessa de Turenne, tão do seu agrado que era por intercessão dela que o papa concedia a maior parte das graças. Quando estava doente, as damas serviam-no  e o dirigiam, como fazem aos seculares as suas próximas parentas. Distribuiu com mãos largas os tesouros da igreja".
            "Inocêncio VI (Estevão Aubert de Mont), que lhe sucedeu (1352), diligenciou restaurar o poder pontifício na Itália; moderou o luxo de sua corte e o dos prelados, expulsou os parasitas e as mulheres de má vida que tinham dado escandalosa celebridade a Avignon. Enriqueceu os sobrinhos e deixou a tiara a Guilherme de Grimoald, de Beauvais, pontífice ilustrado e bom cristão, que governou com o nome de Urbano V (1362)".

            Esse papa, cinco anos depois, fez uma tentativa de transferência da corte pontifícia para Roma, onde foi recebido com grandes festas, aí permanecendo realmente algum tempo, mas voltando afinal para a Provença, onde morreu (1370).

            Tais eram os costumes, como se vê, frequentemente dissolutos com que se edificava o povo; tais foram algumas das vicissitudes que acidentaram, nessa época, o papado, até que estalou o formidável escândalo do "grande cisma do Ocidente".

            Assim se podem resumir os antecedentes, que imediatamente o prepararam.

            "Gregório XI (Pedro Roger), da família dos condes de Belfort e de Turenne, sucessor de Inocêncio VI, foi um homem virtuoso, modesto, sábio e liberal. Impressionado com os males que presenciara, com as exortações de Catarina de Senna, com as revelações que lhe comunicava Brígida, regressou a Roma, apesar da oposição do rei e dos cardeais, e estabeleceu residência no Vaticano; mas, se não tornou a passar os Alpes, foi porque a morte lhe não deu tempo (1378).
            "Tinha autorizado os cardeais a elegerem o novo papa por maioria de votos, sem esperarem pelos colegas ausentes, no intuito de abreviar a vagatura o mais possível. Ora, os romanos, temendo que o novo eleito voltasse para Avignon, cercaram o conclave de armas e tumulto, gritando: "Queremos um papa romano!" Tocaram a rebate e ameaçaram entrar à força, para fazerem as cabeças dos cardeais tão vermelhas como os seus chapéus, se eles não elegessem um italiano. Os sufrágios recaíram, pois, em Bartolomeu Prignano, de Nápoles, que tomou o nome de Urbano VI (9 de abril de 1378). Era homem instruído e consciencioso, melancólico e severo, muito mais severo do que o desejariam os cardeais; por isso, eles mesmos protestaram contra a eleição, com o fundamento de que não tinha sido livre. E, aceitando a proteção de Bernardo de Sala, chefe de aventureiros vasconços e bretões, que facilmente subjugou os romanos, matando muitos, elegeram, em Fondi, Roberto de Genebra, que se ficou chamando Clemente VII (21 de setembro).

            Foi esse o começo do grande cisma, que durante meio século - de 1378 a 1429 - atormentou a existência da igreja, mas cujas fases não interessa acompanharmos, bastando-nos, para o objetivo que nos preocupa, assinalar alguns de seus efeitos e sucessos principais.

            Reconhecido Urbano VI na Itália, Alemanha, Inglaterra, Dinamarca, Suécia, Polônia e no norte dos Países Baixos, e Clemente VII em Nápoles, França, Escócia, Saboia, Portugal, Lorena e Castela, enquanto as outras potências se conservavam hesitantes, ficou "dividida a cristandade em dois partidos inimigos, que se combateram com todas as armas e reciprocamente se acusaram de usurpação e heresia", com sensível perda de prestigio para o papado, cuja autoridade os príncipes aproveitaram o ensejo para cercear.

            "Os dois pontífices se excomungaram um ao outro. Clemente VII, estabelecido em Avignon, multiplicou os cardeais, prodigalizou expectativas, converteu o Estado pontifício em Reino de Adria, em favor de Luiz d'Anjou, tudo para angariar partidários e arranjar dinheiro. Por sua parte, Urbano VI, atormentado pela desconfiança, sustentava-se exercendo rigores sanguinários, ordenando suplícios como um tirano feroz sem ter a menor consideração pelo caráter ou pela idade dos prelados e cardeais, acumulando excomunhões escandalosas e decretos mais escandalosos ainda, inspirados pelo seu próprio interesse e não pela conveniência da igreja." 

            Por sua morte, os prelados que lhe tinham sido fieis elegeram Bonifácio IX - (novembro de 1389), que ocupou a viva força a cidade de Roma e as outras possessões da igreja, todas dilaceradas pelas facções e devastadas pelos bandos de aventureiros". Em setembro de 1394, os cardeais que sustentavam Clemente VII, falecido este, elevaram, por seu turno, ao trono pontifício Bento XIII (Pedro de Luna) , "um ambicioso astuto", que só tratou, como o seu rival, de consolidar-se no poder e enriquecer os seus partidários.

            Nesse conflito de ambições, chegou um momento em que houve três papas simultaneamente: Bento XIII, Gregório XII e Alexandre V.

            O concílio convocado para Constança e aí reunido em 1414, com o objetivo de por termo ao cisma e operar uma reforma radical nos costumes da igreja, em lugar do esperado sucesso, contribuiu para lançar novos germens de perturbações, uma de cujas consequências foi a condenação de João Huss à fogueira, como agitador popular, que reclamava as reformas, cuja necessidade todos reconheciam e fora mesmo, como fica dito, um dos motivos da convocação do concilio.

            Os efeitos desmoralizadores, resultantes da anarquia que se estabelecera no papado, podem ser, entretanto, assim resumidos:

            "Os papas, empenhados em angariar partidários a todo custo, prodigalizaram privilégios, fizeram-se cúmplices de abusos e usurpações e, injuriando-se uns aos outros, perderam o prestígio, que era uma das suas maiores forças. Os símbolos deixaram de ter significação logo que a sociedade se tornou inteiramente prática, e todos viam com desgosto a corte pontifícia, que, vivendo no mundo, se deixara dominar pelas paixões mundanas, contraíra os costumes dos poderes seculares; fazia da religião um meio de governo, especulava com as coisas santas e traficava com títulos reservados, provisões apostólicas, anuidades, rendimentos intermediários e outras coisas desse gênero.
            "A depravação da corte de Avignon, onde parecia costume o que noutras partes é vicio, onde a impureza se associava à perfídia e à baixeza, tinha feito recair desprezo sobre o que antigamente era venerado, e o povo ia perdendo o espirito de obediência à proporção que os pontífices perdiam a autoridade moral para mandar."

            Não é necessário, por novas, pormenorizadas citações, carregarmos nas cores sombrias desse quadro, para ficar demonstrada, como o assinalávamos há pouco, a pressão exercida pelo AntiCristo no seio da igreja, em que imperava como soberano e quase sem contraste.

            Arrebatados, com efeito, no turbilhão do século, haviam se extinguido na consciência dos pontífices e do clero em geral, para cederem de preferencia às sugestões do Tentador, os derradeiros ecos daquela advertência de Jesus aos seus discípulos: "Sabeis que os príncipes das gentes dominam os seus vassalos e que os que são maiores exercitam sobre eles seu poder. Assim não será entre vós outros; mas entre vós o que quiser ser o maior, seja o que vos sirva. E entre vós o que quiser ser o primeiro, seja esse o vosso servo."

            Não era o contrário disso, como temos visto, o que praticavam os infiéis depositários da doutrina do Senhor? De tal modo se lhes havia obdurado o entendimento, que permaneceram surdos e cegos, não apenas ao que poderiam considerar os longínquos ensinamentos do Evangelho, mas a uma grande lição e a um eloquente exemplo de atualidade que, naquela mesma tenebrosa Idade Media, o Senhor, em sua infatigável misericórdia, entendeu lhes enviar.


4b. AntiCristo senhor do mundo

4b

            Foi, pois, obedecendo às sugestões malévolas do invisível, que os ministros supremos da igreja cristã, esquecidos da advertência do Mestre: "não podeis servir a Deus e as riquezas", não somente renunciaram à pobreza pessoal e aboliram a singeleza do santuário, mas se empenharam em seu enriquecimento patrimonial e entraram a imiscuir-se nos negócios do século.

            Não é nosso propósito, nem o comportaria a natureza, necessariamente sintética, deste estudo, empreender um exame analítico de todos os erros, deturpações e vicissitudes perpetradas pela igreja ou que acidentaram a sua existência, tão frequentemente tormentosa, associada que esteve a todas as fases de desenvolvimento da organização política dos povos, assim no ocidente como na parte do oriente, sobre que, através os séculos, estendeu ela o seu domínio espiritual, trabalho que, sobre exceder de muito os limites de nossa capacidade, exigiria múltiplos volumes. Queremos tão somente, indicando alguns dos sucessos de maior relevo, significativos do divórcio entre o engrandecimento material da igreja, duplicado do progressivo crescimento do seu prestígio temporal, de um lado, e do outro a singeleza, não destituída de magnitude e profundeza, do ideal que lhe dera origem, apreciar a influência preponderante nesse divórcio exercida pelo Espírito das trevas, sistematicamente empenhado em solapar nos seus fundamentos e contradizer nos seus resultados a obra de progresso e de espiritualização da humanidade, que é o escopo capital da doutrina de Jesus.

            Também nos não movem, neste esboço de crítica retrospectiva, intuitos demolidores da colaboração que, apesar de todos os seus deslizes, a igreja incontestavelmente prestou, sobretudo nos primeiros séculos e em meio das convulsões que assinalaram o soçobro do mundo pagão, à formação e desenvolvimento da civilização ocidental, sob o influxo do pensamento cristão. O nosso objetivo é, antes de tudo, apreciando a ação perturbadora do AntiCristo na existência da igreja - alvo do seu inveterado rancor - do mesmo modo que em todas as manifestações da vida humana, em que essa interferência transparece, colher ensinamentos e advertências para salvaguarda dos que, nesta época de transformações e num radioso futuro que se avizinha, desejem sinceramente seguir a Jesus e necessitam estar apercebidos contra as insidiosas manobras dos que com propriedade são denominados inimigos da luz.

            Isto posto, retomemos a largos traços a enumeração dos acontecimentos que foram visivelmente acentuando o declínio espiritual da doutrina do Senhor, desde a proscrição do ensino relativo à lei providencial das vidas sucessivas - chave da evolução universal dos seres - a que nos referimos no anterior capítulo, ao enriquecimento patrimonial da igreja e pessoal de seus serventuários, tanto mais se engrandecendo uma e os outros, pela acumulação de bens materiais e de poderio mundano, quanto o depósito sagrado, exposto, quase sem defesa, às investidas sorrateiras do inimigo, se conspurcava enleado nas complicações do século.

            Assim é que, fortalecido o papado no século VIII, durante o império carlovingiano, e ganhando autoridade crescente sobre os imperantes, o papa Zacarias, intervindo ostensivamente na órbita das contendas temporais, reconhece como rei Pepino, o Breve, pai de Carlos Magno, e a seu turno o papa Leão III põe, mais tarde, sobre a cabeça desse último a coroa real.

            A essa intromissão nos negócios do século veio juntar-se o inconveniente, ainda mais grave, de converterem a igreja, que se intitulava do Cristo, numa potência mundana, com a formação, permitida pelos carlovingianos, do Estado Pontifício, mediante a doação, feita ao papado, de Ravenna, Pentapolis - reunião de cinco cidades, como o nome o está indicando - que abrangia Fano, Ancona, Pezzaro, Rimini e Sinigaglia, completando-se a incorporação com a cidade de Roma e desse modo ficando consideravelmente acrescidos os domínios territoriais que, desde o século IV, como precedentemente o assinalamos, vinham sendo ofertados aos papas.

            Não viram ou não souberam perceber os incautos detentores da direção da igreja que essa consolidação do seu poderio material representava nada menos que uma réplica vitoriosa, do oculto sugerida pelo AntiCristo, àquela palavra de Jesus, assim formalmente desrespeitada: "Meu reino não é deste mundo".

            Ainda no século VIII um outro fato veio acentuar a tendência materializadora impressa ao culto, primitiva e exclusivamente espiritual adotado nas comunidades cristãs, tornando-o desde então nitidamente idólatra. Referimo-nos ao culto das imagens, cuja permissão foi reconhecida em 787 pelo segundo concilio de Nicéa, possivelmente como uma transigência, julgada necessária, com os hábitos de idolatria dos bárbaros invasores e a fim de assegurar a sua incorporação à cristandade, medida - se o quiserem - nesse ponto de vista defensável, não obstante a formal proibição expressa no Decálogo, sob a condição de transitoriedade, mas que a experiência dos séculos veio, com a sua permanência até aos nossos dias, demonstrar haver sido funesta, como toda transigência, ao demais, na esfera das coisas divinas, equivalente a um retrocesso.

            A resistência contudo, que essa intromissão da idolatria nas cerimonias da igreja e nos hábitos dos fieis encontrou da parte de numerosos bispos, logrando somente aprovação depois de ter sido, por mais de um século, objeto de repetidas controvérsias em diferentes concílios, prova que não somente essa medida não correspondia a uma evidente necessidade, mas que no próprio seio da igreja e entre os seus mais graduados representantes havia servidores vigilantes de Jesus, arautos e defensores do seu pensamento, que não cediam, sem tenazes opugnações, às dissimuladas manobras do AntiCristo, obstinado no seu empenho de comprometer, por todas as formas de desvirtuamento, a obra do Senhor.

            Bem sabia ele que, insinuando-se no animo dos prelados, cujas resistências terminavam por ser, mais cedo ou mais tarde, subjugadas, e afeiçoando-os aos prazeres do luxo, facilmente viria a converte-los numa classe aristocrática, divorciada das necessidades, aspirações e direitos do povo, a quem de preferência, todavia, Jesus pregava o Evangelho (Mateus XI, 5), fraudado assim num de seus objetivos capitais. Não era, com efeito, a fraternidade o dogma fundamental da sua doutrina, tendente a dissipar os antagonismos e rivalidades que dividem os homens, entre eles estabelecendo, com a prática da justiça, a paz e a harmonia?

            Considere-se, entretanto, a atitude do papado em relação ao feudalismo, regime de exploração rural e servidão exercida pelos senhores sobre os miseráveis servos da gleba, reduzidos à condição de irracionais, regime que perdurou do século X até ao fim da Idade Média, mas cujos derradeiros vestígios só vieram a ser extintos pela rajada libertadora da Revolução francesa, e ver-se-á que a igreja, não somente consentindo, mas tomando parte por alguns de seus ministros nessa ignóbil exploração do homem pelo homem, serviu ainda nisso os intuitos antifraternas do Espírito das trevas.

            Encaminhava-se desse modo a sociedade ocidental, que se presumia cristã ou, pelo menos, regida pelos princípios do Cristianismo, para a sua divisão em três classes - clero, nobreza e povo - ocupando a igreja o pináculo da escala, vindo em seguida os senhores feudais e, por último, não propriamente o povo, no sentido igualitário, reivindicado mais tarde pelas conquistas revolucionarias, mas a imensa multidão dos sofredores, dos sem-direitos, designados pejorativamente como a plebe, conservada, com a cumplicidade da igreja, na ignorância e no aviltamento, origem das ulteriores revoltas, que ensanguentaram a Europa.

            Como se não fosse ainda suficiente esse divórcio entre o fraternismo característico do ideal cristão e semelhante organização social, que lhe era odiosa antítese, para ser oposto um novo desmentido aos intuitos pacifistas do Evangelho, empreendem-se as Cruzadas, favorecidas, algumas organizadas mesmo, pela igreja, com o fim de reivindicar a ferro e fogo a posse de Jerusalém para os cristãos e libertar do jugo muçulmano "o santo sepulcro", que ao demais nada continha.

            Nos dois séculos que durou esse embate fratricida - de 1076 a 1270 - encarado por alguns como necessário derivativo ao estado de guerra quase permanente em que mutuamente se empenhavam os senhores feudais, foram sacrificados muitos milhares de vidas e, mais que tudo, os métodos, que nunca deveriam cessar de ser persuasivos, do Cristianismo, sem outro resultado a não ser o dilatarem-se os horizontes do conhecimento aos guerreiros-crentes em relação às populações orientais, de cujo contato, entretanto, lhes advieram numerosos vícios e hábitos dissolutos, complemento inevitável dos instintos de pilhagem, estimulados nessas incursões - quaisquer que fossem as intenções e os exaltados sentimentos de muitos que se lhes associavam - positivamente barbarescas. A criação de uma literatura, sem dúvida original e interessante, formada pelos romances da Cavalaria, em que foram celebradas as proezas de tais singulares cavaleiros da Cruz, não chega a ser uma compensação ao pungente desmentido, por semelhantes aventuras marciais, oposto aos ensinamentos do Evangelho, e não vale uma só das conversões
obtidas, séculos mais tarde, pelo pacífico ministério e o amor persuasivo de um Francisco Xavier.

            Uma vez contudo obliterado o senso de suas responsabilidades, e arvorada a Cruz não como símbolo de redenção, mas de perseguição e de combate, não se detiveram aí as iniciativas truculentas da igreja, senão que, para dar uma nova demonstração do espírito evangélico invertido que a animava, é organizada, em 1207, por determinação do papa Inocêncio III, a "cruzada" de extermínio contra os albigenses, prosseguida implacavelmente durante vinte e dois anos.

            Em que consistia, entretanto, a heresia desses díscolos?  Uma versão, com visos de tendenciosa, além de lhes atribuir a crença na existência de dois Criadores, o do bem e o do mal, eternamente antagônicos e, por natureza, irreconciliáveis, agindo cada um sobre seu mundo e suas criaturas, mediante sua adequada revelação, ainda lhes imputava a negação da existência humana do Cristo e dos caracteres teológicos de sua missão, bem como do dogma da ressurreição da carne, fazendo-os ainda partilhar a opinião pessimista de ser considerada crime a reprodução da espécie humana, cuja extinção desse modo propugnariam, com o que pretende semelhante versão porventura justificar o extremo rigor empregado pela igreja em exterminar os portadores de tais heterodoxas concepções. Constituindo, porém, os albigenses uma das ramificações sectárias dos cátaros, deviam ser idênticos aos por estes adotados os seguintes pontos fundamentais de sua doutrina: - coexistência de dois princípios das coisas, o bom e o mau, como explicação do perpétuo conflito entre essas duas modalidades; as almas, criaturas do bom princípio, sucumbiram às tentações do segundo, sendo que - na opinião de partidários da seita, menos radicais - o principio mau começara sendo bom e decaíra por orgulho; - Jesus é um anjo, enviado para salvar os homens pela revelação de sua verdadeira natureza; o característico geral desses sectários consistia na extrema pureza de costumes; - ascética era a moral que praticavam e o culto simples, consistindo em pregar e abençoar; - possuíam um episcopado, a que só ascendiam os "perfeitos", que haviam recebido o batismo do espírito.

            Foi, pois, a tais pacíficos dissidentes, entre cujos princípios teogônicos se encontram alguns, como se vê, senão idênticos, pelo menos semelhantes aos da igreja, como a doutrina, por esta sustentada, dos anjos decaídos, convertidos em demônios, e a do resgate do gênero humano por mediação do Cristo, que entendeu a igreja, levar a condenação e a morte, fazendo do seu extermínio um título de consolidação do seu poderio intolerante e exclusivo, de nada valendo, como atenuante sequer, a pureza de costumes dos "heréticos" e somente preocupada ela, a igreja, em impor, com a unidade de seus dogmas, a uniformidade de suas práticas, complicadas de ritos pagãos, a que opunha expressivo contraste a simplicidade, aos seus olhos odiosa, do culto praticado pelos albigenses.

            Contra eles, em lugar da persuasão - apenas com intermitências empregada por alguns missionários da Palavra, como, entre outros, o excelso Antônio de Pádua - foram, portanto, sistematicamente brandidas as armas homicidas. E para concluir a obra de extermínio, que ainda não parecera suficientemente eficaz em seus resultados, o concilio de Tolosa decretou, em 1229, o estabelecimento do Tribunal, por ironia, denominado da "santa" Inquisição. Ali de começo instalado, com o objetivo imediato de extirpar "a heresia dos albigenses", foi mais tarde pelo papa Gregório IX, que o organizara, ampliado o seu funcionamento aos demais países que tinham a infelicidade de estar sob o domínio de Roma. Porque esta, à medida que decorriam os anos, tinha a infelicidade, a seu turno, de estar sob o jugo cada vez mais opressivo do AntiCristo.

            Os fatos que, em reforço do que precede, passamos sucintamente a enumerar, demonstrarão que não exageramos.


4a. AntiCristo senhor do mundo

4a


IV.       Engrandecimento material da Igreja, declínio progressivo do ideal cristão. - Formação do Estado Pontifício, como réplica à palavra do Cristo:
"Meu reino não é deste mundo". - Transigências e antíteses. –
Restauração parcial da Igreja Cristã. - Francisco de Assis.

            Se o Senhor Jesus se abstivera, intencionalmente, de reduzir a escrito os seus ensinos, preferindo confia-los à segurança dos corações fieis de seus discípulos, que os viveriam na eloquência dos exemplos e, por Ele do Alto sustentados, os transmitiriam à história, de par com a narrativa dos martírios infligidos à cadeia de seus heroicos sucessores, obscuros ou ilustres, muito menos se preocupou de fundar uma religião, no sentido ritualístico e de práticas devocionais, comumente ligado a essa palavra. Viera, sim, fundar a religião do sentimento, ou - no dizer de um inspirado autor, egresso das hostes reacionárias da igreja romana para as fileiras do moderno espiritualismo (1) - "a magnífica sociedade das almas, que se chama o reino de Deus".

            (1) Padre V. Marchal, “O Espírito Consolador”, cap. , 23, "A Grande Vítima".

            Nas instruções dadas aos seus apóstolos, como nas lições transmitidas diretamente ao povo, insistira sempre na supremacia das boas obras e na inutilidade dos gestos, atitudes e observâncias exteriores, favoráveis ao desenvolvimento da hipocrisia. Portador da Verdade, e Ele próprio personificação viva da Verdade, que aprendera do Pai, sabendo quanto a pureza e elevação dos sentimentos e a retidão dos atos não somente dignificam os que os praticam, mas constituem os únicos elementos de edificação para os que os observam e são, por natureza, comunicativos, o seu cuidado era fazer de seus discípulos, como em geral de todos os que se convertessem a sua Palavra, homens verdadeiros, suficientemente espirituais para incutirem nos outros homens a certeza da vida imortal, a cujas esplendidas realidades interiores devem ser imolados os enganos e ilusões da vida material, exterior e transitória.

            E, porque não menos sabia que, entre os grilhões que escravizam o espírito à terra e o condenam à amargurada repetição de estágios nela expiatórios, divorciando-o do ideal divino de perfeição, que é seu destino, nenhum sobreleva o funesto apego aos bens que a riqueza proporciona, advertiu os seus discípulos e o povo, reunidos no sopé do Monte, em que proferiu o memorável Sermão, começando das bem aventuranças e rematando com os mais sábios ensinamentos aplicáveis às diferentes situações da vida:

            "Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer um e amar o outro, ou há de acomodar-se a este e desprezar aquele. Não podeis servir a Deus e as riquezas."

            Ora, no duplo sentido a que nos reportamos - instituição de ritos e pompas externas e posse de bens materiais - os depositários do divino legado, que assumiram a direção da igreja, não cessaram de contradizer, com sua conduta, os exemplos e os ensinos do Mestre, desse modo atraiçoando o seu mandato. Não somente se afastaram das primitivas práticas adotadas nas comunidades cristãs, singelamente adstritas à leitura e comentários dos textos evangélicos, sob as inspirações do Alto, substituindo-os pouco a pouco por cerimônias emblemáticas, representativas da Ceia, e por uma complicada liturgia, inacessível ao entendimento popular, mas, desde que, organizada, a igreja nada mais teve que temer de seus perseguidores, graças à proteção de Constantino, entraram a revestir-se de um fausto incompatível com a espiritualidade de suas funções.

            "Uma vez triunfante - é oportuno recordarmos, com o historiador de cujo testemunho nos temos socorrido - protegida pelo império, enriquecida pela generosidade dos fieis, certa de viver e dominar, a Igreja começou a rodear-se de pompa e cobrir os seus ministros de seda e ouro". E comenta ele: "Por certo que o humilde Jesus nunca imaginou ver os seus discípulos trajarem como os grandes da terra e dourarem os altares, onde se arvorava o tosco lenho da Cruz. Todavia, acrescenta, apreciando o fato à luz de um critério nitidamente profano força é reconhecer que, desde que a Igreja se fizera instituição para presidir aos destinos da sociedade por meio de sua influência nos espíritos e nos corações, corria-lhe a necessidade de rodear-se do esplendor, que os preconceitos do vulgo consideram distintivo da grandeza e da dignidade, e de atuar também sobre os sentidos da multidão, acostumada a reconhecer a majestade do poder quase unicamente pela magnificência de que ele se rodeava".

            Essa foi sem duvida, exteriormente impressionista, a intenção dos dirigentes da igreja - e é isso que até certo ponto os absolve do deslize - ao inflectirem no resvaladouro das acomodações aos "preconceitos do vulgo", pois não se os poderia, com justiça, increpar de tais condescendências, no deliberado propósito de desservir a doutrina do Senhor, para a qual só os deveriam induzir motivos de atrair maior número de adeptos.

            "Não se lhe censure, pois - acrescenta o historiador - o ter renunciado à pobreza dos primeiros séculos, mas arguam-se tão somente os seus chefes e ministros, que fizeram fim do que só deveria ser meio, converteram o esplendor do culto em regalo e satisfação da própria vaidade e, para sustentarem o luxo dos altares ou dos seus serventuários, venderam as concessões espirituais ou espoliaram os fieis".

            Era contudo inevitável que assim viesse a suceder, uma vez afrouxada a vigilância que reclama incessante, contra as tentações do inimigo, a investidura espiritual. Cometido, o erro, mesmo com a intenção de temporário, por condescendência e com a reserva mental de ulterior retrocessão, engendra sempre novos erros, que se vão agravando, até degenerar em inveterado e irremediável abuso. O maior perigo, em casos tais, consiste em ser aberto o precedente, que é uma espécie de pacto, inadvertidamente feito, com o inimigo. Foi esse perigo que não souberam ver os ministros da igreja, responsáveis pela sua direção. Esqueceram-se de que a doutrina com que, para sua redenção, viera Jesus felicitar o mundo, não se destinava a adaptar-se às conveniências do século e aos preconceitos populares, mas a estabelecer um novo padrão de vida moral, para o individuo como para a
coletividade, vida interior, com exclusão de todo aparato exterior, devendo, portanto, ela, a doutrina, ser conservada em toda a sua pureza exclusiva e em toda a sua espiritualidade original.
           
            Ou ter-se-ia o Cristo enganado quanto à oportunidade histórica de sua descida a este mundo, ensinando prematuramente uma doutrina que o mundo não estaria apto a receber, sendo então necessário revesti-la de formas que a tornassem, na prática, assimilável pelos homens. Nascendo e vivendo, propositadamente, na pobreza e consentindo, por último, em ser consumado na ignominia da crucificação, teria oferecido um modelo de vida e hábitos inimitável pelos seus continuadores e discípulos ? - Tanto assim não foi - à parte a irreverência que envolve a só hipótese de semelhante equívoco - que séculos mais tarde, como o veremos adiante, foi precisamente o retorno àquelas formas de humildade e de renúncia pelo mais fascinante de todos os imitadores de Jesus que salvou a igreja numa de suas mais temerosas crises.

            O Cristo não se equivocou nem poderia ter-se equivocado na escolha do momento de sua descida á terra, trazendo-lhe os indestrutíveis elementos de sua regeneração. Mas, também, não ignorava, em sua divina presciência, que, exposta às agressões do Espírito das trevas e em contato com a fragilidade dos que, no futuro, tomariam o encargo de seus depositários e propagadores, a sua doutrina de amor e imortalidade seria deturpada por adaptações parasitárias e materializadoras. Não foi sempre essa, de resto, a sorte de todas as revelações trazidas ao mundo por grandes iniciados? Mosaísmo, Bramanismo, Budismo, não começaram todos por um código de preceitos morais, austeramente pregado pelos seus instituidores, para degenerarem ulteriormente em práticas ritualísticas, a pretexto de adaptação à mente popular, terminando a casta sacerdotal, que no seio de cada uma dessas religiões veio a formar-se, por explorar a credulidade dos fieis e enriquecer-se a custa de sua generosidade.

            O Cristianismo não podia escapar a essa fatalidade, indubitavelmente prevista pelo seu divino Instituidor. Fatalidade inevitável, enquanto este mundo continuar a ser o império do AntiCristo, que exercita o seu domínio e o exercitará sobre a mente e o coração da imensa família humana, até que esta, pelo incoercível poder da evolução, que está nos desígnios de Deus, venha integralmente a converter-se, no transcurso dos séculos, à lei do Cristo, que o é de amor e de libertação.

            Enquanto se não efetuar essa conversão - e só o poderá ser individual, progressiva e, por assim dizer, intermitente, isto é, assinalada por ascensões, quedas e reabilitações - teremos de verificar na história das religiões e, particularmente, na conduta dos seus ministros e representantes, a incidência da dupla corrente de ação espiritual: a dos mensageiros do Senhor, operando no sentido de atrair os homens à comunhão divina, pela única pureza dos sentimentos e a retidão dos atos, a do "príncipe deste mundo", pela pressão de seus tenebrosos agentes, procurando induzir em erro os descuidosos, estimulando-lhes as fraquezas e sugerindo toda sorte de pretextos para a deturpação dos divinos ensinamentos.


            Nesse conflito, que se vem perpetuando através os séculos, os triunfos e revezes de um lado e outro se sucedem. Que a conversão final do próprio Tentador e seus infortunados seguidores ainda parece vir distante. Mas virá. 

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Cruzada dos Tempos Novos


Cruzada
dos Tempos Novos
Túlio Tupinambá / Indalício Mendes
Reformador (FEB) Março 1955

            Nenhum dos credos ditos cristãos possui maior responsabilidade que o Espiritismo, porque este é o Paracleto anunciado por Jesus e sua doutrina exprime com simplicidade o esplendor moral do Cristianismo do Cristo, tão deturpado através dos séculos, a ponto de, muitas vezes, admitir práticas incompatíveis com as lições deixadas pelo Mestre. Basta remontar-se ao fato da descoberta, em 1873, do “Didaquê”, que se achava esquecido na biblioteca do patriarcado de Jerusalém, para se compreender a diferença extraordinária entre a organização cristã do começo do segundo século com o que hoje se vê por aí: o Cristo anda na boca dos impuros, que o proferem a cada instante, sem, contudo, permitirem que Ele encontre guarida em seus corações. Naqueles tempos recuados, os cristãos conheciam e realizavam o contato com o Além, através de “médiuns”, que eram chamados “possessos”. Tais práticas eram aceitas com naturalidade e o “demônio” ainda não havia entrado em cena para desempenhar o importante papel ficcionista que está prestes a abandonar, segundo a palavra de Giovanni Papini, figura de relevo entre os escritores fiéis à orientação romana.

            Conta Sofronius, citado por Léon Denis em “Cristianismo e Espiritismo”, obra digna de figurar nas bibliotecas dos neo-espíritas e de ser frequentemente relida, que “o papa São Leão havia escrito a Flaviano, bispo de Constantinopla, uma carta célebre sobre a heresia de Eutíquio e de Nestório. Antes, porém, de a expedir, colocou-a no túmulo de São Pedro, que fizera previamente abrir e ao pé do qual se conservou em jejum e oração durante quatro dias, conjurando o príncipe dos apóstolos a corrigir pessoalmente o que à sua fraqueza e prudência tivesse escapado em contrário à fé e aos interesses de sua Igreja. Ao fim dos quatro dias lhe apareceu o príncipe dos apóstolos e lhe disse:

            “Li e corrigi.” O papa fez de novo abrir o túmulo e encontrou o escrito efetivamente corrigido.”

            Este exemplo é expressivo para demonstrar que a comunicação com os Espíritos somente deixou de servir quando interesses outros, que não os simplesmente espirituais, passaram a perturbar a vida religiosa daqueles que ainda se dizem vigários do Cristo.

            O fato acima relatado, de escrita direta, não deixa margem a dúvidas, tendo-se em conta a autoridade do escritor Sofronius, principalmente no seio dos cristãos de seu tempo. Todavia, Léon Denis, “o suave poeta do Espiritismo”, uma das colunas basilares da Nova  Revelação, cita Gregório de Cesareia (“Discurso acerca do Sínodo de Niceia”») e Nicéforo (Livro III), para evidenciar haver sido solicitado o auxílio dos Espíritos por todo um concílio: “Ao tempo em que o concílio ainda efetuava suas sessões, e antes que os padres tivessem podido assinar as decisões, dois piedosos bispos, Crisantus e Misonius, faleceram. O concílio, depois de haver lavrado o termo, lastimando vivamente não ter podido juntar seu voto aos de todos os outros, compareceu incorporado ao túmulo dos dois bispos e um dos padres, tomando a palavra, disse:

            “Santíssimos pastores, terminamos juntos nossa tarefa e combatemos o combate do Senhor. Se a obra lhe agrada, dignai-vos no-la fazer saber, apondo lhe vossas assinaturas.”

            “Em seguida foi a decisão lacrada e deposta no túmulo, sobre o qual foi também aposto o selo do concílio. Depois de terem passado toda a noite em oração, no dia seguinte, ao amanhecer, quebraram os mesmos selos e encontraram, por baixo do manuscrito, as seguintes linhas autenticadas com as rubricas e assinaturas dos defuntos consultados: “Nós, Crisantus e Misonius, que havemos assentido, com todos os padres, ao primeiro e santo Concílio Ecumênico, posto que presentemente despojados de nossos corpos, subscrevemos, entretanto, do nosso próprio punho a sua decisão.” A Igreja - acrescenta Nicéforo - considerou essa manifestação como um notável e positivo triunfo sobre seus inimigos.”

            Aí está um segundo fato de escrita direta, ainda mais expressivo que o anteriormente citado.

            A Idade Média foi o largo período de trevas em que se viu mergulhada a Humanidade. As manifestações mediúnicas eram numerosíssimas e de múltiplas formas. Por isto, estabeleceu-se o regime pavoroso das torturas e das fogueiras. Se hoje o mundo está dominado pelo materialismo, deve-se, em grande parte, aos dias negros da Inquisição. Deve-se ao desprezo a que foram votados os princípios verdadeiramente cristãos. Como foi possível que, em nome do Cristo, se cometessem tantos crimes! A reação foi adquirindo forças lentamente, até que as ideias dos enciclopedistas, estimulados pela filosofia rebelde da Renascença, abalaram as forças das trevas, iniciando guerra implacável ao pretenso cristianismo da época. As ideias revolucionárias iam penetrando o espírito do povo e assim se preparou uma das maiores chacinas de que há memória na história do mundo: a Revolução Francesa.

            Não precisamos dizer quais os responsáveis por essa página sangrenta, que deu início à propagação do materialismo que até hoje desgraça os povos. Dos excessos tenebrosos do obscurantismo religioso, que se exercia abusivamente em nome de Deus e de Jesus, chegara-se aos excessos opostos, inspirados, disseminados e defendidos pelos materialistas, imbuídos dum ateísmo absurdo, que geraria, como gerou, o infortúnio da civilização contemporânea. Mas, perguntamos ainda: quais os responsáveis pela situação de dores e angústias do mundo atual? Se o Evangelho de amor e paz, de Jesus, não houvesse sido suplantado pelo evangelho de ambição de poder, de ódio e crime, as condições da Terra seriam hoje diametralmente diversas. Todavia, consoante a lei da reencarnação e à de Causa e de Efeito, tudo será, um dia, restituído à paz, depois dos sofrimentos purificadores de gerações e gerações culpadas. O Espiritismo está destinado a desempenhar papel importantíssimo na tarefa de reconstrução moral do homem. É preciso, contudo, que os espíritas e os pretensos espíritas analisem com calma a posição em que se colocam em face do presente, porque o futuro os espreita para a fatal tomada de contas.

            Não importa que o Espiritismo seja combatido. O que importa, já agora, é que ele seja fortalecido por seus adeptos, através da observância dos princípios doutrinários, do respeito ao Evangelho. Os tempos são diferentes. Nossos irmãos de outras eras pagaram com a vida, nas prisões, sob torturas inenarráveis ou no atroz suplício das fogueiras, o “crime” de possuir o sagrado dom da mediunidade. Agora, com todas as restrições que ainda nos tolhem a liberdade de ação, desfrutamos de regalias que eram desconhecidas na Idade Média. Aproveitemos o ensejo para o trabalho sadio da recomposição moral do homem. Em vez de cruzadas de sangue, prossigamos em nossa Cruzada de Amor. Não combatamos com as armas que espalharam dores, sangue, luto e desespero. Façamos o bom combate do Evangelho, escudados na compreensão das nossas responsabilidades perante Jesus-Cristo! Levemos aos “gentios” dos novos tempos o esclarecimento da Doutrina Espírita, iluminando lhes o caminho para a compreensão perfeita do Evangelho.


            Nosso dever é lutar pela divulgação das normas e dos princípios que podem reerguer o homem caído, dando-lhe forças para recomeçar à caminhada, cheio de esperanças novas. Reunamos forças para esse trabalho, buscando corrigir nossas próprias deficiências, única maneira de armazenarmos autoridade moral para ajudar o nosso semelhante a reencontrar a trilha perdida.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

O Pensamento de Hermínio Miranda



                  “...frequentemente somos arrastados pela ilusão da matéria e passamos a centralizar tudo em torno dela, que passa a ser a dominante da nossa vida. Entretanto, quando acordamos para a realidade espiritual - seja por meio de uma doença ou de uma tragédia -, começamos a procurar instintivamente o verdadeiro conhecimento. Com isso estabelecemos contato com o mundo espiritual e um verdadeiro vínculo magnético se forma em nosso benefício. Daí em diante, o Espírito sente-se mais seguro de si, na sua caminhada para Deus.

            A medida que subimos na hierarquia espiritual, purificando-nos, tornamo-nos "mais e mais acessíveis às forças divinas que, tal como o conhecimento, são infinitas". A fonte de toda a energia é Deus.
Lendo e Comentando
Hermínio Miranda
trecho de artigo publicado em
Reformador (FEB) Janeiro 1963


O pensamento de Hermínio Miranda


          "...a História nos ensina como devemos concluir em face das alternativas que se oferecem. Ao morrer o Cristo na cruz, deixando apenas uma pregação oral e onze discípulos apavorados, quem poderia prever que o Cristianismo abalaria os fundamentos do onipoderoso Império Romano? Seria até ridículo aos olhos cegos de tanta gente, àquela época, confrontar César e Cristo. No entanto, a lição da História está aí. Novamente sentimos, agora, soprar as aragens da reforma. Contra o império poderoso do dogmatismo e da teologia artificial, levanta-se o vulto do Espiritismo. Em 100 anos de pregação pacífica, mas revolucionária, já conseguiu aluir os alicerces da ortodoxia, tanto científica como religiosa."
'Lendo e Comentando'
Hermínio Miranda
trecho de artigo publicado em
 Reformador (FEB) Janeiro 1963  

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

E Depois!?!



E depois?!..

Guillon Ribeiro (Espírito)
por Júlio Cezar Grandi Ribeiro
Reformador (FEB) Fevereiro 1978
  
            Em diversas oportunidades, temo-nos referido ao esforço solidário dos componentes da Instituição Espírita, como prerrogativa de êxito e crescimento de realizações.

            De fato, quando predomina o espírito de equipe estruturado, fundamentalmente, na fraternidade e na compreensão, na tolerância e na renúncia, a união de todos presidirá o trabalho progressivo e enobrecedor.

            O Grupo, então, caminhará em suas destinações, indene de embaraços e desencontros, personalismos e melindres.

            Enfatizamos, desta feita, o funcionamento do Centro Espírita com base na formação de grupos de tarefeiros que se especializem, com tempo e perseverança, nas diversas atividades inerentes aos objetivos precípuos da comunidade religiosa.

            A descentralização administrativa proporciona, decerto, o surgimento de novos valores nos domínios da cooperação fraternal.

            Alertamos, assim, nossos companheiros de fé quanto à crise iminente das Instituições apoiadas tão só no devotamento e dedicação de equipe reduzida de operários idealistas, principalmente quando chegam ao extremo de se firmarem sobre um único elemento condutor.

            Seja o médium com apostolado no Bem, seja o administrador com fidelidade ao ideal, seja o pregador com exuberância de luz na palavra, seja o líder do serviço social com ampla folha de serviços, jamais o Grupo Espírita deve caminhar sob o comando de um único elemento, ainda que excelente distribuidor de tarefas com os diversos aprendizes do Evangelho, conservados tíbios e inseguros ante o excesso de diretividade.

            As surpresas do inevitável, muita vez, têm proporcionado a núcleos bastante operosos, quão prósperos, o definhamento de suas realizações, a paralisação da marcha, o esvaziamento da célula produtiva, ombreando-se com o total despreparo dos que permanecem na retaguarda das comunidades cristãs.

            Não devemos favorecer a solução de continuidade em nossas realizações espíritas.

            Imprescindível reconhecermos que nem mesmo Jesus se exonerou do concurso de colaboradores prestimosos na divulgação da Boa Nova.

            Convocou participantes solidários com a renúncia e o devotamento ao próximo, instituindo o colegiado apostólico que abraçaria, com êxito e fidelidade, os compromissos evangélicos.

            Acentuou, junto a cada servidor de perto, tarefas específicas segundo as potencialidades de seus corações.

            Em diversas ocasiões, ocupou-se o Mestre em convocar Simão Pedro, Tiago e João a maiores observações e aprendizado, conclamando-os a escutar e entender, ver e sentir para servir com êxito dentre o grupo dos doze.

            Paulo, o cooperador póstumo, vislumbrou a Luz Divina, na estrada de Damasco, para, em seguida, ser encaminhado a responsabilidades e testemunhos na comunidade evangélica, ao lado de outros corações não menos enobrecidos no amor. A partir de então, de tempos em tempos, os séculos receberam a visita dos auxiliares de Jesus na obra de defesa e perpetuação de seu Evangelho no mundo.

            Observando o precioso exemplo do Mestre por excelência, defendamos as Instituições Espíritas do aniquilamento de suas mais nobres destinações perante a ausência de seus pilares de responsabilidade e desvelo, convocados, subitamente, ao regresso à Pátria Espiritual.

            Muitos dirigentes e diretores de Centros Espíritas têm amargado remorso e arrependimento no retorno ao mundo das realidades essenciais contemplando, a distância, seus continuadores na Causa desertando, ante os encargos que lhes ficaram, por incapacidade de servir ou por inexperiência na adoção de compromissos maiores junto ao movimento renovador.

            Alertemo-nos, assim, preservando nossos núcleos espiritistas da condenação peremptória ao estiolamento ou destruição por falta de cooperadores ciosos de seus encargos.

            Tarefeiros do Bem não se improvisam de hora para outra. Surgem ao longo da experiência e participação, sob o apoio afetivo e estimulador da equipe enobrecida no trabalho fiel.

            Defender o patrimônio espírita é ação que principia na fraternidade universal para ampliar-se no reconhecimento de que o dono legítimo da obra é Nosso Senhor Jesus-Cristo.

            Cada um de nós, no aprendizado eficiente, simples servidor do Mestre, matriculado na escola da Terra, sob as vistas do Tempo, que, de momento para outro, nos convocará ao retorno Pátria Verdadeira.

            Sem plasmar trabalhadores para a obra erigida agora, que sucederá com ela depois?


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