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terça-feira, 7 de julho de 2020

Libertação espiritual


Libertação Espiritual
João Marcus (Hermínio Miranda)
 Reformador (FEB) Janeiro 1967

            Às vezes me preocupava o mecanismo das leis cármicas. Pensava eu que a série de ações e reações se estendesse em espirais infinitas pelo tempo a fora. E isso me parecia contrário à ideia que sempre formulei da justiça divina.
            Se ontem, num momento infeliz de desvario, estrangulei um irmão, alguém teria que me estrangular no futuro, para que se cumprisse a lei. Mas, o novo crime haveria de gerar, fatalmente, uma nova reação, abrindo outro ciclo e assim por diante, “ad infinitum”. De mais a mais, não havia, também, a dureza do “o por olho, dente por dente”?
            Acontece, porém, que as leis divinas são muito mais sábias e perfeitas do que sonhamos. Ao descer até nós, vindo das mais elevadas esferas espirituais, o Divino Mestre nos trouxe a mensagem da verdade suprema da vida - o amor. E como ele próprio dizia, não vinha destruir a lei mas faze-la cumprir. Não se alterava a substância dos postulados cármicos: ficavam eles, porém, esvaziados do seu conteúdo de inexorabilidade, para adquirirem o suave colorido da reparação.
            Ensinava o Amigo Sublime que só uma atitude poderia quebrar o círculo vicioso: o amor" Na verdade, colocou tão alto o conceito e a prática do amor entre as criaturas. que fêz disso a nota dominante, o tema, o “leit motiv” (motivo condutor) de toda a sua insuperável pregação. A certa altura da vida, com o poder de síntese e de acuidade de que era dotado, no mais alto grau, como se quisesse deixar, numa só ideia, toda a sabedoria da Vida - disse simplesmente: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”. Já meditou o amigo leitor, com seriedade, na beleza e na profundidade daquela simples frase? Ela contém, não somente o mandamento supremo da lei - que séculos antes havia sido transmitido a Moisés -, como, também, a afirmação de que ele, o Cristo, viera demonstrar e praticar a verdade do amor e não somente pregá-la. Aqueles que vivessem tal filosofia da vida estariam cumprindo a lei e seguindo os ensinos revelados pelos profetas através das idades.
            Estava o Mestre oferecendo, a cada um de nós, os recursos necessários para que nós mesmos nos libertássemos das imposições do “olho por olho”.
            Bastava amar. Quando nos pedissem para caminhar mil passos, caminhássemos mais dois mil por nossa conta. Se nos batessem em uma face, oferecêssemos a outra. Era lícito perdoar sete vezes? perguntaram lhe. Não sete, mas setenta vezes sete, foi a resposta.
            Aí está o ponto onde se quebra a corrente cármica, se o desejarmos: na prática do amor e do perdão. Bem sabemos que é mais fácil falar que praticar, enquanto estivermos contidos pela nossa imperfeição, mas se perdoamos aquele que em nós feriu a lei e o ajudamos a recuperar-se. estaremos, por nossas próprias mãos, partindo o círculo de ferro. Se ainda não atingimos a perfeição moral de oferecer a outra face, caminhemos pelo menos a outra milha, os outros dois mil passos, para oferecer a nossa prece em favor daquele que nos ofendeu. Esse gesto talvez represente, nas telas infinitas do tempo, o progresso e a libertação de irmãos aos quais provavelmente devemos tantas outras reparações.
            Graças a Deus, a despeito dos desacertos da época em que vivemos, há bastante beleza moral neste mundo. Muitos espíritos se deixaram impregnar de tal forma por esse perfume de amor e perdão, que imprimiram a marca de sua passagem na História.
            Francisco de Assis, num transbordamento de amor incontido, pregava tanto aos homens corno aos humildes seres da Criação, procurando atrair todos para a luz. Tereza d'Ávila, em transportes de amor sublimado pelo Mestre, vivia entre este mundo e o outro. Joana d'Arc, sob a pressão desencadeada do poder terreno, não cessou de amar e perdoar. Ghandi, na fragilidade física, era um gigante de força espiritual e moral no seu amor pacifista pelos irmãos deserdados. Albert Schweitzer, mergulhado no coração da selva afrícana, cura, ensina, educa, ampara sem outra paga que a satisfação de exercer o amor pelo ser humano.
            Conhecemos, pois, o caminho da recuperação, aquele que leva para o Alto. É preciso rogar forças para que saibamos segui-lo; pedir a Jesus que nos amplie a capacidade de amar e compreender. Não que essa atitude seja de passividade inútil. Não. Amar, no mais puro sentido, é um programa de ação, é um roteiro de lutas, porque implica, em primeiro lugar, o combate ao nosso comodismo e às tendências egoísticas, incrustadas em nosso espírito através dos milênios. Esse egoísmo cego talvez fosse necessário quando, na meia luz da consciência que despontava em nosso ser, nos distantes períodos encarnatórios, ainda não sabíamos que a vida continua depois da morte, Vivíamos, então, agarrados ferozmente ao corpo físico e às coisas da matéria, e por ela lutávamos, matávamos e roubávamos. Hoje não. Iluminados pela verdade superior, sabemos que o corpo é mero instrumento - e dos mais nobres - de trabalho e de evolução e, por estranho que pareça, quanto mais trabalhamos para os outros, mais realizamos para nós mesmos. Vemos, assim, que o egoísmo se sublimou numa forma superior de sentimento, pois que, por amor a nós mesmos e ao nosso progresso espiritual, somos levados a amar os outros. Então, isto tudo não é belo e maravilhosamente perfeito?
            E quando dizemos que o amor é um programa de trabalho e de luta é porque temos que exercê-lo ativamente, esclarecendo, pelejando contra o erro, ajudando aos que precisam de ajuda, tolerando, enfim, porque essa é a lei que nos oferece a chave da libertação.

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Mestre? Jesus.


Mestre? Jesus.
por P.A. da Costa Correia
Reformador (FEB) Agosto 1972

“Nem vos chameis mestres, porque um só é o vosso Mestre.”

            Seria inquestionavelmente o Espiritismo uma religião dogmática, se fosse orientado pelo engenho humano.

            Não. No Espiritismo, não há e nem pode haver mestre e isso se tem afirmado da tribuna e pelas colunas dos jornais espíritas.

            Agora mesmo, o nosso confrade Cairbar Schutel, em artigo de fundo pelo “0 Clarim” de 30 de abril p. findo, sob o título – “Um só Mestre, Um só Senhor!” - disse mais uma vez, como todos os espíritas estudiosos têm dito, que o Mestre é - Jesus.

            Kardec, o escolhido para arrancar, por orientação dos Mensageiros de Luz, o véu das parábolas com que o Cristo de Deus cobriu os seus ensinos, em consequência da ignorância que envolvia as mentalidades daquela época, Kardec, repetimos, diz claramente que a Doutrina Espírita não obedece à orientação do homem e essa sábia afirmativa do iluminado codificador, vemo-la real e perfeitamente confirmada no célere e maravilhoso progresso que o Espiritismo vai realizando no seio dos povos civilizados e cultos.

            O que é fato é que essa doutrina, que vem arrancando o homem dos charcos do crime em todas as suas modalidades, não estaria sempre triunfante dos farisaicos ataques dos escravos do capricho, dos inimigos da Luz, do Amor e da Verdade, se, para orientar os que a seguem, dependesse de mestres e bispos, conforme à opinião de um irmão nosso. Não. O Espiritismo deixaria de ser a bússola que é se do seio de seus adeptos surgissem corifeus (chefe de um coro).

            A respeito de tão grave assunto ouçamos a palavra impecável de dois dos Apóstolos do Humilde Filho de Maria, a Virgem:

            “Se alguém quiser ser o primeiro, seja o derradeiro de todos e o servo de todos”. (Marcos, XI, 35).
            “Nem vos chameis de mestres, (1) porque um só é vosso Mestre, que é o Cristo.” (Mateus. XXIII, 10).

                (1) Tratando-se de religião.


            Diante de tão sábios ensinos, vemos claramente que: religião com mestres é religião humana. 


domingo, 5 de julho de 2020

O precioso legado de Roustaing


O precioso legado de Roustaing
Vinélius Di Marco (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Dezembro 1957

            A famosa e importante obra mediúnica divulgada sob o título “Os Quatro Evangelhos - Espiritismo Cristão ou Revelação da Revelação” constituí uma das mais fecundas fontes para o estudo mais profundo do Espiritismo em face do Evangelho. Jean Baptiste Roustaing, homem de sólida moral e vasta cultura, bastonário ilustre de Bordéus, possuía a idoneidade indispensável ao patrocínio de trabalho de tão grande envergadura.

            A magnitude dessa grandiosa obra, que constitui uma das maiores realizações dos Espíritos, depois das revelações codificadas por Allan Kardec, no nobre afã de dotar a Humanidade de elementos positivos que a possibilitem à compreensão perfeita dos problemas humanos relacionados com os problemas do Além, impõe-se ao respeito das criaturas austeras e desejosas de conhecimentos mais amplos em tão melindroso terreno. “Os Quatro Evangelhos”; não estão em conflito com o Pentateuco kardequiano. Se as obras do Codificador são a base do Espiritismo, porque lhe constituem o corpo doutrinário, “Os Quatro Evangelhos” representam a exegese do conteúdo evangélico de nossa crença, por penetrar mais intimamente na questão, elucidando-a com simplicidade e segurança de argumentos, de modo a nos dar deles não uma visão superficial e demasiado restrita, mas uma compreensão bastante clara de verdades até então aparentemente irreveladas, que desde tempos imemoriais vêm sendo transmitidas ao homem através da palavra simbólica dos orientais, onde quase sempre o véu espesso da letra cobre a fulgurância de prodigiosos ensinamentos.

Guillon Ribeiro

            A autoridade moral e intelectual do tradutor desse valiosíssimo trabalho – Dr. Guillon Ribeiro, cuja educação evangélica irrepreensível pode ser equiparada à desse outro extraordinário vulto do Espiritismo que foi o Dr. Bittencourt Sampaio - constitui advertência assaz ponderável da extrema seriedade dos ensinamentos recebidos e coordenados por J. B. Roustaing. Entretanto, para melhor assimilação de tais ensinamentos, é recomendável que o leitor, antes de se entregar à leitura de “Os Quatro Evangelhos”, já esteja familiarizado com “O Livro dos Espíritos” e “O Livro dos Médiuns”, de Allan Kardec.

            Nos serões de estudo do Espiritismo Cristão, não é possível prescindir de “Os Quatro Evangelhos”. Suas revelações desenvolvem o conhecimento progressivo do leitor no sentido evangélico, porque demonstram, através das comunicações dos Evangelistas, verdades maravilhosas, não só quanto à explicação dos textos evangélicos em espírito e verdade, como quanto à origem dos Espíritos, à natureza dos fluidos, ao magnetismo, aos processos evolutivos a que o Espírito se encontra sujeito pelos séculos afora, etc.. A propósito, esclarece no prefácio o Dr. Guillon Ribeiro, com aquele aticismo (elegância e sobriedade de linguagem), aquela propriedade de linguagem vernácula que lhe era muito peculiar: “...além de ser obra de estudo e meditação metódica dos Evangelhos, a “Revelação da Revelação” será sempre também indispensável obra de consulta, não só para os que já lhe hajam perlustrado as páginas, como ainda para os que, sem o terem feito, busquem de momento elucidar qualquer das grandes questões que o Espiritismo veio pôr em foco.” Esta é a palavra autorizadíssima de um dos mais conspícuos mestres do Espiritismo brasileiro.

*

            J. B. Roustaing, que sempre teve na mais alta conta o Codificador e sua obra, prefaciando “Os Quatro Evangelhos”, faz considerações muito judiciosas, das quais apenas vamos reproduzir alguns trechos, a seguir: “Com a minha vida inteira irresistivelmente presa à pesquisa da verdade, na ordem física, moral e intelectual, deliberei informar-me cientificamente, primeiro pelo estudo e pelo exame, depois pela observação e pela experimentação, do que haveria de possível, de verdadeiro ou de falso nessa comunicação do mundo espiritual com o mundo corporal, nessa doutrina e ciência espíritas.


            “Li O Livro dos Espíritos. Nas páginas desse volume encontrei uma moral pura, uma doutrina racional, de harmonia com o espírito e progresso dos tempos modernos, consoladora para a razão ‘humana; a explicação lógica e transcendente da lei divina ou natural, das leis de adoração, de trabalho, de reprodução, de destruição, de sociedade, de progresso, de igualdade, de liberdade, de justiça, de amor e de caridade, do aperfeiçoamento moral, dos sofrimentos e gozos futuros.” E prossegue em maiores considerações sobre essa obra:

            “Em seguida li ‘O Livro dos Médiuns’ e nele se me deparou uma explicação racional: da possibilidade das comunicações do mundo corpóreo com o mundo espiritual; das vias e meios próprios para essas comunicações, das aptidões e faculdades mediúnicas no homem: da mediunidade e das condições de moralidade e de experiência para seu exercício útil e proveitoso nas relações do mundo visível com o mundo invisível, sempre e exclusivamente com o objetivo da prece, da caridade de além túmulo, do ensinamento moral, da instrução que os bons Espíritos, na era nova que começa, têm a missão de dar e que é invariavelmente proporcionada e adequada ao desenvolvimento intelectual e moral do homem. Achei, enfim, a explicação racional das vantagens e inconvenientes da mediunidade, dos escolhos e perigos a evitar e dos caminhos a seguir para praticá-la."

            De estudo em estudo, de pesquisa em pesquisa, através da história e da filosofia, Roustaing se certificou da existência de uma congérie (série) de erros e impropriedades. “Vi ensinados, desde a antiguidade até hoje, num amálgama de erros e de verdades, dispersas e ocultas aos olhos das massas, os princípios que a doutrina e a ciência espíritas vieram por em foco: 1º - a pluralidade dos mundos e sua hierarquia; 2º - a pluralidade das existências e sua hierarquia; 3º - a lei de renascimento; 4º - as noções da alma no estado de encarnação e no de liberdade e as de seus destinos. Perlustrei os livros das duas revelações, o Antigo e o Novo Testamento. Entregando-me a essa leitura, que empreendera outrora e abandonara por obscura e incompreensível, verifiquei que, graças à doutrina e à ciência espíritas, sobre aquelas páginas se projetavam vivos raios de luz, a cuja claridade minha inteligência e minha razão alguma coisa divisavam através do véu da letra. Reconheci, nesses livros sagrados, ser um fato a comunicação do mundo espiritual com o mundo corporal, comunicação que na ordem divina, providencial, é o instrumento de que se serve Deus para enviar aos homens a luz e a verdade adequadas ao tempo e às necessidades de cada época, na medida do que a Humanidade, conforme o meio em que se coloca, pode suportar e compreender, como condição e elemento do seu progresso. Vi que a revelação de Deus é permanente e progressiva.  

            “Encontrei nos Evangelhos, veladas pela letra: 1º - a afirmação da pluralidade dos mundos e da sua habitabilidade; 2º - a lei dos renascimentos como meio único, para o homem, de ver o reino de Deus, isto é: de chegar à Perfeição pela purificação e pelo progresso; 3º - a afirmação da imortalidade da alma, da sua individualidade após a morte, dos seus destinos futuros, da sua vida eterna."

            Mais tarde, por intermédio de Mme. Collignon, médium respeitável, foi recolhido copioso material fornecido pelos Evangelistas Mateus, Marcos, Lucas e João, assistidos pelos Apóstolos, para a formação dessa obra transcendente que é “Os quatro Evangelhos” - Espiritismo Cristão ou Revelação da Revelação.

*

            Homem sábio, de sabida austeridade, Jean B. Roustaing foi também um escolhido para esse trabalho gigantesco. Devemos-lhe, portanto, toda gratidão e respeito. É baseado em "Os Quatro Evangelhos" que a Federação Espírita Brasileira realiza (-va) proveitosamente estudos semanais em suas sessões públicas, disseminando conhecimentos preciosos que demonstram a importância intrínseca que eles têm para a Religião Espírita porque neles estão o fundamento do Espiritismo Cristão, do Cristianismo verdadeiro, explicado espiriticamente. Para bem nos enfronharmos nas sutilezas do Evangelho, teremos de ir buscar nas páginas da obra de Roustaing a luz profusa de esclarecimentos feitos em espírito e verdade



sábado, 4 de julho de 2020

A namorada de Crookes




A namorada de Crookes...
por Túlio Tupinambá (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Janeiro 1967

            William Crookes foi um sábio inglês de extraordinário valor científico que teve a petulância, a ousadia de confessar dignamente o que viu, depois de longas, estafantes e rigorosas experiências, todas submetidas a uma vigilância fora do comum para que não surgisse o fantasma que mais preocupa os cientistas: a fraude.
            Mesmo assim, depois de tudo quanto fez, com a mais absoluta honestidade, fiel aos preceitos da ciência experimental, William Crookes não escapou à sanha dos difamadores, dos sectários e da imensa coorte de misoneístas (que são avessos a tudo que é novo) a serviço dos próprios interesses e dos interesses de tradições religiosas empenhadas em conservar as mesmas bolorentas e negativas concepções que, durante séculos, trouxeram a Humanidade prisioneira da ignorância e do despotismo.                                                                                                             Florence Cook
           

             Duma feita, no decorrer das famosas experiências com a médium Florence Cook, o célebre sábio declarou ser deslumbrante a beleza do Espirito que se materializava, apresentando-se como Katie King. Logo, os inimigos do Espiritismo passaram a difamá-lo, sob a afirmativa de que se apaixonara pela médium!
            Ora, Crookes nada mais fizera que salientar, como termo de comparação, talvez, que o Espírito era de invulgar beleza, tanto mais que, nessas experiências (leia “Fatos Espíritas”, de Crookes, editado pela FEB), todos os presentes puderam ver esta maravilha: “Durante quase toda a sessão em que o Espírito de Katie ficou em pé diante de nós, a cortina do gabinete estava afastada e todos podiam ver distintamente a médium adormecida, tendo o rosto coberto com um xale encarnado, para o resguardar da luz.”
            Não é realmente maravilhoso que fossem vistos a médium e o Espírito materializado, simultaneamente?
            No livro citado, as experiências de Crookes estão minuciosamente descritas. Mas o maravilhoso se repetiu muitas vezes e numa delas:                                                                                                                                                              
            Tendo terminado as suas instruções. Katie convidou-me (a Crookes) a entrar no gabinete com ela, e permitiu-me demorar nele até ao fim. Depois de ter fechado a cortina, ela conversou comigo durante algum tempo, em seguida atravessou o quarto para ir à médium, que jazia inanimada no soalho, inclinando-se para ela, Katie tocou-a e disse-lhe: “Acorda Florence, acorda! É preciso que você acorde agora!” A médium Cook acordou e, em lágrimas, suplicou a Katie que ficasse algum tempo ainda: “Minha querida, não posso!” A minha missão está cumprida, Deus te abençoe!” - respondeu Katie, e continuou a falar com Cook. Durante alguns minutos elas conversaram juntas até que as lágrimas da médium a impediram de falar. Seguindo as instruções de Katie, precipitei-me para suster Cook que ia cair sobre o soalho e que soluçava convulsivamente. Olhei ao redor de mim, mas Katie, com seu vestido branco, tinha desaparecido.”

            Ora, WilIiam Crookes tivera, pois, ocasiões inúmeras de comparar os dois semblantes o da médium e o do Espírito, com a frieza do sábio, do investigador a serviço da verdade. Nada mais natural que notasse ser Katie bela, tanto mais que a materialização perfeita lhe permitia examinar detidamente os traços fisionômicos do Espírito manifestado. Foi isso suficiente para que corresse a perfídia de que o sábio se apaixonara pela médium. Charles Richet escreveu, na “Revue Métapsychique”, em 1924, o seguinte, relativamente a esse inqualificável procedimento dos adversários do Espiritismo com relação a Wiliam Crookes:

            “Penso não trair nenhum segredo dizendo que tive a honra, outrora, de ser recebido por Sir William Crookes, e a Sra. Crookes me contava com emoção que tinha visto, muitas vezes, Katie King vir até à mesa da sala de jantar e conversar com seus filhos. Dir-se-á que Lady Crookes estava apaixonada por Katie King? E ainda que Crookes tivesse admirado a beleza de Katie, é isto razão para supor que este grande e maravilhoso sábio tenha perdido o sangue frio? Que o Sr Delmas (este o nome do maledicente, que trocou Katie por Florence Cook para melhor dourar a perfídia) se dê ao trabalho de ler a descrição de Crookes e talvez acabe dizendo como o meu caro amigo Ochorowicz que, arrependendo-se de haver chamado o grande Crookes de iludido, clamava, batendo no peito - Pater, peccavi” (Pai, eu pequei)  (*)

                (*) Os parênteses, nos trechos citados, são de Túlio Tupinambá.  
 
            Podem ver os leitores a que extremos têm ido e podem ir os inimigos do Espiritismo, muitos dos quais negam a realidade dos fatos espíritas sem jamais ter tido o trabalho de estudá-los com honestidade e isenção de ânimo.
            Mas, todos os detratores de Crookes estão sepultados no esquecimento; enquanto que o sábio até boje é reverenciado no mundo científico e no mundo espírita.


sexta-feira, 3 de julho de 2020

De que precisamos?



         O de que o Espiritismo precisa (especialmente nesta hora de fome, dor, agonia, incertezas, ambições de poderio, falta de compreensão de deveres, finalmente, de confusões), não é de prezadores com títulos materiais e sim de soldados sinceros, estudiosos, humildes, humanos, livres totalmente de personalismo e dedicados ao bem geral e à espiritualização da humanidade.
            A hora, o momento em que estamos (iluda-se quem quiser) não leva mais em conta, não respeita a barreira, a trincheira dos interesses pessoais, em prejuízo da evolução da alma.
*
            Mestre? Jesus: o único Instrutor das almas que ingressam na Terra.
(Ext. de “Reformador” de 16-7-1932, pág. 390.)

Seguindo o bom exemplo



Seguindo o bom exemplo
Túlio Tupinambá (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Jan 1966

            A força de ouvirem e lerem os ensinamentos dados pelos espíritas, os bons irmãos católicos começaram a adotar publicamente certas práticas que, comuníssimas nos meios kardequianos, eram pelo menos evitadas por eles, talvez por simples “respeito humano” ou outra razão que não nos cabe identificar.
            Um deputado que fala diariamente sobre assuntos católicos, numa emissora carioca, revelou, em dias da penúltima semana de Outubro que, em determinado local da Câmara dos Deputados, em Brasília, reúnem-se, talvez por sua iniciativa, deputados e senadores para uma prece diária, depois de lerem e comentarem um trecho do Evangelho. Pedem a Deus luzes para a sua orientação, concentrados, humildes, tal como é velha praxe no ambiente espírita. Muito bem!
            Semelhante inovação (inovação no meio católico, bem entendido) nasceu da visita feita pelo ilustre deputado acima referido aos Estados Unidos, onde conheceu um movimento denominado “Jnternational Christian Leaderchip". Senadores e deputados reúnem-se diariamente numa sala do palácio do Capitólio, em Washington. Ficam em silêncio, fazem uma prece e, depois, abrem a esmo o Evangelho e leem, comentando, o trecho que se lhes deparar. Tal e qual, sem tirar nem pôr, o figurino espírita.
            Há mais, entretanto. Em seguida, entregam-se à meditação durante alguns minutos. Erguem-se em círculo, dão-se as mãos e pedem a Deus que os ilumine e esclareça, a fim de que possam cumprir seus deveres cristãos, servindo utilmente à Humanidade.
            Achamos satisfeitos ao ouvir o deputado contar essas coisas no programa radiofônico porque o Espiritismo está começando a colher, mesmo dentro da seara católica, as sementes do culto evangélico que tem ensinado através de seus representantes e dos livros que o Departamento Editorial da Federação Espírita Brasileira tem editado, os quais percorrem o mundo inteiro, muitas vezes através do Esperanto.
            Continuem, assim, os irmãos católicos. Não somos egoístas. Pelo contrário: ficamos alegres sempre que vemos qualquer tentativa sincera de praticar, não o cristianismo dos vigários, mas o Cristianismo do Cristo, que não tem dono, que é de todas as criaturas de coração limpo e mente arejada.
            Estão seguindo o bom exemplo. Lendo os nossos livros poderão aprender muita coisa mais, igualmente interessante e útil à elevação humana.

quinta-feira, 2 de julho de 2020

O Processo dos Espíritas





“Procès des Spirites”Preciosidade bibliográfica (*)
por Tobias Mirco (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Dezembro 1976

(*) Reprodução foto mecânica do original francês, de 1875, do Processo dos Espíritas, precedido de ampla Apresentação, por Hermínio C. Miranda, em português que equivale a preciosa síntese da obra. A referida Apresentação, convenientemente ilustrada e anotada, será publicada, também avulsamente, permitindo o suficiente conhecimento do empolgante assunto àqueles que, pelo fato de não conhecerem a língua francesa ou por preferirem livro de preço mais baixo, dispensam os detalhes documentários e bibliográficos do original e seus anexos.

- Uma obra absolutamente autêntica que revela a vitória do Espiritismo
sobre terrível conspiração contra a sua estabilidade.-

Sra. Amélie Rivail

            
Segundo já foi amplamente divulgado pela revista, o Departamento Editorial da Federação Espírita Brasileira elaborou cuidadoso programa de lançamentos para registrar o Centenário de “Reformador” e da Casa de lsmael, exumando da nossa Biblioteca obras raríssimas, bem como levando a termo pesquisas especiais pertinentes ao Espiritismo. Trata-se de um esforço extraordinário e inédito, no gênero, para marcar de maneira positiva e exaltar convenientemente o grande acontecimento do Espiritismo, não apenas no Brasil, mas no mundo, dada a situação relevante que o movimento iniciado por Allan Kardec na França alcançou no Brasil, graças a valorosos e intimoratos pioneiros, cujos exemplos de coragem e amor à causa permitiram a consolidação da Doutrina dos Espíritos neste país.


            Tivemos oportunidade de manusear o importante “Procès des Spirites”, editado pela Senhora Marina P.-G. Leymarie, esposa de um dos principais indiciados, o Senhor Pierre-Gaëtan Leymarie, então gerente da “Revue Spirite” envolvido injustamente no processo contra o fotógrafo-médium Edouard Buguet, acusado de fraude e mistificação.  Também foi arrastado à barra do Tribunal um outro médium, Alfred-Henri Firman, de nacionalidade norte-americana. Finalmente, a 16 de junho de 1875 foi realizada a primeira audiência sob a presidência do Juiz Millet.

Pierre-Gaëtan Leymarie

            Lemos com profundo interesse e não menor emoção os interrogat6rios levados a efeito, as armadilhas da acusação, pretendendo confundir Leymarie, absolutamente alheio aos erros e falhas de Buguet, médium, sem dúvida, mas leviano, que recorria a truques sempre que a sua mediunidade se ausentava. Leymarie ignorava os meios de que se fazia valer Buguet em várias ocasiões, para iludir aqueles que o procuravam para obter fotografias de parentes e amigos já desencarnados. Leymarie afirmava, com a pureza do seu caráter limpo, que ele era realmente um médium e que, as vezes em que o viu atuar sua mediunidade era naturalmente exercida e as fotos obtidas correspondiam perfeitamente, segundo o testemunho espontâneo e idôneo das pessoas interessadas, que reconheceram como autênticas as fisionomias retratadas mediunicamente. E esses testemunhos foram inúmeros, partidos de pessoas de diferentes níveis sociais e intelectuais; entre elas a distinta e virtuosa viúva de Allan Kardec, Senhora Amélie Gabrielle Boudet. Nada menos de quarenta e duas pessoas foram ouvidas. Os depoimentos, publicados na íntegra por essa obra, com permissão da Justiça francesa, possuem um conteúdo interessantíssimo, alguns reveladores da autoridade moral e do conhecimento espírita dos depoentes. Cada interrogatório oferece ao leitor uma soma de impactos emocionais.  

Sra. Marina Leymarie

            Na época, o Espiritismo tinha contra si, mais do que hoje, evidentemente, adversários sistemáticos e rancorosos, que buscavam pretextos para entravar, inutilmente, o seu desenvolvimento. Em compensação, elevado número de pessoa de bem acorreu espontaneamente para testemunhar, sem ausentar-se da verdade, o que sabiam, formando, destarte, uma barreira que confirmava a retidão de Leymarie e a grande expressão de sua personalidade moral.

            O Índice do "Processo dos Espiritas" relaciona, sob o título "Affirmations, déclarations  importantes”, vinte e oito nomes, muitos indiscutivelmente ilustres, todos convocados da melhor sociedade francesa.

            Não se trata, porém, como poderia presumir, de um livro árido, como soem ser algumas obras relativas a processos judiciários, sujeitas à rígida nomenclatura jurídica. Não. As numerosas cartas transcritas contêm pormenores curiosos e instrutivos, inclusive sobre o Espiritismo, como, por exemplo, a do Senhor Ernest Bose, que desenvolve temas como o da imortalidade da alma, referindo a obra “Heures de travail”, do escritor espírita Eugène  Pelletan, mencionando grandes nomes de filósofos e literatos que partilhavam das mesmas ideias acerca da alma imortal, como Cyrano de Bergerac, Dupont de Nemours , .Jean Reynaud, Balzac, Michelet, Edgar Quinet, Lamartine, Victor Hugo, L. Figuier, Pezzani,  Vacquerie e outros. É transcrita igualmente uma bela carta de Victor Hugo, datada de 7 de novembro de 1871, etc.
            A correspondência do fotógrafo Buguet, que dissera no Tribunal que todos os seus empregados estavam persuadidos de que Leymarie conhecia seus truques, comprometendo imerecidamente um homem decente, como ele próprio reconheceria em carta contendo sua retratação e o pedido para que o perdoasse, essa correspondência é de inestimável valor: “'Em nome da minha pequena família, venho pedir-lhe perdão por haver pecado tão inconscientemente, sem me dar conta do que estava fazendo; eu peço míl vezes perdão a Deus, e a todos vocês, esperando que o seu coração não mo negará, evitando, assim, mais desgosto a um pai de família” (pág. 108).
            Um astrônomo, engenheiro e membro ao Panteão de Roma, Senhor Tremeschini, conhecido na época por sua autoridade, idoneidade moral e absoluta imparcialidade, ao dar seu testemunho, afirmando também, como Leymarie, sua convicção na autenticidade de numerosas fotografias tiradas por Buguet, terminou desta maneira incisiva: “Minha declaração parecerá tanto mais espontânea e sincera, porquanto tive várias vezes ocasião, e provavelmente ainda terei motivo, de combater e de atacar o que se convencionou chamar de Kardequismo” (pàg. 126).
            O que motivou a interpelação a Leymarie foi o fato de Buguet haver confessado que não era médium, ao contrário do que sempre havia sustentado, O comportamento desse fotógrafo foi censurado por destacadas personalidades, como reiterou o advogado Lachaud, que testemunharam a realidade das fotos mediúnicas por eles solicitadas.
            Estamos passando pela rama desse famoso processo, apenas para dar ao leitor urna ideia da riqueza de pormenores que ele encerra, com as consequentes lições daí decorrentes.
            A viúva Allan Kardec frisou, em documento assinado, que a autoridade a perturbou, impedindo que desenvolvesse naturalmente seu pensamento, quando depôs, porque introduziu, quando se procedia ao seu interrogatório, “estranhas reflexões pretendendo, assim, ridiculizar o Senhor Rivail, dito Allan Kardec, como se este fosse um simples compilador e negando seu título de homem de letras” (pág. 8), enfatizando: “Protesto energicamente contra essa maneira de interrogação e espero ser novamente ouvida, porque é costume na França serem as senhoras respeitadas, sobretudo quando já tem cabelo brancos.” (pág. 8).
            O “Processo dos Espíritas”, reafirmamos, é uma preciosidade bibliográfica que todo espírita deve ter entre seus livros de maior agrado, não só por seu conteúdo histórico, inavaliável, como pelo que encerra de ensinamentos de ordem moral, de esclarecimentos de natureza espírita. É livro, embora fundamentado num processo judicial, não cansa, não é árido; antes, atrai, seduz, emociona, quer no relato pormenorizado dos depoimentos, na agudeza dos debates travados, quer pelo extraordinário papel desempenhado por Leymarie, pela viúva Allan Kardec, adeptos do Espiritismo e mesmo por outras figuras eminentes, sem ligação partidária com a Terceira Revelação. O Espiritismo saiu engrandecido dessa luta encarniçada que contra ele moveram seus adversários, ostensivos e ocultos, graças à personalidade moral do que corajosamente reafirmaram a verdade do mediunismo sadio diante da Justiça.
            A mediunidade e os médiuns, tantas e tantas vezes caluniados, injuriados e negados, em nenhum momento ficaram obnubilados pelos negadores sistemáticos, porque a Verdade, embora às vezes multiforme, tem uma única estrutura, contra a Qual se esboroam os argumentos mais cavilosos.
            Aguardemos a lançamento dessa grande e raríssima obra, que põe em relevo de maneira inequívoca e estupenda, a integridade do Espiritismo, como religião, ciência e filosofia.

quarta-feira, 1 de julho de 2020

A falência do materialismo - Partes 1, 2 e 3




A falência do materialismo - parte 1
Cândido Elesbão
Reformador (FEB) Novembro 1918

            Quem quer que, sem espírito de sistema e livre de preconceitos e vaidades, empreender a crítica da psicologia ortodoxa, a qual os materialistas concedem foro de cidade há de sentir uma forte decepção e confessar que esse capítulo da fisiologia que, na classificação das ciências de H. Spencer goza os privilégios de ciência à parte e foi a pedra de toque da crítica do filósofo inglês à seriação de Comte, há de confessar que ela é uma verdadeira colcha de retalhos, que não satisfaz, de modo algum às nossas tendências porque as não explica e as nossas aspirações porque, essencial e grosseiramente  materialista, as não incentiva.
            A vaidade, milenarmente considerada a causa de todos os nossos erros, culminou nestes dois séculos, o passado e o atual, e o homem, que não sabe de onde veio nem para  onde vai, cego de orgulho, repudia o Evangelho que lhe não incensa a vaidade e o reduz à condição de humilde pecador e proclama a excelência das explicações ditas positivas ou científicas, pelas que prescinde de investigar a sua origem – e já não pode então ser coerente negando a Criação, como na filosofia de Comte - ou aceita a explicação evolucionista e inteiramente dominado pelas encenações naturalísticas de Lamarck ou pelos embustes monísticos de Haekel não sente ofender-se o seu desmedido orgulho e admite que entre o macaco e os animais há maiores diferenças que entre o macaco e o homem. Repugna ao seu orgulho de falido rei da Criação admitir que a obra de Deus não se s a ente humilhado ao confessar que teve por antecedente na série animal um macaco da ordem dos primatas! E, para explicar a vida, para demonstrar a consciência, inventa a base física do espírito, e, com Haeckel, não vacila em descer aos bas-fonds dos laboratórios e declara que toda essa trama de idealismos, todo esse conjunto de coisas sutis se origina de uma ação química difundida na teoria do carbono, como Haeckel a denomina, encerando na mesma grosseira retorta os materiais que entram na composição das almas!
            Na psicologia moderna, a psicologia do sábio materialista os absurdos pululam e nela se trás a sua preocupação de demolir o edifício que condena o seu orgulho e contra cujos muros a sua louca vaidade esbarra fragorosamente.
            Nessa psicologia, a cada passo surgem os absurdos pretendendo explicar aquilo cuja explicação evangélica repudiam por, como afirmam, incompatível com a dignidade humana.  
            Ora, ou o homem não tem direito a essa dignidade, descende do macaco, e pois entre os termos da série animal não há tanta diferença que autorizem privilégios, ou tem na e é obra do supremo Árbitro dos mundos. Não há como fugir ao dilema sem arranhar a lógica. Senão, que nos venham explicar onde começa e de que é feita essa dignidade, que ao símio superior é negada.
            A Psicologia escolástica se baseia no observado e não passa de absurdo a memória da célula ou memória orgânica com que Th. Ribot pretendeu arquitetar uma teoria que satisfizesse os caprichos e os defeitos dos vaidosos e dos fúteis.
            Essa ciência materialista, por mais que para isso se esforce, não consegue opor ao dogma da Criação, o dogma grosseiro da matéria incriada, que isso é negar a própria ciência, admitindo que do nada se pode fazer alguma coisa; para tanto, fora preciso que essa ciência e essas filosofias arrivistas já houvessem conseguido demonstrar a possibilidade, sequer, da geração espontânea, que, segundo Haeckel mesmo, “não é possível atualmente, mas, outrora, quem sabe?
            Não foi somente o transformismo ou monismo, como denomina Haeckel, o único filho repudiado da verdadeira ciência, e nem o único que sofreu golpes como os que lhe vibrou o célebre materialista G. G. Stockes: a ciência repelia também a superfectação que foi a teoria das localizações cerebrais de Gall, como já vai passando do ridículo a fantasmagoria que E. Metachinikoff denominou - fagocitose - e que, já em 1890, no Congresso médico de Berlim, recebia a condenação do eminente Kock.
            Ribot afirma desassombradamente que o verdadeiro tipo da memória orgânica deve ser procurado no grupo de fatos que Hortley denominou ações automáticas secundárias, em oposição aos atos automáticos primitivos ou inatos.  
            Essas ações secundárias ou movimentes adquiridos, afirma Ribot, são a base da nossa vida e, para provoca-lo cita o exemplo da locomoção nas crianças que é um poder adquirido, enquanto que nos irracionais é inato.
            E continua asseverando que essa força da coordenação de movimentos, que mantém o equilíbrio do corpo, tem de ser adquirida particularmente. É aqui que o sábio cai no absurdo, porque desse modo nega o princípio de fixação de caracteres e tendências adquiridas, que é a base da filosofia evolucionista; nega a mesma memória orgânica ou da célula, de que é campeão, afirmando que nos irracionais existe essa memória que torna a locomoção inata e negando-a ao homem e mente por último à sua psicologia, porque nega a hereditariedade e o atavismo, que são o seu fundamento. E lá onde a ciência materialista não vai e não vão os olhos dos seus pregoeiros, porque não vê por eles o microscópio, lá mesmo vai a nossa fé demonstrável, vai a razão por nós e onde acham eles a incógnita que tornou o seu problema insolúvel, nós, os que cremos no Espiritismo, encontramos Deus, que é a suprema razão que o materialismo moderno nega por vaidade mas não consegue destruir na consciência dos seus próprios pioneiros. Fere isso a dignidade dos sábios? Envergonha os a possibilidade de confessarem que Deus é o criador do mundo? Como então se não vexam de sua ignorância? Qual das suas confissões rebaixa mais o homem?
            Não afirmamos uma só coisa que não provemos, enquanto essa ciência de vaidade e de orgulho anda a tatear, de hipótese em hipótese, de absurdo em absurdo; e quando o materialismo presente a falência dos seus dogmas, apela para o tempo e diz que é preciso esperar, porque tal ou tal incógnita terá o seu valor conhecido daqui a cinquenta ou daqui a cem anos; ou então, como no caso da geração espontânea, confessa pela boca do pai do materialismo moderno que “ela não é possível agora mas, outrora, quem sabe?” Assim é Haeckel, assim é Ribot e com eles andam embrenhados num labirinto de dúvidas todos os campeões da mentira e do erro.
            As consequências decorrentes desta anarquia moral, são, para a humanidade, simplesmente deploráveis e é ao erro grosseiro do materialismo, que pensa organizar a Sociedade Moral sem Deus, A pseudo moral de sanção científica, entendendo-se por ciência tudo quanto esses fátuos arquitetam para negar a nossa origem divina e a criação universal pela vontade de Deus, é a esse erro que tal anarquia se deve.
            E é exatamente por isso que, em plenos tempos atuais Felix, le Dantee nos afirma que é o egoísmo a base de toda sociedade e depois de verdadeiros malabarismos de ideias e frases nos afirma com autoridade insuspeita, porque é a confissão completa da falência dos dogmas da sua ciência que tudo quanto os homens têm feito para banir das consciências o domínio do sobrenatural só tem tido um efeito contraproducente, implantando a anarquia onde deve reinar a ordem e gerando o ódio dos restos esfrangalhados da fraternidade universal que eles golpeiam desapiedadamente.
            Eis como fala le Dantee:
            “Sob o verniz artificial da civilização, a concorrência e a rivalidade primitiva se sobrepõem ao egoísmo necessário (?) do instinto de conservação. Geralmente, em uma sociedade em estado pacífico, esta rivalidade não se manifesta por lutas efetivas, por batalhas nas ruas, mas, nem por isso deixam essas rivalidades de ficar profundamente gravadas no íntimo de cada um de nós; e como não ser assim, se somos seres vivos? Os cidadãos de uma mesma nação não são perfeitamente irmãos senão enquanto contra o invasor estrangeiro. Passado este período excepcional, que exalta a fraternidade sob a influência do perigo comum, os concidadãos se separam uns dos outros por ódios latentes, ou, pelo menos, fazem parte de agrupamentos rivais, e verdadeiramente inimigos; as famílias se tornam agrupamentos rivais, quando não são elas próprias divididas pelas rivalidades íntimas. “(F. le DanteeL’Egoisme base de toute societé: 9me mille, pags. 189, 190 e seguintes.)
            Pois bem, o escritor toma o efeito pela causa, evidentemente. E sabeis qual a fórmula aconselhada por esses doutrinadores para o aperfeiçoamento dos nossos sentimentos, muito embora concluam que a fraternidade é uma utopia?
            Lede: Egoísmo, mais egoísmo, sempre egoísmo!

 A falência do materialismo - parte 2
Cândido Elesbão
Reformador (FEB) 1º Fevereiro 1919

            Sendo todas as questões religiosas do domínio da moral, é claro que todos os trabalhos, quer de exegese quer de sistematização tem a sua base na psicologia e é pois a ela que nos havemos de referir e é pois a ela que nos havemos com maior' frequência, criticando o empirismo dos seus codificadores materialistas e esforçando-nos sempre em demonstrar as nossas leis, os nossos métodos, que nos conduzem a conclusões diversas das dos materialistas e que a nossa consciência aceita sem nenhum esforço, porque nos apontam a verdade.
            A não ser assim, cairíamos no erro dos nossos adversários, o erro da vaidade moderna, que estabelece premissas muitas vezes verdadeiras para chegar a conclusões sempre inteiramente falsas.
            Nós consideramos, preliminarmente, com H. Spencer, que a psicologia é uma ciência completa e não um capítulo apenas da Biologia, como quer Comte, porque, se é certo que há uma, muito limitada, aliás, relação entre o fenômenos da ordem psicológica e os de ordem fisiológica, essa relação não chega a ser a relação de causa e efeito e, o moral independe absolutamente do físico, isto é, os fenômenos do espírito nada têm de comum com a matéria, não existindo portanto a subordinação absoluta de um a outro, como pretendem os campeões do materialismo em todas as suas modalidades. Spencer foi menos materialista, talvez inconscientemente, e lançou as bases de um método mais racional, porque, principalmente Spencer não tinha em vista nenhuma construção religiosa que precisasse de alicerces fora da razão, como sucedeu a Comte que, tomado da ideia fixa de modificar a sociedade de seu tempo de modo a conseguir gozar as delícias de uma vida sem as peias que a moral impõe, arquitetou uma filosofia, descobriu novos métodos, traçou caminhos novos à lógica, baniu do domínio da ciência a investigação das causas primárias e finais, substituiu Deus pela Humanidade, Maria Santíssima por Clotilde e morreu quando já se preparava para substituir-se a José, o modesto carpinteiro da Galileia que nunca pensou na possibilidade de causar inveja a um filósofo do século XIX. Eis aí a razão porque Comte proclamava a necessidade de “libertar a ciência das hipóteses religiosas”, porque era preciso construir uma Moral sem Deus e essa Moral reclamava uma revolução completa da psicologia para poder explicar o que para ele era inexplicável, e a derrocada da Moral evangélica que repelia os desvarios da sua senilidade vaidosa.
            Dentro do evangelho nenhuma construção Moral se enquadra senão a de Cristo e,  como a Moral de sanção científica é uma burla já escalpelada por J. Grasset no seu interessante opúsculo “O Evangelho e a Sociologia”, foi preciso demolir o Evangelho, prescrever a revelação, negar a consciência, negar Deus, porque Deus não sancionaria jamais as libertinagens cerebrais do fundador do positivismo.
            Se Augusto Comte pois, obedecendo ao critério da “complexidade crescente e generalidade decrescentes”, achou a Astronomia perfeitamente libertada da Física e da Química com o só recurso da análise espectral para que a tivesse colocado no segundo termo da sua série, isto é, logo a seguir à matemática e precedendo àquelas duas ciências,  deveria igualmente ter visto que a Psicologia já estava suficientemente desprendido da Biologia para poder formar um termo especial da série dos conhecimentos humanos. Se o não viu, se o não fez, foi porque lhe não convinha ao seu caso particular, isto é, porque a Psicologia, como a Moral, não se poderiam estabelecer sobre o critério materialista, pois como muito judiciosamente observa o materialista Ostwald, (Esquisse d'une Philosophie des Sciences, pag. 174) “Nous ne savons pas quelle est I'espéce dénérgie qui a propage dans le nerf.”  
            Ora, se ainda hoje se afirma isso, é porque a razão está conosco, os que dizemos que os fenômenos da alma estão fora da apreciação pelo critério materialista que subordina as manifestações do sentimento e da razão às precárias contingências da substância nervosa.
            E Comte mesmo, sentindo que as coisas no domínio espiritual não se passam como as descrevem os demolidores de Deus, não hesitou em, com escândalo dos cientistas do seu tempo, proclamar a tese do literato Vauvegnargues pela boca de Clotilde: “Os grandes pensamentos vem do coração.”
            A crítica do conhecimento e as várias teorias do conhecimento que correm mundo, seja a de Kant, seja a de Ostwald, nada mais são que engenhosas construções destinadas a favorecer a mistificação a que visam quantos não querem que o conhecimento venha de Deus. Kant mesmo não conseguiu subordinar o mundo ao seu imperativo categórico, espécie de deus pagão que ele descobriu dentro das nossas consciências porque, para mudar apenas o nome todos nós preferimos ficar com a denominação antiga, que é Deus.
            Para nós, portanto, os modernos dualistas que estudamos o espiritismo, a Psicologia está perfeitamente edificada, desprendida da Biologia no sentido da não subordinação dos fenômenos do espírito à matéria e só para nós ela passou a ser uma ciência verdadeiramente experimental, porque foi sobre ela, sobre as suas experiências, que se calcaram os estudos dos fenômenos espíritas, que já preocupam o mundo inteiro sem o escândalo dos primeiros dias.

A falência do materialismo - parte 3
Cândido Elesbão
Reformador (FEB) 15 de Fevereiro de 1919

            A Psicologia, portanto, é para nós uma ciência, a mais importante das ciências e não pode, como as demais, no dizer do eminente Farias Brito ser “reduzida a sistematizações rigorosas e fórmulas precisas”.
            (O mundo interior). Daí, uma nova teoria do conhecimento, única compatível com a verdade, porque diz igualmente com a razão e com o sentimento e não sanciona o absurdo de Ribot quando ele proclama a independência radical entre o sentimento religioso e o Moral. (Psychologie des sentiments).
            Para nós, pois, o problema humano é um problema religioso, eminentemente e exclusivamente religioso, porque é um problema moral; a sua solução, portanto, residirá na filosofia que conciliar a razão e o sentimento, e se desdobre numa religião ou filosófica prática que possa ser chamada religião científica, isto é, que seja a mais alta manifestação da intelectualidade dentro da mais perfeita expressão da sentimentalidade.
            Não podemos admitir outras leis nem outros métodos, senão estes que a razão nos aponta e subordinam a Deus, porque um método é um instrumento da ação para o aproveitamento da existência no seu lado prático e animal e o conhecimento, que faz à aridez dos métodos, será sempre a revelação espontânea de Deus, que é um metodizável.
            Nós professamos, por consequência, uma psicologia que rejeita os métodos materialistas e não se prende ao microscópio e não reduz a vida intelectual a vida de uma célula nervosa, por mais aperfeiçoada que ela seja. A nossa psicologia é espiritualista porque, só pelo espírito nós vivemos e só pelo espírito chegamos a sentir Deus em toda criação. E porque é a consciência quem no lo mostra em tudo, foi preciso aos materialistas subordinar a consciência à matéria, dá-la como função do grosseiro invólucro que a custo carregamos na Terra, para que pudessem edificar uma ciência desprendida de hipóteses religiosas, como se fosse possível desvirtuar o problema humano e fazê-lo deixar de ser um problema religioso!  
            E para chegar a esse resultado o materialismo inverteu tudo, e, para que a solução estivesse de acordo com os dados do problema, este foi invertido também, de maneira que, enquanto para nós, espiritualistas, o problema humano e o da felicidade do homem após a morte, para eles, os sábios, esse problema é o da felicidade do homem na Terra. Mas, mesmo assim, a nossa filosofia ainda é mais verdadeira e mais útil que a deles, porque, enquanto a solução que encontraram não se enquadra no nosso problema, isto é, não faz a felicidade do homem depois da morte, a nossa resolve os dois, o nosso e o deles, porque, preparando o espírito para se aproximar de Deus, prepara a sua felicidade na Terra também, plantando na sua consciência virtudes que nos enchem de paz e igualmente nos aproximam de Deus.
            Que só a nossa demonstração e só a nossa experimentação conduzem à Verdade confessa-o o próprio Ribot, como se pode ver na sua obra L'herédité psychologique, 8ª edição, págs. 188 e seguintes, em que, tratando da herança mórbida ele classifica em duas ordens os fenômenos que se passam no cérebro humano: as desordens do espírito a que correspondem alterações evidentes dos tecidos dos centros nervosos e aquelas em que o encéfalo não apresenta nenhuma alteração apreciável.  
            Fundando-se nos fatos da segunda categoria é que muitos alienistas, com Leuret à frente sustentam poder a loucura ter causas puramente psicológicas, isto é, inteiramente independentes das condições do cérebro, livres portanto da influência física e, pois, de causa inteiramente desconhecida. O mesmo afirma Esquirol, e quase a mesma coisa sustenta o eminente alienista português Júlio de Mattos, notadamente na sua importante obra. “A Loucura”, que, apesar de materialista, combate muitos erros e exageros de Legrand du Sarelle, Kraft-Ebbing e outros; Júlio de Mattos afirma que, de um modo geral, se pode dizer que o louco já nasceu louco, não sendo a loucura um acidente repentino; pois, esta só esperava o momento oportuno para se manifestar muito embora não se encontrem nas diversas regiões cerebrais de muitos loucos, nenhum estigma da loucura.
            Que as coisas se podem passar assim, nós admitimos perfeitamente: discordamos porém das conclusões desses escritores, porque interpretamos diversamente os fatos e lhes damos a nossa explicação espírita. Como quer que seja, porém, nada autoriza as conclusões dos materialistas, porque tais fenômenos não se podem subordinar à matéria, e se não dependem dela, tanto que lhe não são subordinados, é porque ela os não gera, e só nós acertamos quando dizemos que tudo no mundo se passa segundo a vontade de Deus.
            Ribot conclui então do seguinte modo: “Tudo concorre, em ciência, segundo Leuret, para arruinar esta tese: que a loucura tem sempre e necessariamente o seu foco em uma alteração orgânica, concorrendo portanto a observação científica para chegarmos a esta definição:- a loucura consiste numa aberração do entendimento... e as suas causas pertencem as mais das vezes a uma ordem de fenômenos completamente estranhos às leis da matéria.” O grifo é nosso. Ribot continua: “Apesar destas afirmações categóricas, a tese de Lauret cada vez conta menor número de adeptos, mesmo entre os filósofos. É porque, no fundo, ela repousa apenas sobre a nossa ignorância e sobre a nossa impotência; pois, em muitos casos, não há causa física porque nós não a vemos. Mas, para além dos limites que o poder do microscópio não ultrapassa, produzem-se fenômenos que, embora inapreciáveis por nossos sentidos, não menos materiais.” Ora, isto é metafísica e está muito à vontade junto das causas primárias e finais que esse mesmo materialista Ribot condena. Se eles condenam a metafísica, dizendo-a incompatível com a ciência, e se expressam desse modo, é porque apenas estão trocando os nomes às coisas, isto é, convencidos do seu erro, apenas pretendem substituir o nome da metafísica por outro qualquer que lhes soe melhor ao ouvido. Apenas isto. Se, pois, para além do campo do microscópio se passam coisas que escapam aos sentidos e nem por isso deixam de ser exatas, então não neguem Deus com o argumento de que é indemonstrável.
            Mas, a ciência oficial cheia de preconceitos, inçada de orgulho, nada vê que não seja no campo do microscópio e confessa que, mesmo o que não pode ver, é função da matéria. Ora, essa ciência tateou anos infindáveis num labirinto de conjecturas em relação ao soluço, ao espirro e ao sono, e ainda em relação a este último continua na mais santa ignorância, muito embora os seus pregadores houvessem arranjado a teoria do afastamento dos neurônios para explicar o fenômeno, que para nós é elementar, mas, nem mesmo essa teoria chegou a ser o seu novelo de Ariadne, porque eles, os sábios, continuam a ignorar porque as células cerebrais se afastam, como se afastam, quais os espaços que se originam entre os seus prolongamentos ou neurônios, sem prejuízo da capacidade do crânio, e sem os desastres das compressões, que eles mesmos classificam de mortais, e autorizam a trepanação dos ossos da cabeça, quer para levantar o osso que comprime as serosas ou até a massa encefálica, quer para esgotar os líquidos que produzem tais compressões no troubes ou na congestão cerebral.
            E os mais audazes e menos conscientes, mesmo aceitando essa explicação materialista do sono, nunca foram além da sua explicação material, do seu mecanismo elemental e quando se lhes pergunta o que é o sonho, eles emudecem prudentemente e só  poucos apelam para o futuro, esperando a resposta materialista, ao passo que nós outros, os espíritas, os que eles chamam pomposamente de ignorantes, já avançamos muito mais e dentro da nossa modéstia, armados pela fé inquebrantável, dizemos lhes:
            Vinde aprender com Jesus.