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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Sobre o 'Auto de Fé' de Barcelona



Centenário
de um auto-de-fé
Editorial
Reformador (FEB) Outubro 1961

            Faz precisamente cem anos veio juntar-se, à História da Igreja Católica Apostólica Romana, mais uma página sombria e grotesca.

            Desde o começo do século XIX, o absolutismo e o liberalismo viviam, na Espanha, em constantes lutas entre si. A Igreja ora ganhava, ora perdia privilégios. A negra Inquisição, ali existente desde 1481, era abolida e restabelecida, até que o movimento revolucionário de 1820, contra o qual se opunha o clero, a suprimisse definitivamente. Dirigido pela Junta apostólica, o partido dos tonsurados suscitava várias insurreições a favor de D. Carlos, o representante do absolutismo extremo e do clericalismo escravizante.

            O grande povo de Barcelona, capital do antigo Principado de Catalunha, participava ativamente do movimento nacional contra a cegueira ultramontana. As revoluções se sucediam, sempre com a classe clerical mancomunada com as forças absolutistas. Por volta de 1834, o povo oprimido praticava uma série de autos-de-fé. Turbas de homens ensandecidos, com machado em uma das mãos e tocha incendiária na outra, assaltavam, furiosos, mosteiros e templos, matando padres e freiras. Pouco mais tarde, em nome da Concordata de 1851, impunha-se a intolerância religiosa às Constituintes. E os anos corriam...         

            Em 1861, justamente no ano em que saía a lume, na França, "O Livro dos Médiuns", era posta à venda, na Espanha, notável síntese da doutrina kardequiana na célebre "Carta de un espiritista a don Francisco de Paula Canalejas", ilustre escritor espanhol, futuro membro da Academia de Letras. Alberico Peron (Enrique Pastor), conhecidíssimo nos círculos filosóficos e literários como ardoroso discípulo de Allan Kardec, foi o autor da citada Carta, que produziu grande sensação. Mas, mesmo que Alberico Peron houvesse escrito centenas de cartas semelhantes e as distribuísse a torto e a direito, talvez não conseguisse a retumbância que teve o "auto-de-fé" cujo centenário ora comemoramos.

            O famoso escritor e editor francês Maurice Lachâtre, a quem se deve a autoria da "História dos Papas" (10 volumes) e da "História da Inquisição", achava-se refugiado em Barcelona, "albergue de los extranjeros", condenado que fora a cinco anos de prisão pelo regime absolutista de Napoleão III, por ter editado o célebre "Dicionário Universal Ilustrado". Naquela cidade, onde permaneceria até 1870, ele fundou uma livraria. Profundo admirador de Allan Kardec, cujo nome e obra enalteceu no primeiro volume do seu "Novo Dicionário Universal" e a cujos ideais se unira, solicitara dele uma certa quantidade de obras espíritas, para expô-las à venda e propagar, assim, a nova Revelação. "A Doutrina. Espírita, tal como ressalta das obras de Allan Kardec - declarava Lachâtre -, encerra em si os elementos de uma transformação geral das ideias, e a transformação nas ideias conduz forçosamente àquela da sociedade. Assim considerando; ela merece a atenção de todos os homens progressistas. Já se estendendo a sua influência a todos os países civilizados, ela dá à personalidade do seu fundador uma importância considerável, e tudo faz prever que, num futuro talvez  próximo, ele será tido como um dos reformadores do século XIX."

            As obras remetidas a Lachâtre, em número de trezentas, foram expedidas em duas caixas, com todos os requisitos legais indispensáveis. Na Alfândega de Barcelona, cidade que Cervantes qualificou de "archivo de la cortesía", as caixas de livros foram inspecionadas, cobrando-se do destinatário os direitos alfandegários de praxe. A liberação estava prestes a ser dada, quando uma ordem superior a suspendeu, com a declaração de que se fazia necessário o consentimento expresso do bispo de Barcelona, Antonio Palau y Termens. Este se achava ausente da cidade. À sua volta, foi-lhe apresentado um exemplar de cada obra. Não precisou muito tempo para que ele concluísse pela perniciosidade de tais livros, logo ordenando que fossem lançados ao fogo, por serem "imorais e contrários à fé católica".

            Reclamou-se contra esta sentença, em frontal desacordo com as leis do país, as quais poderiam, no máximo, proibir a circulação daquelas obras, não havendo, porém, nenhum artigo que justificasse a sua destruição pelo fogo. Pediu-se ao Governo que, em vista de não se permitir a entrada desses livros na Espanha, pelo menos consentisse na sua reexpedição ao país de origem. Por absurdo, que pareça, isso foi recusado, apresentando o bispo - homem de ampla cultura, doutor em Teologia, catedrático do Seminário de Barcelona, cônego magistral de Tarragona, e autor de várias obras religiosas - esta alegação medieva: "A Igreja Católica é universal, e, sendo esses livros contrários à moral e à fé católica, o Governo não pode permitir que eles pervertam a moral e a religião dos outros países."

            Os livros foram confiscados pelo Santo Ofício, que tomou a si o poder absoluto de juiz e carrasco, sem sequer reembolsar o proprietário no que dizia respeito aos direitos aduaneiros.

            Allan Kardec - declarou Henri Sausse - teria podido levantar uma ação diplomática, obrigando o Governo espanhol a devolver as obras. Mas os Espíritos o dissuadiram disso, aconselhando que seria preferível, para a propaganda do Espiritismo, deixar essa ignomínia seguir o seu curso.

            9 de Outubro de 1861! À esplanada da Cidadela de Barcelona, de triste memória, verdadeira cópia da Bastilha de Paris, erguida no mais florescente bairro da cidade, o de La Ribera, já pela manhã o povo afluía para assistir ao auto-de-fé das publicações espíritas incriminadas pela Igreja. Essa odiosa Cidadela espanhola, de forma pentagonal, com cinco baluartes e rodeada de fossos sobre os quais se lançavam pontes levadiças, fora mandada construir pelo rei Filipe V, em 1716, no terreno ocupado por 1262 casas, casas cuja demolição ele ordenara, após a sua entrada triunfal na cidade semidestruída.

            Na imensa fortaleza, que pelos tempos afora sufocara nas prisões de sua famosa Torre de Santa Clara, ou suprimira pelo cutelo e pela forca, os gritos de liberdade de milhares de barcelonenses, ia ser coroada a obra nefasta de Filipe V.

            O efeito que tal acontecimento produzia nos assistentes era de estupefação em uns, de riso em outros e de indignação entre o maior número. Às palavras de aversão àquele ato arbitrário, partidas de mais de uma boca, misturavam-se as zombarias e os ditos chistosos e mordazes dos que apenas queriam divertir-se.

            De acordo com a descrição que Allan Kardec recebeu de Barcelona, a inquisitorial cerimônia se efetuou com toda a solenidade do ritual do Santo Ofício, às dez horas e meia da manhã, justamente no local onde eram condenados os criminosos à pena de morte.

            Trezentos volumes espíritas substituíam os "hereges" que a Igreja já agora não podia queimar vivos, "hereges" que, no passado, "perfumavam a atmosfera com os aromas dos ossos torrados". Empilhavam-se, silenciosas e impassíveis, as seguintes publicações francesas: "O Livro dos Espíritos", "O Livro dos Médiuns", "O que é o Espiritismo", todas de Allan Kardec; coleções da "Revue Spirite", dirigida e editada por Allan Kardec, e da "Revue Spiritualiste", redigida por Piérard; "Fragmento de sonata", ditado pelo Espírito de Mozart ao médium Sr. Brion Dorgeval; "Carta de um católico sobre o Espiritismo", pelo Dr. Grand, antigo vice-cônsul de França; "História de Joana d'Arc", ditada por ela mesma à Srta. Ermance Dufaux, de 14 anos de idade; e, por fim, "A realidade dos Espíritos demonstrada pela escrita direta", do Barão de Guldenstubbé.

            Presidiu àquele espetáculo de fanatismo um cura revestido dos trajes sacerdotais próprios para o ato, tendo numa das mãos uma cruz, e na outra uma tocha. Acompanhavam-no um notário, encarregado de redigir a ata do auto-de-fé; o ajudante do notário; um funcionário superior da administração aduaneira; três serventes (mozos) da Alfândega, incumbidos de atiçar o fogo; e um agente da Alfândega representando o proprietário das publicações que o bispo condenara ao batismo do fogo.

            A grande multidão, que atravancava os passeios e enchia a vasta esplanada onde se levantara a pira ardente, assistia, espantada, àquele ridículo processo que o século não mais comportava, e, quando o fogo acabara de consumir os trezentos volumes e o cura, com seus auxiliares, se ia retirando, essa mesma multidão cobriu-os com assuadas e imprecações, aos gritos de - "Abaixo a Inquisição!"

            Um certo Capitão Lagier, comandante do grande vapor "El Monarca", teve a oportunidade de presenciar aquele auto-de-fé, e conta ele que, ao ver muitas pessoas se acercarem da fogueira extinta e recolherem parte das cinzas e algumas folhas não inteiramente destruídas, com o objetivo de conservá-las como testemunho da violência clerical, não pode conter-se e exclamou em alta voz: "Eu vos trarei, na próxima viagem de Marselha, todos os livros que quiserdes." E dessa forma, através dos navios que frequentemente aportavam em Marselha, muitos exemplares das obras de Kardec entraram na Espanha, vendidos ou distribuídos gratuitamente pelos comandantes e subordinados.

            Kardec disse ter recebido um punhado daquelas cinzas históricas, nas quais ainda se via um fragmento de "O Livro dos Espíritos", havendo sido ainda presenteado com uma aquarela, feita in-loco por um distinto artista, representando a cena do auto-de-fé. As cinzas e os restos de folhas queimadas, ele as conservou numa urna de cristal, que foi destruída pelos nazistas na 2ª Grande Guerra.

            Com a gravidade, a clareza e a concisão que lhe eram peculiares, o insigne Codificador do Espiritismo escreveu na "Revue Spirite", de 1861, admirável artigo a propósito desse auto-de-fé, mui sensatamente ponderando:

            "Se examinarmos este processo sob o ponto de vista de suas consequências, desde logo vemos que todos são unânimes em dizer que nada podia ter sido mais útil para o Espiritismo. A perseguição foi sempre vantajosa à ideia que se quis proscrever; por esse meio exalta-se a importância da ideia, chama-se a atenção para ela, e faz-se que seja conhecida daqueles que a ignoravam. Graças a esse zelo imprudente, todos na Espanha ouvirão falar de Espiritismo e quererão saber o que ele é, e isto é o que desejamos.      
            "Podem queimar livros, mas não se queimam ideias; as chamas das fogueiras as superexcitam, em vez de extingui-las. Ademais, as ideias estão no ar, e não há Pireneus bastante elevados para detê-las; e quando é grande e generosa uma ideia, encontra milhares de corações dispostos a almejá-la. Façam o que quiserem, o Espiritismo já possui numerosas e profundas raízes na Espanha; as cinzas dessa fogueira as multiplicarão. Não é só na Espanha, porém, que se obterá esse resultado: os efeitos da repercussão do fato o mundo inteiro os sentirá."

            Concluindo, o mestre lionês proclamou:

            "Espíritas de todos os países! não olvideis esta data de 9 de Outubro de 1861. Ela ficará memorável nos fastos do Espiritismo, e que seja para vós um dia de festa, não de luto, porque constitui o penhor do vosso próximo triunfo!"

            Na França, o auto-de-fé das obras espíritas pareceu aos olhos de muitos tão inconcebível naquela época, que certos jornais, às primeiras notícias vindas da Espanha, chegaram, a princípio, a pô-lo em dúvida. Outros, entretanto, como o "Siécle" de 14 de Outubro, levaram o caso, sério e lamentável sob qualquer aspecto, para o gracejo e a comicidade, havendo ainda os que dele se desinteressaram inteiramente, ou que apenas se limitaram a registar o fato.

            Na Espanha, contudo, a imprensa em geral profligou aquele bárbaro ato de cego fanatismo religioso, e apenas um que outro periódico o aplaudiu, como o "Diario de Barcelona". 'Esta folha ultramontana, a primeira que noticiou a celebração do auto-de-fé, enodoou as suas colunas, ao dizer: "Os títulos dos livros queimados bastam para justificar a sua condenação; está no direito e no dever da Igreja fazer respeitar a sua autoridade, tanto mais quanto maior for a liberdade de imprensa, principalmente nos países que gozam da terrível praga da liberdade de cultos."

            "La Corona", periódico também barcelonense, dissentindo do "Diario de Barcelona", sai a campo em defesa do livre pensamento e fornece ao público extenso relato dos sucessos, afirmando que os partidários do Governo estavam mais desgostosos com o auto-de-fé do que aqueles que lhe faziam oposição.

            Os dois trechos a seguir, extraídos do mencionado jornal, interpretam o desagrado da maioria do povo barcelonês, ante aquela reminiscência dos "quemaderos" da Santa Inquisição:

            "Os sinceros amigos da paz, do princípio de autoridade e da Religião se afligem com essas demonstrações reacionárias, porque eles compreendem que às reações sucedem as revoluções, e sabem ainda que "quem semeia ventos só pode colher tempestades". Os liberais sinceros se indignam de semelhantes espetáculos dados por homens que não compreendem a Religião sem a intolerância, e a querem impor como Maomet impunha o seu Alcorão.
            "Guardamo-nos de emitir opinião sobre o valor das obras queimadas. O que vemos é o fato, suas tendências e o espírito que revela. Daqui em diante, em que diocese se absterão de usar, se não de abusar, de um poder que, ao nosso juízo, nem mesmo o Governo o tem, se, em Barcelona, na liberal Barcelona, assim procederam?
            "O absolutismo é bem sagaz: ele tenta dar um golpe de força em alguma parte, se é bem sucedido, atreve-se a mais. Esperamos, todavia, que os esforços do absolutismo serão inúteis, que quantas concessões se lhe façam não terão outro resultado que o de desmascarar o partido que, renovando cenas quais a de quinta-feira última, mais rápido se precipitará no abismo para onde corre cegamente.
            É o que depreendemos do efeito que esse auto-de-fé produziu em Barcelona."

            Um dos grandes jornais de Madrid, em seu número de 19 de Outubro de 1861, expressava-se dessa maneira, em longo artigo:

            "O auto-de-fé celebrado há alguns meses na cidade de La Coruña, onde foi queimada grande quantidade de livros à porta de uma igreja, havia causado em nosso espírito, e no de todos os homens de ideias liberais, tristíssima impressão. Mas é com indignação bem maior que foi recebida em toda a Espanha a notícia do segundo auto-de-fé, solenizado em Barcelona, nessa capital civilizada da Catalunha, no seio de um povo essencialmente liberal, a quem se fez tão bárbaro insulto, certamente porque nele reconheceram grandes qualidades."

            Não só entre as criaturas encarnadas o auto-de-fé alcançou repercussão. Da Espiritualidade igualmente vieram vários comentários sobre o acontecimento, dados espontaneamente na "Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas", a que Allan Kardec
presidia.

            Um deles, assinado por um certo Dollet, que disse ter sido livreiro, afirmava em certo ponto:

            "Quanto mais perseguições sofrer o Espiritismo, mais velozmente esta sublime doutrina chegará ao seu apogeu", terminando com estas palavras: "Tranquilizai-vos; as fogueiras se extinguirão por si mesmas, e, se os livros são lançados ao fogo, o pensamento imortal lhes sobrevive."

            Outro Espírito, que se manifestou com o nome de S. Domingos, provavelmente o fundador da Ordem dos Dominicanos, explicava a importância daquela ocorrência para a propaganda do Espiritismo:

            "Era preciso alguma coisa que sacudisse certos Espíritos encarnados, a fim de que eles se decidissem a ocupar-se dessa grande doutrina que há de regenerar o mundo."

            De ambos os lados da vida as inteligências mais perspicazes prenunciavam, como consequência do auto-de-fé, um impulso inesperado das ideias espíritas na Espanha e mesmo no mundo todo. Isto realmente sucedeu. A atenção de muita gente, que nunca ouvira falar de Espiritismo, convergiu para o "fruto proibido", sobretudo pela importância mesma que a Igreja lhe dispensava. "Que podiam, pois, conter esses livros, dignos das solenidades da fogueira?" E a curiosidade abriu, assim, para inúmeras mentes, um novo mundo até então delas desconhecido.

            Como bem destacava Allan Kardec, ao se referir a essas perseguições, "sem os ataques, sérios ou ridículos, de que é alvo o Espiritismo, contaria este com um número dez vezes menor de adeptos". A Espanha não desmentiu essa observação do Codificador, e mais de um adversário reconheceu isso, deplorando o ato em que a Religião Católica nada teve a ganhar.

            Precisamente nove meses após o auto-de-fé de Barcelona, que fora seguido por um outro, na cidade de Alicante, desencarnou, a 9 de Julho de 1862, o Dr. Antonio Palau y Termens, o bispo que tentara consumir pelo fogo o ideal espiritista.

            Esse príncipe da Igreja dias depois se manifestava inesperada e espontaneamente a um dos médiuns da "Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas", respondendo com antecedência a todas as perguntas que desejavam fazer-lhe, e antes que fossem enunciadas.

            Entre outras, a comunicação contém esta bela passagem:

            "Auxiliado pelo vosso chefe espiritual, pude vir instruir-vos com o meu exemplo e dizer-vos: Não repilais nenhuma das ideias anunciadas, porque um dia, um dia que durará e pesará como um século, essas ideias entesouradas clamarão como a voz do anjo: Caim, que fizeste do teu irmão? que fizeste do nosso poder, que devia consolar e elevar a Humanidade? O homem que voluntariamente vive cego e surdo de espírito, como outros o são do corpo, sofrerá, expiará e renascerá para 1'ecomeçar o labor intelectual que sua indolência e seu orgulho o fizeram esquecer. E essa voz terrível me disse: Queimaste as ideias, e as ideias te queimarão.

................................................

            "Orai por mim; orai, porque é agradável a Deus a oração que a Ele dirige o perseguido a bem do perseguidor.

            "O que foi bispo e que agora mais não é do que um penitente."

            Allan Kardec remeteu a mensagem completa a José Maria Fernández Colavida - a quem se deve a primeira tradução para o castelhano das obras fundamentais do Codificador e o estabelecimento da primeira Livraria espírita de Barcelona -, avisando-o de que o Espírito do bispo, Dr. Palau, estaria presente quando ela fosse lida no Centro, o que de fato sucedeu, segundo a declaração dos médiuns videntes, mui especialmente a de um jovenzinho, que tinha excelente clarividência.

            O bispo manifestou-se ali a, depois de incentivar a todos, profetizou que na Cidadela cedo se cultivariam jardins, os quais de certo modo apagariam as tristes recordações do lugar onde tantos crimes se perpetraram.

            Anos mais tarde, em 1869, atendendo a instâncias do povo de Barcelona, o Governo decretava a demolição da velha fortaleza, em cujos terrenos foram construídos os belos jardins do Parque da Cidadela, ou Parque Municipal, que chegou a ocupar uma área de 307667 m2. Sobre ele escreveu um cronista do século XIX:

            "Cruzado por frondosos paseos, anchurosas glorietas, bosques de encantadora perspectiva, fuentes, lagos, cascadas, grutas, etc., es un maravilloso sitio de recreo, donde la magnolia y el álamo, el tilo, y el geranio y el pino y el naranjo y mil variedades de flores y arbustos y gigantes árboles crecen y se desarrollan maravillosamente y con increíble profusión. En este Parque, donde todo es espléndido, donde todo es grandioso..."     

            Cumprira-se a profecia do Espírito do bispo! Do antigo conjunto de edifícios bélicos surgira belíssimo Parque, muito frequentado pelas crianças e pelos velhos, e que foi, em 1888, pacífico recinto para célebre Exposição Universal.

            Embora a Espanha continuasse oprimida pela mão forte do romanismo, que, inimigo declarado da liberdade e do progresso, não se cansava de granjear a animadversão pública para os espíritas, assoalhando pela imprensa, pregando de seus púlpitos que o Espiritismo não passava de uma doutrina malsã, inspirada pelo diabo, apesar de tudo isso, cresceu ali o número de adeptos, de todas as classes sociais, ampliando-se, de maneira bastante significativa, a propaganda, tanto que a Espanha chegou a ser, ainda no século XIX, a nação europeia com maior abundância de periódicos espíritas e com a mais vasta bagagem de obras publicadas.

            Aos infatigáveis e gloriosos pioneiros como Fernández Colavida, Manuel González Soriano, Manuel Sanz y Benito; Joaquín Bassols y Marañon, César Bassols, José Amigó y Pellicer, Joaquín Huelbes Temprado, Fernando Primo de Rivera, Salvador Sellés Gosálvez, Antonio Torres-Solanot y Casas, Manuel Ansó y Monzó, Amalia Domingo y Soler, Francisco Loperena, Miguel Vives e tantos e tantos outros venerandos discípulos de Kardec, se juntaram com o correr dos tempos os nomes não menos gloriosos de Antonio Hurtado y Valhondo, José de Navarrete y Vela-Hidalgo, Dámaso Calvet de Budallés, Facundo Usich, Quintin López Gómez, Juan Torras Serra, Jacinto Esteva Marata, Jacinto Esteva Grau, López Sanromán, José Maria Seseras y de Battle e muitos mais, que com desassombro lutaram e sofreram para manter vivos os sublimes ideais da Terceira Revelação.

            Em 1888, quis o Destino que justamente a Barcelona, "cabeça e coração da Catalunha", onde se consumara o primeiro auto-de-fé contra obras espíritas, coubesse a honra de celebrar o "Primeiro Congresso Espírita Internacional", cuja alma principal foi o Visconde de Torres-Solanot, a figura apostolar do Espiritismo na Espanha.

            Por ocasião do quarto centenário do descobrimento da América, em 1892, realizou-se, agora em Madrid, o 3º Congresso Espírita Internacional, que, por ter sido organizado um tanto tardiamente, não pode apresentar o brilho dos anteriores.

            Em Setembro de 1932, a "Federación Espírita Española" dirigiu ao povo barcelonês longa mensagem de esclarecimento e, ao referir-se ao auto-de-fé de 1861, salientou:

            "A Federação Espírita Espanhola diz hoje ao público de Barcelona, e ao de todo o mundo, que aquela fogueira histórica, em vez de prejudicar o Espiritismo, lhe fez um bem, qual o de lhe impulsionar, como que por um passe de mágica, o desenvolvimento, fato que podemos demonstrar, dando a conhecer que, se então apenas existiam nesta cidade dois ou três pequenos grupos espíritas, atualmente, em Barcelona e na província de que é ela a capital, se contam mais de vinte sociedades, devida e legalmente constituídas, e cerca de uma centena no resto do país."

            A prova maior do progresso do Espiritismo na Espanha foi dada em 1934. Nesse ano, celebrou-se em Barcelona, no grandioso salão do "Palacio de Proyecciones", o 14º  Congresso Espírita Internacional, o segundo verificado naquela cidade.

            Grande repercussão junto aos meios católicos teve esse conclave, do qual participaram representantes espíritas de todas as partes do Mundo, inclusive representações do Governo da Catalunha e da Municipalidade de Barcelona.

            Amadeo Colldeforns, deputado do Parlamento catalão, falando em nome do presidente da Generalidade de Catalunha, enalteceu o belo movimento de amor e fraternidade dos espiritistas, declarando, ainda, que à Humanidade se oferecia, através daqueles estudos, a demonstração clara e convincente da sobrevivência humana. Suas palavras finais, dirigidas a todos os congressistas, foram estas:

            "Deus permita que possais conseguir grandes vitórias dentro desse campo de estudo e experimentação vastíssimo, e que estes triunfos vos facilitem o trabalho de emancipação espiritual da Humanidade. Eu vos auguro estes triunfos, porque caminhais acompanhados da ciência que vos faculta o controle e a demonstração desses fenômenos espíritas, demonstração científica essa com que podereis alcançar a vitória completa dos vossos ideais e das vossas humanitárias aspirações, contra a indiferença dos homens."

            Triunfos foram realmente conseguidos em várias nações, especialmente no Brasil, onde o Espiritismo tomou um alento deveras surpreendente. Na Espanha, porém, aglutinaram-se as forças das Trevas para uma investida destruidora contra os alevantados ideais de paz e fraternidade, de liberdade e igualdade, pregados e exemplificados pelos espiritistas.

            Aquela parte da península ibérica pouco depois do referido Congresso entrava num terrível período de lutas intestinas. Duas facções contrárias, respectivamente constituídas pela Frente Popular, de fundo socialista-comunista, e pela Falange Espanhola, de fundo fascista, dividiam a nação em 1936. Entrechocavam-se as forças da direita com as da esquerda. Irrompia uma nova "época do terror". Excessos de toda a sorte eram cometidos, tendo sido incendiadas e saqueadas dezenas de igrejas e centros religiosos, com o cruel assassínio de milhares de sacerdotes.

            A guerra civil progride com inominável violência. Põe-se à frente da Falange Espanhola o "caudillo" Francisco Franco, com o apoio de todo o clero católico.

            Barcelona, "patria de los valientes", é duramente bombardeada, sendo afinal invadida pelas tropas falangistas. A sangrenta luta fratricida, que em várias ocasiões assume aspectos verdadeiramente trágicos, vai dando vitórias ao Generalíssimo Franco, que, em discurso pronunciado em 1938, já evidenciava claramente o caminho que o seu governo iria tomar: "É preciso reafirmar o fundo sentido e a fé religiosa que acompanhou, desde as suas origens, o povo espanhol e que, capítulo por capítulo, ficou impressa em sua História. Com rapidez e energia se fará, pois, a revisão de toda a legislação laica que pretendia inutilmente apagar de nossa Pátria o seu profundo e robusto sentido católico e espiritual."

            Passo a passo, ainda durante a guerra, à Igreja Católica de Espanha foram sendo concedidos inúmeros dispositivos de franca regalia. Privilégios, vantagens, poder e imunidades vieram entronizar o clero, resultando no cerceamento total aos direitos das demais religiões.

            Terminada, em 1939, a dolorosa guerra civil, o Generalíssimo Franco se torna o senhor absoluto e vitalício da Espanha, chefe único da Falange, enaltecido e abençoado pelos Papas Pio XI e Pio XII.

            Apoiada a César, a Igreja Católica passa a ser a senhora absoluta da veneranda Pátria de Fernández Colavida (o Kardec espanhol), com a abolição da liberdade de crença e de outras liberdades tão caras ao homem livre. Aos espíritos divergentes, ela exigia a adesão, ou o silêncio.

            Em 27 de Agosto de 1953, mediante a Concordata assinada entre a Santa Sé e o Governo, ficou reafirmado que a Religião Católica, Apostólica, Romana, continuaria a ser a única da nação espanhola, reconhecendo-lhe o Estado o caráter de sociedade perfeita e a personalidade jurídica internacional da Santa Sé e do Estado da Cidade do Vaticano.

            Esta Concordata, que, como todas as demais, é "um pacto leonino em que a Igreja empresta ao despotismo o seu prestígio, e o despotismo vende à Igreja a soberania civil", acabou, afinal, através de uma série de artigos monopolizadores da liberdade de consciência, por entregar a Espanha às mãos do clericalismo. Hoje, é ela, em verdade, um vasto convento...

            Há mais de vinte anos que o Espiritismo ali se acha sacrificado às forças intolerantes e opressoras, impedido de vir à luz, eclipsado nas sombras do ultramontanismo. Sendo, porém, "um livro imenso aberto nas alturas", conforme a feliz expressão do grande poeta alicantino, Salvador Sellés, o Espiritismo só aparentemente se detém ante o obscurantismo dos homens. Temos fé que chegará, mais cedo do que se espera, a sua hora de libertação,
pois, como disse com sabedoria o nosso grande Rui Barbosa, "de todas as liberdades sociais, nenhuma é tão congenial ao homem, e tão nobre, e tão frutificativa, e tão Civilizadora, e tão pacífica, e tão filha do Evangelho, como a liberdade religiosa".

            O Espiritismo, na Espanha bela e nobre, está curtindo os amargos transes de um prolongado auto-de-fé. Quando nos horizontes ibéricos raiar a aurora da liberdade, qual fênix renascida dentre as cinzas o Espiritismo ressuscitará na valorosa Pátria de Cervantes, para novos voos de gloriosa jornada emancipadora do espírito humano.

            Do Blog: Francisco Franco desencarnou em 20 de Setembro de 1975. O processo de democratização começou em 1966. Juan Carlos, ainda príncipe, foi apresentado como sucessor de Franco em 1969. Juan Carlos é neto de Afonso XIII.

            Da Wikipédia anotamos:  A maior parte da população da Espanha (76.0%) se declara católica, embora a porcentagem de praticantes é muito inferior. Os 20.3% da população não se reconhece em nenhuma religião (definindo-se como ateus ou não crentes). Existem também minorias muçulmanas, protestantes e ortodoxas, cujo número foi-se incrementado recentemente devido à imigração (que somam em torno de 2,1% da população), assim como outros grupos, como judeus, budistas, baha'is ou mórmons, entre outros. Entretanto, a população espanhola é atualmente pouco praticante em seu conjunto: segundo uma pesquisa realizada pelo CIS em julho do ano 2009, 58,2% dos auto definidos como crentes de alguma religião dizem não ir a missa ou a outros ofícios religiosos nunca ou quase nunca e os 17,0% dizem ir várias vezes ao ano, enquanto 13,3% dizem acudir a ofícios religiosos quase todos os domingos e dias festivos, com uns 2,0% indo várias vezes por semana.

            Ainda da Wikipedia: O Artigo 16 da Constituição espanhola, diz que: Garante a liberdade ideológica, religiosa e de culto dos indivíduos e as comunidades sem mais limitações, em suas manifestações, que a necessária para a manutenção da ordem pública protegida pela lei.
            Ninguém poderá ser obrigado a declarar sobre sua ideologia, religião, crenças ou tráfico.
            Nenhuma confissão terá caráter estatal. Os poderes públicos terão em conta as crenças religiosas da sociedade espanhola e manterão as conseguintes relações de cooperação com a Igreja Católica e as demais confissões.
            Esse artigo da constituição espanhola foi fruto de um consenso para solucionar a questão religiosa na política, abandonando a forma da confessionalidade do Estado, tradicional na história espanhola.”






Os Autos-de-fé cotidianos

Leopoldo Cirne
por W Vieira
Reformador (FEB) Outubro 1961


            Moisés foi o portador da Primeira Revelação; Jesus nos trouxe a Segunda; Allan Kardec codificou o Espiritismo - a Terceira Revelação -, que divulga os elevados propósitos dos Pioneiros da Luz, e que se impessoalizou para ultrapassar o âmbito individual em direção à Humanidade Maior.

            Na manhã de 9 de Outubro de 1861, aqueles que crucificaram o Senhor - os fariseus de todos os tempos -, não podendo então sacrificar alguém para sufocar a nova ordem de ideias, afoitaram-se em carbonizar-lhe os repositórios em forma de livros. Assim, o Auto-de-fé em Barcelona surge às nossas considerações como sendo a primeira crucificação do Consolador, no ataque inquisitorial contra as obras dos precursores.

            Queimaram-se apenas alguns corpos da ideia para que as almas da ideia se libertassem... As chamas que consumiram os livros, avivadas pelas mãos do carrasco, na praça pública, saltaram de alma em alma, a crepitar por centelhas de ideal renovador, ateando o fogo da verdade, de consciência a consciência, e a luz dessa fogueira resplende sempre mais, vitoriosa e irradiante, atraindo e cingindo legiões de criaturas.

            Da esplanada em que se flagelavam os criminosos, os trezentos volumes incinerados, quais flamas redivivas, se multiplicaram aos milhões nos idiomas do mundo inteiro.

            A Causa Espírita é imperecível: ninguém pode abafar a fé raciocinada. O seu ensinamento instrui pelos fatos da Vida Imortal. O Espírito sopra onde quer. Asfixiada a voz da realidade, hoje e aqui, amanhã e em toda a parte alçar-se-á mais potente por milhares de outras bocas.

            Mas, em pleno Centenário do Auto-de-fé, é natural relembremos também os pequeninos autos-de-fé cotidianos que forjamos por nossa imprevidência, queimando, através de ações a desmentirem convicções, os ensinos da Doutrina Libertadora que nos fortalecem as almas.

            O Espiritismo é o Fanal da Imortalidade que recebemos de nossos antecessores do Espaço ou do Plano Físico, mensagem de consolação que nos cabe levar adiante, de ânimo inarrefecível, clareando o caminho. Empunhemos o facho sublime de esperança no rumo da Nova Terra - a Terra da Regeneração!

            Sigamos esses mesmos livros que foram calcinados há um século é que, não raro, repontam moralmente destruídos por nossa conduta inadvertida e contrária aos ditames amorosos do Cristo.

            Recomendou o Mestre: "Brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vos vejam as boas obras e glorifiquem o Pai que está no Céu."

            Recorda que serás sempre, onde estiveres, a lição ambulante do Espiritismo. És a síntese viva da Codificação! Se o templo espírita consola, o teu coração testemunha! Se a tribuna espírita esclarece, a tua palavra conduz! Se o livro espírita ilumina, o teu exemplo é a força que arrasta!





Um auto-de-fé
Amalia Domingo Soler
Reformador (FEB) Outubro 1961

Quemaron los libros? - Sí;
los dejaron hechos trizas.
- No importa, de sus cenizas
cuántas llamas brotar ví!

Puede quemarse el papel,
más lo que en él había escrito
grabado en el infinito
dejó del tiempo el cinzel.

Los libros los destruyeron,
pero su esencia quedó;
Ia, materia se quemó,
pero Ias ideas vivieron.

Pueden de un modo cruento
destruirse cuerpos y cosas;
pero quedan vigorosas
Ias alas del pensamiento.

No alcanza un auto de fe
a destruir lo inmaterial;
hay un algo potencial
que se siente y no se vé.

De Ia grandiosa enseñanza
de Kardec nada hay perdido;
que el fuego no ha destruído
ni el amor, ni Ia esperanza.

No importa, pues, que hecho trizas
los volúmenes quedaran;
y a gran altura volaran
sus impalpables cenizas.

Lo que no puede morir
resiste el poder del fuego;
y está loco y está ciego
quien 10 quiera destruir.

Kardec, tus libros sagrados
a polvo los redujeron;
pero sus cenizas fueron
el pan de los desgraciados.

Muchos que querían morir
los hiciste progresar;
y llegaron a esperar
en Dios y en el porvenir .

. Gloria, Kardec! Gloria a ti...
tú calmaste mís congojas;
de tus libros en Ias hojas
mundos de luz brotar ví!

(Extraído da revista barcelonesa “La Luz del Porvenir")




Kardec
e o auto-de-fé em Barcelona
Vianna de Carvalho
por Divaldo Franco
Reformador (FEB) Novembro 1961

            A manhã de nove de Outubro surgiu perfumada e radiosa.

            Na esplanada de Barcelona, 300 exemplares de livros e opúsculos devem morrer.

            A Idade Média ainda se demora na dourada terra de Espanha. O Santo Ofício trucida e envenenado pela intolerância, sentindo o soçobro que se aproxima, destila ódio e violência, tentando manter a soberania.

            A autoridade eclesiástica lê o libelo burlesco.

            Archote fumegante aparece e, em breve, ousadas línguas de fogo transformam-se em labaredas, devorando as páginas grandiosas dos livros libertadores.

            Temperamentos audazes atiram-se sobre as chamas que diminuem de intensidade, e arrancam páginas chamuscadas que se transformarão em documentos preciosos do crime. Emocionado pintor, desejando eternizar o ato de barbaria sob a inspiração do momento, regista em cores e traços vigorosos o atentado à liberdade de consciência.

            As cinzas e a tela são endereçadas ao Codificador.

            Em Paris, Kardec dobra-se sob o peso da própria dor.

            O gigante lionês tem a alma ferida. O vigoroso coração, parecido a corcel fogoso, agora exaurido, trabalha dominado pelo gigantismo do sofrimento.

            Mentalmente, recorda a figura martirizada de João Huss, o Apóstolo queimado vivo no século XV por sentença do concílio de Constança, apesar do salvo-conduto que o imperador Sigismundo lhe havia dado...

            A impiedade e o despotismo da fé em decadência queimá-la-iam agora, Se o pudessem. E nessa impossibilidade tentam destruir lhe a obra, já que nada podem contra as ideias.

            Todavia, recolhido à oração salutar, parece lhe escutar as Vozes dos Céus - aquelas mesmas que o conduziram na compilação dos primeiros trabalhos - que lhe dirigem expressões de alento e vigor.

            “Ninguém poderá destruir o edifício da Fé imortalista - tem a impressão de ouvir na intimidade da mente.
            "Os imortais estão de pé no campo de batalha.
            “A Doutrina Espírita é Jesus Cristo de retorno aos corações, acolitado pelas legiões dos Espíritos Eleitos, abrindo as portas para o acesso à verdadeira vida.
            “É mister que o trabalhador experimente o suplício e tenha os braços atados à cruz dos testemunhos necessários, para que Ele triunfe.
            "Jesus não se fizera respeitar pelos contemporâneos, e através dos tempos, pelo que ensinou, mas pelo legado da renúncia e do sacrifício.
            “Assim também, a Doutrina Espírita, reivindicando as luzes da Imortalidade do Senhor e da renovação dos conceitos evangélicos na Terra, deveria experimentar o guante das mesmas dilacerações... "

            Era indispensável sofrer de pé, confiando, imperturbável...

            Allan Kardec, vitalizado pelo fluxo da misericórdia divina e encorajado pelo tônus celeste, levanta-se, outra vez, fita os cimos dourados que a vida lhe reserva, renova as disposições do espírito e, jubiloso, continua a luta.

            A Doutrina Espírita se lhe afigura, então, um anjo de luz dilatando as asas sobre a Terra inteira e vestindo-a de claridade...

*

            Mestre! Cem anos depois de Barcelona, o Brasil, que te guarda a mais profunda gratidão, ergue-se em louvor, através das mil vozes dos beneficiários do teu carinho, para te agradecer os sacrifícios.

            Contempla, dos Altos Cimos, a colossal legião de servidores do Cristo, seguindo as tuas pegadas e espargindo o aroma da tua mensagem, em toda a parte,

            Barcelona vive em nossos corações reconhecidos.

            As obras incineradas se multiplicaram e levam a mensagem vibrante dos Espíritos da Luz à Humanidade toda.

            Ninguém pode paralisar tuas mãos no sacerdócio da escrita nem força alguma silenciou os teus lábios no ministério da pregação...

            Quando a corpo se negou a prosseguir contigo, extenuado pelo trabalho infatigável, já o mundo compreendia a Mensagem de Jesus com que enriqueceste a Terra.

            E hoje, quando ameaças se levantam em toda a parte, dirigidas à paz das criaturas, em forma de intranquilidade e pavor, a Doutrina que nos legaste, como bandeira de vida, é o penso consolador nas mãos de Jesus-Cristo, medicando as feridas de todos os corações.

            Glória a ti, desbravador do Continente da Alma!

            A Humanidade espiritista, renovada e feliz, edificada no teu trabalho eficiente, rende-te o culto da gratidão e do respeito.

            Salve, Allan Kardec, no dia Nove de Outubro, cem anos depois de Barcelona!


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