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quarta-feira, 18 de julho de 2018

Caveant Consules


Caveant Consules
por Manoel Quintão
Reformador (FEB) Novembro 1939

‘caveant consules ne quid respublica detrimenti capiat’        (que os cônsules se acautelassem a fim de que a república romana não sofra nenhum dano.)

Certificar-se tão somente da realidade tangível do fenômeno espírita e atestá-lo à face do mundo, sem amarras de preconceitos, não é corresponder às finalidades superiores e providenciais da doutrina.

O fenômeno pelo fenômeno é pristino quanto o mundo e a humanidade nem por isso, até hoje, soube ou pode utiliza-lo, antes que como elemento de superstição e confusão, em detrimento da boa causa.

Nem se trata, tampouco, de certificar anseios e desígnios de imortalidade, transparentes de todos os sistemas e confissões religiosas, em função moral regenerativa.

Sem retrosseguir mais longe por fundamentar a tese, basta evocar a só atitude dos povos contemporâneos, que padronizam a nossa decantada civilização ocidental e reivindicam foros de cristandade.

Se houvéssemos de aplicar a essa humanidade, que aí está a chacinar-se em espasmos de besta-fera, a sentença insofismável do próprio Divino Mestre, quando disse que é pelo fruto que se conhece a árvore, para logo teríamos, como de fato temos, a convicção de que esse rotulado cristianismo nada tem de cristão e, desvirtuado e pervertido em suas fontes originais, apenas há servido de engodo e repasto a todas as paixões e apetites materiais. Acomodado, amesendado (= acomodado) a quaisquer situações e vicissitudes políticas, nacionais e internacionais; benzendo armas, sancionando conquistas belicosas, do mesmo passo que responsando (repousando) por algozes e vítimas, a clamar misericórdia, é força reconhecer que se de todo não faliu nos fins anódinos (conduzir a corrente elétrica) lhe resultaram os meios de reconduzir o armentio (rebanho de gado grande) ao aprisco do Pastor.

Entretanto, em espécie, esse cristianismo também predica a imortalidade, a
responsabilidade da criatura e, a rigor, não contesta a comunicação dos Espíritos (ditos santos) pro domo sua.

Que lhe falta, então, para revalidar as promessas do seu divino legado e pacificar a consciência humana?

CONSULES!

Do ponto de vista material, formal, convencional, teórico e até extrinsecamente
prático, nada, nada lhe falta. Ele tem pingues tesouros acumulados, urdidura disciplinar perfeita, apoio tácito ou implícito de governos e povos. Tem, a mais, o prestígio da tradição a valorizar-se na inópia (situação de extrema penúria material) e na rotina das massas. Imiscui-se nos ministérios, nas escolas, nas casernas, nas oficinas, nos lares; ergue templos suntuosos e ermidas rústicas em toda parte; funda asilos e hospitais, academias até... Tem prebendas (rendimentos de quem ocupa cargos religiosos) e comendas, insígnias e galardões, múnus (encargo, obrigação) e sinecuras com que forrar a ingenuidade de uns, a velhacaria de outros e a vaidade de todos. Que lhe falta, então, para legitimar o sagrado ministério?

- Pedro, tu me amas? Apascenta as minhas ovelhas. Pasce aves meas... - disse Jesus.

Mas as ovelhas não tem paz, tem guerra. Perguntamos: onde a paz de N. S. Jesus Cristo? Concílios, encíclicas, pastorais, bulas, decretais, cânones, anátemas, bênçãos, indulgências, missões, é tudo antítese desse Evangelho que só deveria ser Luz, Espírito, Vida. Mas, a luz da Fé redundou em treva de fanatismo sectário e fonte de tirania; o Espírito desterrou-se da letra, por confugir-se em dogmas compulsórios; a Vida aí a temos no estendaI (varal de roupa) de horrores contemporâneos.

E quando vozes autorizadas, por extremes das gangas deste, clamam do outro
mundo o penitet (desgosto, dó, tristeza) para os esplendores da vida eterna, o que se pretende é, não aclarar a inteligência e pacificar a consciência, porém, negar simplesmente o Espírito e, com ele, a razão única da própria vida!!!
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Não é, contudo, para esse cenáculo que endereçamos estas linhas.

Sabemos o alcance e a latitude da palavra evangélica que induzia o servo a que deixasse aos mortos o ônus de enterrar seus mortos. Sabemos, também, de Martas
e Madalenas... Nosso reparo vai aos que, por misericórdia e de acréscimo, vão tendo
olhos de ver e ouvidos de ouvir o novo sentido da vida planetária, neste angustioso fim de século e de milênio, de pura revalidação evangélica, em espírito e verdade. O reino de Jesus ainda não é nem será deste mundo, antes que todas as criaturas de Deus o tenham realizado em si mesmas. Ainda não há muito, clarividente amigo, do plano espiritual, dizia-nos que, em todo este fermentar de horrores que se desatam no mundo, um só perigo existia, temível para nós outros - o da própria falência. E de pronto compreendemos que não basta ter fé e praticar obras de fé; não basta dar testemunho da verdade, senão que precisamos vivê-la em nós, para outrem, qual a viveram o Cristo e seus legítimos Apóstolos, com amor.

Não será, portanto, de convenções estatutárias, de tentames espetaculares, de congregações maciças, de institutos de beneficência material, contingente, a obra precípua do vero Cristianismo, que tanto vale dizer, do Espiritismo.

De realizações opimas e opulentas que tais, vai o mundo referto, em decadência fragorosa. Essas obras não se constituíram em antemural à onda de perversão dos princípios mesmos em que radicaram, mas, até lhe ensejaram maiores brechas, ao sopro de competições e dissídios humaníssimos.

Outro Espírito dizia-nos, de outra feita, que era preciso cogitar do operário antes que da máquina, porque esta, sem aquele, fadava-se ao fracasso.

Ora, não condenamos, nós, em tese, quaisquer empreendimentos materiais do proselitismo espírita, certo de que tudo vem a seu tempo e respeitamos o arbítrio humano, ainda mais quando lhe reconhecemos sanidade intencional. Isso, porém, não nos impede, também, de assinalar em consciência o que nos parece mais essencial na estruturação doutrinária - a edificação íntima de cada um, da qual, nunca forçada, mas espontaneamente, haja de surgir a eficiência e magnitude do conjunto, sem eiva de personalismos. Porque, a verdade das verdades, à luz da Revelação que pretendemos cultivar e divulgar, é que, sem paz e sem amor para conosco e entre nós, não podemos senão ridiculamente oferecer-nos ao mundo. E mais: fá-lo-emos com agravo de responsabilidades, porque já precatados de que a hora ê, e muito se pedirá a quem muito se houver dado.

Qual de nós ousaria, em sã consciência, atestar o integral cumprimento de seu dever, não na pauta do que tem feito, mas na do que deixou de fazer, justamente porque, colhido no vórtice das seduções temporais, não raro troca a alva de penitente por manto de sacerdócio, esquecido de que foi este - o sacerdócio, que matou o profetismo.

Que a hora seja de testemunhos estrênuos, ninguém, dentre nós, pode duvidar; e quando o espinheiro avulta e ameaça abafar a semente, não descabe gritar - caveant consules.

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